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Mandado de segurança contra ato judicial nos Juizados Especiais Cíveis: competência

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Agenda 01/04/2003 às 00:00

6.Possível ausência de capacidade processual do impetrante.

Um outro argumento, que pode ser aplicado em determinados casos concretos, diz com a incapacidade processual do impetrante. Como se sabe, perante os Juizados Especiais Cíveis, apenas pessoas físicas podem postular; veda-se, por completo, a postulação inicial [17] formulada por pessoa jurídica —§1º do art. 8º LF 9.099/95.

Em regra, estes entes morais são os réus nas demandas de menor complexidade, necessitando, muitas vezes, de se valer do mandado de segurança contra decisão interlocutória como sucedâneo recursal. A casuística aponta que a maior parte dos impetrantes é composta de pessoas jurídicas.

Eis aqui outro argumento: como se admitir uma ação proposta por quem não tenha capacidade processual para litigar nos tribunais de pequenas causas? Seria manifesta ilegalidade.

O argumento também se aplica aos condomínios. A jurisprudência, de forma bastante tolerante, não obstante o óbice legal, sufragou o entendimento unânime quanto à extensão da capacidade processual ao condomínio de apartamentos, quando a ação disser respeito à cobrança de taxas condominiais, combinando o art. 8º com o art. 3º, II, da mencionada lei, que remete ao art. 275, II, CPC, sendo que este último impõe o procedimento sumário para a cobrança destes valores.

A autorização é conferida, apenas, para esta hipótese. E só.

A ação de mandado de segurança é outra causa, não elencada no rol do art. 3º, de rito especial, para a qual não está autorizado o condomínio, pela jurisprudência e pela lei, a funcionar como autor. Trata-se de posicionamento unânime, a dispensar, inclusive, maiores argumentos. Vejamos as conclusões de dois encontros nacionais: "Conclusão 9. O condomínio residencial poderá propor ação no Juizado Especial, nas hipóteses do art. 275, II, item b, do CPC. (I Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais) Enunciado 9. O condomínio residencial poderá propor ação no Juizado Especial, nas hipóteses do art. 275, II, item b, do CPC. (IV Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais)"

Portanto, ex vi do art. 8º, §1º, e o art. 3º, II, LF 9.099/95, c/c com o art. 275, II, ’b’, CPC, falta capacidade processual ao condomínio e à pessoa jurídica para interpor mandado de segurança no Juizado Especial Cível, causa que jamais poderia ter sido interposta perante o Tribunal das Pequenas Causas, mas, sim, e apenas, perante os órgãos judiciários estaduais comuns, no caso, o Tribunal de Justiça, conforme demonstrado.


7.Inadmissibilidade de procedimento especial em sede de juizado especial cível, ele próprio um procedimento específico.

O mandado de segurança é um procedimento especial previsto na legislação extravagante. A garantia constitucional tem, portanto, rito próprio a seguir. De outro lado, as demandas propostas em Juizado Especial também possuem procedimento próprio, exatamente o estabelecido na Lei Federal n.º 9.099/95; qualquer demanda, aqui, deverá seguir o rito único previsto nesta lei. É por isso que Nery Jr. e Nery, logo no início dos seus comentários a propósito do tema, anunciam: "Juizados Especiais Cíveis. Prevista sua criação por força da CF 98 I, os juizados especiais têm natureza jurídica híbrida, pois são ao mesmo tempo a) órgão especial do Poder Judiciário; e b) procedimento especial sumaríssimo, dentro do sistema processual brasileiro." [18]

Também é por isso que o art. 51, II, da mesma lei, determina a extinção do processo, sem julgamento do mérito, quando o procedimento for inadmissível. Jorge Quadros de Carvalho Silva leciona: "Ações de rito especial. As ações a que o Código de Processo Civil confere rito especial só podem tramitar perante os Juizados Especiais Cíveis se estiverem expressamente previstas na Lei n. 9.099/95. Assim acontece com as ações de despejo para uso próprio e com as possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos, as quais, na mencionada Lei, seguem agora o rito sumariíssimo. Ocorre que, salvo as duas ações acima assinaladas, a particularidade de cada uma das ações de rito especial previstas no Código de Processo Civil, ou em legislação especial, torna-as incompatíveis com o rito da Lei n. 9.099/95." [19]

Ao tratar da competência dos Juizados Especiais, também neste sentido se manifesta Ricardo Cunha Chimenti: "Havendo na legislação especial rito específico para determinado tipos de ações (adjudicação compulsória, ação demarcatória etc.), a fim de melhor atender às suas especificações, inviável se mostra o processamento destas pelo procedimento da Lei n.º 9.099/95, sobretudo após a tentativa de conciliação." [20]

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Assim também se posiciona, unanimemente, a jurisprudência, consolidada nas conclusões dos encontros nacionais: "Conclusão 8. As ações cíveis sujeitas aos procedimentos especiais não são admissíveis nos Juizados Especiais. (I Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais); Enunciado 8. As ações cíveis sujeitas aos procedimentos especiais não são admissíveis nos Juizados Especiais. (IV Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais)."

