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Improbidade administrativa

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Agenda 01/05/2003 às 00:00

Sumário: Resumo; Introdução, 1.Moralidade e probalidade, 1.1.A problemática dos conceitos indeterminados, 1.2.O conceito de moralidade, 1.3.O conceito de improbidade administrativa, 1.4.A distinção entre improbidade administrativa e imoralidade administrativa e sua importância, 2.Sujeito da improbidade, 2.1.Sujeito ativo, 2.2. Sujeito passivo; 3.Atos de improbidade, 3.1.Atos que importam em enriquecimento ilícito, 3.2.Atos que causam prejuízo ao erário, Atos que atentam contra os princípios da administração pública; 4.Sanções; Considerações finais; Referências bibliográficas.


RESUMO

A sociedade humana está em constante evolução e com o intuito de manter a ordem da vida social, cria mecanismos (normas) a fim de assegurar o equilíbrio das relações interpessoais. Estas relações envolvem toda a sorte de direitos, garantias, deveres e obrigações, dos quais destacamos, como objeto de estudo, a questão da ética no serviço público. A partir do momento em que os agentes públicos deixam de agir sob a égide e a luz da moral, configura-se no plano material a improbidade administrativa, o ato ímprobo que traz prejuízos à ordem pública e social, seja a médio ou a longo prazo. Este trabalho aborda a questão ética e moral que fundamenta o Estado Democrático de Direito e, conseqüentemente, os bons princípios da Administração Pública. Pretende-se, ainda, abordar a importância da distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa, ambos conceitos indeterminados. Tendo em vista que a importância desta distinção relaciona-se com a aplicabilidade das penas cabíveis aos atos ímprobos, far-se-á uma breve análise acerca dos sujeitos e dos atos de improbidade, bem como das penalidades previstas pela Lei nº 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA).


INTRODUÇÃO

A Administração Pública não exerce suas atividades e direitos com a mesma autonomia e liberdade com que os particulares exercem os seus.

Enquanto a atuação dos particulares funda-se no princípio da autonomia da vontade, a atuação do Poder Público é orientada por princípios como o da legalidade, da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses públicos.

Desta forma, nota-se que ao agente público não é permitido atuar da mesma maneira que é permitida ao particular, ou seja, de maneira pessoal, que não prevista em lei, defendendo interesses que não os públicos.

Hely Lopes Meirelles leciona que, "na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza."

Isto porque a Administração Pública não dispõe dos interesses públicos, por serem estes inapropriáveis. A Administração Pública apenas aplica a lei ao caso concreto, razão pela qual possui caráter meramente instrumental.

O interesse público consiste no interesse dos indivíduos enquanto membros da sociedade, não se confundindo com os interesses peculiares de cada indivíduo. Por esse motivo, o interesse público é considerado indisponível, visto que não se encontra à mercê da vontade do administrador. Ou seja, "sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis". Atribuído o dever ao agente público, este não poderá deixar de exercê-lo, sob pena de responder por omissão.

Neste diapasão, encontra-se o grande dilema do regime jurídico-administrativo: o binômio "prerrogativas da administração-direito dos administrados". A fisionomia do Direito Administrativo será delineada pelo entrosamento das prerrogativas da Administração com relação aos direitos dos administrado.

Não resta dúvida, portanto, a diferença da atuação do Poder Público em relação aos particulares. Em decorrência disto, é inegável a existência de privilégios dos órgãos públicos frente aos administrados em algumas situações, como por exemplo, na presunção de legitimidade dos atos administrativos. Dessa maneira, conclui-se que vigora a verticalidade e a unilateralidade nas relações entre a Administração e os particulares, manifestando a vontade do Estado.

Concernente ao tema exposto, leciona Lucia Valle Figueiredo:

Ao investir a Administração de prerrogativas especiais para tutela de determinados interesses, que houve por bem entender prevalecentes, a norma, em contrapartida, qualificou-os de inalienáveis.

Com efeito, a conseqüência da supremacia do interesse público é a indisponibilidade. Decorre, daí, que, mesmo ao delegar o exercício de determinadas funções públicas a outrem, a Administração delas não poderá dispor.

Em decorrência da indisponibilidade do interesse público até então mencionada, advém o princípio da legalidade, segundo o qual o administrador, no exercício de sua função, deve limitar-se às exigências previstas em lei. Os limites da atuação administrativa serão estabelecidos por lei, de modo que o agente público poderá somente fazer o que ela permitir-lhe.

