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Relativização da prisão cautelar: a ponderação dos princípios do estado de inocência e da necessidade da prisão

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Agenda 09/06/2015 às 01:56

O objetivo deste trabalho é analisar a colisão entre princípios constitucionais, com a finalidade de encontrar, assim como relativilizar, os fundamentos para a decretação e manutenção da segregação cautelar do indiciado ou acusado.

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a colisão entre princípios constitucionais, com a finalidade de encontrar fundamentos para a decretação e manutenção da segregação cautelar do indiciado, acusado ou sentenciado. Desta feita, permitindo ao Estado relativizar princípios, pelo menos temporariamente, em detrimento de outros. A pesquisa foi de cunho eminentemente bibliográfica e documental, aplicando-se a técnica de revisão em fontes doutrinárias, legislações, jurisprudências, além de artigos científicos disponíveis em meio eletrônico. Assim, entende-se que se deve observar a proporcionalidade na segregação cautelar, haja vista que, ao se atingir a liberdade pessoal do acusado, através da como custódia cautelar ante a condenação final e mesmo em caso de condenação. Ao paciente, será aplicado regime menos severo do que aquele em que se encontra, sendo, portanto, que a manutenção da segregação cautelar deve-se pautar no binômio necessidade e urgência, sob pena de afronta ao principio da presunção de inocência e o principio da proporcionalidade, após a sentença final.

Palavras-chave: Prisões cautelares. Princípio do Estado de Inocência. Princípio da Proporcionalidade.


INTRODUÇÃO

O Estado democrático de direito assegura aos cidadãos através de seus princípios e garantias constitucionais suas situações jurídicas definidas na carta constitucional, estejam elas expressas ou não em seu texto, como se observa quanto ao princípio do estado de inocência, em que está estabelecido no artigo 5º LVII da Constituição que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Prescrita de forma expressa a garantia da não culpabilidade até a conclusão do processo assegura a não culpabilidade da pessoa que supostamente tenha cometido uma infração penal, porém, podendo ser relativizada quando a necessidade da prisão cautelar sobrepuser diante do caso em concreto a presunção de inocência mais não a antecipação da culpabilidade, e claro esta situação será temporária devendo o magistrado a qualquer momento rever sua decisão.

Também o princípio implícito da proporcionalidade, garante a ponderação ao aplicar a medida cautelar de prisão, visto que analisa obrigatoriamente a necessidade e adequação da citada medida cautelar, fazendo com que o Estado não extrapole seus poderes e tome decisões autoritárias e desprovidas de respeito aos direitos individuais da pessoa humana, notadamente, o principio da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana.

Assim, de forma explícita a Constituição consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, garantindo este princípio não só a negação de que a pessoa não será objeto de ofensas e humilhações, mais também, em um sentido positivo, o desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.

Diante desta afirmação, não resta dúvida de que as instituições, funções e atividades estatais, estejam vinculadas ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo um dever de respeito e proteção, que se revela tanto na obrigação por parte do poder público de ingerência na esfera individual, quanto na obrigação de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra violação advinda de terceiros e inclusive de agressões de particulares contra outros particulares, assim, poder afirmar que a dignidade também forma um dever de cada individuo, para com os demais e consigo.

A partir dessas ideias constitucionais, baseiam-se as espécies de prisões cautelares, pois são suas ponderações que permite ao judiciário diante dos casos em concreto, decidir sempre em respeito às garantias constitucionais, apenas relativizando-as em extrema necessidade.

O objetivo deste trabalho é analisar a colisão entre princípios constitucionais, com a finalidade de encontrar fundamentos para a decretação e manutenção da segregação cautelar do indiciado, acusado ou sentenciado. Desta feita, permitindo ao Estado relativizar princípios, pelo menos temporariamente, em detrimento de outros. Tudo com o fim de garantir uma ordem social mínima, pois é este também seu papel além de assegurar o bem estar individual, mais, sobretudo a harmonia da coletividade.

Assim, para alcançar o objetivo já proposto, foi necessária a realização de uma pesquisa de cunho eminentemente bibliográfica, a qual se aplicou a técnica de revisão da bibliografia em fontes como doutrinas, legislações, jurisprudências, além de artigos científicos disponíveis em meio eletrônico.

