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Da obrigação da plena fundamentação de todas as decisões judiciais no novo CPC

Agenda 14/07/2015 às 14:28

Faz-se análise de debate ocorrido no TRT de São Paulo em razão do que dispõe o artigo 489 do novo CPC. O que muda com relação ao dever de fundamentação das decisões judiciais?

Primeiramente, relatemos recente acontecimento. No dia 22 de maio, num debate sobre o artigo 489 do Novo Código de Processo Civil, debate este que ocorreu no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entre o Jurista e Advogado Lenio Luiz Streck e o Juiz Xerxes Gusmão, cada um defendendo uma posição antagônica, isto é, o Advogado defendendo a lei e o juiz a atacando [numa inversão de valores muito comum em nossa República], o jurista Streck, ao pedir a palavra, foi vaiado pelos ouvintes do debate.

Antes de continuarmos a falar sobre o texto da lei, ressaltamos que foi exatamente isso que aconteceu. Numa plateia composta quase que exclusivamente por Magistrados, num Tribunal, no Estado mais rico e desenvolvido da Federação, na Cidade mais rica da América Latina, os ouvintes de um evento jurídico, comportando-se quase que como uma torcida organizada, julgaram-se no direito de vaiar um debatedor impedindo-o de falar.

Isso diz muito sobre o país em que vivemos. Em primeiro lugar, falta-nos educação. Vamos lembrar, estamos falando da elite da elite, ou seja, da pequena minoria que pode fazer uma faculdade. Os Magistrados, em tese, constituem um pequeníssima amostra dessa minoria, que pode se dedicar a anos de concursos públicos sem precisar [sei que não são todos] trabalhar para se sustentar até a aprovação etc. Este seletíssimo grupo, incumbido de proteger a Lei e a Constituição, ou seja, que, em última análise, tem a função da promoção de pacificação social, comportou-se como um bando de adolescentes mimados que, quando contrariados, começam a gritar e espernear. Quando digo educação, não estou falando da educação formal, estou falando mesmo é dos valores que recebemos em casa.

Mas falta educação formal também, não nos iludamos. É cada vez mais comum [e não é de agora], no Brasil, debates intelectuais descambarem para a ofensa pessoal. Isso nada mais é do que falta de capacidade argumentativa. Conhecem aquele ditado de que quem não tem razão, ou melhor, quem não tem capacidade de expor suas ideias, grita. É exatamente isso. Na falta de conseguir colocar seus pontos de vista sob um aspecto lógico-jurídico que desse base aos seus argumentos, pelo que se lê da notícia, o debate caiu para o campo da covarde ofensa em grupo feita através da vaia. Sinceramente, se eu fosse o advogado em questão, teria me retirado imediatamente do evento. Como disse, é totalmente inaceitável que algo assim ocorra.

Talvez um pouco mais de instrução intelectual [quantas das pessoas ali presentes falam um segundo idioma? Não, não estamos falando de prova de proficiência para Mestrado, estamos falando, sim, de saber se comunicar plenamente numa outra língua estrangeira.]; o brasileiro, e isso se reflete desde as pessoas menos qualificadas até, como comprova o lamentável evento, os nossos Magistrados, lê pouco e, além de ler pouco, lê mal; não tem interesse real em aprender um segundo idioma. Temos um índice baixíssimo de produção científica, dentre outros fatores que servem para nos mostrar que vivemos num país intelectualmente pobre.

E, aí, temos que considerar que nosso intento com esse texto não é o de deprimir ninguém, mas, sim, o de que já passou da hora de fazermos uma autocrítica. Se temos uma má-formação intelectual podemos corrigi-la. Sabem como: Começa com “l” e termina com “s”. Livros, como dizia Monteiro Lobato: “um país se faz com homens e livros”. Se não sabemos falar outro idioma podemos aprender outro idioma. A única coisa que não podemos é nos conformar com nossa ignorância e, como todo bom ignorante, ter a presunção de que tudo conhece e nada precisa aprender. Isso não, se pretendermos um dia virar um país decente para a geração dos nossos netos, temos que começar as mudanças a partir de agora. Dizem que uma das maiores formas de estupidez é fazermos sempre as mesmas coisas e esperarmos resultados diversos.

Feito este longo intróito, passemos à questão da norma propriamente dita:

Diz o artigo 489 do Novo Código de Processo Civil [Lei 13.105/2.015] que:

“Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.”

