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Comentários à nova Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9784/99)

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1 INTRODUÇÃO

Em razão da introdução, no ordenamento jurídico pátrio, da Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1.999, estabelecendo as normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, a presente pesquisa buscou, em doutrina, algumas bases e fundamentos teóricos para o novo Diploma Legal. Constatou-se a escassez de material a respeito do tema, em virtude da sua recente promulgação, apesar de terem sido encontradas referências a respeito de legislações anteriores, notadamente versando sobre o processo administrativo disciplinar.

Houve fundamental interesse na produção deste trabalho em razão do desafio da novidade e, também, devido às transformações que vem tomando forma no bojo da Administração Pública, especialmente em decorrência da globalização econômica e da necessidade de que o Estado passe a atuar "gerencialmente" e com eficiência, da maneira como fazem as grandes corporações na esfera privada.

Em face a todo esse quadro, surge a preocupação em garantir a preservação dos direitos e interesses dos administrados. Afinal, são eles os verdadeiros detentores do poder, que é exercido em nome e em favor de toda a sociedade (art. 1º.parágrafo único, da Constituição Federal). Procurou-se as linhas mestras da legislação, dando-lhes o conceito e aplicação, sempre com o espírito voltado para proteger o povo.


2 PROCESSO E PROCEDIMENTO

Partindo-se da premissa de que a preocupação inicial, em todo trabalho científico, deva ser a delimitação do objeto em estudo, não há meios de escapar dessa importante e necessária exigência nesta oportunidade. O primeiro obstáculo a transpor encontra-se, por conseguinte, em limitar e conceituar os vocábulos "processo" e "procedimento". Essa tarefa é essencial, notadamente porque a doutrina é divergente a seu respeito. A legislação em estudo utilizou a primeira expressão, ao dispor que seu objetivo primordial consiste em estabelecer normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração (art. 1º).

Antes de mais nada, é preciso notar que a palavra "processo" nem sempre foi empregada no sentido atual: de luta jurídica ou ação judiciária tendente a alcançar determinado objetivo. JOSÉ CRETELLA JÚNIOR assinala, com precisão, que a significação técnica que, no direito hodierno, tem o vocábulo ´processo´ (...) não é de origem romana, como ainda a muitos se afigura: é de data muito mais recente (1). O mesmo autor acrescenta que o processo, para os romanos, significava apenas marcha, desenvolvimento, prosseguimento, e nada mais. Segundo ele, foi a influência dos glosadores, nos últimos séculos da Idade Média, que desenhou a atual concepção de processo, dando-lhe o sentido de contenda jurídica, seja entre particulares entre si, seja entre estes e o Estado, visando a dirimir conflitos de interesse.

Tão importante quanto saber que o vocábulo processo sofreu, ao longo do tempo, variações em sua acepção, é reconhecer que a expressão não se aplica, exclusivamente, às questões jurídicas. Estudos em outras áreas do conhecimento também se subordinam à idéia de processo pois, à vista de alcançar determinados objetivos, biólogos, químicos, físicos, entre outros, fazem uso de uma série de técnicas ordenadas – de obtenção de dados, de análise, de cálculos, etc... –, para buscarem algum resultado almejado ou planejado. A diferença específica entre as investigações dos juristas e dos demais estudiosos reside no objeto enfocado pois, enquanto os últimos estudam e tentam desvendar as leis da natureza, os primeiros criam e interpretam as leis positivas, que regem a vida em sociedade, com a finalidade de alcançar o bem supremo da Justiça.

