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Direito das Obrigações: caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações

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Agenda 01/05/2003 às 00:00

4. Perspectivas do direito das obrigações e as gerações futuras enquanto destinatárias das obrigações

Mas não quero me ir embora daqui sem deixar-lhes um algo para pensar. Sem que possamos, mais uma vez juntos, olhar para o futuro. Um futuro no qual não mais estaremos aqui. Um futuro que diz respeito às gerações futuras, tema este que tem preocupado muitos juristas, principalmente nos Estados Unidos da América do Norte e da Europa e que começa a preocupar também a nós, brasileiros.

Segundo um esquema tradicional, dizemos que está numa situação de obrigação quem renunciou a um privilégio anterior, representado pela abstenção de uma obrigação, para conferir a alguém um direito, fundando-se assim no consentimento, vale dizer, na adesão de uma parte à proposta feita pela outra. A esta troca de consentimentos dá-se o nome de acordo de vontades.

Todo este esquema lógico a que chegou o Prof. Jean-Yves Goffi (p 234 a 237), baseando-se no esquema de relações jurídicas traçado pelo jurista estadunidense do começo do século XX, Wesley Newcomb Hohfeld, permite pôr em cheque o esquema das relações obrigacionais sempre que verificarmos a tutela das gerações futuras, um termo que tem ganho os mais diversos significados no ramo da bioética e da sociologia, mas que pode ser sumariamente definido aqui, como premissa, por aquelas gerações com as quais nem eu nem vocês vamos conviver, com absoluta certeza. Não se trata portanto da prole eventual de alguns de vocês, nem da prole eventual de meus filhos, nem dos filhos dos demais. É muito possível que eu possa conviver com os meus netos e, quem sabe, também com os meus bisnetos. Estas não são as gerações futuras. As gerações futuras são os netos dos meus netos, dos meus bisnetos.

Fácil perceber que estas pessoas, que não dispõem de personalidade (nem mesmo o nascituro a detém!), não podem ter vontade, não podem, portanto, renunciar ao privilégio de não estar obrigado, porque nem privilégios eles têm...

A tendência dos juristas é proteger esta classe de seres indeterminados, garantir que eles tenham a possibilidade de estar aqui neste planeta daqui a algumas décadas ou séculos. Daí porque o Conselho da Europa tenha declarado, em 1979, a fauna e a flora um patrimônio que importa preservar e transmitir às gerações futuras; daí porque o Congresso Americano tenha imposto, em 1969, o dever de proteger o meio ambiente para o bem das gerações futuras (Cf. em Goffi, p. 233).

A grande pergunta que se faz, então, é a seguinte: estas pessoas tem mesmo o interesse de viver neste mundo que vivemos? É-nos lícito condicioná-los desta forma, se nós não fomos condicionados a viver nem na Idade Antiga, nem na Idade Média?

Mas o que é que tudo isso tem a ver com o Direito das Obrigações?

Em interessante artigo publicado nos Arquivos de Filosofia do Direito (Archives de philosophie du droit), o professor de Filosofia do Direito Jean-Yves Goffi abordou esta temática, confrontando o esquema das relações de crédito até hoje pensado com base no acordo de vontades, no consentimento, ofertando um novo esquema para estas relações de crédito e débito baseadas não mais no consentimento, mas, sim, no interesse protegido. Desta forma, pensa o Professor Goffi, poder-se-á garantir às gerações futuras a tutela de sua possível existência.

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É bem verdade que o estudo do Professor Goffi tenha sido desenvolvido propositadamente para um colóquio acerca do Direito das Obrigações, daí ter ele centrado sua análise, de uma forma até um pouco forçada, na possibilidade de serem as gerações futuras sujeitos de obrigações civis.

Mas como se tratava de discutir com vocês, aqui nesta bela cidade, neste Belo Horizonte, a tendencial imutabilidade do Direito das Obrigações, achei por bem fomentar o debate, dando notícia desta interessante questão que mais me suscita dúvidas que certezas. Espero que possa acontecer o mesmo com vocês, porque é isto que o mundo moderno nos vais exigir.


BIBLIOGRAFIA

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RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Cabral de Moncada, 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado/Coimbra Editora, 1997.

RESCIGNO, Pietro. Enciclopedia del Diritto. Verbete "Obbligazioni (diritto privato)", vol. XXIX, Milano: Giuffrè Editore, 1979.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002

SACCO, Rodolfo. "À la recherche de l’origine de l’obligation". Archives de philosophie du droit, tomo 44, p. 33-41. Paris: Dalloz, 2000.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.


Agradeço a colaboração do Bel. Gustavo Ferraz de Campos Mônaco que me auxiliou na organização dessas notas, tantas delas constantes dos originais de meu livro Direito das Obrigações, no prelo.

Sobre a autora
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

procuradora federal em São Paulo (SP), doutora em Direito pela USP, professora doutora de Direito Civil da USP, diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Obrigações: caráter de permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das gerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4094. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Palestra proferida no Seminário Nacional sobre o novo Código Civil, promovido pela Escola Superior de Advocacia de Minas Gerais, em Belo Horizonte, 29 de agosto de 2002.

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