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Coréia do Norte: a ameaça da proliferação de armas nucleares

Viemos propor, através deste artigo, uma análise da atual conjuntura mundial, com enfoque para a questão das Armas Nucleares na Coréia do Norte. Observando as opiniões das diversas Escolas do Direito Internacional, sempre voltado ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (1).

A Coréia do Norte assinou, em 1992, durante o governo de Pyongyang, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e concordou em liberar inspeção e fiscalização por parte da AIEA. No entanto, em março de 1993, a Coréia do Norte se recusou a aceitar uma equipe especial de inspeção da AIEA, e em seguida anunciou a sua decisão de abandonar o TNP.

Em 23 de outubro de 1994, como objetivo de reverter a saída do país e paralisar o programa nuclear norte-coreano, os Estados Unidos e a Coréia do Norte assinaram uma "Estrutura de Acordos".

No dia 10 de janeiro de 2003, a Coréia do Norte anunciou sua retirada imediata do TNP, em um comunicado oficial do governo. A agência de notícias norte coreana KCNA divulgou: "O governo da República Democrática Popular da Coréia do Norte anunciou hoje, através de um comunicado, sua retirada do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e sua total liberdade com relação às obrigações contidas no acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA)". (3)

Esta atitude é justificada por um temor, alegado pelo governo, de uma possível intervenção militar Norte Americana. Portanto, o país abandonaria as regras limitadoras do TNP e retomaria seu projeto de desenvolvimento de armas nucleares.

A alegação não é de todo infundada. O decorrer da história humana, repleta de disputas e conflitos, acabou por criar uma relação entre armas e poder. Com um sistema legal internacional ainda em fase embrionária, a autotutela e o uso da força para satisfazer pretensões são enfatizados. Muitos Estados, desde os mais antigos até o atuais, procuram garantir sua soberania e impor seu poder através do uso da força, especialmente a força militar. Contudo, as armas são relacionadas, também a idéia de segurança, de preservação pessoal, de autodefesa.

Estas duas relações antagônicas, acabam por criar um paradoxo em matéria de segurança. A questão é que com o pretexto de se defender, os Estados criam, desenvolvem e adquirem armas. Esta aquisição desperta medo nos Estados vizinhos, que por sua vez, procuraram adquirir armas para se defenderem da possível ameaça. Isto cria, uma "espiral da insegurança", um ciclo vicioso, difícil de ser quebrado.

John Rourke, em seu livro International Politics in the World Stage, reforça esta idéia, explicando que a realidade global, associa o poder de um país a sua força militar, e em algumas circunstâncias este poder pode ser essencial para a sobrevivência da nação. Um resultado de um estado fundar seu poder na beligerância é a "espiral da insegurança". Isto significa que os esforços para se alcanças a segurança coletiva através do das armas normalmente termina com uma percepção de perigo para os demais países, que por sua vez vão aumentar seu poderio para se protegeram da possível ameaça, criando a "espiral da insegurança".

Além disso, segundo a linha de pensamento de Rourke, apenas o fato de possuir o poder global, algumas vezes significa que o país pode tentar usa-lo para impor seus interesses. Afinal de que adianta arcar com todos os custos do poder – e esses são financeiramente muitos – se não se vai usa-lo.

Vale salientar que o contra argumento encontra-se dentro da Doutrina Realista, a qual é cética a respeito do medo da aquisição de armas fazer com que os países adquiram, desenvolvam e produzam mais armas. A lógica da "espiral da insegurança" parece obvia e é verídica em alguns casos específicos, mas pesquisas apontam-na como um fenômeno atrelado a outros. O real problema é uma cadeia de fatores interligados como as mudanças tecnológicas, pressões burocráticas, políticas domesticas e tendências econômicas, que aliados a competição armamentista geram a proliferação de armas.