Logo, toda a análise deste capítulo terá como referência o processo no âmbito exclusivamente jurídico. Aliás, a própria criação das leis deve obedecer ao chamado "processo legislativo", consoante a Constituição Federal (art. 59). A grande maioria dos doutrinadores concorda que o processo, até mesmo em razão de sua origem etimológica (pro = "avançar, ir para diante" + cedere "mover, marchar, caminhar"), significa um concatenamento de atos dirigidos a uma finalidade ou objetivo. Nesse sentido, é relevante transcrever a definição da autorizada pena de PONTES DE MIRANDA, segundo a qual:

          Processo, de ´procedere´ (pro-*zdo), ir dali para frente, é fato em seguimento, em que não há referência necessária a fim, porque há processos, químicos e biológicos, em que o ´fim´ não aparece. Pode haver apenas ´alcance´ ou ´objetivo´. No sentido jurídico, nele há série de ações humanas, que entre si se prendem, para se atingir determinado fim, que é a prestação jurisdicional, ou administrativa, ou legislativa, pelo Estado, ou – mais largamente – por entidade jurídica (2).

Há estudiosos, dos mais autorizados, que vêem entre os vocábulos "processo" e "procedimento", uma vinculação de natureza puramente alternativa entre o planos abstrato e concreto. Sustentam que, enquanto o processo é o próprio movimento em sua forma intrínseca e abstrata; o procedimento é a maneira, o modo ou a forma extrínseca pela qual se externa esse movimento no mundo material, factível. Nessa linha de idéias, é relevante transcrever a lição de três processualistas ilustres, dentre os quais avulta a figura de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, a averbarem que:

          O procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. A noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade do exercício do poder (...) A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo (3).

O elemento que caracterizaria o processo seria, portanto, o conteúdo finalísitico ou teleológico nas diversas formas de exercício do poder, visando a garantir estrita obediência às leis, posição que também compartilha o não menos ilustre professor MOACYR AMARAL SANTOS, ao ensinar que

          ... por outras palavras, a finalidade do processo é a de obter a composição da lide, ou litígio. E compor a lide ou litígio, é resolvê-la conforme o direito objetivo, fazendo atuar a vontade da lei; vale dizer, é resolver a lide conforme a norma jurídica regedora da espécie (4).

Por outro lado, há outros juristas de renome a defender a igualdade, em essência e natureza, entre processo e procedimento. Argumentam que eventual discrepância estaria somente no plano quantitativo, pela consideração de que se deva denominar ´processo´ o conjunto de todos os atos e ´procedimento´ cada um dêsses atos (5), todos tendentes a fazer aplicar a ordem jurídica.

Parece mais acertada, no entanto, a primeira orientação doutrinária pois, além de facilitar a compreensão do conceito de processo, tornando-a mais didática, enfatiza seu conteúdo finalístico. Em outras palavras, pela diferenciação que apresenta entre processo e procedimento, a teoria seguida por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, MOACYR AMARAL SANTOS, CRETELLA JÚNIOR, dentre outros, busca dar prevalência ao elemento teleológico do processo, sem descurar a existência de suas fases e requisitos formais (procedimentais), as quais, todavia, não devem comprometer os objetivos maiores do primeiro. Aliás, essa é a base racional da denominada teoria da instrumentalidade do processo, tão em voga na atualidade.


3 PROCESSO JUDICIAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO

Independente de como se entenda a questão processo versus procedimento, todos concordam que o objetivo primordial de ambos é fazer prevalecer a lei. No entanto, a aplicação das leis pode ocorrer em momentos e casos distintos. Como princípio, tem-se a inafastabilidade do controle pelo Poder Judiciário, que sempre poderá ser chamado a resolver as controvérsias em quaisquer hipóteses, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

O processo judicial, seja ele decorrente de violação de direito material civil, penal, tributário, previdenciário, comercial, entre outros, é examinado pelo Poder Judiciário, mediante a provocação da parte interessada ou do órgão estatal incumbido de fazê-lo. Tais contendas são dirimidas com fundamento nos respectivos instrumentos processuais: Código de Processo Civil, Código de Processo Penal, e respectivas leis processuais esparsas. Dentre as características dos processos judiciais, destacam-se: a) caráter tríplice (autor, réu, e Juiz imparcial); b) unidade; c) definitividade; d) natureza pública, entre outras.

