Frente à Emenda Constitucional nº 39, este artigo traz algumas anotações referentes à validade do art. 149-A da Constituição da República Federativa do Brasil; bem como alguns cuidados que os legisladores infraconstitucionais deverão ter ao elaborar a lei que instituir a COSIP.
1.INTRÓITO
Por diversos anos os municípios brasileiros cobraram uma taxa (em sentido estrito) para custear o serviço de iluminação pública prestado à população.
De fato, faltavam os requisitos constitucionais para instituição e a cobrança desta espécie tributária [1]; logo, para não burlar publicamente os direitos dos cidadãos, deixou-se de exigir esta exação.
Conseqüentemente, houve uma perda de arrecadação e o subseqüente endividamento dos municípios em face das concessionárias de energia elétrica, que continuavam cobrando pela iluminação posta à disposição dos cidadãos.
Assim, para preencher este vazio arrecadatório, a Emenda Constitucional nº 39 imprimiu o novel art. 149-A, nos seguintes termos:
Art. 149-A.Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de energia elétrica.
Posto isto, elaboramos algumas breves considerações acerca desta novidade no ordenamento jurídico para, sem o intuito de exaurir o tema, verificar sua adequação ao Sistema Jurídico Brasileiro.
2. AS CONTRIBUIÇÕES E A COSIP.
Certamente, o que a Carta Magna fez, ao prescrever o mandamento presentemente estudado, foi autorizar os Municípios e o Distrito Federal a criarem um tributo da mesma espécie daquele previsto no art. 149 instituído pelo poder constituinte originário – contribuições [2].
A respeito desta espécie tributária outrora já nos manifestamos; da forma como abaixo está [3]:
"Paulo de Barros Carvalho, tratando do critério constitucional para definir um tributo, lecionou que o encontro entre a hipótese de incidência e a base de cálculo ‘denunciará, logo no primeiro instante, a exigência de um imposto, de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria’.(grifamos) Ensinou no mesmo capítulo de sua obra que ‘as contribuições sociais são tributos que, como tais, podem assumir a feição de impostos ou de taxas.’
"As contribuições sociais - ao contrário dos I-T-CM, que caracterizam-se pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo - qualificam-se, sobretudo, pela sua destinação.
"Apesar do art. 4º do CTN considerar irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação do tributo para identificar sua espécie, para as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios esta norma é ineficaz. Misabel Derzi em nota clássica à obra de Aliomar Baleeiro assim defendeu:
" ‘Mas ressalvas devem ser feitas ao art. 4º do Código Tributário Nacional, no ponto em que considera irrelevante, de forma generalizada, a destinação legal do produto arrecadado para a definição da espécie tributária. É que a destinação, efetivamente, será irrelevante para distinção entre certas espécies (taxas e impostos, p.ex.), mas é importante no que tange à configuração das contribuições e dos empréstimos compulsórios.
" ‘A Constituição de 1988, pela primeira vez, cria tributos finalisticamente afetados, que são a contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhes é própria relevância, não apenas do ponto de vista do Direito Administrativo, mas, igualmente, do Direito Constitucional (Tributário).
(...)
"Em nosso Diploma Maior temos algumas subespécies de contribuições sociais que submetem-se a regimes tributários diferenciados. É a destinação que determina a natureza e o regime jurídico de cada contribuição social.
"Devemos identificar se a destinação é à Seguridade Social, para assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (194 e 195); a intervir no domínio econômico (149); de interesse de categorias profissionais (149); ou social geral (149)."
Assim sendo, sumulando o que já foi estudado para adequar a este novo assunto, vemos que, após a EC n.º 39, sobre a União, os Municípios e o Distrito Federal poderão criar um tributo finalisticamente afetado (para o custeio do serviço de iluminação pública) assumindo feição de imposto ou de taxa.
2.1. Alterações notáveis para as contribuições.
Cabe salientar dois pontos importantes: O primeiro que, agora, não é somente a União que tem competência para instituir contribuições; os Municípios e o Distrito Federal também têm sua parcela de poder para legislar sobre este assunto [4]. O segundo, que além das contribuições previdenciárias (art. 149 e 195 da CF/88), de interesse das categorias profissionais e econômicas (149), de intervenção no domínio econômico (CIDE – 149) e sociais em sentido lato (FGTS, por exemplo – 149), temos, como outra subespécie de "contribuição", as contribuições para o custeio da iluminação pública (COSIP – 149-A).
2.2A feição que poderá assumir a COSIP conforme sua base de cálculo.Como vimos anteriormente, as contribuições são tributos caracterizados pelo destino de sua arrecadação. Nestes termos, tratar-se-á da COSIP se o produto final da contribuição instituída pelos Municípios e pelo Distrito Federal for remetido à iluminação pública.
Outrossim, estudamos que as contribuições poderão assumir características de impostos ou de taxas, conforme a base de cálculo que for escolhida. Isto é, se uma contribuição tiver por base de cálculo o valor de um serviço público específico e divisível ou o poder de polícia exercido pela administração pública, terá feição de taxa; se, por outro vértice, tiver por base de cálculo o valor de uma atividade do contribuinte, independentemente de quaisquer atividades estatais, feição de imposto.
