Existem considerações pertinentes a serem feitas a respeito do presente instituto, tanto no tocante as contradições existentes entre o disposto no Estatuto de Roma e a Constituição Nacional de seus membros. Neste aspecto utilizar-se-á a Constituição brasileira, que sob um olhar superficial, possui demasiada incompatibilidade com este Tribunal.
É importante mencionar que não só o Brasil possui em seu ordenamento jurídico divergências com o Estatuto de Roma, a França é outro exemplo de muitos deles. Destaca-se esta Nação pela forma de solucionar a divergência adotada, que optou por modificar o seu ordenamento nacional para que este se tornasse compatível com aquele.
Também será abordado o prejuízo que a ausência de ratificação do Estatuto pelos Estados Unidos da América, uma das maiores potências do mundo, causa ao melhor funcionamento do Tribunal Penal Internacional e como a ausência de cordialidade entre os membros deste dificultam a aplicação da pena.
Os Conflitos Aparentes do Estatuto de Roma com a CF de 1988
Antes que seja feita uma análise mais profunda a respeito do tema, apenas visualizando-o superficialmente, já se destaca a impossibilidade de opor reservas (ato pelo qual um Estado modifica ou exclui os efeitos de algumas disposições do tratado no tocante a sua aplicação ao Estado) ao Estatuto. Por tal motivo o Estatuto foi submetido a uma análise minuciosa em um Seminário Internacional[1] para que averiguassem todas as consequências que essa adoção traria ao Brasil após ratificá-lo.
O Ministério das Relações Exteriores juntamente com o Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal concluíram o Seminário afirmando só haver conflitos aparentes, o que levou diversos doutrinadores e juristas à euforia, pois por aparentes os seminaristas tratavam de violações importantíssimas como à entrega de nacionais ao Tribunal, a instituição da pena de prisão perpétua, a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativa de função, e a coisa julgada.
Antes de analisar intimamente as antinomias apresentadas acima é importante salientar que o Estatuto de Roma é uma norma centrífuga (que retira o praticante do ato ilícito de seu território e o leva a uma jurisdição global) que possui nível supraconstitucional.
A primeira e mais importante antinomia acima elencada trata da possibilidade de entrega de nacionais para serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional. O Estatuto de Roma, em seu artigo 89, prevê que o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados Parte darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o estabelecido no Estatuto e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos.
A Constituição da República Federativa do Brasil em contrapartida veda a extradição de nacionais, conforme disposto no artigo 5º, LI:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
Para uma melhor compreensão do que está elencado nos dois dispositivos é de suma importância que façamos a distinção do que é entendido por “entrega” e “extradição”. O próprio artigo 102 do Estatuto de Roma, alíneas a e b conceituam os dois institutos. A entrega é o ato pelo qual um Estado entrega uma pessoa para ser julgada pelo Tribunal e extradição, por outro lado, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno.
O fundamento que existe para que as Constituições contemporâneas prevejam a não extradição de nacionais, está ligado ao fato de a justiça estrangeira pode ser injusta e julgar o nacional do outro Estado sem imparcialidade, o que não se aplica ao caso do TPI, pois os crimes já estão definidos no Estatuto de Roma, e as normas processuais são as mais avançadas do mundo no tocante às garantias da justiça e da imparcialidade dos julgamentos.[2]
Após a ratificação do Estatuto, tento em vista o princípio da boa-fé, este se torna regra obrigatória para o Estado-parte, tendo estes o dever de cooperar plenamente com o com o Tribunal Penal Internacional no inquérito e no procedimento contra os seus crimes de competência.[3]
O artigo 98 do Estatuto de Roma dispõe a respeito da possibilidade do Tribunal não dar seguimento ao pedido de entrega, quando:
1. O Tribunal pode não dar seguimento a um pedido de entrega ou de auxílio por força do qual o Estado requerido devesse atuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem à luz do direito internacional em matéria de imunidade dos Estados ou de imunidade diplomática de pessoa ou de bens de um Estado terceiro, a menos que obtenha, previamente a cooperação desse Estado terceiro com vista ao levantamento da imunidade.