Para os atos administrativos, entretanto, cuja característica essencial é serem, ordinariamente, vinculados, há três momentos em que a legalidade pode ser apreciada: na formação do ato, no momento da sua aplicação e, posteriormente, na via judicial. Isso porque, para que o ato administrativo se constitua validamente, é necessário que sua criação obedeça aos ditames legais. A desobediência a esses preceitos macula os atos da administração, tornando-os ilegais, e permitindo ao cidadão impugná-los junto à própria entidade competente. Por fim, caso a ilegalidade pleiteada pelo administrado seja negada interna corporis, ele terá acesso ao Judiciário para expor sua irresignação.

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Da diferença nas oportunidades de exame da legalidade dos atos administrativos, decorre o tratamento diverso que recebem da doutrina, em especial quanto às características do processo administrativo a que se submetem. Este pode ser classificado em sentido lato, como o conjunto de formalidades exigidas para a constituição de um ato administrativo, ou, em sentido estrito, como o conjunto de reclamações e recursos do particular ante a administração. Outros juristas entendem que o processo administrativo pode ser analisado sob o aspecto interno, equivalente ao acima denominado "sentido lato", assim como pelo aspecto externo, à semelhança do "sentido estrito" antes mencionado. Nessa esteira, VILLAR Y ROMERO assevera que

          ... a única diferença entre o processo judicial e o administrativo radica em que o primeiro é constituído pela atuação dos tribunais judiciais, dos órgãos da jurisdição ordinária, ao passo que o processo administrativo se acha integrado por atuações de autoridades ou tribunais não judiciais, mas exclusivamente administrativos, mostra que ´uns e outros organismos são órgãos estatais, de caráter público e, por isso, se a diferença é válida para distinguir ambos os processos do mesmo gênero, não o é quando com ela se pretende negar o cunho de verdadeiro processo ao conjunto de atuações mediante as quais a Administração dita suas resoluções, especialmente na medida em que estas afetam os direitos dos particulares (6).

Em síntese, o processo administrativo oferece dois aspectos essenciais: a) o de forma jurídica a que se deve sujeitar a administração para que seus atos produzam efeitos; b) o de disciplina das reclamações ou recursos interpostos pelos particulares contra resoluções administrativas. Além dessa distinção, é preciso ressaltar que o processo administrativo não têm caráter tríplice (autor, réu e Juiz imparcial), mesmo nos casos de delegação a terceiros na prolação de decisões; como também não é único nem definitivo, nos moldes do processo judicial. O ponto em comum entre eles reside unicamente no caráter público, de necessidade de obediência estrita às normas jurídicas, bem como a alguns princípios, que serão tratados neste trabalho em capítulo apartado.

Finalmente, e apenas por um questão de clareza, cabe aludir à definição de processo administrativo trazida pelo professor JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, nos seguintes termos:-

          ...é o conjunto de atos e formalidades que, antecedendo e preparando o ato administrativo, permitem que o Estado atinja seus fins através da vontade da Administração, quer expressa espontaneamente, quer por iniciativa do particular ou do funcionário lesados em seus direitos (7).

E, no mesmo sentido, as sábias palavras do mestre MÁRIO MASAGÃO, definindo processo administrativo como

          ...o conjunto dos princípios que disciplinam formalmente a atividade dos órgãos da administração, bem como a dos particulares que perante ela apresentam petições ou recursos (8).

Vê-se, pois, que a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, ora estudada, trata do processo administrativo em sentido estrito, como preferem alguns, ou em seu aspecto externo, como entendem outros; referindo-se unicamente aos casos em que o particular ou funcionário se insurge contra determinado ato concreto proveniente da Administração Pública Federal direta ou indireta (art. 1º).


4 ANTECEDENTES HISTÓRICOS NO BRASIL

Numa perspectiva histórica, pode-se dizer que a legislação brasileira passou por 3 (três) fases bastante marcantes no que diz respeito ao tema processo administrativo.

