O Supremo Tribunal Federal, nos últimos anos, tem sido instado a julgar temas de alta relevância. Em decorrência da inércia do Poder Legislativo, em relação a muitos temas relevantes, e da ineficiênia do Poder Executivo em áreas sensíveis, a Suprema Corte tem assumido papel de destaque, no que tange à concretização dos direitos previstos na Constituição Federal.
O Ministro Luis Roberto Barroso1 elencou três causas para a grande judicialização das questões políticas e sociais: i) a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988; ii) a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária; iii) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo, tendo em vista a adoção dos controles difuso e concentrado.
Por exemplo, traz-se a colação os seguintes julgamentos: ADPF 54 (interrupção da gavidez de fetos anencéfalos), ADI 3510 (pesquisas com células-tronco), Pet 3888 (caso da Reserva Indígena Serra do Sol), Mandados de Injunção 712, 708 e 670 (regulamentação do direito de greve dos servidores públicos), ADPF 132 e ADI 4227 (reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar) e ADPF 186 (constitucionalidade das políticas de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes em Universidades).
Assim sendo, é natural que julgamentos, mormente relacionados a temas relevantes e de repercussão, não sejam concluídos tão rapidamente, considerando-se inclusive a complexidade dos temas.
Por tal razão, é lícito, legítimo e razoável que sejam interrompidos por pedido de vista de algum Ministro que melhor queira refletir, ou examinar a matéria.
Ocorre que os pedidos de vista de Ministros da Suprema Corte não podem retardar, longamente, o desfecho dos julgamentos. Assim sendo, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal dispõe, no art. 134, caput, in verbis:
“Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente”.
Adite-se que a Suprema Corte editou a Resolução n° 278/2003, com o escopo de regulamentar o supracitado artigo do Regimento Interno. Em conformidade com a sobredita Resolução: i) o Ministro que pedir vista dos autos deverá devolvê-lo, no prazo de dez dias, a partir do recebimento dos autos em seu gabinete; ii) em caso de não devolução dos autos no referido prazo, este será prorrogado por mais dez dias; iii) não é possível a prorrogração do prazo, quando se tratar de processo que envolva réu preso.
O Código de Processo Civil vigente, no seu § 2°, estatui, litteris:
“Não se considerando habilitado a proferir imediatamente seu voto, a qualquer juiz é facultado pedir vista do processo, devendo devolvê-lo no prazo de 10 (dez) dias, contados da data em que o recebeu; o julgamento prosseguirá na 1a (primeira) sessão ordinária subseqüente à devolução, dispensada nova publicação em pauta”.
Ocorre, no entanto, que os dispositivos acima mencionados são comumente descumpridos, no âmbito da Suprema Corte. Conseguintemente, muitos julgamentos relevantes ainda não foram concluídos, ou tiveram o desfecho longamente retardado.
Nesse sentido, por exemplo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650, que trata do financiamento de campanhas eleitorais, resta pendente de conclusão, desde 20 de abril de 2014, por conta de pedido de vista.
De igual modo, a decisão do Plenário do Pretório Excelso, sobre a legitimidade do Ministério Público para proceder diretamente a investigação criminal, durou mais de dez anos.
Com efeito, a questão começou a ser debatida no Inquérito 1968, cujo julgamento foi suspenso, em virtude de pedido de vista formulado em 01 de setembro de 2004. O Deputado Federal investigado no sobredito inquérito terminou o mandato, sem que o feito houvesse sido devolvido para julgamento, de modo que, em fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal Federal remeteu os autos à primeira instância, sem decidir a questão.
Por seu turno, o Habeas Corpus 84548, no qual o poder investigatório ministerial também foi debatido, foi iniciado em junho de 2007 e interrompido, em virtude de um pedido de vista. O feito só foi liberado para inclusão em pauta em junho de 2012 e, após sucessivos pedidos de vista, o julgamento somente foi concluído em março de 2015.
