1. Introdução
Quando o Poder Público necessita contratar um serviço ou realizar uma compra tem, em regra, que realizar um procedimento administrativo prévio, denominado de licitação pública, visando obter a proposta mais vantajosa para a Administração e a promoção do desenvolvimento nacional.
A obrigatoriedade de prévia licitação para a contratação de obras, serviços, compras ou alienações pela Administração Pública tem fundamento constitucional no art. 37, XXI, visando assegurar a observância do princípio da isonomia.
Dando conformidade ao mandamento constitucional, a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, em seu art. 2º, também dispõe sobre a obrigatoriedade do procedimento licitatório para as contratações públicas, ressalvadas as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Acerca da obrigatoriedade de licitação, ensina Hely Lopes Meirelles:
A expressão obrigatoriedade de licitação tem um duplo sentido, significando não só a compulsoriedade da licitação em geral, como, também, a da modalidade prevista em lei para a espécie, pois atenta contra os princípios de moralidade e eficiência da Administração o uso de modalidade mais singela quando se exige a mais complexa, ou o emprego desta, normalmente mais onerosa, quando o objeto do procedimento licitatório não a comporta. Somente a lei pode desobrigar a Administração, quer autorizando a dispensa de licitação, quando exigível, quer permitindo a substituição de uma modalidade por outra (art. 23, §§ 3º e 4º)1. (Com destaques no original)
Sendo necessária a prévia licitação, ressaltamos que ela poderá ser realizada de diversas formas, ou seja, existem variações legais do procedimento licitatório a ser utilizado conforme o valor ou as peculiaridades do objeto a ser contratado. Tais variações procedimentais são as denominadas modalidades de licitação, sendo que, atualmente, existem sete modalidades (concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, pregão e o regime diferenciado de contratações públicas - RDC).
A modalidade pregão é utilizada para a aquisição de bens ou a contratação de serviços considerados comuns, independentemente do valor da contratação. Por sua vez, a Lei 8.666/93, no §4º do art. 23, estabelece uma hierarquia entre as modalidades de concorrência, tomada de preços e convite, sendo a primeira para as contratações de maior valor e a última para as de menor vulto.
A não observância da modalidade estipulada na lei pode configurar o fracionamento ilegal de despesa, que se caracteriza quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar contratação direta. Tal prática é vedada expressamente no art. 23, §5º da Lei 8.666/93:
Art. 23. (...)
§ 5º É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.
Dessa forma, o fracionamento de despesas pode prejudicar a escolha da melhor proposta para o Poder Público em razão da perda da economia de escalda bem como da restrição à competitividade nos certames licitatórios. Nesse sentido tem se posicionado o Tribunal de Contas da União - TCU:
Ainda sobre esse problema, vale lembrar que o fracionamento de compras, com a utilização indevida de modalidade inferior de licitação, tende a prejudicar a escolha da melhor proposta para a Administração, que poderia ser ofertada por empresas de maior porte e com capacidade de dar descontos maiores nos preços praticados2. (Grifos nossos)
Penso, dessa forma, existir nos autos indícios de ocorrência de fracionamento do objeto, o que considero grave, sobretudo em razão de que a modalidade Convite não exige a publicidade do edital como as outras modalidades (art. 21. da Lei de Licitações), o que diminui a concorrência do certame e, em tese, facilita o ajuste entre licitantes 3 . (Grifos nossos)
Especificamente quanto à realização de compras diluídas ao longo do exercício em substituição à efetivação de uma aquisição única, relacionada a um mesmo objeto, é importante destacar que a entidade, adotando tais procedimentos, deixa de obter ganhos de economia de escala, pois, por meio de contratações de maior vulto, são negociados descontos mais elevados nos preços praticados.