A base deste argumento não reside apenas na questão da defesa, mas também na tese defendida por muitos políticos importantes, como Margaret Thatcher e Winston Churchill, que acreditam que as armas nucleares são um elemento importante para a manutenção da paz. Segundo Churchill, as armas nucleares fizeram com que tanto uma guerra nuclear quanto uma guerra de armas convencionais de larga escala, perigosas demais para serem lutadas. Ele está certo quando afirma que sem as armas nucleares, as tensões existentes no mundo durante e após a guerra fria poderiam ter resultado um número muito maior de guerras. A dissuasão nuclear serviu por muito tempo como uma política de manutenção da paz. Por mais antagônica que pareça, a posse de armas nucleares por parte da Coréia do Norte, faria com que os EUA, receando uma hecatombe nuclear, evitasse intervenções militares.

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No entanto devemos lembrar que esta política só aumentou ainda mais a tensão entre os países, dificultou a negociação multilateral e aumentou a distância entre os modos de vida capitalista e comunista.

De qualquer forma, qualquer que seja o motivo para aquisição de armas, o clima de medo, insegurança e instabilidade criada dificulta as negociações bilaterais e multilaterais. Sem as negociações e os esforços individuais e conjuntos dos países, simplesmente é impossível que se progrida no controle de armas.

Além disso, acreditamos-se que a pretensão de adquirir armas e o sistema de venda das mesmas são instrumentos contributivos para a proliferação de armas e o aumento da instabilidade. Logicamente, o simples fato de abandonar o TNP, já constitui um elemento fomentador da proliferação de armas nucleares e de tensão internacional.

Resta-nos ainda, para dar continuidade a analise, observar o comportamento do outro lado em questão, os EUA. Podemos faze-lo através da teoria de Samuel Huntington, o qual descreve a ordem mundial como unimultipolar, pois é "constituída por uma superpotência e diversas potências altamente significativas".

Huntington afirma com muita propriedade que os Estados Unidos são uma potência hegemônica, sem concorrentes, tanto econômica quanto militarmente, por isso, tendem a agir e falar como se vivessem num sistema unipolar. Esta atitude faz com que se sintam na posição de porta-vozes do mundo. Provocando cada vez mais seu isolamento e a criação de toda uma linha de países opositores, os quais são apontados como Estados párias – o que ficou conhecido como Eixo do Mal.

Para manter sua hegemonia, o estado precisa eliminar seus opositores e os focos de tenção que ameacem seu poder. O Iraque foi o primeiro deles, mesmo com a desaprovação da comunidade internacional e sem a legitimação por parte dos organismos internacionais. Sendo assim pouco impediria uma intervenção na Coréia do Norte.

Vale salientar, contudo, que do ponto de vista geoestratégico – essencial para a intervenção militar – a Coréia estaria mais resguardada de uma possível intervenção. Continuaremos a recorrer a teoria de Huntington, para explicar nossa afirmação, pois, segundo ele, dificilmente a superpotência hegemônica poderia atuar numa região sem o auxílio da potência regional significativa.

No Oriente Médio, são três as potências, Israel, Arábia Saudita e Irã. Apenas uma delas, o Irã, se opõe diretamente aos EUA. Portanto, mesmo que não exista a participação direta dos países, também não existiu a oposição.

Já no caso da Coréia do Norte, teríamos duas potências atuando na região, a China - mais importante militarmente, possuidora de armas nucleares e detentora do poder de veto no Conselho de Segurança da ONU – e o Japão. Os líderes chineses acreditam que a maior ameaça a paz são "o suprematismo e a política da força", fazendo nitidamente referência aos Estados Unidos. Por isso, uma intervenção na República Democrática Popular da Coréia Norte, provavelmente apresentaria uma veemente oposição Chinesa – pesando o fator político, pois ambos, Coréia do Norte e China, são socialistas.