O presente trabalho aborda no primeiro capítulo expor os princípios constitucionais correlatos ao o direito penal, especialmente, quanto a cautelaridade da segregação da pessoa que ainda não teve sua culpa formada, ou seja, não possui sentença condenatória com trânsito em julgado.

O segundo capítulo tratar-se-á diretamente das espécies de prisões cautelares, mostrando os fundamentos e requisitos legais para sua aplicação; bem como, alterações trazidas com a vigência da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, em que positivas algumas ideias já defendidas pela doutrina e jurisprudência majoritária em nosso país, tais como, a necessidade de analisar a decretação da prisão, como última razão, visto a inclusão de outras medidas cautelares diversa da prisão, como também a obrigatoriedade de relaxar a prisão em flagrante delito agora, ficando clara sua pré-cautelaridade e precariedade, ou convertê-la em preventiva (se presentes os requisitos e fundamentos) e ainda conceder a liberdade provisória.

No terceiro capítulo, trabalha-se a problemática da monografia, ou seja, a colisão entre o estado de inocência e a necessidade da prisão cautelar, para tanto, apresentam-se os entendimentos jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. E, por fim, a discussão do princípio de inocência, quanto sua relativização na prática forense em torno da precedência da necessidade da prisão em determinados casos.

Por fim, nas considerações finais na qual de maneira sucinta apotam-se os objetivos e racapitula-se os resultados, obtidos com a relativização dos princípios constituiconais quando colidem com a necessidade da prisão cautelar, visto que será a situação em concreto, a qual determinará se possivel ou não a utilização da segregação cautelar, uma vez ser necessário sempre uma avaliação pelo magistrado dos fatos e circunstâncias com um olhar objetivo e sem conjecturas.


1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA PRISÃO CAUTELAR

1.1. Compreensão da terminologia "princípios"

Do latim principium, a palavra princípio significa começo, origem de qualquer coisa. É de conhecimento de todos que os princípios são alicerces do direito, são à base de todo o ordenamento jurídico, servindo como vetores da elaboração e aplicação das outras normas jurídicas1.

Os princípios são essenciais, pois limita o poder punitivo do Estado, tutelando e garantindo as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, oportunizando interpretação e aplicação da lei penal conforme a Constituição. Dessa forma, alguns princípios do direito penal descendem diretamente da dignidade da pessoa humana, e são também norteadores concretizados na Constituição da República, dispostos em seu art. 5º.

Assim, faz-se necessário construir duas linhas de raciocínio na divisão da princIpiologia; a primeira, referente aos conceitos dos princípios penais constitucionais como já apresentados, e a segunda, alguns dos princípios do Direito Penal que possuem grande relevância, asseverando que, mesmo que os princípios penais constitucionais e os penais específicos tenham inter-relação, ambos estabelecem formas diferenciadas no âmbito de sua aplicação.

Observa-se que, os episódios acima consistem na principal proteção política do cidadão face ao poder punitivo do Estado, qual seja a de que somente terá invadida a sua esfera de liberdade, se praticar uma conduta definida em lei como sendo uma infração penal.

1.2. O princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade forma-se como um direito inerente ao ser humano, que corresponde à condição de indivíduo como ser social livre e responsável, não se podendo privá-lo, a não ser nos casos em que o homem atue contra a ordem estabelecida.

A partir desse breve preâmbulo trazemos alguns conceitos do instituto da dignidade da pessoa humana. Para Puy, “o direito fundamental que tem todo o ser humano a manter e conservar sua natureza espiritual íntegra, inviolada e não degradada, em razão de sua característica e valor de ser humano, o ser supremo entre todos os seres”2. Porém este conceito fora alvo de críticas em face da sua carga valorativa e ausência de uma descrição legal. Assim necessitando de critérios de aplicação normativo que protejam o valor em si mesmo, convertendo em direito3.

No entanto, importa lembrar que também para a dignidade da pessoa humana aplica-se a noção referida por Edelman, de que qualquer conceito (inclusive jurídico) possui uma história, que necessita ser retomada e reconstruída, para que se possa rastrear a evolução da simples palavra para o conceito e assim apreender o seu sentido4.