Ademais, as ocorrências detectadas de dispensas de licitação indevidas, bem como o fato de terem sido efetivados vários convites em substituição à realização de concorrência, em fuga ao procedimento licitatório previsto na legislação, tendem a ocasionar contratações com preços finais menos vantajosos para a entidade, pois, nas aquisições efetuadas, deixaram de ser adotadas licitações em modalidades que garantiriam maior competitividade entre os fornecedores4. (Grifos nossos)
Análise: as mesmas três empresas foram convidadas para as três licitações na modalidade convite, na mesma data, cujo valor individual das obras, de aproximadamente R$ 100.000,00, cada, e no total de R$ 300.000,00, exigia a modalidade tomada de preços (§ 5º, do art. 23, da Lei n. 8.666/1993, c/c a alínea b do inciso I do mesmo art. 23), modalidade de licitação que exige divulgação do certame em jornal de circulação no Município ou região (art. 21, inciso III, da Lei n. 8.666/1993), favorecendo a ampliação da competição do certame. Além disso, como resta demonstrado acima, a prática possibilitou o conluio entre as participantes, de tal forma que cada empresa venceu um dos certames 5 . (Grifos nossos)
Neste trabalho, pretendemos analisar os elementos que configuram ou não o fracionamento ilegal de despesas sob a ótica do Tribunal de Contas da União.
2. Aplicação da vedação de fracionamento de despesas tanto para compras como para serviços
Como mencionado acima, o fracionamento de despesas é vedado em nosso ordenamento jurídico no art. 23, §5º da Lei 8.666/93. A melhor doutrina6 ressalta, entretanto, que esse parágrafo deve ser interpretado conjuntamente com o §2º do mesmo dispositivo:
§ 2º Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação.
Assim, depreende-se da leitura conjunta desses dois parágrafos que a vedação ao fracionamento ilegal aplica-se tanto às obras e aos serviços quanto às compras. Esse também é o entendimento da Corte de Contas:
Realize planejamento de compras a fim de que possam ser feitas aquisições de produtos de mesma natureza de uma só vez, pela modalidade de licitação compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido, abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24, inciso II, da Lei no 8.666/1993 para justificar a dispensa de licitação, por se caracterizar fracionamento de despesa7. (Grifos nossos)
Corroborando a correção desse entendimento, Marçal Justen Filho ressalta que a norma do art. 23, §5º deriva de princípios gerais e abstratos sendo aplicável a todas as espécies contratuais, senão vejamos:
O §5º do art. 23. tem uma redação esdrúxula e difícil, o que se agrava por referir-se apenas a obras e serviços (de engenharia, como é implícito). Uma interpretação formalista e literal conduziria ao raciocínio de que o somatório nunca poderia ser aplicado a compras. Mas essa conclusão seria equivocada, eis que o §5º do art. 23. deriva de princípios gerais e abstratos, cuja compreensão deve ser buscada através da atividade do intérprete. A vedação contida no §5º (e as ressalvas ali encontradas) se aplicam a todas as espécies contratuais. Essa conclusão é reforçada, ademais, pelo disposto no art. 24, inc. II, que adota fórmula semelhante para disciplinar as contratações de compras e serviços em geral8.
Portanto, haverá fracionamento indevido de despesa se o administrador público fizer várias licitações, tanto para a aquisição de bens como para a contratação de serviços – de engenharia ou não, dividindo a despesa para utilizar modalidade de licitação menos rigorosa à recomendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar a contratação direta.
3. Período Financeiro e Planejamento
Para a caracterização do fracionamento indevido de despesa é fundamental analisar o lapso temporal que deve ser considerado para escolha da devida modalidade de licitação.
A Constituição Federal de 1988 determina a observância do princípio da anualidade do orçamento no art. 165, §5º, II. Paralelamente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, em seu art. 16, §1º, inciso I, considera adequada a despesa que, somadas todas as de mesma espécie, realizadas e a realizar, não ultrapasse os limites estabelecidos para o exercício.
Conclui-se, destarte, que o lapso temporal a ser observado para caracterização ou não do fracionamento indevido de despesas é o do exercício financeiro, que corresponde ao ano civil.