Neste sentido, Romeu Felipe Bacellar Filho pontifica:

A Administração Pública, antes de mais nada, está presa ao princípio da legalidade. Este princípio ‘não é um pressuposto’- como assinala, com grande propriedade, Manoel de OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, ‘mas uma determinante essencial’.

O princípio da legalidade da Administração está expressamente referido no caput do art. 37, da Constituição de 1988. Trata-se de princípio decorrente do Estado de Direito, respeitadas as nuances da construção do significado deste conceito em cada país.

Expressa a idéia da lei como instrumento mais apropriado para definir o regime de certas matérias (princípio da prioridade e prevalência da lei, princípio da reserva da lei) e de ‘instrumento normativo de vinculação jurídico-constitucional da Administração’.

Em determinadas situações, ocorrerá a subsunção objetiva entre o caso concreto e a hipótese prevista. Nesses casos, pode-se dizer que há vinculação, ou seja, que a lei tipificou em termos objetivos, o único possível comportamento diante de uma hipótese.

No entanto, diversas vezes o legislador não consegue prever a aplicação da lei a todos os casos concretos, tendo em vista seu caráter genérico. "É que a lei, inúmeras vezes, ao regular abstratamente as situações, o faz de maneira a irrogar ao administrador o encargo de o eleger, perante o caso concreto, a solução que se ajuste com perfeição às finalidades da norma, para o que terá de avaliar conveniência e oportunidade caso a caso". Não havendo a subsunção da lei ao caso concreto, terá o administrador que apreciar as situações discricionariamente para alcançar a finalidade legal.

Por este motivo, nota-se que a simples legalidade é meio insuficiente para controlar a Administração Pública. Isto ocorre porque, muitas vezes, o texto legal não é dotado de clareza, dando margem a interpretações diversas. Estas interpretações ocorrem por várias razões, dentre elas a falta de precisão da linguagem utilizada, má elaboração do texto legal, o excesso de leis e a falta de uma codificação no Direito Público.

É nesse contexto que se insere o tema do presente trabalho, ou seja, a importância do estudo de princípios como o da moralidade administrativa e o da improbidade administrativa, os quais visam limitar a atuação da Administração Pública e fazer com que se atenda o espírito da lei.

Procurando dar concreção a esta idéia, foi editada a lei nº 8.429, em 02 de junho de 1992, a qual dispõe sobre atos de improbidade administrativa.

Contudo, para melhor entendermos o fim almejado por esta lei, é de extrema importância a distinção entre probidade administrativa e moralidade administrativa, ambos conceitos jurídicos indeterminados, objeto de explanação do item seguinte.

O presente trabalho abordará os sujeitos passivos a ativos do ato de improbidade, qualificados respectivamente nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.429/92, demonstrando a necessidade de tipificação dos mesmos, bem como estabelecendo conceitos oriundos do direito administrativo para identificá-los.

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Serão ainda analisadas as espécies de atos de improbidade administrativa, as quais importam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da Administração Pública, sob a luz dos artigos 9, 10, 11 da Lei nº 8.429/92, respectivamente.

Por último, serão demonstradas as sanções elencadas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92, cabíveis aos agentes ímprobos e a importância de se observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no momento de suas aplicações.


1 MORALIDADE E PROBIDADE

1.1 A Problemática dos Conceitos Indeterminados

Sem dúvida, a linguagem é a mais importante ferramenta de comunicação entre os homens. É o principal veículo para expressarmos sentimentos, descrevermos situações, fornecermos informações, entre outros.

Sabe-se que o Direito se expressa através da linguagem, e que da mesma forma, esta não obtém precisão em todos os seus termos. Isto acaba gerando um grande problema para a sociedade, pois a linguagem, bem como as palavras empregadas nas normas jurídicas, devem ser compreensíveis para todos os cidadãos, tendo em vista que "ninguém se excusa de cumprir a lei alegando que não a conhece".

Desta forma, pode-se contrapor os conceitos jurídicos determinados aos conceitos jurídicos indeterminados. Aqueles delimitam a realidade à qual se referem de maneira precisa e inequívoca, ou ao menos possibilitam certa precisão quando inseridos em um contexto, enquanto estes possuem um grau de indeterminação que dificulta a apreensão de seu conteúdo.