Na época do Império, existia o que se denominava – e ainda persiste em países como a França – contencioso administrativo. Através dele, a administração efetivamente julga, exerce a jurisdição de maneira definitiva, analisa os fatos e "diz o Direito", resolvendo as controvérsias suscitadas pelos administrados.

Durante a República, foi abolido o sistema do contencioso administrativo, passando a prevalecer um processo administrativo semelhante ao que se tem nos dias atuais. As críticas que se dirigiam, ao sistema republicano incipiente, diziam respeito à falta de proteção aos direitos dos administrados, seja pela impossibilidade de compulsar os autos, seja pelo cerceamento do direito de defesa em termos gerais, assim como pela tendência da máquina estatal de utilizar-se do processo administrativo como meio de represália aos funcionários.

Hodiernamente, mantém-se a estrutura do processo administrativo, valendo ressaltar que sua utilização tem sido ampliada, com vistas a garantir maiores direitos aos servidores e administrados. A nova lei em estudo, em razão dos inúmeros princípios e bem formulados dispositivos que consagra, poderá prosseguir com a elogiável tendência de democratização das entidades públicas, desde que possa ser acompanhada pela evolução da qualificação dos funcionários, dentre outros aspectos a serem adiante abordados, sem os quais ela estará fadada ao insucesso.


5 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA LEI N° 9784/99

A lei geral do processo administrativo no âmbito da administração federal direta e indireta, apresenta, em seu artigo 2° , a necessidade da administração em seu rito processual seguir e obedecer os princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, do interesse público, e da eficiência.

Para o Prof. Miguel Reale, os princípios ao direito são fórmulas nas quais está contido o pensamento diretor de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico (9). Eles têm caráter fundamentais para o Direito, havendo sua inexistência, constituirá um Estado sem valores e regimentos morais que o dignifique. Independentemente de constar na lei o respeito aos princípios, estes já são por si só representados e respeitados pela Constituição Federal e natureza do justo direito. Assim, pode-se afirmar conforme Karl Larenz, que é possível sustentar que os órgãos integrantes do aparato estatal administrativo encontram-se mais fortemente subordinados ao Direito, uma vez que estão estritamente vinculados à lei.

Deve-se ressaltar que se está tratando de condutas a serem observadas não pelas partes no processo, pois a Administração não é parte no processo administrativo, é , sim, jurisdição; pois, nesse dispositivo, se está mais uma vez tratando de princípios orientadores da ação administrativa, da atuação ou da prestação administrativa ao cidadão, e não de deveres do administrado.

Os princípios são instrumento de atuação do Estado para garantir a prestação da jurisdição, o processo afirmou-se como direito individual formalizado segundo princípios específicos a figurarem entre os direitos fundamentais do indivíduo. Tal situação é percebida nos artigos, constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Citam os artigos:

          Art. 8° : Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo perante as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violam os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos pela constituição e pela lei."

Art. 10: Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja ouvida eqüitativamente e publicamente por um tribunal independente e imparcial, que decidirá seja de seus direitos e obrigações, seja da legitimidade de toda acusação penal em matéria penal dirigida contra ela.

Passando a seguir à apreciação individual, dos princípios elencados no art. 2° , da lei n° 9784/99.

          5.1 Princípio da Legalidade.

Para Caio Tácito, o princípio da legalidade, estabelece-se como fundamento de direitos individuais e, por natural desdobramento, de direitos políticos da representação popular na constituição dos poderes, reprime o absolutismo do Poder estatal e condiciona a atividade da Administração Pública (10).

À administração pública é reconhecida uma margem de discricionariedade, em benefício do povo, encontra na regra de competência a extensão do poder de agir. Assim, o princípio da legalidade dispõe ao administrador ao contrário do ocorrido com a pessoa de direito privado, para aquele que somente poderá fazer aquilo que a lei autoriza implícita ou explicitamente. E, este, tem o direito de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Ao Estado cumpre o dever de garantir o equilíbrio da ordem coletiva contra o individualismo.