Além disso, a observância do exercício financeiro para configuração do fracionamento indevido de despesa - quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior a recomendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar a contratação direta – é reiteradamente exigida pela Egrégia Corte de Contas:
Nos termos da jurisprudência desta Corte de Contas, o planejamento do exercício deve observar o princípio da anualidade do orçamento, não podendo o agente público justificar o fracionamento da despesa com várias aquisições ou contratações no mesmo exercício, sob modalidade de licitação inferior àquela exigida para o total da despesa no ano, quando decorrente de falta de planejamento9. (Grifos nossos)
Assim, o jurisdicionado deveria ter realizado um planejamento de quanto seria gasto com serviços de natureza laboratorial e ter realizado licitação na modalidade em que ficasse enquadrado o valor previsto para os serviços durante o ano. Ao não agir dessa forma, o gestor incorreu em fracionamento das despesas, prática vedada pela Lei 8.666/1993 e condenada por este Tribunal. Deste modo, entendemos que as razões de justificativa apontadas pelo gestor no que tange à irregularidade do item "b1", não devam ser acolhidas por este Tribunal de Contas da União10.
Confirmando a necessidade de observar o princípio da anualidade, o caput do art. 57. da Lei de Licitações e Contratos estabelece que a duração dos contratos administrativos ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, elencando algumas exceções.
Portanto, o princípio da anualidade deve ser observado pelo gestor público no início do exercício quando do planejamento das compras e contratações a serem realizadas. O TCU tem firme jurisprudência nesse sentido:
Determinar à Prefeitura Municipal de Itabaianinha/SE que: planeje adequadamente a compra de alimentos destinados à preparação da merenda escolar, evitando realizar o fracionamento de despesas para as referidas aquisições e adotando, preferencialmente, a modalidade de licitação pregão11. (Grifos nossos)
Quanto aos fracionamentos de despesas constatados, verifico que estes são decorrência da ausência de planejamento nas compras realizadas pela entidade, pois ao invés de efetuar previsão anual de produtos a serem adquiridos, mediante licitação única para cada tipo de aquisição, o Senai/AP acabou por realizar certames separados. Tal fato ocorreu, por exemplo, nos Convites 12/2005, 20/2005 e 21/2005, ambos efetuados para aquisição de equipamentos para o setor eletroeletrônico12. (Grifos nossos)
Planeje a atividade de compras, de modo a evitar o fracionamento na aquisição de produtos de igual natureza e possibilitando a utilização da correta modalidade de licitação, nos termos do art. 15, § 7º, II, da Lei no 8.666/1993. Acórdão 2575/2009 Plenário (Grifos nossos)
Pelo acima exposto, cabe ao gestor realizar o adequado planejamento de suas contratações considerando o exercício financeiro, utilizando a modalidade licitatória correspondente ao somatório dos valores estimados, mesmo que sejam realizadas mais de uma licitação.
3.1. Necessidade Superveniente Imprevisível
Estabelecida a necessidade de prévio planejamento, contemplando todas as aquisições e contratações do ano, para evitar o fracionamento de despesas e a correspondente responsabilização dos gestores públicos, surge o questionamento se as contratações em razão de necessidades supervenientes devem ser somadas às que constavam do prévio planejamento.
Em virtude de sua relevância e didática, transcrevemos os ensinamentos do prof. Marçal Justen Filho:
Não se admite o parcelamento de contratações que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. Seria permitido o parcelamento para contratações sucessivas? Não há resposta absoluta. Depende das circunstâncias, tal como exposto a propósito do art. 23, §5º, especialmente quanto ao princípio da moralidade. Significa que, sendo possíveis diversas aquisições de objetos idênticos, deve considerar-se o valor global. A regra subordina a Administração ao dever de prever todas as contratações que realizará no curso no exercício. Não se vedam contratações isoladas ou fracionadas – proíbe-se que cada contratação seja considerada isoladamente, para fim de determinação do cabimento de licitação ou da modalidade cabível. Se a contratação superveniente derivar de evento não previsível, porém, nenhum vício existirá em tratar-se os dois contratos como autônomos e dissociados.13 (Grifos nossos)
Sendo necessidade superveniente imprevisível, não há fracionamento de despesa porque não se pode exigir do gestor público a previsão do imprevisível. Tal situação afrontaria o princípio da razoabilidade.