2. O Tribunal pode não dar seguimento à execução de um pedido de entrega por força do qual o Estado requerido devesse atuar de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem em virtude de acordos internacionais à luz dos quais o consentimento do Estado de envio é necessário para que uma pessoa pertencente a esse Estado seja entregue ao Tribunal, a menos que o Tribunal consiga, previamente, obter a cooperação do Estado de envio para consentir na entrega.
Logo o ato da entrega não fere a Constituição Federal, uma vez que esta expressamente veda a extradição à outro Estado e não à entrega ao TPI. No caso do Brasil não cooperar com o Tribunal, quando este solicita a entrega de um nacional, este ato pode trazer-lhe inúmeros prejuízos, pois o próprio Estatuto prevê a possibilidade de instauração de um processo pela Assembleia dos Estados Partes ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o Estado não colaborador.
O Estatuto de Roma, assim como a Constituição Brasileira, prevê a aplicação de pena privativa de liberdade não superior a 30 anos. O problema aparece quando em seu item 2 do artigo 77 este admite ainda a prisão perpétua analisando no caso concreto o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem, o que é expressamente proibido na Constituição Federal que em seu artigo 5º, XLVII, b veda as penas em caráter perpétuo.
Os que eram contra a instituição da pena no Estatuto usavam como argumentos o fato do Estado não poder delegar à jurisdição internacional poderes que não possui, por meio de tratados e a impossibilidade de implementação desta pena ao governo brasileiro uma vez que violaria os Direitos e Garantias Fundamentais, consideradas cláusula pétrea por esta Constituição.
Por outro lado, os que apoiavam a sua instituição defendiam que o próprio Estatuto previa a possibilidade de revisão da sentença ou da pena, conforme prescrito em seu artigo 84, bem como justificavam que o único Estado Parte a se opor no tocante a pena de prisão perpétua seria o Brasil, não restringindo legisladores estrangeiros, muito menos os internacionais. Nesse aspecto, colaciona-se a posição de Cachapuz de Medeiros:
Entende o pretório excelso que a esfera da nossa lei penal é interna. Se somos benevolentes com “nossos delinquentes”, isso só diz bem com os sentimentos dos brasileiros. Não podemos impor o mesmo tipo de “benevolência” aos Países estrangeiros. A proibição constitucional de pena de caráter perpétuo restringe apenas o legislador interno brasileiro.[4]
Dessa forma não há que se falar em incompatibilidades, pois a aplicação da pena de prisão perpétua pelo Tribunal está em uma jurisdição diferente da jurisdição nacional. A Constituição brasileira veda a instituição de pena de caráter perpétuo apenas em seu ordenamento pátrio, não podendo o Brasil adotá-la, o que nada diz respeito à forma de punição empregada internacionalmente.
Esse tema é controvertido até mesmo para o Brasil, pois o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da jurisdição brasileira, vem deferindo extradições para países que admitem a pena em caráter perpétuo.[5]
O Brasil, ainda que excepcionalmente, prevê a aplicação de algumas penas proibidas constitucionalmente, que é o caso da pena de prisão perpétua quando se encontrar em estado de guerra, bem como a aplicação da pena de morte, nos casos de sanções militares trazidas pelo Código Penal Militar.[6]
Além do que já foi exposto, o Brasil dispõe em sua Carta Magna, no artigo 5º §4, sobre a submissão à jurisdição do TPI, bem como trata no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias sobre a criação de um tribunal internacional dos direitos humanos.
Dessa forma seria controverso se o Brasil admitisse tratamento diverso a um órgão supranacional,[7] não podendo aduzir acerca da incompatibilidade uma vez que o próprio Estado aplica esta pena ou permite que Estados com menos imparcialidade que o Tribunal a apliquem.
Considera-se como imunidade de jurisdição as garantias instituídas a certos ocupantes de cargos e funções públicas para o livre desenvolvimento de seus ofícios o que salvaguarda a soberania dos Estados. O Brasil admite tais previsões o que não é levado em consideração pelo TPI, que em seu artigo 27 preceitua:
1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.
2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.
Essa disposição foi amplamente contestada pelo direito interno brasileiro, que sempre priorizou as prerrogativas conferidas aos seus ocupantes de cargos públicos, contudo o Tribunal Penal Internacional julga, na sua extensa maioria crimes cometidos ou assentido por estes agentes políticos que se utilizam do poder para alcançar seus propósitos.