Não obstante, ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana, justamente no pensamento Kantiano, ao afirmar a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana, “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade...”.

A partir da natureza racional do ser humano, Kant assinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si próprio e agir em conformidade com a representação de certas leis, são um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da pessoa humana5.

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Realizando uma retomada breve da história com as considerações ao instituto da dignidade da pessoa humana. A ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. Em que apenas os cristãos são dotados de um valor próprio e o qual lhe é intrínseco, renegando aos não cristãos tal valor.

Já no pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, podendo falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas.

No entanto, é a partir das formulações de Cícero, que desenvolveu uma compreensão de dignidade desvinculada do cargo ou posição social, possibilitando a coexistência de um sentido moral, ou seja, relacionados às virtudes pessoais do mérito, e ainda, na posição social ocupada pelo indivíduo, isto quanto a visão sociopolítica de dignidade.

Mas foi com a contribuição preciosa do espanhol Francisco de Vitória, no século XVI, durante a exploração colonial espanhola, sustentou relativamente ao processo de aniquilação, exploração e escravização dos índios e baseado no pensamento estoico e cristão, que os indígenas, em função do direito natural e de sua natureza humana, e não pelo fato de serem cristãos, católicos ou protestantes, eram em princípio livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos6.

É justamente pelo fato de que a dignidade vem sendo considerada (pelo menos para muitos e ainda que não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano, e certos de que a destruição de um implicaria a destruição do outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada um e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito.

Assim, não se deverá olvidar que a dignidade, ao menos de acordo com o que parece ser a opinião largamente majoritária, independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa, visto que, em princípio, todos são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos.

Portanto, sendo atributo intrínseco da pessoa humana (mas não propriamente inerente à sua natureza, como se fosse um atributo físico!) e expressar o seu valor absoluto, é que a dignidade de todas as pessoas não poderá ser objeto de desconsideração.

Por outro lado, há quem aponte para o fato de que a dignidade da pessoa não deve ser considerada exclusivamente como algo à natureza humana (no sentido de uma qualidade inata pura e simplesmente).

Desta forma, à medida em que a dignidade possui também um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimensões naturais e culturais da dignidade da pessoa se completam e interagem mutuamente7.

A partir dessas noções inicias acerca do instituto da dignidade da pessoa humana, passa-se a analisar o citado instituto e a Constituição Brasileira de 1988. A Constituição brasileira de 1988 coloca o ser humano como ratio essendi do Estado, garantindo-lhe uma vida digna, por meio de arcabouço democrático em que se vislumbrasse a justiça e a igualdade.

Este princípio tornou-se de suma importância, pois a principal problemática da sociedade brasileira reside na pessoa do homem, que, sem os meios mínimos, dignos de subsistência (salário, saúde, educação) precisou ser alçado ao mais importante grau, haja vista que é o cerne da sociedade – daí ser tal princípio guindado à condição de princípio fundamental, de modo que todos os demais valores, não são nada mais que um meio ou parâmetro para a sua realização8.

Desta feita, não pode um Estado, avocando para si o caráter democrático, negar ou exorbitar do seu poder – enquadre-se também o jus puniedi -, a ponto de desrespeitar as exigências de um procedimento legal que desobedeça ou negue a essência da dignidade humana, sobretudo daquele a quem pune9.

1.1.1. Dignidade humana: limite à restrição dos direitos fundamentais

Consoante já restou destacado, o princípio da dignidade da pessoa impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público viole a dignidade pessoal.

a dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mais implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo10.

Diante deste, não resta dúvida de que todos os órgãos, funções e atividades estatais estejam vinculadas ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes um dever de respeito e proteção, que se revela tanto obrigação por parte do Estado de ingerências na esfera individual que vão de encontro à dignidade pessoal, quanto na obrigação de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra violações advindas de terceiros e inclusive de agressões de particulares contra outros particulares, uma vez que os direitos fundamentais vinculam também diretamente os particulares nas relações entre si, sendo desta forma irrenunciável. A partir dessa ideia sustenta-se que a dignidade também se constitui um dever de cada indivíduo, para com os demais e consigo mesmo11.