Todavia, entendemos que, não sendo possível prever aquele gasto, deve o administrador público, a cada nova contratação ou aquisição subsequente, considerar o montante já despendido com objeto da mesma natureza, adotando a modalidade licitatória correspondente ao somatório de todos os valores. No mesmo sentido tem se manifestado a Corte de Contas:
Efetue o planejamento adequado de suas reais necessidades relativas às obras, serviços e aquisições, especialmente material de consumo, com vistas ao dimensionamento correto do objeto a ser licitado, evitando o fracionamento de despesas;
Verifique, excepcionalmente, caso não seja possível fazer a programação antecipada dos gastos, de forma global ou anual, a cada nova aquisição ou contratação subseqüente, o montante acumulado já despendido com o objeto da mesma natureza, no decorrer do exercício, realizando o certame licitatório devido quando esse montante superar o valor limite permitido para a Dispensa de Licitação14. (Grifos nossos)
4. Necessidade de dolo ou má-fé do gestor público
Se ocorre o fracionamento indevido quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior a recomendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar contratação direta, pode-se questionar se há necessidade de essa fuga de licitação ser intencional, ou seja, se exige-se o dolo do gestor público em querer realizar a contratação por meio de licitação inferior a exigida pela legislação.
O Tribunal de Contas da União já enfrentou a questão afirmando que mesmo não sendo intencional, haverá irregularidade punível, senão vejamos:
Ficou provado que os gestores da UFPB praticavam com frequência o fracionamento de despesas, o que permitia fugir da licitação ou da modalidade licitatória adequada para o volume de recursos utilizado para aquisição de certos materiais. Ainda que a infração não seja intencional, porém decorrente da falta de planejamento, mesmo assim permanece como irregularidade, obviamente punível, sobretudo quando se nota que a Universidade mais de uma vez foi advertida do problema pelos órgãos de fiscalização15. (Grifos nossos)
Tal responsabilização do administrador público deriva do entendimento daquela Corte de Contas de que basta a comprovação de culpa lato sensu, ou seja, pode ocorrer em situações de negligência, imprudência ou imperícia.
O entendimento pacífico nesta Corte é o de que o ‘fracionamento de despesas’ não constitui ‘mera falha formal’, mas sim ‘infração grave’, a ensejar a irregularidade das contas e a aplicação de multa. Para tanto, não é necessário perquirir se o agente agiu com dolo (má-fé), mas, tão-somente, comprovar a sua culpa lato sensu. Esta, além do dolo, abarca a negligência, a imprudência e a imperícia.
Compulsando os autos (...), vemos que a ausência de planejamento do gestor deu causa à alegada ‘emergencialidade’ das aquisições de combustível, gás butano e gêneros alimentícios (...). Portanto, não há como afastar sua responsabilidade, em face de sua negligência como administrador de recursos públicos 16 . (Grifos nossos)
5. Critérios para a caracterização do fracionamento de despesa - classificação orçamentária; ramo das empresas; mercado local
Analisando-se os art. 23. e 24 da Lei 8.666/93, verifica-se que o legislador elencou duas possibilidades acerca do fracionamento de despesas.
A primeira, quando o §5º do art. 23. dispõe “parcelas de uma mesma obra ou serviço”, trata de parcelas que integram um único objeto, ou seja, há unidade material intrínseca do objeto. Essa regra é reiterada no inciso II do art. 24. quando afirma “desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez”.
Sendo único o objeto, eventual pluralidade de contratações durante o exercício não podem ser consideradas isoladamente para determinação do cabimento de licitação ou da modalidade adequada. Vejamos o TCU como trata a matéria:
Contratação de duas empresas por dispensa de licitação para a reforma de banheiros sanitários, nos valores de R$ 14.000,00 e R$ 13.997,50, quando os serviços, por serem de mesma natureza, deveriam ter sido contratados conjunta e concomitantemente; ausência de detalhamento das planilhas orçamentárias17.
Por outro lado, a segunda possibilidade traz dois requisitos cumulativos: bens e serviços de natureza semelhante e que devem ser executados no mesmo local. Para facilitar a análise, transcrevemos o que consta do §5º do art. 23, “obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente”.
Logo, embora sejam bens e/ou serviços materialmente distintos, ou seja, não são partes integrantes de um único objeto, por terem natureza semelhante e por necessitarem ser executados no mesmo local, o legislador determinou que não podem ser fracionados, desde que possam ser realizados conjunta e concomitantemente.