Caio Tácito, enuncia:

          A doutrina, jurisprudência e a própria lei, conceituam como desdobramento necessário do princípio de legalidade, que a ação administrativa discricionária deve pautar-se pelo requisito essencial da finalidade como condicionante da competência da autoridade pública (11)

O Conselho de Estado da França, em sua jurisprudência, construiu a noção do "détournement de pouvoir", sendo o vício essencial da legalidade do ato administrativo, é pôr um limite à ação discricionária, impedindo que a ação unilateral e compulsória da autoridade possa dedicar-se à consecução de um fim de interesse privado, ou mesmo de outro fim público estranho à previsão legal.

Esclarece-se o sentido da administração legal, conforme disciplina Fritz Fleiner, do direito alemão:

          A administração legal significa, administração posta em movi-mento pela lei e exercida nos limites de suas disposições. (12)

No âmbito doutrinário nacional, o Prof. Hely Lopes Meirelles ensina que:

          A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador publico está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (13)

Para o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da legalidade é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. Enuncia ainda que:

          O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro. (14)

O princípio da legalidade é, enfim, em seus sucessivos desdobramentos, o autêntico lema da Revolução Francesa, que se traduz na tríplice afirmação dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Permite ao administrado, no seguimento do processo administrativo, a certeza de que a Administração tem seus atos a serem efetivados, seus procedimentos administrativos e suas decisões restritas à nova legis.

          5.2 Princípio da Finalidade.

O princípio da finalidade é uma inerência do princípio da legalidade, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é. A finalidade legal é um elemento da própria lei, é justamente o fator que proporciona compreendê-la. Assim não se pode conceber o princípio da legalidade sem encarecer a finalidade que de tal princípio em si mesmo, quer das distintas leis em que se expressa.

O precisado Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, define:

          O princípio da finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando execução. Assim, há desvio de poder e em conseqüência nulidade do ato, por violação da finalidade legal, tanto nos casos em que a atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública, quanto naqueles em que o fim perseguido, se bem de interesse público, não é o fim preciso que a lei assinalava para tal ato. (15)

Todo ato que se afastar do interesse público sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade, constante na lei de ação popular, conceituando-o como fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência do agente. (16)

O princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. O que este princípio veda é a prática do ato administrativo sem interesse pública ou conveniência para a administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais. Este desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder.

          5.3 Princípio da Motivação.

O processo administrativo deve ser regido neste princípio como forma de justificar seus atos, demonstrando os fundamentos legais e de fato, aferindo a real conduta administrativa com a lei.

Todos atos administrativos praticado sem motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Judiciário, com a apresentação da fundamentação apenas após de impugnada a decisão e o processo administrativo em juízo.

A Constituição Federal em seu art. 5° , XXXV, determina:a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Sendo o princípio da motivação reclamado, quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento de suas indagações legais, quer como direito individual a não se sujeitarem a decisões arbitrárias, pois só será justa aquela que estiver ajustada à demonstrada na lei.

O Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, determina quanto aos atos administrativos, que a prática do ato vinculado depende de apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível a motivação detalhada. Faz ainda referência, citando como exemplo o processo administrativo, especificamente o disciplinar, onde há uma situação contenciosa.

Fica, neste sentido claro e evidente a necessidade de fundamentação e justificação dos atos nas decisões e no transcorrer do processo administrativo pela administração pública, condutora do litígio em questão.

          5.4 Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

O controle de legalidade evoluiu para verificar a existência real dos motivos determinantes da decisão administrativa, a importar no acesso à motivação expressa ou implícita do ato administrativo.