Portanto, a dignidade na condição de princípio fundamental decorre de direitos subjetivos à sua proteção (pelo Estado e particulares), seja pelo reconhecimento de direitos fundamentais, seja de modo autônomo, igualmente terá em ultima ratio por força de sua dimensão intersubjetiva, a existência de um dever geral de respeito por parte de todos os integrantes da comunidade de pessoas para como os demais e, para, além disso, e, de certa forma, até mesmo um dever das pessoas para consigo mesmas.

Ainda partindo do pressuposto de que admitida a possibilidade de se traçarem limites aos direitos fundamentais, já que virtualmente pacificado o entendimento de que, em principio, inexiste direito absoluto, no sentido de uma total imunidade a qualquer espécie de restrição.

Assim, verifica-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana cumpre, dupla função, sendo também parte, ainda de variável, integrante do conteúdo dos direitos fundamentais (ao menos, em regra), e para além da discussão em torno de sua identificação com o núcleo essencial.

Constata-se que o princípio da dignidade da pessoa humana serve como importante elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas e, portanto – na esteira do que lembra Segado também contra uso abusivo dos direitos12.

Todavia, cumpre lembrar que o princípio da dignidade da pessoa também serve como justificativa para a imposição de restrições a direitos fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes.

Então, a dignidade da pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos e limites dos limites, isto é, barreira última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais, o que efetivamente não afasta a controvérsia sobre o próprio conteúdo da dignidade e a existência, ou não, de uma violação do seu âmbito de proteção13.

Portanto, considerando os comentários já tecidos, e aprofundando sobre a problemática da possibilidade de se estabelecer restrições (limites) à própria dignidade da pessoa.

Se partir da premissa de que a dignidade, sendo qualidade inerente à essência do ser humano, se constitui em bem jurídico absoluto, e, portanto, inalienável, irrenunciável e intangível, certamente teríamos dificuldades ao nos confrontar com o problema referido.

Por outro lado, parece-nos irrefutável que, na esfera das relações sociais, nos encontramos constantemente diante de situações nas quais a dignidade de uma determinada pessoa (e até de grupos de indivíduos) esteja sendo objeto de violação por parte de terceiros, de tal sorte que sempre se põe o problema (teórico e prático) de saber se é possível, com escopo de proteger a dignidade de alguém, afetar a dignidade do ofensor, que, pela sua condição humana, é igualmente digno, mas que, ao menos naquela circunstância, age de modo indigno e viola a dignidade dos seus pares, ainda que tal comportamento não resulte na perda da dignidade.

Nesta situação, vale lembrar a lição do Brugger, que, parte da premissa, baseada na Lei fundamental da Alemanha, no seu artigo 1º, inciso I, descreve que a “dignidade do homem é intangível”, tomando por referência a experiência de que esta dignidade é, de fato, violável e que por esta razão necessita ser respeitada e protegida, especialmente pelo poder que, apesar de muitas vezes ser o agente ofensor, ainda acaba sendo a maior e mais efetiva instancia de proteção da dignidade da pessoa humana14.

Embora a Constituição brasileira de 1988 não traga expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, é entendimento majoritário da sua relevância e inviolabilidade.

Nesse passo, diante da violabilidade concreta da dignidade pessoal, e em que pese o mandamento jurídico-constitucional de sua intangibilidade, permanece o questionamento do cunho absoluto da dignidade da pessoa e da possibilidade de se admitir eventuais limitações à dignidade pessoal.

Não há como desconsiderar, neste contexto, a função da dignidade como tarefa, no sentido especifico de que ao Estado e o Direito Penal também cumpre este desiderato; incumbe o dever de proteger (inclusive mediante condutas positivas) os direitos fundamentais e a dignidade dos particulares15.

1.3. Do estado ou situação jurídica de inocência

Esse princípio remonta ao art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-08-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico humanitário chamado “Iluminismos”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentro outros, Beccaria, Montesquieu, Rousseau. Um movimento que rompe a mentalidade da época, em que, além de acusações secretas e torturas, o acusado era tido como objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Beccaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder à condenação na estrita medida que a necessidade o exige”16.

No Brasil o princípio da presunção de inocência está expresso no art. 5º, LVII, da Constituição brasileira de 1988, como princípio reitor do processo penal e, em última analise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual por meio do seu nível de observância (eficácia).