Ë obvio que a China é um opositor de muito maior calibre que o Irã. Então, se a potência hegemônica sente a necessidade de afirmar seu poder dentro do sistema anárquico que caracteriza a ordem legal internacional, é muito mais viável que se ataque o mais fraco, ainda mais se existem interesses econômico atrelados.

Por fim, nossa análise estaria incompleta, se diante do apresentado, não pudéssemos propor uma solução para esta crise. O que percebemos ao analisar o TNP, foi um falta de mecanismos cujo intuito seja promover a confiança entre as nações. Por exemplo, uma clausula na qual os países nucleares armados se comprometessem a não utilizar seu armamento nuclear contra os países que não as possuíssem, caso esta intervenção não atendesse aos requisitos de legitimidade e legalidade do Direito Internacional. Uma clausula como esta teria como intuito atenuar o clima de desconfiança entre as nações – e certamente derrubaria o argumento principal do governo Norte Coreano. Medidas como esta não seriam uma inovação, elas são amplamente conhecidas pelo Direito Internacional (4) e foram denominadas CBMs (Confidence Building Measures ou Medidas Construtoras de Confiança). (5)

As CBMs funcionaram ao contribuir para a criação de condições favoráveis para a adoção de medidas desarmamentistas adicionais ou como medidas colaterais conectadas a medidas específicas de limitação de exércitos e desarmamento. Criando condições favoráveis para o estabelecimento de soluções pacíficas de problemas internacionais.

Ë preciso que, mesmo partindo de uma iniciativa unilateral, proponham-se emendas ao TNP (6) para construção da confiança entre as partes. E, através da confiança internacional depositada neste instrumento, torna-lo universal. E num futuro próximo, um possível Tratado de Desarmamento Total e Completo. (7) Que iria além do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, sendo o instrumento chave para o desarmamento mundial.


NOTAS EXPLICATIVAS

(1) - Em 1968, EUA e URSS apresentaram conjuntamente à Comissão de Desarmamento da ONU um projeto de tratado para impedir o que chamaram de "proliferação nuclear", isto é a aquisição de tecnologia e armamentos nucleares por outros países. O Tratado foi assinado simultaneamente em Washington, Moscou e Londres, em 1 de julho de 1968, entrando em vigor em 5 de março de 1970. Ao longo da década de 1970 ganhou a adesão de 120 países.

Após a Guerra Fria, intensificou-se a campanha em favor do desarmamento em todo o mundo e o TNP foi responsável pela não-materialização de previsões, em que o mundo estaria obrigado a conviver com um grande número de países dotados de poderio nuclear, possibilitando a eclosão de conflitos nucleares.

O TNP determina que os Estados detentores de armamentos nucleares ou de outros meios explosivos comprometam-se em não transferi-los direta ou indiretamente aos Estados que não os possuam. Estes se obrigam em não receber armas nucleares, nem fabricá-las ou adquiri-las; e também, comprometem-se a aceitar as salvaguardas determinadas em um acordo que deverá ser negociado pela AIEA.

O Tratado foi prorrogado ilimitadamente na Conferência de Análise e Prorrogação (NPTREC) de 1995. A NPTREC de 1995 também tomou decisões que reforçaram o processo de análise do Tratado e adotou um conjunto de "Princípios e Objetivos para a Não Proliferação e o Desarmamento Nucleares" destinados a orientar a plena execução e eficaz implementação do Tratado.

Durante a última década, a adesão ao TNP tornou-se quase universal, apenas 3 Estados (Índia, Israel e Paquistão) continuam fora do regime. Apresentando também o caso excepcional da Coréia do Norte, que se retirou do Tratado.

(2) – Segundo o Artigo X, 1 do TNP: "Cada Parte tem, no exercício de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país. Deverá notificar essa denúncia a todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos."