José Eduardo Faria define os conceitos indeterminados do seguinte modo:

Os conceitos jurídicos indeterminados são expressões propositadamente vagas utilizadas pragmaticamente pelo legislador com a finalidade de propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade cambiante ou ainda pouco conhecida. Graças a esses conceitos, o intérprete pode adequar a legislação às condições sócio-econômicas, políticas e culturais que envolvem o caso concreto e condicionam a aplicação da lei.

De maneira mais aprofundada, Marcelo Harger ensina que os conceitos indeterminados "são dotados de um grau de indeterminação bastante elevado, o que dificulta a apreensão de seu conteúdo. Apesar de procurarem delimitar a realidade, eles não o conseguem, a não ser dentro de limites bastante amplos, pois não podem ser quantificados ou determinados rigorosamente."

Apesar de não delimitarem seu significado com precisão, os conceitos indeterminados apresentam um campo significativo mínimo. Desta forma, a existência de indeterminação em um conceito não significa que inexistam meios para suprimi-la ou reduzi-la. Isto porque "todo conceito indeterminado é finito, uma vez que as palavras têm um conteúdo mínimo, sem o qual a comunicação seria impossível."

Alguns autores acreditam que, no que diz respeito ao campo semântico, tem-se que todo conceito possui uma zona de incerteza e uma zona de certeza, ou ainda, um halo e um núcleo. Em se tratando da zona de certeza ou núcleo, o aplicador do direito obriga-se ao fiel respeito das normas morais, enquanto que dentro da zona de incerteza ou halo há uma liberdade de atuação do agente público, a chamada discricionariedade.

A esse respeito, vale lembrar os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Ora, se a lei mencionou dadas expressões, é, obviamente, porque considera que elas são signos, vale dizer, sinais que expressam uma dada realidade (caso contrário não as haveria introduzido). O préstimo de tais expressões é exata e precisamente o de demarcar o âmbito da competência outorgada ao aplicador da regra. Segue-se que nem este nem o intérprete podem negar conteúdo – significação objetiva mínima – a estas palavras, pois fazê-lo equivaleria a retirar do texto o que dele consta. Retirar da lei o que ali se encontra não é aplicar ou interpretar a lei. É legislar. É alterar a legislação suprimindo aquilo que fora previsto para limitar a extensão da competência. Ademais, se estes supostos da competência não fossem controláveis, a medida da competência não seria dada pela lei, mas pelo próprio agente, pois ele a demarcaria.

Outra forma de se reduzir a indeterminação de certos conceitos é através da observação do contexto no qual este está inserido.

A esse respeito, Lúcia Valle Figueiredo, por sua vez, ensina que "todo conceito, muito embora pragmático ou indeterminado, detém núcleo mínimo de compreensão, sendo que a sua conotação e sua denotação deverão ser extraídas das normas e dos princípios informadores do ordenamento. Destarte, seu conteúdo será dado à luz do instituto, que se examina, e do próprio sistema".

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a dúvida entre qual é o sentido empregado em determinado conceito resolve-se, na maioria das vezes, observando-se o caso concreto. Porém, haverá casos em que a dúvida subsistirá. Assim ensina o doutrinador:

Isto em alguns casos, não porém em todos. É dizer: em dadas situações, nas paradigmáticas ou típicas, poder-se-á dizer, em nome de uma verdade objetivamente convinhável, que alguém induvidosamente é pobre ou é velho ou então que não o é (e assim por diante no exemplário referido), porém, em outras tantas, mesmo recorrendo-se a todos os meios mais além aduzidos para delimitar o âmbito de uma expressão vaga, ter-se-á de reconhecer que não se poderia rechaçar como necessariamente falsa dentre duas opiniões conflitantes sobre o mesmo tópico.

Segundo este autor, a observação do caso concreto em que está inserido o conceito poderá limitar o grau de sua indeterminação.

Verifica-se, portanto, que é possível estabelecer um núcleo mínimo de compreensão para os conceitos indeterminados. Esta noção preliminar acerca destes é de extrema importância, tendo em vista que a compreensão do presente trabalho depende do entendimento da distinção entre dois conceitos indeterminados que muitas vezes se confundem: o da moralidade administrativa e o da probidade administrativa, os quais serão estabelecidos nos tópicos seguintes.