Tal é sua relevância que Carvalho17 afirma que “o Princípio de Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum: é pressuposto – para seguir, nesse momento histórico, da condição humana.”

A complexidade do conceito de presunção de inocência faz com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal. Contudo, a essência da presunção de inocência poder ser sintetizada nas seguintes expressões: dever de tratamento e ônus probatório.

Assim, a doutrina por meio do princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, faz com que o poder estatal observe essas duas situações em relação ao acusado. Esse dever de tratamento atua em duas dimensões: interna e externa ao processo.

Dentro do processo, o princípio do estado de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverá efetivamente tratar o réu como inocente, não abusando das medidas cautelares e, principalmente, não olvidando que a partir dela se atribui a carga da prova integralmente ao acusador; bem como, em nenhum momento poderá este sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação.

Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado. Quanto ao campo probatório, em que consistira que todo ônus da prova recairá exclusivamente sobre a acusação, portanto a partir do momento que o acusado é inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada18.

Assim, no processo penal o acusador inicia com uma imensa carga probatória, constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado, mas também pela necessidade de derrubar a situação de inocência instituída pela constituição.

À medida que o acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial, ele se libera da carga e, ao mesmo tempo, enfraquece o estado de inocência, até chegar ao ponto de máxima liberação da carga e consequente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal condenatória.

Portanto, é quanto ao instituto das prisões cautelares e referente às regras de tratamento que se encontra a efetiva aplicabilidade do estado de inocência. Uma vez que referido princípio exerce importantíssima função, ao exigir que toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado deva ostentar natureza cautelar, com ordem judicial escrita pela autoridade competente e devidamente motivada.

Assim é o estado de inocência e não a presunção que proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, sem que não esteja fundada em razões de extrema necessidade, à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal19.

Também a propósito da dimensão do princípio da presunção de inocência, George Sarmento enfatiza a necessidade de cristalizar a presunção de inocência como um direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, regra de processo e regra de tratamento”. Cria-se assim “um amplo espectro de garantias processuais que beneficiam o acusado durante as investigações e a tramitação da ação penal”, porém, “sem impedir que o Estado cumpra sua missão de investigar e punir criminosos, fazendo uso de todos os instrumentos de persecução penal previstos me lei”, assegurando o combate legitimo e efetivo da criminalidade20.

Para Goldschmidt, se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição, a o princípio da presunção e/ou estado de inocência é o ponto de maior tensão entre eles21.

Desta feita, é um princípio fundamental de civilidade, Ferrajoli “fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos inocentes”22.

Para Lopes, essa opção ideológica, em se tratando de prisões cautelares, é da maior relevância, pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente (pois ainda não existe sentença com trânsito em julgado) é altíssimo, ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro23.

Acrescenta-se a este princípio no assentamento ao reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados constituem os elementos essenciais da democracia.

1.3.1. Estado de inocência e cautelaridade

Em relação ao tema de prisão e liberdade provisória, é necessário redefinir alguns institutos jurídicos pertencentes à matéria, para o fim de retalhamento com as garantias individuais da Constituição brasileira de 1988.

A começar pelo banimento das chamadas prisões processuais, assim denominadas pela doutrina, ou seja, as prisões decorrentes de pronúncia e sentença penal condenatória recorrível, uma vez que estas afrontavam ao estado de inocência, ao antecipar a responsabilidade penal do então pronunciado ou sentenciado, porém não condenado em definitivo. Portanto, na Constituição brasileira de 1988, duas consequências imediatas se fizeram sentir no seio do sistema prisional, a saber:

a) instituição de um princípio afirmativo da situação de inocência para todos que esteja submetido à persecução penal, seja extrajudicial ou judicial;

b) garantia que toda prisão seja efetivamente fundamentada e, devidamente ordenada pela autoridade judiciária competente24.

E estas consequências são de interesse da jurisdição penal, com a marca de indispensabilidade e da necessidade da medida. Assim se ao reconhecimento da situação jurídica de inocente (art. 5º, LVII, da CF/88).

Desta feita, garantindo que a prisão seja decretada como acautelamento dos toda prisão anterior ao trânsito em julgado será considerada cautelar e provisória, pois, esta medida de exceção assegura o adequado e regular exercício da jurisdição penal.