Roque Antonio Carrazza endossa este posicionamento deste modo: "Estamos, portanto, em que estas ‘contribuições’ são verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar). Podem, pois, revestir a natureza jurídica de imposto ou taxa, conforme as hipóteses de incidência e base de cálculo que tiverem." [5]
Desta forma, também a COSIP poderá ter natureza jurídica de imposto ou de taxa; conforme quiser a lei municipal.
Abrimos um parênteses para atentar, pois, que, caso o legislador ordinário municipal escolha como a base de cálculo da COSIP o valor do serviço público de iluminação pública [6], ele incorrerá no mesmo erro anteriormente praticado, pois o serviço público que servirá de hipótese de incidência não será divisível, maculando a contribuição criada com o vício de inconstitucionalidade.
Logo, a lei municipal deverá escolher um ato ou fato alheio ao serviço de iluminação pública para figurar como hipótese de incidência da COSIP.
Assim, restarão, praticamente, os atos ou fatos praticados pelos contribuintes para que sirvam de suposto da aludida norma tributária; desta forma, a COSIP teria feição de imposto.
Devemos riçar, como atentamos anteriormente, que, com aprumo nos princípios pétreos da federação e da distribuição da competência tributária, os Municípios e o Distrito Federal não poderão eleger como suposto fático da contribuição de iluminação pública uma hipótese de incidência que é reservada a outro ente federativo.
Exemplificando para melhor esclarecer: os Municípios e o Distrito Federal poderão criar um "imposto finalisticamente afetado" (com a arrecadação destinada ao custeio do serviço de iluminação pública) que tenha por hipótese de incidência a propriedade predial territorial urbana; todavia, não poderão instituir uma contribuição que tenha como fato gerador o auferimento de renda. Isto porque a primeira situação é inerente aos Municípios e, a segunda, à União [7].
Portanto, é conveniente, também, que os Municípios não elejam – pelo fato de ser facultada a cobrança da contribuição em estudo na fatura de energia elétrica (parágrafo único do art. 149-A do Diploma Magno) – o "consumo de energia elétrica" como hipótese de incidência da COSIP; pois, desta maneira, estará usurpando a competência estadual [8] de instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS).
3.COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.
Mister se faz dar uma pincelada sobre o conceito de competência tributária para que mais um foco de luz ilumine, agora por outro ângulo, a natureza jurídica do art. 149-A da Carta Fundamental.
Temos para nós, em simples palavras, que competência tributária é a atribuição constitucional do poder de criar in abstracto os tributos. Portanto, exerce a competência tributária aquele legisla sobre tributo.
Didaticamente foram elaborados alguns apanágios que constam intrinsecamente neste instituto jurídico, como: a) privatividade: a constituição aponta competências privativas para cada pessoa política b) indelegabilidade: quem recebe o poder de tributar não pode, nem por lei, conferi-lo a outra entidade c) incaducabilidade: a competência tributária não tem prazo para ser exercida d) inalterabilidade: não é permitido aos entes federativos ampliar o leque de matérias tributáveis e) irrenunciabilidade: é proibido renunciar o direito de criar tributos f) facultatividade: apesar de não poder se renunciar à competência tributária é faculdade dos entes federativos exercer o direito de criar tributos (ressalvados os Estados e o Distrito Federal que, em virtude do art. 155, § 2º, XII, ‘g’ da Constituição, são obrigados criarem o ICMS).
Destas características, destacamos a privatividade e a inalterabilidade para frisar que o "legislador infraconstitucional" não pode alterar a competência que a ele foi entregue, tampouco invadir esfera de atribuição alheia.
Por este motivo, para que fossem criadas novas contribuições, o "constituinte derivado" teve que aumentar, através de emenda constitucional, o leque de competência municipal e distrital.
E, como não foi, até a edição da emenda, quebrada qualquer cláusula pétrea e "esta é, pois, uma matéria sob reserva de emenda constitucional" [9], não há que se falar em inconstitucionalidade na edição da EC n.º 39.
Posteriores inconstitucionalidades na elaboração das leis tangentes à COSIP poderão existir, como as já anteriormente referidas, mas não houve este vício nesta emenda à constituição (EC nº 39).
4.NOTIFICAÇÃO NECESSÁRIA.
Evitando cair no vício de considerar alguns conceitos e princípios como obviedades do Direito (como bem alertou Alfredo Augusto Becker ao tratar do Sistema dos Fundamentos Óbvios), foi aberto este tópico para lembrar o respeito aos direitos fundamentais do cidadão-contribuinte.
O novo art. 149-A "pediu" ao legislador ordinário que, ao criar a COSIP, observasse o disposto no art. 150 I e III da Carta Federal. Mero lembrete, diga-se de passagem. Mas um lembrete que é tão conveniente quanto este tópico, fazendo com que os direitos fundamentais irrevogáveis do cidadão não sejam atropelados.