1.2 O Conceito de Moralidade

Não se pode negar que a moral é um conceito indeterminado que varia no tempo e no espaço. Contudo, este fato não impede a limitação da atuação administrativa.

A Constituição Federal estabeleceu no artigo 37 a moralidade como princípio aplicável à Administração Pública. O referido artigo dispõe que "a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)"

Sendo assim, a relação entre o dever da Administração Pública de atuar e o fim almejado pela lei, não pode dispensar a observância da lealdade e da boa-fé, conceitos formadores do princípio da moralidade.

No que diz respeito ao princípio da moralidade administrativa, vale lembrar o tratamento cauteloso dado por Odete Medauar:

O princípio da moralidade é de difícil tradução verbal talvez porque seja impossível enquadrar em um ou dois vocábulos a ampla gama de condutas e práticas desvirtuadoras das verdadeiras finalidades da Administração Pública. Em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual; ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada. A decisão, de regra, destoa do contexto, destoa do conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral norteadora da Administração.

Alguns autores defendem a idéia de que a moral administrativa difere da moral comum, embora esta diferença não acarrete antagonismos entre ambas.

Desta forma entende o professor José Afonso da Silva:

A idéia subjacente ao princípio é a de que moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Essa consideração não significa necessariamente que o ato legal seja honesto. Significa, como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no conjunto de ‘regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração.’

No mesmo sentido, encontra-se a lição de Lúcia Valle Figueiredo:

Já em 1930, como também nos diz Antônio Brandão, Welter escreve Le Contrôle Jurisdictionel de la Moralité Administrative: ‘A moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a moralidade comum; ela é composta de regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o Bem e o Mal; mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa.

E ainda, no mesmo sentido, sustenta Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum o que, contudo, não as antagoniza, pelo contrário, são complementares. A moralidade administrativa é composta de regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre os valores antagônicos bem e mal; legal e ilegal; justo e injusto - mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa. Vislumbra-se nessa regra um caráter utilitário que é dado por sua intensa carga finalista.

Na realidade, é notório que a moralidade administrativa difere das normas morais comuns. Aquela é composta por regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não apenas pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa.

Isto porque os fins a serem cumpridos pela Administração Pública diferenciam-se dos fins buscados pelo ser humano no exercício de sua liberdade.

No entanto, é insuficiente conceituar a moral administrativa como sendo o conjunto de regras da boa administração, haja vista ser a moral um conceito relativo que varia no tempo e no espaço.

Os padrões a serem seguidos pela Administração são ditados pela Constituição Federal em artigos como o 1º, III; 5º, XLIX; 55, II; 73, § 1º, II; 170 caput; 226, § 7º; 230, caput e pelos "standards" padrões de comportamento.

Em relação ao princípio da moralidade administrativa, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que:

De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé...

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.

A principal finalidade deste princípio é evitar abusos por parte dos administradores públicos e ampliar o controle da legalidade. Ou seja, a moralidade administrativa tem como principal objetivo normatizar a conduta do agente público no desempenho de suas atividades.

Em relação ao descumprimento da moralidade administrativa, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que:

Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.

"A Administração Pública tem, pois, que tomar a si a responsabilidade de realizar os fins da sociedade segundo padrões normativos de justiça e de justeza, esta configurada pelo conjunto de valores éticos que revelam a moralidade."

Lúcia Valle Figueiredo afirma que "o princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os ‘standards’ comportamentais que a sociedade deseja e espera".

"A moralidade administrativa é pois, princípio jurídico que se espraia num conjunto de normas definidoras dos comportamentos éticos do agente público, cuja atuação se volta a um fim legalmente delimitado, em conformidade com a razão de Direito exposta no sistema normativo."

Cármen Lúcia Antunes Rocha, considera extremamente importante a observação deste princípio para que seja realizada justiça:

(...) a moralidade administrativa não é uma questão que interessa prioritariamente ao administrador público: mais que a este, interessa ela prioritariamente ao cidadão, a toda a sociedade. A ruptura ou afronta a este princípio, que transpareça em qualquer comportamento público, agride o sentimento de Justiça de um povo e coloca sob o brasão da desconfiança não apenas o ato praticado pelo agente, e que configure um comportamento imoral, mas a Administração Pública e o próprio Estado, que se vê questionado em sua própria justificativa.