Nos Juizados Especiais Cíveis as causas somente podem processar-se pelo procedimento específico previsto em sua lei criadora; o mandado de segurança, também por isso, é inadmissível perante este Juízo de Causas Mais Simples. Demandas submetidas a procedimentos especiais somente podem ser propostas perante os demais órgãos do Poder Judiciário.


8.Peculiaridades do sistema recursal do mandado de segurança.

O procedimento do mandado de segurança possui um sistema recursal próprio: acaso seja interposto em primeira instância, o recurso cabível contra a sentença é a apelação; acaso interposto originariamente em tribunal, cabe, secundum eventum litis, o denominado recurso ordinário constitucional, previsto nos arts. 102 e 105, CF/88, para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses ali elencadas.

No caso, interessa-nos a segunda hipótese. Vejamo-la.

O objeto deste recurso (ordinário) será sempre acórdão proferido por tribunal (superior, TJ ou TRF —jamais por turmas recursais) em causas de competência originária (como essa). Eis a síntese. Para o Supremo Tribunal Federal, das decisões denegatórias proferidas em mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, em única instância, pelos tribunais superiores (art. 539, I, CPC), naquelas matérias de competência originária destes tribunais. A expressão em única instância evidencia que se trata de causas de competência originária dos tribunais; excluem-se, pois, os mandados de segurança, habeas data e mandados de injunção por eles julgados em grau de recurso. Para o Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o art. 539, II, CPC, baseado no art. 105, CF/88: contra decisões denegatórias em mandados de segurança proferidas em única instância pelos TRF’s ou pelos Tribunais dos Estados ou DF, quando for o caso de competência originária destes tribunais.

Conseqüentemente, acaso seja o mandado de segurança contra ato de juiz de Juizado Especial processado e julgado pela Turma Recursal (adjetive-se à exaustão: recursal) chegaríamos à absurda, esdrúxula e inconstitucional hipótese de um procedimento desta envergadura sem qualquer possibilidade de reexame recursal, pela ausência de órgão com competência derivada para apreciar eventual recurso interposto. E isto porque: a) não caberia apelação, por se tratar de acórdão e por não existir tribunal de apelação; b) não caberia recurso ordinário por não estar a ‘turma recursal’ no rol dos tribunais cujas decisões em certas causas de competência originária —como o mandado de segurança— autorizam a sua interposição.

Relembre-se, ainda, que, se pensássemos deste modo, além de não possuírem remédio recursal contra as decisões das turmas recursais, nem de ação autônoma de impugnação disporiam as partes, visto não caber ação rescisória de julgados proferidos em sede de Juizados Especiais Cíveis, ex vi do art. 59, LF 9.099/95.


Notas

01. Este trabalho reúne dois assuntos que sempre foram (mandado de segurança contra ato judicial) e são (Juizados Especiais Cíveis) daqueles que mais preocuparam o Prof. José Joaquim Calmon de Passos, um dos pioneiros no estudo do remédio constitucional como sucedâneo recursal e um dos críticos mais ferozes aos possíveis arbítrios que podem surgir no âmbito destes tribunais de causas mais simples. Como aluno e filho intelectual, dedico este ensaio a este que é um dos maiores processualistas do Brasil (e o maior de nossa —boa— terra), como gratidão por tudo que representa na minha formação intelectual.

02. Cf. Enunciado 15 do IV Encontro Nacional dos Coordenadores dos Juizados Especiais: "Nos Juizados Especiais, não é cabível o recurso de agravo."; Enunciado 06 do I Encontro de Coordenadores e Juízes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Rio de Janeiro: "É inadmissível o agravo de instrumento no sistema dos Juizados Especiais, ainda que interposto de decisão posterior à sentença."

03. "A competência para o julgamento do mandado de segurança e do habeas corpus impetrado contra ato de juiz do Juizado Especial é da Turma Recursal do próprio Juizado, conforme aliás expressamente prevê o art. 14 do Projeto paulista de Lei Complementar n. 27/97." (CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática..., p. 163) O referido autor ainda elenca certa jurisprudência sobre o assunto. A demonstrar, ainda, a refrega sobre o assunto, vide o verbete de Nery Jr. e Nery, na 5ª edição de seus comentários (RT, 2001, p. 2.215): "MS. Competência. O órgão competente para processar e julgar mandado de segurança contra ato coator dos juizados especiais é o Colégio Recursal e não os tribunais estaduais (Enunciado n. 19 dos Juizados Especiais do Rio de Janeiro, DJE-RJ 18.12.1995). No mesmo sentido, Conclusão n. 17, da Seção Civil do TJSC (DJE-SC 9.435, 11.3.1996); TJSP, art. 21 do Provimento n. 511 do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, de 21.9.1994. Em sentido contrário, entendendo que o MS contra ato do juizado especial de primeiro grau, bem como contra do Colégio Recursal, deve ser julgado pelo Tribunal de Justiça: Mantovani Colares Cavalcante — Recursos nos Juizados Especiais, p. 91)."

