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A prisão preventiva nos ordenamentos jurídicos internacionais e a construção de seus prazos

Agenda 10/07/2015 às 11:12

Estudo sobre a aplicabilidade de limites ou não de prazo processuais referentes a duração da prisão preventiva no cenário internacional.

Não somente na esfera jurídica brasileira, mas como no cenário internacional as prisões provisórias são tema de grandes discussões, pois há o choque de interesses entre garantir a efetividade do processo penal e garantir o estado de inocência do homem.

Por isso diversas nações comungam da mesma problemática jurídica, ou seja, buscar construir um prazo razoável de cárcere cautelar, tarefa nada fácil como se poderá observar adiante.


CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

O Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, pode ser citado como exemplo da discussão deste tema, pois o mesmo adotou medidas consideradas justas por lideranças jurídicas de diversos países.

Este pacto foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro em 07 de julho de 1992 (data da publicação), através da ratificação feita pelo então Excelentíssimo Senhor Presidente Fernando Collor, onde trouxe alguns preceitos relacionados aos aspectos da prisão preventiva, dando-se neste texto maior ênfase a matéria referente ao prazo de duração desta.

O referido Pacto nos remete a disposições já consagradas na Carta Magna brasileira, especialmente no que tange a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência do indivíduo.

Ao analisar a redação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticas com foco no prazo de duração da prisão preventiva, o jurista Roberto Delmanto Júnior (2001:43) considera que o segregado de sua liberdade processualmente “deve ser julgado em prazo razoável ou ser posto em liberdade”, onde cita como fundamento desta previsão o artigo 9º, 3,

[...]

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. (...) (Grifou-se)

Ainda com a compreensão de DELMANTO JR. (2001:43), este Pacto internacional não permite que o legislador estabeleça prazos extremos de segregação de liberdade do preso provisório, podendo incorrer em “pena de inconstitucionalidade”.

Por sua vez, o magistrado, mesmo na falta de lei delimitando o prazo da prisão cautelar, não pode decretar prisão preventiva por prazo extremo, pois fere os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e presunção de inocência, sendo todos estes consagrados na Constituição Federal do Brasil e por diversos países como bem expressa o pacto internacional estudado.

Há também outras convenções internacionais as quais o Brasil faz parte, como, por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica, que eleva a proteção a presunção de inocência, porém não menciona com clareza a questão da duração razoável das prisões cautelares como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.


CONSTRUÇÃO INTERNACIONAL DA TEORIA DO NÃO-PRAZO OU PRAZO RAZOÁVEL

Inicialmente, é oportuno discorrer sobre o entendimento que comungam os professores Aury Lopes Júnior e Gustavo Henrique Badaró (2006:39). Ambos explicam que o Brasil não possui um prazo específico para a prisão preventiva, pois tanto a Constituição, como as Leis infraconstitucionais, bem como as Convenções Internacionais a qual o Brasil aderiu não preveem esta normatização.  O Brasil, até a presente data, adota na aplicação de prazos de prisões preventivas a teoria do prazo razoável ou não-prazo.

Os mesmos autores (2006:39-40) ensinam sobre a evolução das jurisprudências do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) e da Corte internacional de Direitos Humanos (CIDH), no que tange a teoria do prazo razoável, citando o caso conhecido como WEMHOFF, sentenciado em 27 de junho de 1968, pelo TEDH, onde foram criados sete critérios para valorarem a “duração indevida” da prisão cautelar, que são eles:

a) a duração da prisão cautelar;

b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação;

c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como moral ou outros;

d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo;

e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias, etc.);

f) a maneira como a investigação foi conduzida;

g) a conduta das autoridades judiciais.

Como lecionam LOPES JR. e BADARÓ (2006:40) os critérios citados acima deveriam ser adotados na aferição do excesso de prazo da prisão preventiva de forma entrelaçada, porém com valorações independentes.

Depois desta sentença o TEDH passou a adotar estes critérios como recurso auxiliar em outros casos, contudo, como novamente apontam os autores mencionados (2006:40-41), estes critérios serviram como base inspiratória para a criação de uma segunda teoria, a qual se utiliza de três critérios muito utilizados pelo TEDH, bem como pela CIDH, os quais são:

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a)      complexidade do caso;

b)      a atividade processual do interessado (imputado);

c)      a conduta das autoridades judiciárias.

Além desses critérios o TEDH vem fundamentando em suas decisões, segundo LOPES JR. e BADARÓ (2006:41), que o critério da razoabilidade ainda deve ser compreendido, para fins de prolongamento da prisão preventiva, como a necessidade de prevalecer o interesse coletivo sobre o individual. LOPES JR. e BADARÓ citam um interessante trecho de uma decisão do TEHD, o qual depreende-se:  que deve haver real exigência do interesse público, o qual deve prevalecer sobre o direito de liberdade, não obstante a presunção de inocência. Logo, a real exigência do interesse público” é ainda mais subjetiva e de difícil compreensão que os três critérios adotados pela segunda teoria.

Por fim, os autores citados, críticos incondicionais da doutrina ou teoria do não-prazo discorrem em seus escritos que a posição ainda admitida pelos tribunais, cita-se o TEHD, a CIDH, e os Tribunais brasileiros, de não fixar prazos para a duração da prisão preventiva, são muito vagas, deixando amplo espaço discricionário para a avaliação segundo as circunstâncias do caso e o sentir do julgador desrespeitando direitos e garantias individuais do segregado.


CONSTRUÇÃO INTERNACIONAL SOBRE O PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA E O RESPECTIVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Passa-se neste momento a analisar diversas decisões internacionais sobre a razoabilidade da duração do prazo da custódia cautelar, as quais contribuem para a construção jurisprudencial sobre o assunto e por fim um maior esclarecimento.

DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NA ALEMANHA

O Bundesgerichtshof (o qual será tratado neste textocomo BGH), o qual seja o Tribunal Federal alemão, proferiu sua primeira condenação quanto à dilação de prazo indevida no ano de 1982, no caso conhecido como METZGER.

Segundo o professor Kai Ambos (2008:07-08) o caso Metzger trata-se do fato de que um matadouro municipal despejava lixo no esgoto coletivo, e como este matadouro era subordinado a administração municipal o réu, ora administrador daquele município, foi responsabilizado criminalmente pelos danos causados ao meio ambiente. Ocorre que se passaram nove anos contados da data em que o réu tomou conhecimento do fato imputado a ele até a data de prolação da sentença do Bundesverfassungsgericht, ora Tribunal Constitucional Federal alemão. Ao analisar o caso, o BGH comparou o tempo de dilação entre a prática do delito e a sentença recorrida em casos semelhantes, os quais tinham sido concluídos em tempo inferior, sendo que esse excesso de prazo foi entendido como causa para impor pena inferior, ou melhor, mais benéfica a esse réu. O BGH ainda entendeu que apesar do caso ser complexo nada justificaria tamanha dilação de prazo para resolver o incidente, concluindo assim que a responsabilidade por este excesso foi a inércia das autoridades alemãs e por isso ainda sentenciou em favor do réu lhe concedendo uma indenização por danos morais e isenção das custas processuais.

Cabe ressaltar, que o caso acima citado não está relacionado diretamente com a prisão preventiva, pois se trata apenas da dilação de prazos processuais, onde não houve decretação da prisão preventiva. Por isso, pode-se compreender a importância que o Estado Alemão dá ao garantismo, vislumbrado um Estado Democrático de Direito, não autorizando, apesar da culpa do acusado, que sejam cometidos excessos contra esse.

Ainda na Alemanha, como ensina DELMANTO (2001:352-353), o legislador daquele país normatizou o prazo da custódia cautelar provisória em um prazo de 6 (seis) meses de duração, podendo este em casos específicos ser suspenso a qualquer momento ou dilato por mais 6 (seis) meses, ou seja, a prisão preventiva não pode ultrapassar 1 (um) ano de duração, sendo considerada ilegal a prisão que ultrapasse os ditames da lei.

DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NA ARGENTINA

A Argentina, por sua vez, após recepcionar em seu ordenamento jurídico o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) passou a delimitar o prazo da prisão preventiva. Segundo DELMANTO (2001:355-357) a Argentina adotou o prazo de 2 (dois) anos como sendo, regra geral, o prazo limite desta modalidade de prisão. Ainda prevê o ordenamento jurídico argentino que este prazo poderá, em casos excepcionais e com a devida fundamentação judicial, ser dilatado por mais 1 (um) ano. O interessante é destacar o fato que quando houver o excesso de prazo da prisão o próprio magistrado, prolator da decisão que autorizou o cárcere, será responsabilizado por cometimento de falta grave.

DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NA ESPANHA

O legislador espanhol, como leciona DELMANTO JR (2001:351-352), após constantes reformas processuais delimitou a prisão provisória em três prazos distintos, sendo de 3 (três) meses, 1 (um) ano ou 2 (dois) anos, possibilidades estas diferenciadas de acordo com a pena do crime imputado ao acusado. O mesmo ordenamento jurídico prevê uma dilatação desse prazo quando se restar provado que o acusado poderá impedir de alguma forma o normal transcurso do processo e que o prazo fixado anteriormente não foi capaz de findar a ação penal, onde o prazo inicialmente delimitado pode ser prorrogado por mais 2 (dois) anos ou até mesmo por mais 4 (quatro) anos.

DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NA ITÁLIA

Na Itália, atualmente, segundo DELMANTO JR (2001:347-351), após a reforma processual penal ocorrida no ano de 1998, passou a vigorar a prisão preventiva com prazos determinados em lei. Esses prazos são fixados de acordo com a pena máxima prevista para o crime pelo qual o acusado está sendo processado e o tipo de pena, por exemplo, a pena perpétua, sendo esta prisão cabível desde a fase de investigatória até a fase final de instrução processual. A custódia cautelar tem prazos máximos de duração que variam de 3 (três) meses a 6 (seis) anos.

Dessa forma, o legislador italiano tentou criar parâmetros razoáveis para fixação da segregação preventiva durante a persecução penal.

Como bem analisa DELMANTO JR, as particularidades adotadas na nova legislação italiana adverte que mesmo com o fato de o legislador tentar amenizar excessos de sofrimentos ao acusado, o processo italiano continua sendo rigoroso de forma que não garante plenamente a presunção de inocência do imputado, pois como bem aponta, uma das falhas da nova legislação é o fato que se alguma decisão de instância inferior for anulada por superior, “o prazo para a fase anulada começa a correr todo novamente” (2001:351).


CONCLUSÃO:

Assim sendo, após estudar-se a aplicação de lei processuais penais em diversos países do globo torna-se possível uma comparação com a aplicação do da lei processual brasileira no que tange a matéria do excesso de prazo da prisão preventiva.


BIBLIOGRAFIA:

AMBOS, Kai. Processo Penal Europeu. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

BADARÓ, Gustavo; LOPES JR., Aury Lopes. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 1ª ed. Vol. II. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

Sobre o autor
Gustavo Kremer

BIOGRAFIA DO AUTOR: Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2010). Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Pós-graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.

Informações sobre o texto

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