Conclui-se, então, que mesmo sendo objetos materialmente diversos, mas em razão de terem natureza semelhante e que devam ser executados no mesmo local, a eventual pluralidade de contratações durante o exercício também não podem ser consideradas isoladamente, para verificação do procedimento licitatório.
A contrário sensu, sendo objetos materialmente diversos não há que se cogitar em obrigatoriedade de licitação única. O Tribunal de Contas já enfrentou a questão:
Entendo que não merece prosperar o posicionamento da unidade técnica de que teria que haver uma única licitação para os diversos serviços advocatícios de que necessitava a Codesp. Isso porque as áreas de atuação necessárias para cuidar das demandas judiciais envolvendo a empresa portuária abrangiam diferentes ramos do Direito, tais como direito do trabalho, direito civil, acompanhamento de processos junto aos tribunais superiores em Brasília, entre outros.
Não seria concebível, portanto, diante de tão distintas especialidades, empreender um único procedimento licitatório, mesmo porque os potenciais licitantes poderiam não estar localizados nas áreas de jurisdição aplicável aos processos de interesse da Codesp, além de não se mostrar conveniente exigir especialidades tão diversas de um único escritório de advogados, o que, certamente, representaria restrição à competitividade e, por conseguinte, o encarecimento dos serviços18. (Grifos nossos)
Portanto, o fato de o objeto ser único impõe a modalidade licitatória correspondente ao valor global de todas as contratações para o exercício. Não sendo único, mas sendo de natureza semelhante e que devam ser realizado no mesmo local, de forma conjunta e concomitante, também se vedando o fracionamento.
Entretanto, em que pese a existência desses requisitos legais, o alcance deles gera dificuldades práticas. Por essa razão, o Tribunal de Contas da União e a doutrina especializada têm lançado mão, ao longo do tempo, de diversos critérios como a definição da expressão “mesmo local” e a classificação orçamentária da despesa.
5.1. Mesmo local
A expressão “mesmo local” do §5º do art. 23. tem gerado alguma discussão, especialmente na doutrina, se corresponderia ao município, ao bairro, à rua ou à região metropolitana.
Apesar das divergências doutrinárias, o Tribunal de Contas da União tem posição consolidada de que essa expressão não deve ser interpretada literalmente, afirmando que deve corresponder a uma região geoeconômica de atuação empresarial dos possíveis licitantes. Vejamos:
Impende destacar que o fato de alguns itens serem destinados ou executados em localidades distintas não autoriza, por si só, que a despesa seja fracionada de acordo com a sua destinação geográfica, como poderia sugerir a interpretação literal (gramatical) da expressão "mesmo local", contida no art. 23, § 5º, da Lei 8.666/93.
Não se pode olvidar que este Tribunal tem entendimento no sentido de que a expressão "mesmo local" corresponde a uma região geoeconômica de atuação profissional, comercial ou empresarial dos possíveis licitantes. Assim, caso os potenciais interessados sejam os mesmos, não deverá o Estado realizar licitações sem levar em conta, na definição das respectivas modalidades, o somatório dos valores envolvidos em todas as contratações de itens de mesma natureza, ainda que executados em "locais diversos" 19. (Grifos nossos)
Nas oportunidades em que se manifestou sobre o fracionamento de despesas, este Tribunal deixou assente que, quando os potenciais interessados na contratação de serviços de mesma natureza são os mesmos, não há que se realizar licitações distintas. Sob essa ótica, o termo “mesmo local” utilizado no art. 23, § 5º, da Lei nº 8.666/93, não se refere a uma localidade específica (rua, bairro, cidade, município) e sim a uma região geo-econômica, ou seja, a área de atuação profissional, comercial ou empresarial dos possíveis fornecedores ou prestadores de serviço a serem contratados pela Administração. Os julgamentos anteriores deste Tribunal citados pela unidade técnica e referenciados no relatório precedente apontam nessa direção20. (Grifos nossos)
Assim, só podem ser realizadas licitações distintas e independentes para cada localidade se os potenciais interessados também forem distintos, visando, dessa forma, o real aproveitamento dos mercados locais.
