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A natureza cambiária da certidão de crédito em precatório judicial

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Agenda 09/06/2015 às 00:04

2. CESSÃO DE PRECATÓRIO JUDICIAL

A cessão de crédito é um dos negócios jurídicos mais importa para vida econômica hodierna (GONÇALVES, 2009, p. 200). Ao lado do endosso, ele é o maio de circulação do crédito no mercado. A disciplina jurídica do instituto encontra-se prevista no Código Civil, art. 286 e seguintes. Entretanto, é importante registrar desde logo que o negócio jurídico que tem por objeto a cessão de um precatório judicial se distingue da transferência dos demais créditos, tendo em vista o regime jurídico específico criado pela EC nº 62/09, previsto no art. 100, §§ 13, 14 e 16 e CF/88. Essas diferenças serão vistas adiante.

A Constituição Federal, quanto aos precatórios, autoriza tanto a possibilidade de cessão de crédito quanto à do débito (assunção de dívida). A matéria encontra disciplina em seu art. 100, com a redação que lhe fora dada pela EC nº 62/09, in verbis:

§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.

§ 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente.

Como se vê da leitura do normativo acima, de fácil intelecção, o ato determinante da transmissibilidade da posição ativa em precatório judicial é cessão de crédito, um negócio jurídico que vem a ser, como bem o define Carlos Roberto Gonçalves:

“... a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente” (2009, p. 199)

Assim, feitas tais considerações, vejamos a forma, requisitos e modalidades de cessões de precatórios judiciais. Para, então, em seguida podemos analisar a experiência do Distrito Federal na comercialização de tais títulos.

2.1. Precatório e formação do crédito

Como dito alhures, os precatórios judiciais tem por objeto uma prestação de uma quantia em dinheiro em proveito do credor (um crédito). Eles, ainda, representam os próprios valores a serem pagos (um título). Nesse sentido, ao se constituir um precatório há, concomitantemente, a formação/constituição do direito de crédito.

Para entender sua gênese, é importante tecer mais alguns esclarecimentos acerca da execução por quantia certa contra a fazenda pública. Em regra, as sentenças condenatórias proferidas em desfavor das entidades de direito público são ilíquidas, na medida em que o valor da condenação carece de ulterior atualização monetária, o que feito, via de regra, apenas simples cálculos.

Segundo as regras atuais, os valores das condenações impostas à fazenda pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, serão corrigidos distintamente considerando-se 03 (três) marcos temporais distintos:

  1. INPC, desde a data em que devido o pagamento até 28/06/2009.

  2. TR-Taxa Referencial (índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança) a partir de 29/06/2009, conforme disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação determinada pela Lei 11.960, de 29 de junho de 2009.

  3. IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial)17, a partir de 26 de março de 2015, tendo em vista que o STF, em sessão realizada em 25/03/2015, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no julgamento das ADIs 4357 e 4425, relativas ao REPP criado pela EC 62/2009. No julgamento da questão de ordem, a Suprema Corte conferiu eficácia prospectiva àquela declaração de inconstitucionalidade, mantendo válida a aplicação da TR aos precatórios expedidos ou pagos até a data do julgamento (25/03/2015).

Mesmo quando o valor da condenação é certo, é no bojo da execução que ele é discutido (mesmo que de forma mitigada), determinado em sua extensão e homologado pelo Juízo. Em outras palavras, o quantum devido só é fixado após o julgamento dos embargos ou impugnações na fase executiva.

Assim, após a exata definição do quantum debeatur no bojo da execução é que se expedirá o precatório, no sentido de processo administrativo destinado ao cumprimento da prestação pelo devedor, o qual somente se findará pelo pagamento ou por outra causa extintiva da obrigação. Logo, na prática efetiva, não é a sentença quem representa o crédito que constitui, mas o precatório que dela deriva.

2.2. Precatório e vínculo jurídico obrigacional

A relação obrigacional constituída com a formação do precatório é aquela por meio da qual um sujeito passivo (devedor) resta obrigado a cumprir uma prestação patrimonial de dar, fazer ou não fazer (objeto da obrigação), em favor de sujeito ativo ou credor (STOLZE, 2010, p. 53). Partindo de tal conceituação, nos ensina Pablo Stolze (2010, p. 53) que a obrigação pode ser decomposta em três elementos fundamentais, a saber: subjetivo ou pessoal – credor e devedor; objetivo ou material - a prestação; e ideal, imaterial ou espiritual – o vínculo jurídico que une o credor ao devedor.