E mais adiante, na mesma obra, conclui:

A moralidade administrativa tornou-se não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto. O intervencionismo do Estado na ordem econômica e sua presença constante na ordem social impuseram que a operacionalização de suas novas atividades se comportasse segundo valores éticos coerentes com a definição moral da sociedade.

Conclui-se, através das definições dos diversos autores supra citados que a Administração Pública tem como fim o bem comum da coletividade e a defesa do interesse público. Qualquer ato que contrarie este interesse público é considerado imoral, tornando-se inválido.

1.3 O Conceito de Improbidade Administrativa

"A improbidade é fenômeno que acompanha o Homem em sua trajetória no tempo. O tema, portanto, é antiqüíssimo e ao mesmo tempo atual. Em toda parte não existem soluções mágicas ou acabadas para o combate à corrupção."

O vocábulo improbidade é de origem latina – "improbitate" – e significa, dentre outras coisas, desonestidade, falsidade, desonradez, corrupção. O vocábulo veio a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto.

Trata-se da conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo.

"Nada mais é do que o exercício público de função – esta no seu sentido mais amplo – sem a verificação dos princípios administrativos-constitucionais básicos, restando descaracterizado o bom andamento e o respeito à coisa de todos – a res pública."

Conforme Marino Pazzaglini Filho, entende-se por improbidade:

Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.

E continua asseverando que:

De forma geral, a improbidade administrativa não reclama tanta elaboração para que seja reconhecida. Estará caracterizada sempre que a conduta administrativa contrastar qualquer dos princípios fixados no art. 37, caput da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade), independentemente da geração de efetivo prejuízo ao erário.

Da mesma forma entende Léo da Silva Alves:

Improbidade é desonestidade em seu sentido mais amplo. Implica na falta de zelo com dois elementos: o patrimônio público e o interesse público. Relaciona-se com a conduta do administrador e pode ser praticada não apenas pelo agente público, lato sensu, senão também por quem não é servidor e infringe a moralidade pública.

(...)

O ato de imoralidade, na opinião da melhor doutrina, afronta a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta humana e outros postulados éticos e morais. Qualquer cidadão pode propor ação popular, com objetivo de anular ato lesivo à moralidade administrativa. Não terá que arcar com as custas judiciais nem está sujeito à sucumbência, a não ser que fique comprovada a má-fé.

Trata-se, portanto, de conduta humana positiva ou negativa, ilícita, que, também, poderá acarretar uma sanção civil, administrativa e penal, em virtude dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Para estar configurada a improbidade administrativa basta que haja afronta aos princípios insculpidos no caput do artigo 37 do Texto Maior, não sendo imperiosa a necessidade de que haja prejuízo financeiro ao erário.

Marcelo Caetano demonstra que, no Direito Português, a probidade também é um dever, pois "o funcionário deve servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções sempre no intuito de realizar os interesses públicos, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer."

Waldo Fazzio Júnior conceitua improbidade da seguinte forma:

Improbidade é a palavra derivada do latim improbitate, significando falta de probidade, desonestidade e desonradez.

Não adianta palmilhar a busca de um conceito preciso nessa matéria. Também não é oportuno importá-lo do regramento legal, porque este é extremamente detalhado e, por isso, capaz de produzir sensíveis confusões exegéticas. Nem adianta qualquer prospeção subjetiva, uma vez que, juridicamente, o que interessa são os atos comissivos ou omissivos que desvelam a improbidade e seus efeitos.

Marcelo Figueiredo, traz à baila, em obra coordenada por Cássio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, os exemplos mais corriqueiros de violação ao princípio da probidade administrativa ocorridos em nosso país:

Os grandes exemplos de improbidade no Brasil são: aplicação irregular de verba pública, desvio de verba pública, falta de prestação de contas, frustração de concurso de processo licitatório, superfaturamento de obra pública – esses são os mais comuns atos de improbidade administrativa praticados diariamente pelos administradores públicos brasileiros. E esses atos são classificados como atos de improbidade administrativa.

Fato é que, "não temos na doutrina nacional uma definição precisa – e nem poderíamos ter – do que seja um ato de improbidade ou do que seja a moralidade administrativa." O que temos são determinadas condutas descritas na lei nº 8.429/92 como sendo violadoras do dever de probidade administrativa, as quais serão abordadas no próximo capítulo.