Sublinhe-se, ainda a título exemplificativo, o julgamento do RE 593727, no qual o Plenário da Corte Suprema pacificou a questão relacionada ao poder investigatório do Ministério Público. O julgamento do referido feito iniciou-se em junho de 2012 e, por conta de sucessivos pedidos de vista, só se encerrou em maio de 2015.
Saliente-se, a propósito, que, em conformidade com levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas e publicado pela Folha de São Paulo2, somente um em cada cinco pedidos de vista é devolvido, no prazo regimental.
Cabe frisar que é público e notório o grande volume de trabalho compartilhado por apenas onze Ministros. Logo, é compreensível certo atraso na análise dos processos, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Todavia, uma vez iniciado o julgamento, este deve ser concluído no tempo previsto nas normas regimentais, em obéquio ao princípio da razoável duração do processo, presvisto no art. 5o, LXXVIII, da Constituição Federal, in verbis:
“A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Assim sendo, deve-se garantir o cumprimento das normas regimentais e a rápida devolução dos processos, cujo julgamento esteja suspenso por conta de pedido de vista.
Ocorre que, lamentavelmente, não há qualquer meio efetivo para garantir a celeridade na conclusão dos julgamentos no STF. Nessa linha, vale escandir que o art. 1o, parágrafo 1o, da Resolução n. 278/2003, do Supremo Tribunal Federal, indica que, caso não devolvido o processo para julgamento no prazo estipulado, o Presidente da Corte ou da Turma apenas comunicará o vencimento do prazo.
É interessante frisar que, inicialmente, a Resolução 278/2003, previa (art. 1o, parágrafo 2o) a requisiçao dos autos, por parte do Presidente do Tribunal ou da Turma, e a retomada do julgamento na segunda sessão ordinária subsequente, caso o processo sob vista de um Ministro não houvesse sido devolvido. Todavia, tal dispositivo foi revogado pela Resolução 322/2006.
Noutro giro de enfoque, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3367, proclamou que “O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional”.
Portanto, nenhuma providência pode ser implementada pelo CNJ para cumprimento do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, em relação à observância dos prazos para conclusão dos julgamentos.
Em suma, verifica-se, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a ausência de meios concretos e eficazes para garantir, em curto espaço de tempo, a devolução dos processos, cujo julgamento resta suspenso por conta de pedido de vista. Numa palavra, cabe apenas a comunicação do Presidente do Supremo, ou da Turma ao Ministro que extrapolou o prazo para devolução do julgamento.
A referida situação é, concessa venia, lamentável, pois não se coaduna com o princípio da duração do processo e impede o controle do prazo para a conclusão do julgamento dos processos já levados à apreciação da Turma, ou do Plenário.
Esperamos que o panorama sob enfoque seja modificado, a fim de que a Suprema Corte desenvolva mecanismos eficazes que garantam a celeridade na tramitação dos processos, cujo julgamento resta pendente de conclusão, em decorrência da formulação de pedido de vista.
O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado por enfrentar temas relevantes e de notável alcance social. Todavia, há de garantir a razoável duração dos processos, cujo julgamento já foi iniciado pelo órgão colegiado.
Cremos que um bom caminho seja seguir a trilha do Superior Tribunal de Justiça, o qual editou a Resolução 04/2015, segundo a qual os Ministros terão um prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 30, para devolver a julgamento os processos em que solicitarem vista e, se o prazo não for cumprido, o processo será automaticamente incluído na pauta da sessão seguinte.
Afinal, as normas constitucionais – no caso, o art. 5o, LXXVIII – devem ser vivificadas, já que a Constituição da República, a despeito de conter um conjunto de valores a ser respeitado pelo Estado e, portanto, possuir uma função axiológica patente, não deve ser mero instrumento retórico. Assim sendo, as disposições da Constituiçao devem ser verificadas, na vida prática, e seu reflexo sentido pela sociedade.
1BARROSO, Luis Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Disponível em <www.conjur.com.br> Acesso em: 28 de junho de 2015.
2Disponível em <www.folha.uol.com.br> Acesso em: 11 de julho de 2015.