Assim, se examinarmos a conexão estabelecida entre credor e devedor no bojo dos auto de um precatório judicial, enfocando os três elementos constitutivos da obrigação, inelutavelmente, chegaremos à conclusão de que ele consubstancia uma típica relação jurídica obrigacional. Isso porque nela estão presentes: um sujeito ativo (credor) e um passivo (ente público devedor); uma prestação de caráter patrimonial consistente na atividade da fazenda pública direcionada à satisfação do crédito exequendo; e um vínculo jurídico que os une, originária de uma decisão judicial de natureza definitiva transitada em julgado ou de um título executivo extrajudicial inadimplido que certifica o dever de a fazenda pública cumprir a prestação em proveito do credor.

Assim como em qualquer relação obrigacional, também em relação ao precatório é admissível a alteração de seu elemento pessoal. Essa alteração subjetiva pode se dar, ativa ou passivamente, por ato inter vivos ou causa mortis. No regime civil, a transmissão praticada em vida por seu alienante pode decorrer, presentes os requisitos legais para sua eficácia, de cessão de crédito, de cessão de débito e cessão de contrato. Entretanto, como visto acima, o ato determinante da transmissão ativa das obrigações em precatório é a cessão de crédito. Sobre ela falaremos a seguir.

2.3. Cessão Civil de crédito

A cessão de crédito é definida pelo saudoso Orlando Gomes como sendo “o negócio pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional” (apud FIUZA, 2010, p. 242). Para o próprio Ricardo Fiuza, seria “o negócio jurídico através do qual o credor opera a transferência, a um terceiro, do direito de crédito que detinha contra o devedor” (2010, p. 242). A disciplina jurídica do instituto encontra-se prevista no Código Civil, art. 286 e seguintes.

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Data vênia, as definições apresentadas acima não se articulam adequadamente com a prática negocial relativa aos precatórios judiciais. Isso porque elas só se ajustam à cessão total do crédito, caso em que, com toda razão, existe a sucessão do credor originário (cedente) pelo derivado (cessionário), na medida em que o cedente deixa de ser credor e o cessionário passar a sê-lo em sucedâneo. Nessa hipótese, a cessão de crédito é uma espécie de sub-rogação.

Todavia, isso não ocorre quando se está diante de uma cessão parcial, pois nessa hipótese tanto cedente quanto cessionário tornam-se credores simultaneamente, cada qual em relação a parcela do crédito que titularizam. Em nosso entender, na cessão parcial, não há transferência da posição (credor) na relação obrigacional originária, mas sim uma ampliação subjetiva dessa relação, com o ingresso de outrem em litisconsórcio ativo. Nela, o que se modifica é o crédito, o direito ao recebimento da prestação, que é cindido entre mais uma pessoa.

Logo, é possível asseverar que a cessão civil produz efeitos diversos dependendo da extensão da cessão objeto do ajuste. Na cessão total, opera-se a transferência da posição jurídica e, consequentemente, a titularidade do direito de crédito. Diversamente, na cessão parcial existe a ampliação subjetiva da relação obrigacional primitiva, com o ingresso de mais sujeitos em seu polo ativo, e a cisão do direito de crédito, que passara a ser partilhado entre os credores, na forma do ajuste entabulado entre eles.

2.3.1. Decomposição do crédito

A Constituição Federal brasileira, art. 100, § 13, admite expressamente a decomposição do crédito inscrito em precatório judicial. O que equivale dizer, na lição ainda atual de José Otávio de Vianna Vaz, que:

“o valor constante de um mesmo precatório pode ser cedido a vários cessionários, não exigindo o texto legal que o crédito seja cedido, por inteiro, a uma só pessoa.” ( 2005, p. 117)

Quanto ao tema aqui em apreciação, é importante ter em mente a regra prevista no art. 287, do CC, segundo a qual: “salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”.

No caso de precatório judicial na experiência do Distrito Federal, com base em nossa participação observante, pôde-se notar que o maior número de casos corresponde à cessão total do crédito, compreendendo o principal e os acessórios (juros e correção monetária). Infelizmente, não existem dados consolidados quanto a esse fato, razão pela qual algumas afirmações apresentadas ao longo deste trabalho resultam de nossa vivência profissional. Em segundo lugar, temos a cessão parcial que possibilita que esse crédito seja partilhado de inúmeras maneiras. Isso porque o precatório é expedido com o valor atualizado até a data de sua expedição e só será novamente atualizado no momento de seu pagamento pelo ente devedor. Esse é o entendimento sufragado pelo E. TJDFT, com base na inteligência da parte final do art. 100, § 5º, da CF, cuja redação é a seguinte: “quando terão seus valores atualizados monetariamente”.