Mesmo sem constar aquela última parte do art. 149-A, o legislador infraconstitucional deveria respeitar tais comandos, simplesmente porque são direitos fundamentais do contribuinte; porque, igualmente, na criação de toda e qualquer norma devem ser respeitados todos os princípios do Sistema Jurídico Nacional como a igualdade, segurança, liberdade, propriedade etc.
Segundo Pontes de Miranda, "Direito é sistema de regras, sistema lógico, que satisfaz as exigências metalógicas de coerência, ou lógicas de consistência. As regras jurídicas hão de construir sistema. Nenhuma regra jurídica é sozinha, nenhuma é gota, ainda quando tenha sido o artigo ou parágrafo único de uma lei. Cairia, como gota, no copo cheio de líquido colorido, e a sua cor juntar-se-ia às das outras gotas que lá se pingaram, noutros momentos."
Enfim, o art. 149-A da Carta Excelsa, bem como a contribuição para o custeio da iluminação pública fundada neste dispositivo, ao cairem no colorido do nosso Ordenamento Jurídico, devem juntar-se à sua cor e nele encaixar-se, caso contrário, a gota cairá fora do copo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
a)Por não afrontar nenhuma cláusula pétrea e, justamente, por ser matéria de emenda constitucional ampliar a competência tributária, não houve inconstitucionalidade na instituição da EC nº 39;
b)A COSIP tem a mesma natureza jurídica das contribuições do art. 149 da Constituição Federal;
c)Por isto, pode revestir a feição de imposto ou de taxa (com destinação ao custeio da iluminação pública), conforme a base de cálculo a ser eleita pelo legislador municipal e distrital;
d)Caso seja eleita a mesma base de cálculo da extinta Taxa de Iluminação Pública, a COSIP será inconstitucional;
e)Do mesmo modo, será inconstitucional a lei distrital ou municipal que eleger como fato gerador da COSIP algum dos já discriminados na Constituição competente a outros entes federativos.
f)Finalmente, a lei que instituir a COSIP deve respeitar todas as vigas mestras existentes no ordenamento jurídico, sob pena de dele ser expelida.
NOTAS
01. A taxa de serviço pode ser instituída em razão de um serviço público específico e divisível, prestado diretamente ao contribuinte ou posto à sua disposição (conforme art. 145, II da CF). Por isso, como não há possibilidades de individualizar cada pessoa (contribuinte) que utiliza o serviço de iluminação pública, falta o suposto da divisibilidade para sua constitucionalidade
02. Alguns autores denominam os tributos do art. 149 do Diploma Excelso apenas de "contribuições", outros intitulam-no de "contribuições sociais". Preferimos utilizar a expressão "contribuições" para distinguirmos as suas subespécies de forma mais clara.
03. HOFFMANN, Daniel Augusto, A falta de fundamento constitucional das novas exigências pecuniárias instituídas pela LC nº 110/2001. In: Jus Navegandi, n. 58. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3092.
04. Não podemos esquecer que os Municípios e os Estados já estavam autorizados a criarem contribuições para financiar os sistemas de previdência dos seus servidores (parágrafo único do art. 149 com a redação original da Constituição).
05. CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros, p. 361.
06. Por decorrência lógica, a hipótese de incidência da COSIP será "prestar serviço de iluminação pública".
07. Roque Antonio Carrazza, com a precisão que lhe é peculiar, entende da mesma forma quando, interpretando o art. 149 da Lei das Leis, ressaltou a importância da destinação das contribuições porque "justamente ela, permitirá que uma mesma materialidade de hipótese de incidência tributária venha concomitantemente utilizada – e sempre de modo válido –, para um imposto federal e para uma das contribuições sob enfoque." Logo mais a frente, o renomado doutrinador robora seu pensamento com o posicionamento do saudoso Geraldo Ataliba e expõe: " ‘Se, pois, a União, criando contribuições adota hipótese de incidência que pertence aos Estados ou Municípios, comete seu legislador inconstitucionalidade, por invasão de competência (Amílcar Falcão, Aliomar Baleeiro). Não se pode sustentar que as contribuições fogem a tal regime. Não cabe dizer, no nosso sistema, que o legislador, ao criar contribuições, goza da mais ampla liberdade e que, em conseqüência, pode adotar toda e qualquer hipótese de incidência, inclusive as reservadas constitucionalmente aos Estados e aos Municípios. Tal interpretação implicaria afirmar: a) que as competências tributárias não são exclusivas; b) que a repartição da competência não é rígida e que c) contribuição não é tributo. ‘Não tem sentido admitir que a Constituição deu competência aos Estados e Municípios (nos arts. 155 e 156) e a retirou em outra disposição (art. 149).’" (CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros, pp. 365 e 367.)
08. O mesmo exemplo não pode ser dado em relação ao Distrito Federal, porque tem competência para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (art. 155).
09. CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros, p. 392.
BIBLIOGRAFIA
BECKER – Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed, Lejus, 1998;
CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros;
CARVALHO – Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 12ª ed, Saraiva, 1999;
HOFFMANN, Daniel Augusto, A falta de fundamento constitucional das novas exigências pecuniárias instituídas pela LC nº 110/2001. In: Jus Navegandi, n. 58. [Internet] http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3092.