(3) – Segundo o Artigo III, 1 do TNP: "Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a aceitar salvaguardas - conforme estabelecidas em um acordo a ser negociado e celebrado com a Agência Internacional de Energia Atômica, de acordo com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica e com o sistema de salvaguardas da Agência - com a finalidade exclusiva de verificação do cumprimento das obrigações assumidas sob o presente Tratado, e com vistas a impedir que a energia nuclear destinada a fins pacíficos venha a ser desviada para armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares."

(4) - A questão das CBMs foi primeiramente levantada pela CSCE (Conferência para Segurança e Cooperação na Europa) de 1975, realizada em Helsinque. Esta conferência levantou a necessidade de contribuir para reduzir o perigo de conflitos armados e da má interpretação de atividades militares que possam aumentar a tensão.

Depois de Helsinque, a CSCE promoveu uma série de rodadas de debate que culminaram no documento de Estocolmo. Ele é proveniente da Conferência sobre Medidas para Aumentar a Confiança e a Segurança na Europa (Conference on Confidence and Security Building Measures na Disarmament in Europe), realizada entre janeiro de 1984 e setembro de 1986, e foi bem aceito pelos Estados participantes como um sucesso em atender as expectativas sobre as CSBMs (Confidence and Security-Building Measures) e o desarmamento. Da última conferência adotou-se um acordo, o Documento de Estocolmo, o qual objetivava reduzir os riscos de guerra na Europa. A partir dele, as nações membros da OTAN e do Pacto de Varsóvia concordaram em avisar antecipadamente uma à outra sobre todas as atividades militares de grande vulto.

Isto provou, também, que resultados tangíveis podem ser alcançados em negociações multilaterais em matéria militar entre numerosas partes, mesmo que algumas possam, inicialmente, ter diferentes pontos de vista, devido a diferentes interesses estratégicos e estrutura militar. As CSBMs acordadas naquela conferência previam a notificação e observação de atividades militares, bem como a submissão e a verificação.

(5) – Em nenhum relatório oficial ou discurso político, se mencionou ou afirmou um conceito exato para tais medidas. Mesmo assim, é conhecido de todos sua importância.

(6) – Segundo o Artigo VIII, 1 do TNP: "Qualquer Parte deste Tratado poderá propor emendas ao mesmo. O texto de qualquer emenda proposta deverá ser submetido aos Governos depositários, que o circulará entre todas as Partes do Tratado."

(7) – Previsto no Artigo VI do TNP: "Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional."


BIBLIOGRAFIA

BLIX, Hans. "IAEA Safeguards: New Challenges". New York: United Nations Office for Disarmament Affairs, Vol XV, Número 2, 1992.

Confidence-building Measures Disarmament Fact Sheet. New York: United Nations Department for Disarmament Affairs, Vol 57, 1991.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

HUNTINGTON, Samuel P. A superpotência solitária. Revista Política Externa, volume 8, nº 4, p. 12 – 25, 2000.

HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Editora Objetiva LTDA, 1997.

IMAI, Ryukichi. "NPT Safeguards Today and Tomorrow". New York: United Nations Office for Disarmament Affairs, Vol XV, Número 2, 1992.

NAZARKIN, Yuri. "Strategic Nuclear Disarmament in a New Era". New York: United Nations Office for Disarmament Affairs, Vol XV, Número 2, 1992.

ROURKE, John. International Politics at the World Stage. Hartford: Northeastern Publishing Co, 1995.

The United Nations and Disarmament since 1945 Disarmament Facts. New York: United Nations Department for Disarmament Affairs, 1991, Vol 78.

Sobre os autores
Fernando Ferreira de Souza Júnior

acadêmico de Direito na UNICAP e de Relações Internacionais na FIR, Recife (PE)

Gisele Lennon de Albuquerque Lima e Figueiredo Lins

acadêmica de Direito na UNICAP, Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA JÚNIOR, Fernando Ferreira; LINS, Gisele Lennon Albuquerque Lima Figueiredo. Coréia do Norte: a ameaça da proliferação de armas nucleares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4090. Acesso em: 22 nov. 2024.

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