Dessa situação de fato, decorrem inúmeras possibilidades de negociação de valores. Assim, o credor poderá ceder:

  1. a totalidade de seu crédito, incluindo valor principal (de face) e acessório (atualização monetária) com efeitos desde a expedição do PCT (ex tunc);

  2. apenas o crédito acessório, com efeitos ex tunc ou ex nunc (a partir da data da negociação);

  3. o valor principal e o acessório simultaneamente, esse com efeitos ex tunc;

  4. o valor principal e o acessório simultaneamente, esse com efeitos ex nunc; etc.

A liberdade negocial é plena para os transatores, já que a disciplina jurídica aplicada ao caso é silente sobre a matéria, autorizando a cessão total ou parcial. É importante registar que modalidade de cessões como as mencionadas à cima, embora raras, são encontradas na experiência do DF.

Com base em tal premissa, a conceituação de cessão de crédito encontrada na doutrina que melhor se articula com a prática efetiva, na media que descreve o objetivo do presente trabalho de maneira que mais se aproxima à realidade é aquela apregoada por Carlos Roberto Gonçalves, repita-se:

“... a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente”

Para arrematar, confiram-se alguns pronunciamentos acerca das questões abordadas acima, atinentes à atualização do crédito e das modalidades de cessão. Vejamo-las:

2.4. Cessão de Precatório Judicial particularidades

Como já tivemos a oportunidade de anotar alhures, a cessão civil de crédito encontra-se disciplina nos art. 286 e s. do CC/02. Todavia, ela se difere da cessão de precatório judicial quanto alguns de seus requisitos legais. Com efeito, pode-se asseverar que a disciplina do Código Civil é subsidiária, aplicando-se aquilo em que não contrariar a CF/88, art. 100, §§ 13, 14 e 16. As diferenças entre eles são as seguintes:

Primeiro, em relação à forma, o Código Civil, em seu art. 288, exige que este negócio seja celebrado por instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654. Diversamente, no caso de precatório judicial, embora a Constituição Federal seja silente, o que resultaria na aplicação do CC, o TJDFT exige instrumento público para a exteriorização desse ato18.

Segundo, em relação à eficácia, o Código Civil, em seu art. 290, exige que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada”. Diversamente, no caso de precatório judicial, a Constituição Federal, art. 100, § 14, dispensa essa exigência, mas determina que “a cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora”.

A notícia ao devedor não é dispensada. Todavia, na prática da advocacia distrital, observa-se que a única providência adotada pelos patronos dos cessionários é o pedido de habilitação nos autos. Após, a formulação de tal requerimento, é o TJDFT quem intima o devedor para que tome ciência da cessão noticiada, como se observa da decisão a seguir transcrita, disponibilizada no DJe de 25.03.2015:

“Processo 20070020111510PCT Requisitante(s) JUIZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF Requisitado(s) PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (...) Despacho Intime-se o Distrito Federal para, no prazo de 10 (dez) dias, manifestar-se a respeito do pedido de habilitação incidental aviado por DONALDSON RESENDE SOARES nos direitos creditícios consolidados em benefício da credora original MARIA EUNICE RIBEIRO (fls. 638/645). Anote-se o nome do novo advogado constituído à fl.638. Cumpram-se os comandos da decisão de fls.634/635, que deferiu o pedido de preferência constitucional em benefício do credor LUIZ CARLOS MARTINS ROZ. Publique-se. Brasília, 23 de março de 2015..“

É importante anotar para o tema aqui em apreciação que a notícia ao devedor não á apenas um requisito para a eficácia do negócio jurídico, mas também serve para se estabelecer a precedência da cessão em caso de multiplicidades dela. Ou seja, é uma garantia importante para o cessionário.

Dando continuidade, a cessão civil de crédito é um negócio jurídico, realizado inter vivos, a título gratuito ou oneroso. Trata-se de um ato negocial. A doutrina pátria é uníssona quanto aos seus elementos essenciais do ato negocial, comuns à generalidade dos negócios jurídicos, a sabe: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei e o consentimento dos interessados. Entretanto, nos ensina Ricardo Fiuza (2010, p. 98) que, ao lado dos elementos essenciais, existem, ainda, os particulares, aqueles relativos “a determinadas espécies por serem concernentes à sua forma e prova”. No caso da cessão de precatório judicial existe um elemento particular atinente à validade do negócio, a prova da titularidade do crédito.