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Em palavras simples, o Código obriga o Magistrado a julgar detalhadamente o processo sem se valer de modelos de sentença [o que ocorre cada vez mais em nossos foros] ou fundamentações vagas de que o direito não se aplica ao caso postulado pelo autor. Vejamos o que Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery escreveram sobre o tema: “Fundamento genérico. O texto coíbe a utilização, pelo juiz, de fundamento que caberia para embasar qualquer decisão. Tem ocorrido amiúde no foro brasileiro o emprego desse expediente, agora proibido por lei, expressamente. A alegação genérica de que, por exemplo, ‘houve cerceamento de defesa’, deve ser especificada com a menção do porquê, naquele caso teria sido cerceada a defesa da parte. A negativa de seguimento do RE e do REsp pela ‘ausência de prequestionamento’ terá que vir acompanhada dos motivos pelos quais, concretamente, se entendeu que a matéria impugnada pelos recursos excepcionais não constaria do teor da decisão recorrida. O modelo pronto, ‘chapinha’, nunca foi e agora, mais clara e expressamente, não será tolerado como decisão fundamentada. A decisão que padecer desse vício é nula por falta de fundamento.”

Para sermos totalmente francos, a lei nada fala de novo, visto que essa obrigação já era imposta pelo artigo 93 da Constituição da República de 1988, o que nos faz ter a concreta preocupação de que o Código de Processo Civil, neste aspecto, não será cumprido, assim como não o é a nossa Magna Carta.

Exercícios de futurologia à parte, faremos questão de demonstrar, nesse texto, porque o magistrado Xerxes Gusmão está equivocado em sua posição contra a norma recém criada. Vejamos:

No debate, o magistrado teria dito que os processos, se a norma precisar ser seguida, ficarão mais tempo ainda paralisados e que não é adequado a lei dizer ao juiz o que ele deve fazer, visto que, ainda que não tenha sido eleito, ele [o magistrado] passou em concurso público.

Separemos os temas: o processo não será paralisado, porque o Juiz tem que seguir a lei. Sinceramente, essa falácia não nos convence. Todavia, concordamos que o trabalho do magistrado ficará mais complexo. Há uma solução simples para esse problema. Que tal os Magistrados fazerem como o fazem os demais trabalhadores e entrarem nos seus gabinetes às 9hs da manhã e saírem às 18hs. Há muito que não atuamos na área trabalhista, mas na Justiça Estadual de São Paulo é quase impossível encontrar um juiz, em qualquer Fórum do Estado, antes das 13hs.

É claro que eles argumentam que trabalham em casa. Como dizia o slogan de um programa da TV Manchete, nos anos de 1980: “Acredite quem quiser”. Pouquíssimas pessoas têm disciplina para trabalhar em casa sem se distrair com cachorros, filhos, contas a pagar, internet, facebook e outros. Nada melhor que um escritório/gabinete para que qualquer profissional possa realizar uma produção intelectual [e neste ponto acho que, se os Magistrados resolvessem aumentar sua jornada laborativa, não seria inadequado que estes afixassem nos Fóruns os horários nos quais estariam disponíveis para despachar com advogados].

O segundo ponto abordado pelo magistrado Xerxes: exatamente por ter passado num concurso público, o juiz deve fundamentar a decisão. O juiz, nada mais é do que um servidor público ou, em palavras chulas, um “empregado do sociedade” [ainda que altamente qualificado]. O juiz não presta um serviço voluntário à sociedade quando exerce um Poder que lhe fora delegado, ao contrário, ele é muito bem remunerado para tanto [com algumas verbas que, diga-se de passagem, apesar de legais, são de moralidade bastante questionável como, por exemplo,  auxílio moradia]. Da mesma forma que um síndico de um prédio tem que explicar ao condomínio, que o isenta da cota mensal, as decisões que toma; o magistrado tem o dever de explicar para a sociedade porque nega ou concede um dano moral, porque julga legal ou ilegal a assinatura telefônica, ou porque a tabela price é aplicável ou não aos contratos bancários.

Essa obrigação, aliás, ao nosso ver, é implícita ao cargo de Magistrado e, ainda que o Novo Código de Processo Civil e a Constituição nada dissessem, entendemos que essa seria [é] uma obrigação natural do Estado-Juiz.


Fontes:

1) http://www.conjur.com.br/2015-mai-26/fundamentacao-decisoes-gera-confronto-entre-advogado-juiz

2) Comentários ao Código de Processo Civil – Novo CPC – Lei 13.105/2015, 1ª Edição, Editora Revista dos Tribunais

Sobre o autor
Paulo Antonio Papini

Mestre e Doutorando, em Direito Processual Civil, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado, em Direito Processual Civil, pela Escola Paulista de Direito. Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, com mais de 20 anos de atividade jurídica. Autor de livros/apostilas jurídicas, especialista em Direito Bancário [especificamente defesa de mutuários do SFH e Mutuários de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis], já atuou, ao todo em mais de 2.000 processos. Autor de mais de 250 artigos para diversas revistas jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAPINI, Paulo Antonio. Da obrigação da plena fundamentação de todas as decisões judiciais no novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4395, 14 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39619. Acesso em: 24 nov. 2024.

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