Caio Tácito, descreve:

          O conceito de legalidade pressupõe, como limite à discricionariedade, que os motivos determinantes sejam razoáveis e o objeto do ato proporcional à finalidade declarada ou implícita na regra de competência. (17)

Nestes princípios, o processo administrativo deverá obedecer os critérios aceitáveis do ponto de vista racional, consoante a decisão normal de pessoas equilibradas. As condutas diversas sujeitar-se-ão, à ilegitimidade e portanto, invalidáveis jurisdicionalmente, com fundamento nos arts. 5° , II; 37; 84 e 5° , LXIX, da Constituição Federal.

Lúcia Vale Figueiredo, define:

          Traduz o princípio da razoabilidade a relação de congruência lógica entre o fato (o motivo) e a atuação concreta da administração. (18)

A lei confere ao administrador, certa margem de discricionariedade, significando ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, tanto decisões como despachos, a providência a ser tomada deverá ser a mais adequada ao interesse social e à racionalidade.

No mesmo sentido, vem o princípio da proporcionalidade enunciando a idéia de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas. Atos desproporcionais são ilegais e por isso fulmináveis pelo Poder Judiciário.

O Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, faz a seguinte comparação:

          O princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade. Assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração Pública ao cânone da legalidade. (19)

          5.5 Princípio da Moralidade.

A ética está presente independentemente da situação que se envolva, juridicamente, administrativamente ou profissionalmente. Estão contidos em sua esfera o princípio da lealdade e boa-fé.

O princípio da moralidade está acobertado constitucionalmente, no art. 5° , LXXIII, prevendo a possibilidade de ação popular para anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe e à moralidade administrativa.

O administrativista Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, no Seminário Nacional de Direito Administrativo, no ano de 1992, esclarece de forma precisa o preceito:

          O princípio moral, na distribuição da justiça, é aquele que é de todos e tem universalidade induvidosa. Determinante de regras de conduta, traça linhas de comportamento, tanto para o indivíduo como para o Estado. Se, incaptável muitas vezes ele resiste psicologicamente vindo a ser elemento real nas relações jurídicas. (20)

A moral jurídica vai além dos costumes personalizados ou de hábitos da sociedade. Está sobreposta a preconceitos privados. Estabelece regras comuns, iguais, um respeito à ordem natural das coisas humanas.

          5.6 Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.

Para a existência do verdadeiro direito, faz-se necessário a presença do contraditório, em quaisquer situações que envolvam litígios a serem decididos. O contraditório significa a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista, diante de fatos, documentos ou pontos de vista. Literalmente seria a possibilidade de contradizer a posição contrária.

Nos processos administrativos, o contraditório se expressa na possibilidade de fazer emergir os diferentes interesses em jogo e de confronta-los adequadamente em presença de seus titulares, é claro, anteriormente à decisão final.

          O contraditório não exclusivo do processo jurisdicional (21). No processo administrativo o contraditório deve ser visualizado fora da relação triangulada de juiz e duas partes. Se na fase que antecede a formação do ato um órgão da Administração não se coloca no mesmo plano que o sujeito, no tocante a direitos, não existe contraditório.

O processualista Fazzalari, expõe a diretriz adequada a respeito, pois ao mencionar os processos administrativos observa:

          O contraditório se realiza às vezes entre particulares, às vezes entre o particular e um órgão da Administração; o que conta, nesta última hipótese, é que a Administração Pública é colocada pela norma em posição substancialmente igual à do particular, de modo que, nos limites determinados pela mesma norma, a participação dos dois sujeitos realiza aquele jogo de ações, reações e controles recíprocos, características justamente das garantias do contraditório. Ao contraditório, não merecem ser catalogados entre os processos aqueles esquemas nos quais é contemplada uma participação do particular não só meramente episódica, mas também sob um plano diverso e inferior ao da Administração. (22)

A relação do princípio do contraditório com o princípio da ampla defesa, sobretudo em termos de precedência de um em relação ao outro é ressaltada por Ada Pellegrini Grinover:

          Num determinado enfoque, é inquestionável que é do contraditório que brota a própria ampla defesa. Desdobrando-se o contraditório em dois momentos: a informação e a possibilidade de reação. Não há como negar que o conhecimento, ínsito no contraditório, é pressuposto válido para o exercício da defesa. De outro ponto de vista, é igualmente válido afirmar que a defesa é que garante o contraditório, conquanto nele se manifeste. Porque a defesa, que o garante, se faz possível graças a um de seus momentos constitutivos, a informação, e vive e se exprime por intermédio de seu segundo momento, a reação. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório. (23)

Com o contraditório e a ampla defesa amplia-se a transparência administrativa, surgindo o princípio de justiça, havendo equilíbrio entre as partes, sem conotações pessoais, tornando as defesas paritárias, com decisões objetivas e concisas, conforme foi estabelecido pela vontade do legislador na elaboração da lei.

          5.7 Princípio da segurança jurídica e interesse público.

O princípio da segurança jurídica e interesse público é inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Citados princípios é um pressuposto lógico do convívio social, fornecendo a existência do verdadeiro direito, base de apoio da sociedade, como único meio possível de garantir e prevalecer a justiça.

A administração pública está adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse da coletividade.

O interesse público é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social.

O Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, exemplifica:

          Se o Estado causar danos a terceiros e indenizá-los das lesões infligidas estará revelando-se obsequioso ao interesse público, pois é isto o que determina o art. 37, parágrafo 6, da Constituição Federal. Se tentar evadir-se a este dever de indenizar estará contrariando o interesse público, concernente apenas ao aparelho estatal, interessando em subtrair-se às despesas para tornar-se menos onerado patrimonialmente. (24)

Os poderes administrativos no processo administrativo, na realidade deveres-poderes, só existirão e portanto só poderão ser validamente exercidos na extensão e intensidade proporcionais ao que seja irrecusavelmente requerido pela legalidade a que estão vinculados. Qualquer excesso é extravasamento de sua configuração jurídica. É abuso, além do permitido e, como tal, é comportamento inválido que o Judiciário deve fulminar a requerimento dos cidadãos.

          5.8 Princípio da Eficiência.

A inovação neste aqui se faz presente diante da previsão desta lei, a instauração da eficiência e celeridade da administração pública.

O Estado informado, estruturado e cujas funções são desempenhadas de acordo com princípio democráticos tem a sua organização e dinâmica integralmente moderados por eles.

Cita Carmen Lúcia Antunes Rocha:

          Não se poderia afastar, princípios como este, na atividade administrativa do Estado. Sendo base do Estado, não seria pensável nele haver uma Administração Pública autoritária. (25)

Na evolução tecnológica existente, não há que negar a exigibilidade de um Estado democrático eficiente, profissional e ágil. Há neste momento a fase de transição de uma "sucata administrativa" para uma administração profissional. O processo administrativo haverá de ser ainda, informal, para que haja possibilidade de acesso independentemente dos sujeitos envolvidos, atingindo a todos, conforme determina da Constituição Federal, sem quaisquer restrições ao seu alcance.

Apesar de não estar expressamente citado no texto normativo, é de salientar o implicitamente o princípio da celeridade(26), pois nota-se, preocupação em dotar os procedimentos por ela regulados de simplicidade razoável, em benefício da presteza em alcançar os resultados propostos, como quando são estabelecidos prazos, de modo a reduzir e prever o tempo de tramitação.

Uma evidência desse espírito de simplificação e celeridade do processo administrativo, e que terá , enorme repercussão, está nas disposições do artigo 37, e pelo artigo 36:

          Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias".

Neste sentido, encontram-se evidências claras da transformação da forma de administração citada, demonstrando ao cidadão e à sociedade a transparência e a existência do direito, presentes não somente em textos, mas, em formas honestas e ágeis de decidir administrativamente.

Sobre os autores
Alexandre Grassano F. Gouveia

bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (PR)

Francisco Cesar Salinet

bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alexandre Grassano F.; SALINET, Francisco Cesar. Comentários à nova Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9784/99). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/409. Acesso em: 5 nov. 2024.

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