O negócio jurídico pode ser decomposto em três planos de análise, quais seja: os planos de existência, validade e eficácia. É o que se fará adiante, momento em que examinaremos detalhadamente as diferenças acima apontadas.

2.4.1. O Instrumento da Cessão (existência)

Já dissemos que a cessão de crédito é um ato negocial. Deste modo, ele precisa se exteriorizar para que ganhe existência. O documento que corporifica um ato jurídico é denominado de instrumento. Assim, quanto à forma, disciplina o Código Civil, que:

“Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.

(...)

Art. 654, § 1º. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos”.

Como se infere da leitura dos normativos acima, o instrumento da cessão (documento que corporifica o ato jurídico) pode ser tanto público quanto particular, desde que, nesse último caso, observe as prescrições do art. 654, § 1º, do CC/02. A sanção para inobservância da forma prescrita em lei é a nulidade do negócio jurídico, consoante arts. 104, inc. III, c/c 166, inc. IV, ambos do CC/02.

Entretanto, apesar de a lei admitir o instrumento particular para a prova da cessão de crédito, o TJDFT exige instrumento público.

2.4.2. Prova da titularidade do crédito (validade)

Para que o ato jurídico negocial existente seja válido a declaração de vontade nele manifestada pressupõe a capacidade do agente, sob pena de nulidade (art. 166, inc I, CC/02). Além da capacidade do agente, elemento essencial, é preciso que cedente seja titular do crédito cedido. Trata-se, pois, de um elemento especial.

A prova da titularidade do crédito é feita por meio de uma certidão de crédito, um documento expedido pelo Poder Judiciário, a requerimento do titular de crédito em precatório judicial interessado em negociá-lo. O que equivale dizer que tal documento nasce de um ato unilateral de vontade e se exterioriza por meio de um instrumento público. A princípio, a finalidade de tal certidão é fazer prova do direito e representar o crédito, conferindo-lhe os atributos idoneidade, certeza e exigibilidade.

2.4.3. A Habilitação de Crédito (eficácia)

Por fim, para que uma cessão de crédito produza efeitos em relação ao devedor é necessária que ele seja notificado da transferência de titularidade desse direito (art. 290 do CC/020). No caso do precatório judicial, além dessa exigência, a CF/88, art. 100, § 14, com a redação dada pela EC nº 62/09, determina ainda a comunicação ao Tribunal de origem do PCT, por meio de petição protocolizada. Trata-se de um pedido de habilitação de crédito.

Em nosso sentir, a justifica para essa dupla exigência reside no fato de o pagamento de precatório ser um ato realizado com o concurso dos poderes Executivo e Judiciário, num arranjo híbrido de cooperação público-público. Nesse contexto, os pagamentos não são realizados diretamente pelo devedor ao credor. Diversamente, compete ao ente público consignar em uma conta judicial administrada pelo Tribunal correlato os valores devidos em precatórios. E ao Judiciário compete ordenar os pagamentos e autorizar os levantamentos de valores consignados em Juízo no momento da quitação. Daí surge a necessidade de ambos os agentes envolvidos com o processo de liquidação desses débitos tomarem ciência de quem legitimamente deva recebe-los.

O instituto da habilitação é definido pelo dicionarista Deocleciano Torrieri Guimarães como sendo o “modo de provar e tornar reconhecida em Juízo a sua capacidade ou qualidade legal para obtenção de um direito” (2011, p. 368). Assim, a habilitação de crédito é a formalidade processual necessária ao reconhecimento da qualidade de credor derivado. Para entendê-la é importante ter em mente que a cessão de crédito também é uma espécie de sub-rogação, (GUIMARÃES, p. 166).

No plano processual, quando a cessão é total, haverá a sucessão processual. Ou seja, o credor originário que figurava como credor, após a transferência da totalidade do crédito a que tinha direito a terceiros, deixará de ser parte nos autos do precatório judicial, ingressando o cessionário em seu lugar. Isso ocorre porque a alienação do direito de crédito altera a legitimidade das partes no processo, já que nessa fase processual não existe mais litígio sobre ele. Logo, não se aplicado ao caso a regra prevista no art. 42 do CPC/73, cuja redação é a seguinte: “a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

Confira-se abaixo excerto da decisão exarada pela CORRPRE nos autos do processo nº 20130020304514PCT, disponibilizada no DJe de 12.02.2015, às fls. 13/14, na qual se observa o entendimento do TJDFT quanto a habilitação de crédito e sucessão processual:

“D E C I D O Em primeiro lugar, reconheço que a cessão de direitos de crédito encontra-se regulada pelos artigos 286 a 289 do Código Civil de 2002. No cenário processual, a cessão de crédito pode ser aviada através do art. 567/CPC haja vista estarmos em uma fase necessária do rito executivo contra a Fazenda Pública: Art. 567. Podem também promover a execução, ou nela prosseguir: (...) II - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos; Destaque-se, ainda, que o art. 100, §13, da CF, com a redação dada pela recente Emenda Constitucional nº 62, de 09/12/2009, autoriza a cessão de créditos representados em precatórios. Verbis: "§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º." Saliente-se, inclusive, que está dispensado o consentimento do devedor (§13, art. 100/CF), bastando mera comunicação ao juízo da execução e ao credor (§14, do mesmo dispositivo), o que está suprido com a publicação desta decisão. Pelo exposto, DEFIRO o pedido para admitir a habilitação requerida, de forma a permitir o ingresso do cessionário na causa executiva, na qualidade de sucessor processual, ficando assegurada possibilidade de expedição de alvará em seu nome quando do adimplemento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 4 de fevereiro de 2015.”

É importante registar, ainda, que o TJDFT exige para a apreciação do requerimento de habilitação de crédito nos autos de precatório judicial, formulado por pessoa jurídica, os seguintes documentos19: a) apresentar original ou cópia autenticada da escritura pública de cessão de direitos creditórios, a fim de comprovar sua legitimidade como cessionário; b) apresentar original da procuração outorgada ao advogado; c) apresentar original ou cópia autenticada de seus atos constitutivos (contrato social e respectivas/últimas alterações) para demonstrar sua capacidade de ser parte em juízo, caso seja pessoa jurídica; d) explicar a cadeia dominial da cessão de crédito que pretende ver habilitada, em caso de sucessivas negociações; e) declarar se, atualmente, ainda detém o crédito que pretende ver habilitado ou se já o negociou com terceiros.

2.5.Compensação Fiscal.

Como já tivemos oportunidade de anotar brevemente, uma dos incentivos à comercialização de precatórios no âmbito do Distrito Federal é a possibilidade de utilização dessa obrigação para fins de compensação fiscal. Deste modo, verifica-se na prática efetiva que os maiores “compradores” de PCTs são pessoas jurídica em débito com a Fazenda Local. Essa situação de fato será vista detalhadamente no capítulo 3. Por ora, examinaremos a seguir o instituto jurídico da compensação fiscal e sua disciplina no seio do Direito Tributário.

A compensação tem lugar quando duas partes são credoras e devedores reciprocamente. Nesse caso, par evitar a realização de dois pagamentos contrapostos, a lei permite que as dívidas sejam anuladas. Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 327), a define como sendo:

Meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Acarreta a extinção de duas obrigações cujos credores, são, simultaneamente, devedores um do outro. É modo indireto de extinção as obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste.

O Código Tributário Nacional – CTN disciplina a matéria em seu art. 170, na seção destina à extinção das obrigações, e encontra-se regulamentada pelo Decreto nº 7.212, de 2010. Comentando esse normativo, opina o Prof. Scha Calmon (2012, p. 736) que o CTN “prescreveu de modo amplo a compensação fiscal, ultrapassando o Código Civil, extremamente conservador”. Confira-se:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

Como se vê, a competência tributária para instituir essa modalidade de extinção das obrigações é dos entes federativos. Em regra, eles restringem ao máximo essa possibilidade, o que não ocorre no caso do Distrito Federal.

A compensação de precatórios judicias com débitos tributários pode ser convencional20 ou judicial, porquanto possa ser realizada por iniciativa da parte interessada pela via administrativa ou nos autos do processo judicial, tanto da execução contra a fazenda pública quando do PCT. O prof. Sacha Calmon (2012, p.736) leciona que são pressupostos da compensação legal a existência de duas dívidas que sejam recíprocas; fungíveis e exigíveis.

Sobre o autor
Paulo Sérgio Souza Andrade

graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA e especialização em Poder Judiciário com ênfase em Direito Processual Civil, realizada com bolsa do Instituto Ministro Luis Vicente Cernicchiaro - Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Publicou "O Estatuto do Concurso Público: análise do PL 399/08 do Senado Federal" (Clube de Autores, 2014). No âmbito acadêmico, ainda, atua como consultor e colaborar de periódicos científicos e possui interesse na área de Antropologia Social. Atualmente, é servidor do TJDFT onde já exerceu diversas funções comissionadas de direção, chefia e assessoramento, a saber, assistente de magistrado, secretário de audiências e oficial de gabinete (1º assessor), todas mediante seleção interna.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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