É nesse aspecto que o TPI faz valer o princípio da dignidade humana, uma vez que não leva em consideração as prerrogativas que o acusado possa ter em seu estado nacional em virtude do seu cargo.
Portanto, conclui-se que não há que se falar em conflito uma vez que a previsão de imunidade e privilégio de função disposto na Constituição nacional, não colide com a exclusão destes pelo Estatuto de Roma, pois as normas do TPI devem ser interpretadas no sentido de efetivar um valor jurídico maior que são os direitos fundamentais dos homens, princípio que sustenta as relações internacionais.
E por último tem-se o desrespeito a coisa julgada material. Para uma melhor compreensão deste aspecto é necessário conceituar o que o Brasil considera por coisa julgada material que nada mais é que a “eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”[8] Dessa forma o artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
A princípio, em seu artigo 20, o Estatuto de Roma respeita a coisa julgada quando estabelece que salvo disposição contrária do presente Estatuto, nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de crimes pelos quais este já a tenha condenado ou absolvido. O problema aparece, pois, ainda que excepcional, quando o Tribunal prevê a aplicação de sua competência nos casos do julgamento encontra-se na iminência ou na concretização do processo pelo Estado, que atua com a intenção de forjar o julgamento para absolver o autor ou quando o processamento do acusado não ocorrer de forma imparcial.
É importante salientar que nos casos em que houver conflito de competência entre a jurisdição penal interna e a jurisdição do TPI, o próprio Tribunal irá decidir o conflito informando qual jurisdição terá competência para o julgamento, apesar da aplicação do Estatuto ser subsidiária a aplicação do direito interno, mas tendo em vista a sua maior imparcialidade assim ficou listado nos artigos 17 a 19 do Estatuto.
Como todos os outros, este também é mais um conflito aparente que o Ordenamento brasileiro encontra com o Estatuto de Roma, pois o próprio Estado brasileiro admite a impugnação capaz de desconstituir a coisa julgada denominada de Ação Rescisória, que apesar de possuir prazo e ter sua matéria taxativamente prevista esta relativiza a coisa julgada.
Logo, conclui-se que são consideradas por antinomias aparentes por não haver qualquer conflito direito com a Constituição Federal do Brasil, não existindo qualquer restrição ou diminuição da soberania deste.
Ausência de Ratificação pelos Estados Unidos da América
Os Estados Unidos possuem umas das principais economias do mundo, sendo a sua moeda a considerada de maior importância não só na América do Norte no mundo todo.
Não só a sua economia é motivo de destaque, as suas pretensões bélicas também precisam ser consideradas, pois o país detém uma enorme quantidade de armas, nucleares e não nucleares, capazes de destruir nações inteiras.
Após a Segunda Guerra Mundial, com todos os países participantes devastados os EUA detinham o maior produto interno bruto do mundo, o que foi de suma importância para os países derrotados, que conseguiram se reerguer com a ajuda deste.
Na discussão acerca da criação do Tribunal, em 1998, os EUA enviaram seus membros à Conferência de Roma o que foi responsável pelas maiores alterações no texto inicial do Estatuto. Decorridos alguns anos, o Estado assinou o tratado para criação do Estatuto de Roma, embora o presidente com mandato na época possuísse posicionamento contrário à criação de um Tribunal Internacional.
Foi o presidente Bill Clinton que assinou o Estatuto de Roma, mas não pelos motivos comuns. Este assinou o tratado por visualizar que esta seria a única forma do Tribunal Penal Internacional não se tornar uma ameaça à seus interesses. Apesar de ter assinado, nunca teve a intenção de comunicar ao senado de seu Estado para que ocorresse à então aprovação por este.
George W. Bush estava cumprindo o seu primeiro mandato quando o Estatuto de Roma entrou em vigor, período em que se destacaram as políticas de combate ao terrorismo, após os ataques de 11 de setembro de 2001, principalmente, por países como Estados Unidos, China e Israel, que permanecem se manifestando oficialmente contra o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.[9]
Ocorre que em 2002, John Bolton, o Subsecretário de Estado para o Controle de Armas e Segurança Internacional dos Estados Unidos, anunciou a decisão do país de anular a assinatura do Estatuto de Roma.