04. Seguimos a conclusão 12 da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n.º 9.099/95: "Os tribunais estaduais têm competência originária para o habeas corpus e mandado de segurança quando coator o juiz, bem como para a revisão criminal de decisões condenatórias do juizado especial criminal." (A Comissão era composta pelos seguintes membros: Min. Luiz Carlos Fontes de Alencar; Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.; Des. Weber Martins Batista; Des. Fátima Nancy Andrighi; Des. Sidnei Beneti; Prof. Ada Grinover; Prof. Rogério Lauria Tucci e o Prof. Luiz Flávio Gomes). Cândido Dinamarco, embora aborde o problema, não se posiciona sobre o assunto de lege lata, pois afirma que "operando o mandado de segurança nesse caso como sucedâneo extraordinário do sistema recursal, é mais razoável atribuir essa competência ao órgão que seria competente para o julgamento de eventual recurso, ou seja, ao colégio recursal..." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 184). Com todo o respeito que temos ao mestre, não podemos concordar com tal conclusão, de acordo com as razões desenvolvidas ao longo deste trabalho.

05. Síntese do que acabamos de afirmar é a transcrição de tudo o quanto Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva escreveu sobre o tema: "É pacífico na jurisprudência que o mandado de segurança deve ser impetrado junto ao colégio ou à turma recursal, sob pena de não ser conhecido." (Lei dos Juizados Especiais Anotada, p. 116)

06. Sobre o assunto, embora sem maiores fundamentações, a Conclusão do II Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais, Cuiabá, dezembro de 1997: "São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória em sede dos Juizados Especiais Cíveis, em caráter incidental."

07. Enunciado 07 do I Encontro de Coordenadores e Juízes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Rio de Janeiro: "É admissível mandado de segurança somente contra ato ilegal e abusivo praticado por Juiz de Juizado Especial."

08. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 5ª ed. São Paulo, RT, 2001, p. 2.214.

09. Jurisdição e Competência. 9ª ed. Saraiva: São Paulo, 1999, 117.

10. Ao que parece, Demócrito Reinaldo Filho também considera o Tribunal de Justiça, ou de Alçada, os competentes para o processamento de mandado de segurança nestes casos. (Juizados Especiais Cíveis, p. 93)

11. Ampla discussão sobre a possibilidade de reclamação constitucional nos tribunais de justiça pode ser conferida no excelente trabalho de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, A Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro, Porto Alegre, Fabris, 2000. O mencionado autor potiguar, entretanto, posiciona-se pelo não-cabimento de reclamação perante os Tribunais de Justiça até que lei federal venha regular a matéria.

12. "O juizado especial, porque informal e preponderantemente conciliatório, incorpora no seu organismo os seguintes componentes da função jurisdicional: turma recursal, composta por juízes togados e com a incumbência de processar e julgar o recurso único interponível da decisão final do processo que o extingue com ou sem julgamento do mérito..." (FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1997, 109)

13. Jurisdição e Competência, p. 50.

14. Observações sobre a autoridade coatora..., ob. cit., p. 308.

15. "Art. 1º do Projeto - Art. 14. O Projeto busca reforçar a ética no processo, os deveres de lealdade e de probidade que devem presidir ao desenvolvimento do contraditório, e isso não apenas em relação às partes e seus procuradores, mas também a quaisquer outros participantes do processo, tais como a autoridade apontada coatora nos mandados de segurança, ou as pessoas em geral que devam cumprir ou fazer cumprir os mandamentos judiciais e abster-se de colocar empecilhos à sua efetivação."

16. Provas Atípicas. RePro 76/117-118.

17. Fala-se em postulação inicial, porquanto há quem admita a formulação de pedido contraposto pela pessoa jurídica. Cf. II Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais, Cuiabá, 1997: "Cabe pedido contraposto no caso de ser o réu PESSOA JURÍDICA."

18. Código de Processo Civil Comentado..., ob. cit., p. 2.190.

19. Lei dos Juizados Especiais Cíveis Anotada. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 07. No mesmo sentido: REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Juizados Especiais Cíveis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 27-28.

20. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis. São Paulo: Saraiva, 1999, p.36.

Sobre o autor
Fredie Didier Jr.

Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Processual Civil da LFG-Anhanguera Uniderp. Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e Mestre (UFBA). Professor-associado de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia. Diretor Acadêmico da Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIDIER JR., Fredie. Mandado de segurança contra ato judicial nos Juizados Especiais Cíveis: competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4000. Acesso em: 18 nov. 2024.

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