Nesse passo, deve-se ao princípio da inocência, em que nossa Constituição não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou de persecução penal.

Logo é indispensável que a privação da liberdade seja devidamente fundamentada pela autoridade judicial e que essa fundamentação esteja relacionada com a proteção de determinados e específicos valores igualmente relevantes.

Assim, de forma pragmática, conclui-se que tais prisões devem ser cautelares, acautelatórias do processo e da jurisdição penal. Somente ai se poderá legitimar a privação da liberdade de quem e reconhecido pela ordem jurídica como ainda inocente.

Ainda, grave problema existe no paralelismo entre processo civil e processo penal, isto ocorre quando são utilizadas categorias e definições do processo civil de forma automática no processo penal. Uma vez que, o fenômeno do processo civil é bastante claro e distinto daquele que caracteriza o processo penal25.

Desta feita, as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como consequências, a eficaz aplicação do poder de penar. São medidas destinadas à tutela do processo.

Portanto, no processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível.

É correto é a firmar que o requisito, para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti, enquanto probabilidade da ocorrência de um delito (e não de um direito), ou, mais precisamente, na especificamente do CPP, a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, assim, não há como se equiparar o fumus boni iuris, instituto utilizado no processo civil. Também, equivocadamente a doutrina considera o periculum in mora como outro requisito das cautelares.

Em primeiro lugar, o periculum não é requisito das medidas cautelares, mas sim seu fundamento e em segundo lugar, o periculum in mora é visto como risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no processo.

Nesse passo, o fator determinante não é o tempo, mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado. Por meio do risco de frustração da função punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta (em relação à coleta de provas). Pois, o risco no processo penal decorre da situação de liberdade do acusado. Logo, o fundamento é um periculum libertatis, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado.

É necessário abandonar a doutrina civilista para buscar conceitos próprios e que satisfaçam plenamente as necessidades do processo penal, recordando, sempre, que as medidas cautelares são instrumentos serviço do processo, para tutela da prova ou para garantir presença da parte passiva .

1.4. Da necessidade da prisão e proporcionalidade

Com as mudanças impostas pela Constituição de 1988, consequências se fizeram sentir no sistema prisional, em que as privações da liberdade antes da sentença final devem ser judicialmente justificadas e somente na medida em que estiverem protegendo o adequado e regular exercício da jurisdição penal.

Portanto referidas prisões devem ser cautelares, acautelatórias do processo e das funções da jurisdição penal. Somente ai se poderá legitimar sua necessidade e relativizar o estado de inocência dentro da perspectiva do princípio da proporcionalidade.

Apesar da legislação não fazer referência expressa à necessidade da adoção de critérios de proporcionalidade na fixação das prisões cautelares, não podemos deixar de reconhecer que o Código de Processo Penal Brasileiro não descurou totalmente de semelhante preocupação. Logo, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sempre uma medida cautelar, faz-se necessário que sua aplicação não se perca de vista dos resultados finais do processo, que é sua razão de ser.

Portanto, a prisão cautelar é utilizada, e somente aí se legitima, como instrumento de garantia da eficácia da persecução penal, diante de situações de risco real devidamente prevista em lei.

Daí se sua aplicação pudesse trazer consequências mais graves que o provimento final buscado na ação penal, ela perderia a sua justificação, passando a desempenhar função exclusivamente de punição. A proporcionalidade da prisão cautelar é, desta feita, a medida de sua legitimação, a sua ratio essendi [26]. Esta ideia se constata em várias situações, a exemplo da impossibilidade legal de se decretar a prisão preventiva para crimes culposos (art.313 do CPP), ainda que se verifique a presença dos requisitos legais autorizadores para sua concessão.

Esta proibição parte da lógica de que o acusado venha a ser condenado ao final da ação penal, a este dificilmente ser-lhe-á imposta uma pena restritiva de liberdade, haja vista a possibilidade de aplicar uma das sanções restritivas de direito que a esses tipos penais são permitidos ou nenhuma pena ser aplicada em decorrência da possível suspensão processual (art. 89 da Lei nº 9.099/95) ou até da própria pena, sursis, que lhe será imposta ao final do processo.