Conforme depreende Shabbas, a oposição dos Estados Unidos dirigida ao Tribunal Penal Internacional manifestou-se especialmente de três formas: (1) a aprovação de resoluções no Conselho de Segurança restringindo a atuação do Tribunal Penal Internacional; (2) a iniciativa de buscar acordos bilaterais de não entrega de oficiais norte-americanos ao Tribunal Penal Internacional conhecidos como Acordos Bilaterais de Imunidade e (3) a aprovação de legislação doméstica que autorizou o Presidente dos Estados Unidos a usar força militar para obstruir as operações do Tribunal Penal Internacional e a retirar a ajuda financeira e militar para países membros do Tribunal.[10] Apesar de serem íntimos defensores dos Tribunais ad hoc este encontrava empecilho para a criação de um tribunal internacional permanente.
Em 2006, os Estados Unidos passaram a ver o TPI diversamente do que na época de sua instituição, pois neste ano, após diversos conflitos armados e levando em consideração o que houve no oeste do Sudão,[11] estes passaram a aderir à movimentos internacionais que pudessem combater a impunidade.
Atualmente os Estados Unidos da América não atuam de forma a sabotar o Tribunal Internacional ou a negar ajuda aos Estados que o adotam, apenas optam por julgar seus nacionais internamente por crimes de guerra, genocídio, agressão e contra a humanidade.
O atual presidente dos EUA, Barack Obama, é o chefe de Estado que mais se aproxima da possibilidade de requerer ao legislativo a adesão de uma corte internacional, por demonstrar uma política que repreende ataques e atentados, apoiando o fim da impunidade e a justiça criminal, que ficou visível com o suporte dado aos tribunais internacionais que tratam das atrocidades em Ruanda, Iugoslávia e outros países.
Vale salientar que a adesão dos Estados Unidos ao Estatuto de Roma traria inúmeros benefícios não só ao instituto do TPI em si, que lucraria com as doações monetárias feitas pelo país, mas também aos norte-americanos e nacionais de outros países que poderiam ter seus direitos sendo preservados internacionalmente, tendo que vista que os EUA foram responsáveis por inúmeros massacres, como o ocorrido em Balinga, No Gun Ri, Gnadenhutten, Dachau, Kandahar, Wounded Knee, My Lai, dentre outros.
Não só por ser a maior potência econômica e militar da atualidade, os EUA ainda ocupam o lugar principal de comando da Organização das Nações Unidas (ONU), contribuindo, sozinho, com a maior parte dos recursos financeiros utilizados por esta organização, por isso é tão importante a sua participação no TPI.
Como se tem conhecimento, a ONU possui alguns objetivos similares ao do Tribunal Penal Internacional, são eles o de Manter a Paz Internacional, Garantir os Direitos Humanos, Promover o Desenvolvimento Socioecônomico das Nações, Incentivar a Autonomia das Etnias Dependentes e Tornar mais Fortes os Laços entre os Países Soberanos.
Fica então evidente a ausência que os Estados Unidos fazem no instituto do Tribunal Penal Internacional, não só por poderem fazer investimentos importantes para este, mas também para que os seus nacionais possam ser levados à uma justiça internacional, pois é controverso que um Estado possua comando em uma organização que tem como finalidade preservar a Dignidade da Pessoa Humana e este mesmo não faça parte do maior Tribunal que garante este direito.
Cooperação entre os Estados como uma forma de tornar o Tribunal Penal Internacional mais eficaz
Para uma compreensão clara acerca do assunto em comento é necessária uma explicação acerca da sentença e da prisão no âmbito do TPI. Existem diversas sentenças internacionais aplicáveis ao Brasil, são elas as proferidas por Organizações Internacionais, como a Corte Interamericana de Justiça, Cortes Permanentes, Tribunal Penal Internacional, e as que são criadas para julgar casos específicos, que são as ad hoc.