Portanto, mesmo que em locais diversos, sendo os mesmos os potenciais licitantes, deverá o administrador público considerar, na definição das modalidades licitatórias, o somatório dos valores de todas as contratações.
5.2. Classificação orçamentária da despesa
Para a verificação se o objeto a ser contratado é único ou se tem natureza semelhante, alguns órgãos públicos passaram a utilizar o subitem do elemento de despesa como critério.
Dessa forma, se adotado o critério da classificação orçamentária, uma contratação envolvendo simultaneamente investimento e custeio não poderia ser realizada em um único certame licitatório visto que tais gastos pertencem a subelementos de despesa distintos.
Todavia, o TCU não tem adotado esta tese, senão vejamos:
A classificação da despesa pública segue critérios definidos com o objetivo de atender às necessidades gerenciais de informação acerca da execução do processo orçamentário. Não serve como justificativa para o fracionamento de despesas e nem como pretexto de fuga à obrigatoriedade de licitar, como no caso concreto, em que não se quis admitir a realização de licitação única devido a uma suposta incompatibilidade entre os itens de despesa 21 . (Grifos nossos)
Ainda, sobre a irrelevância da classificação orçamentária para configuração ou não de fracionamento de despesas, Marçal Justen Filho assim tratou do tema:
A irrelevância da classificação orçamentária
Por outro lado, não é possível utilizar a classificação orçamentária, produzida para outros fins e sem nenhuma relevância legal para essa hipótese. Os critérios utilizados para fins orçamentários podem ser diversos e, mesmo, abranger diferentes objetos. Aplicar a regra poderia produzir resultados despropositados, tais como constranger a realização de concorrência para serviços autônomos de engenharia, apenas porque a rubrica orçamentária seria a mesma. Ou seja, quando se englobam certas despesas em um mesmo elemento de despesa orçamentária, o fundamento reside na necessidade de sistematização. Não há previsão acerca da necessidade de contratação única nem se pode imaginar que o legislador financeiro estava considerando o total de desembolsos como sujeito a tratamento unitário.
Mais ainda, não há no texto legal qualquer indicação da relevância da classificação orçamentária do objeto para fins de conjugação de valores e determinação da modalidade cabível de licitação. Trata-se de inovação em face da Lei - inclusive no tocante às próprias normas de Direito Financeiro, as quais não determinam que as rubricas orçamentárias produzem algum efeito jurídico para fins da fixação da modalidade cabível de licitação22.
Ademais, da definição de elemento de despesa existente no Manual Técnico de Orçamento de 2015, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, verifica-se que a descrição dos elementos é, em alguns casos, exemplificativa, podendo não contemplar todas as despesas a eles inerentes.
5.6.2.1.4. Elemento de Despesa
O elemento de despesa tem por finalidade identificar os objetos de gasto, tais como vencimentos e vantagens fixas, juros, diárias, material de consumo, serviços de terceiros prestados sob qualquer forma, subvenções sociais, obras e instalações, equipamentos e material permanente, auxílios, amortização e outros que a Administração Pública utiliza para a consecução de seus fins.
Os códigos dos elementos de despesa estão definidos no Anexo II da Portaria Interministerial STN/SOF nº 163, de 2001. A descrição dos elementos pode não contemplar todas as despesas a eles inerentes, sendo, em alguns casos, exemplificativa 23. (Grifos nossos)
Dessa feita, a classificação orçamentária deriva de uma necessidade de sistematização do Poder Público, não sendo adequada para, isoladamente, determinar se um objeto possui a mesma ou similar natureza para fins de definição da modalidade licitatória.
Além do mais, o princípio da legalidade administrativa traz a ideia de que a administração pública somente pode atuar quando exista lei que determine ou autorize. Ocorre que não há disciplina legal determinando qualquer produção de efeitos à classificação orçamentária, ou seja, o administrador público não está obrigado a observar a classificação orçamentária para definição da modalidade de licitação aplicável.
Todavia, em que pese não seja uma obrigatoriedade nem critério absoluto, entendemos que pode ser utilizado se analisado conjuntamente com outros elementos incidentes no caso concreto.