Diante dessas situações e outras semelhantes, percebe-se, a imposição da prisão cautelar superaria, em muito, o resultado final pretendido no processo. Logo, estaria inexoravelmente comprometida a função acautelatória da prisão provisória, em prejuízo da instrumentalidade, que vem a ser a justificação de sua existência.

É o princípio da proporcionalidade definido como o princípio dos princípios, por ser o principal sustentáculos das prisões cautelares.

Proporcionalidade: além de encontrar assento na imperativa exigência de respeito À dignidade humana, tal princípio aparece em diversas passagens do nosso Texto Constitucional, abolindo certos tipos de sanções (art. 5º, XLVII), exigindo individualização da pena (art. 5º, XLVI), maior rigor para casos de maior gravidade (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos graves.

Toda vez que o legislador cria um novo tipo incriminador, impõe à sociedade um ônus decorrente da ameaça de punição que passa a pairar sobre todos os cidadãos. Por outro lado, esse ônus é compensado pela vantagem de proteção do interesse tutelado pelo tipo incriminador.

As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos.

O princípio da proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, em perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.27

Esta analise judicial se dará pela a adequação em que informa a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins. Logo, se houver alguma outra medida (inclusive de natureza cautelar real) que se apresente igualmente apta e menos onerosa para o imputado, ela deve ser adotada, reservando a prisão para os casos graves, como ultima ratio do sistema. Pela necessidade “preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja”28.

Relaciona-se, assim, com os princípios anteriores de provisoriedade e provisionalidade. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito significa o sopesamento dos bens em jogo, cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação.

Neste contexto, portanto, tem o princípio da proporcionalidade fundamental importância na aferição da constitucionalidade de leis interventivas na esfera de liberdade humana, porque o legislador, mesmo perseguindo fins estabelecidos na constituição e agindo por autorização desta, poderá editar leis consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos direitos com a adoção de cargas coativas maiores do que as exigíveis à sua efetividade.

Trazendo um exemplo dessa situação complexa dos direitos e garantias, em que está em causa um direito do homem, e dois ou mais direitos igualmente fundamentais se enfrentem, como observa Bobbio:

Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direto de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar em direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente. E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um determina e outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas29.

Em outras, situações, um direito fundamental pode colidir com bens jurídicos da comunidade, resultando em tensões igualmente não solucionáveis por critérios abstratos e gerais. E o caso, de quando a liberdade individual colide com a saúde pública ou a segurança nacional30.

Também, como anota Canotilho, o princípio considerado significativo, no âmbito das leis interventivas na esfera de liberdade dos cidadãos, que qualquer limitação a direitos feita pela lei deve ser apropriada, exigível e na justa medida, atributos que permitem identificar o conteúdo jurídico do cânone da proporcionalidade em sentido amplo: exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido restrito, pela qual se pondera a relação entre carga da restrição e o resultado31.

Desta feita, o princípio da proporcionalidade, além de viabilizar um efetivo controle das leis, por permitir detectar situações inconstitucionais menos flagrantes, fornece ao juiz um instrumental prático inigualável, quando se trata de justificar uma excessiva intervenção do legislador na seara dos direitos individuais. Assim, tem esse princípio forte atuação no campo da necessidade da prisão, quando da decisão do juiz diante do caso concreto, quanto ao legislador no momento da construção das leis relacionadas a direitos fundamentais.

No próximo capítulo tratar-se-á das espécies de prisões cautelares e as novas ideias trazidas pela Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, relativas ao tema. Nesse passo, será explorado no citado capítulo as ideias de cada instituto e suas atualizações.

Sobre o autor
Darlan Batista

Advogado criminalista com atuação nacional. Especialista em Direito Penal e Processo Penal (nota máxima no Trabalho de Conclusão do Curso intitulado: Relativização da prisão cautelar: Ponderação dos princípios do estado de inocência e da necessidade da prisão). Exerceu o cargo de assessor parlamentar 2008/2010 no Legislativo Municipal do Recife. Atuou como agente multiplicador do combate e prevenção ao tráfico de seres humanos/SDS-PE. Editor do Blog Ampla Defesa: www.ampladefesa.wordpress.com

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