A sentença internacional tem natureza de ato jurídico, pois se constitui de uma declaração de vontade apta a produzir efeitos. José Carlos Magalhães assim a define:
Sentença internacional consiste em ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. O mesmo pode-se dizer da submissão de um litígio a um juízo arbitral internacional, mediante compromisso arbitral, conferindo jurisdição específica para a autoridade nomeada decidir a controvérsia.[12]
É importante salientar que após a ratificação do Estatuto pelo Estado, este passa a possuir eficácia em seu território. As sentenças internacionais, proferidas por tribunal de que o Brasil participe, não são sentenças estrangeiras. Emanam da própria vontade do Estado, por intermédio de seu representante no tribunal. Assim sendo, estão dispensadas de homologação, devendo ser executadas de acordo com o ato internacional que as rege.[13]
Trazendo para o âmbito nacional, as sentenças proferidas por tribunais internacionais dispensam homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, pois estas são proferidas por cortes internacionais não se enquadrando no conceito de sentenças estrangeiras a que se refere o artigo 483 do Código de Processo Civil Brasileiro, que estabelece a necessidade de homologação. Por sentença estrangeira se deve entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados.[14]
Após a expedição da sentença, o TPI envia um comunicado para o Estado em que habita o infrator, que pode ser participante ou não do tratado de Roma, para que este entregue o condenado com o intuito de cumprir a sua pena.
O Tribunal é financiado pelos Estados Parte, pela ONU e pelas contribuições voluntárias, e como é sabido este não possui institutos prisionais, contando com a colaboração dos seus membros para efetivar seus objetivos, e por este motivo não podem operar sem o intermédio dos tribunais nacionais. Acerca dessa sujeição, dispõe Alain Pellet:
Quando a coerção a serviço da aplicação do direito, ela permanece, também, difusa, espalhada, aleatória: os meios de coerção – exército, polícia – continuam nas mãos dos Estados. Ainda hoje os tribunais penais internacionais, que constituem um elemento inteiramente dependente dos Estados para a prisão de pessoas acusadas de crimes, reunião das provas e execução das penas.[15]
No caso de um acusado ser efetivamente entregue por um Estado ao TPI este cumprirá sua pena em um dos sistemas penitenciários designado pelo Tribunal que se localizará em algum dos Estados Partes,[16] que já manifestaram sobre a disponibilidade para receber pessoas condenadas.
Contudo o maior empecilho na execução das sentenças e cumprimento das penas é exatamente algo tão simples como a cooperação dos Estados, que não mantém os compromissos assumidos, quando deveriam colaborar com o Tribunal e cumprir o solicitado com o intuito de preservar o direito internacional, o direito dos tratados e o “pacta sunt servanda”.
A expressão em latim significa que os pactos devem ser cumpridos e advém do Princípio da Força Obrigatória, que assevera que os contratos obrigam às partes, vinculando estas aquele, o que torna o pacto próximo da imutabilidade, salvo nos casos de infração direta à lei.
O Tribunal Penal Internacional não possui força armada, mas ainda que possuísse estaria de mãos atadas, pois ainda que este soubesse da habitação de um executado em um determinado território, naquele não poderia ingressar, já que estaria ferindo a soberania[17] daquele Estado, ficando obrigado a contar com a cooperação dos Estados Parte para cumprir a sua finalidade.
Sobre a cooperação dos Estados Parte Muriel Ubéda dispõe que:
A obrigação de cooperar com as jurisdições penais internacionais é uma necessidade, seu respeito condiciona a eficácia delas, por conseguinte a sua razão de ser e, enfim, sua viabilidade. No entanto, ela traduz aspirações a uma justiça penal internacional que deve ser conciliada com as realidades da sociedade internacional, composta, sobretudo por Estados soberanos preocupados em presumir sua independência. À imagem do direito internacional, a obrigação de cooperar não é homogênea: seus elementos constitutivos variam em função da jurisdição, do aspecto da cooperação e do destinatário da obrigação levada em conta.[18]
O capítulo IX do Estatuto de Roma dispõe acerca da cordialidade dos Estados, dispondo a respeito dos mecanismos que estes devem seguir no momento de solicitar a cooperação. O pedido de cooperação pode ser enviado à todos os Estados, adeptos ou não ao TPI, mas os Estados Partes devem dar satisfação ao pedido de detenção e entrega, conforme estabelece o Estatuto.
Os Estados Parte ainda podem recusar o pedido de cooperação, desde que motivado, todavia a recusa na cooperação, conforme estabelece o artigo 87 da ao Tribunal o poder de elaborar um relatório e remeter a questão à Assembleia dos Estados Partes ou ao Conselho de Segurança, quando tiver sido este obrigado a submeter o fato ao Tribunal.