1.4 A distinção entre Improbidade Administrativa e Imoralidade Administrativa e sua importância

A Constituição Federal utiliza-se em alguns artigos do termo moralidade e em outros do termo moralidade. Obviamente, se o constituinte utilizou-se de termos diferentes, o fez com intuito de buscar idéias distintas.

Bastante tormentosa é a questão relativa a diferença conceitual entre moralidade administrativa e probidade. A lei maior utiliza ambos os termos, o que evidencia a dessemelhança entre os dois institutos.

No tocante a diferenciação destes conceitos, vale mencionar os ensinamentos de Marcelo Figueiredo:

O princípio da moralidade administrativa é de alcance maior, é conceito mais genérico, a determinar, a todos os ‘poderes’ e funções do Estado, atuação conforme o padrão jurídico da moral, da boa-fé, da lealdade, da honestidade. Já a probidade, que alhures denominamos ‘moralidade administrativa qualificada’, volta-se a particular aspecto da moralidade administrativa. Parece-nos que a probidade está exclusivamente vinculada ao aspecto da conduta (do ilícito) do administrador. Assim, em termos gerais, diríamos que viola a probidade o agente público que em suas ordinárias tarefas e deveres (em seu agir) atrita os denominados ‘tipos’ legais.

Mais adiante conclui que "a probidade, desse modo, seria o aspecto ‘pessoal-funcional’ da moralidade administrativa. Nota-se de pronto substancial diferença. Dado agente pode violar a moralidade administrativa e nem por isso violará necessariamente a probidade se na análise de sua conduta não houver a previsão legal tida por ato de improbidade."

A probidade é, portanto, espécie do gênero "moralidade administrativa" o qual é mencionada no artigo 37, caput e seu parágrafo 4º, da Constituição Federal.

Desta forma, os atos atentatórios à probidade também são considerados atentatórios à moralidade administrativa, embora ambos não sejam conceitos idênticos.

Ainda analisando a distinção entre os conceitos em questão, ensina Aristides Junqueira Alvarenga:

Imoralidade administrativa não se confunde com improbidade administrativa, pois esta é forma qualificada daquela.

Improbidade administrativa pode ser definida como espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário.

Desonestidade implica conduta dolosa, não se coadunando, pois, com o conceito de improbidade a conduta meramente culposa.

José Afonso da Silva deixa claro que improbidade administrativa é uma imoralidade administrativa qualificada ensinando que "a improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem. A improbidade é tratada ainda com mais rigor, porque entra no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo."

Os autores supracitados, de maneira unânime, classificam a probidade como sendo espécie do gênero moralidade administrativa.

A conduta desonesta é apontada como característica da improbidade, a par de suas conseqüências, que são o dano ao erário e/ou a obtenção de vantagem indevida ao ímprobo ou a outrem.

Conclui-se, diante do exposto que, a distinção entre imoralidade administrativa e improbidade administrativa se dá em virtude da conduta do agente.

Vale lembrar que não é punível o agente público, ou equiparado, quando o ato acoimado de improbidade é, na verdade, fruto de inabilidade, de gestão imperfeita, ausente o elemento de "desonestidade", ou de improbidade propriamente dita.

Se o agente, por incompetência, ou ainda, pelo mau exercício de sua função, acarretar danos ao Poder Público, age em desconformidade com o princípio da moralidade administrativa. Já o agente que atua com a intenção (dolo) de obter vantagem às custas do Erário Público, fere o princípio da probidade administrativa.

Ou seja, nem tudo que é imoral configura improbidade. O agente imoral, possivelmente, poderá sofrer as sanções contidas na referida lei, contanto que fundamentadas em outro dispositivo legal. Sendo assim, não se aplica a Lei de Improbidade Administrativa aos atos simplesmente imorais. Só se submeterá às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa o agente ímprobo.

A lei nº 8.429/92 explicita situações consideradas violadoras da "probidade". Tipifica as figuras do enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário e da infringência aos princípios administrativos, como condutas tidas por atentatórias à probidade. Posteriormente serão analisadas uma a uma

Sobre a autora
Danielle Peixoto Valença

bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville (Univille)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENÇA, Danielle Peixoto. Improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4008. Acesso em: 22 dez. 2024.

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