Atualmente o Tribunal Penal Internacional conta com 13 mandados de prisão pendentes que não conseguem atingir seu objetivo por falta de cooperação. Alguns destes acusados ocupam altos cargos nos governos de seus países, é o caso do presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al-Bashir. O atual presidente recém-eleito do Quênia, Uhuru Kenyatta e seu vice-presidente, William Ruto, também são acusados pelo TPI que continuam a serem julgados e caso não haja o comparecimento destes ao Tribunal serão somados a lista dos fugitivos.
Ocorre que os 122 países membros do TPI, não sendo partes os Estados Unidos, Rússia, Israel e Sudão, não cumprem a sua parte na obrigação. O Tribunal Internacional investigou e julgou, é dever dos Estados cooperarem com o Tribunal prendendo os acusados quando da entrada em seu território.
Mas essa não é a realidade, pois o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al-Bashir, transita livremente no Quênia, no Chade e na República do Malawi, Estados esses membros do TPI. O presidente do Sudão também ingressou livremente na Nigéria sem que houvesse qualquer coação a este.
A problemática encontra-se no momento de aplicação da sanção ao Estado Parte pelo descumprimento do dever de cooperar. A Nigéria terá que prestar esclarecimentos ao Conselho de Segurança da ONU, mas esta infração ao Estatuto de Roma não deve gerar consequências negativas a este país, pois, até hoje, nenhuma Estado foi punida por desobedecer a uma ordem da corte internacional.
Desta forma, fica evidente por que o Tribunal Penal Internacional não possui demasiada eficácia, pois como foi amplamente discorrido, não possui em seus membros a maior potência do mundo e ainda encontra óbice com a resistência dos acusados e a ausência de cordialidade pelos Estados Parte.
[1] O Seminário ocorreu, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 1999 na capital federal e tinha como tema “O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira”.
- MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op., cit., p. 1052
[3] Artigo 86 do Estatuto.
[4] CACHAPUZ DE MEDEIROS. Antônio Paulo. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/tpi/cartilha_tpi.htm.> Acesso em 25 de março de 2015.
[5] Mantendo a orientação da Corte no sentido de não se exigir do Estado requerente, para o deferimento de extradição, compromisso de comutação da pena de prisão perpétua aplicada ao extraditando na pena máxima de trinta anos, o Tribunal, por unanimidade, deferiu pedido de extradição, vencidos em parte os Ministros Celso de Mello, relator, Maurício Corrêa, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, que condicionavam o deferimento do pedido ao compromisso de o Estado requerente comutar, em pena de prisão temporária, a pena de prisão perpétua eventualmente aplicável ao extraditando. Precedente citado: Ext 426-EUA (RTJ 115/969).
Ext 811-República do Peru, rel. Min. Celso de Mello, 4.9.2002.(EXT-811).
[6] Artigo 401 do Código Penal Militar.
[7] Artigo 27 da Convenção de Viena: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.
[8] Artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro.
[9] MAIA, Marriele. O Tribunal Penal Internacional na grande estratégia norte-americana 1990-2008, p. 159.
[10] SHABBAS, W. A. An Introduction to the International Criminal Court. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 1-2.
[11] Movimento Armado para a Libertação do Sudão e o Movimento para a Justiça e Igualdade.
[12]TAKAHASHI PEREIRA, Marcela. Cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no âmbito interno. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6491#_edn11> Acesso em 03 de fevereiro de 2015.
[13] SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Direito Processual Internacional: efeitos internacionais da jurisdição brasileira e reconhecimento da jurisdição estrangeira no Brasil. Rio de Janeiro: Villani, 1971. p. 171.
[14] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op., cit.,p. 736 e 737.
[15] PELLET, Alain. As novas tendências do direito internacional: aspectos macrojurídicos. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Coord.). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 14.
[16] Artigo 103 (1) (a) do Estatuto de Roma.
[17] Princípio pelo qual um Estado, por ser soberano, não precisa se subordinar à outros Estados ou o organismos internacionais.
[18] UBÉDA, M. L´Obligation de Coopérer avec les Juridictions Internationales in ASCENSIO, H.; DECAUX, E; PELLET A. (Orgs.) Droit International Penal. Paris : A. Pedone, 2000, 951-967.