Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Responsabilidade civil das sociedades pelos danos ambientais

Exibindo página 2 de 3
Agenda 01/06/2003 às 00:00

7.RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA

O Direito é unânime em tratar a responsabilidade civil como fonte obrigacional, o causador do dano responde a reparação à pessoa ou aos bens da vítima.

A grande discussão está em determinar o fundamento da responsabilidade civil: alguns defendem a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e outros, a doutrina objetiva, que abstrai a culpa, concebe a responsabilidade sem culpa e se concentra na teoria do risco.

A teoria da responsabilidade subjetiva origina-se no Código Napoleônico, e foi inserto no Direito Civil brasileiro pelo artigo 159 do Código de 1916.

Para descobrir a pessoa do responsável, a teoria manda buscar aquele cuja culpa causou o dano. Para tanto, é preciso deixar claro que a responsabilidade subjetiva exige a figura do ato ilícito, o qual pode ser conceituado como procedimentos ou atividade em desconformidade com o ordenamento jurídico, violando uma proibição ou mandamento legal. A idéia de dolo não importa muito para a caracterização da doutrina da culpa, sendo o principal fundamento a conduta do agente.

Na visão de PEREIRA (1998, p. 29):

A essência da responsabilidade subjetiva vai se assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima.

A principal exigência da teoria subjetivista é a conduta culposa do agente, ou apenas a sua culpa (culpa propriamente dita ou dolo), ficando a reparação do dano ou a obrigação de indenizar, em segundo plano.

Se a responsabilidade civil restasse acomodada sobre esta afirmativa, não haveria responsabilidade sem culpa, e a responsabilidade seria uma exceção e a irresponsabilidade, a regra. No entanto, não é o que ocorre, pois, a culpabilidade do agente está objetivada, como se verá adiante.

Com o objetivo de acabar com as injustiças provocadas pelas regras rígidas da teoria da culpa, surgiu a teoria do risco. É a teoria da responsabilidade objetiva, na qual o agente que, por intermédio de sua conduta, criou o risco de produzir dano, tem o dever de repará-lo, mesmo que não haja a presença de culpa.

A característica dominante da doutrina objetiva é que o dano pode ser resultado de uma conduta eximida do elemento culpa. Portanto, o dever de indenizar não se vincula a idéia de comportamento culposo.

A responsabilidade civil calcada no risco tem sua origem no Direito Francês, nas interpretações de SALEILLES e JOSSERAND apud PEREIRA (1998, p. 16). Ambos argumentam no sentido da necessidade da responsabilidade civil adequar-se às grandes mudanças ocorridas no mundo social, no qual a teoria da culpa já não encontrava mais o respaldo de justa e de garantidora da segurança jurídica.

Embasando este pensamento, parte-se da idéia inicial da responsabilidade civil, ou seja, a reparação do dano à vítima. Assim, se alguém pratica um ato ilícito e esse vem a causar um dano, estabelece-se que cada um deve suportar o ônus de sua atividade. Assim, cada um deve responder pelos riscos que sua atividade poder vir a produzir. Adequadamente a este princípio que o novo Código civil adotou o artigo 927, parágrafo único.

No Direito Brasileiro, José de Aguiar DIAS (1997, p. 9) é o maior defensor da doutrina subjetiva, e cita em sua obra uma frase de JOSSERAND que resume por completo o verdadeiro princípio dessa visão sobre a responsabilidade civil:

...abandonando essa noção de culpa, tão desacreditada, para admitir que somos responsáveis, não somente pelos atos culposos, mas pelos nossos atos, pura e simplesmente, desde que tenham causado um dano injusto, anormal.

De acordo afirmações anteriores, o nosso Código Civil adota o princípio fundamental da culpa, embora possua várias disposições influenciadas pela doutrina objetiva.

Para atingir essa mistura das duas doutrinas, o Direito Civil Brasileiro adotava, com o antigo Código Civil, posições intermediárias, tais como a regra da culpa presumida em algumas das suas disposições. Dessa forma, o elemento culpa, embora presente, era presumido pela lei, invertendo o ônus da prova. Os exemplos mais comuns são dos artigos 1.521 e 1.527 a 1.529, que falavam da responsabilidade por ato de terceiros e pela guarda da coisa ou do animal.

Embora esta visão predominantemente subjetiva do Código anterior, havia doutrinadores, como SAMPAIO (2000, p. 28) que entendiam ser os artigos 1.519 e 1.520 claros exemplos da inserção da doutrina objetiva no Código Civil.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Como já foi dito antes, o Direito evolui no sentido de adotar em suas legislações atuais, a teoria objetiva da responsabilidade, tais como o Código de Defesa do Consumidor, que mesmo disfarçadamente abraça a responsabilidade independente de prova de culpa do causador do dano. Ainda, a Lei sobre Política do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, no seu artigo 14, §1º, prevê a obrigação do poluidor de reparar os danos causados ao meio ambiente, por sua atividade, independente da existência de culpa. Até mesmo o texto constitucional de 1988, no artigo 37, §6º, determina que as pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público são responsáveis objetivamente pelos danos causados pelos seus agentes, sem que se perquira a culpa.

Portanto, o novo Código somente vem confirmar uma tendência presente há tempos no Direito brasileiro.


8.RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A diferença elementar entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, é a de que o agente danoso pode ser responsável por uma conduta descumpridora de uma disposição contratual, quando é infringida uma norma do contrato entre as partes (agente – vítima) ou, então, de uma disposição legal, quando se infringe um dever legal. A primeira caracteriza a responsabilidade contratual, a segunda, a extracontratual.

A responsabilidade extracontratual é também chamada de aquiliana, pois se originou na Lei de Aquília, e baseia-se no dever de indenizar os danos causados decorrente da prática de um ato ilícito propriamente dito, consubstanciado em uma conduta humana positiva ou negativa de uma norma violadora do dever de cuidado (culpa no sentido lato).

Já a responsabilidade contratual decorre de dois fatores: a formação de um contrato e sua obrigatoriedade. Portanto, quem contrata, utilizando-se de sua autonomia de vontade, obriga-se aos termos do contrato, vinculando sua conduta às regras ali determinadas.

As responsabilidades são idênticas no que se refere aos seus pressupostos, exigindo a contrariedade ao direito, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. A diferença entre elas está no ônus da prova, na origem da responsabilidade e no agente causador do dano.

Quanto à matéria de prova, a responsabilidade extracontratual exige a prova da existência de todos os elementos necessários para a responsabilização, é preciso a prova da existência da violação de uma norma de comportamento, enquanto que, na contratual, o contrato é a norma preestabelecida, e a conduta de qualquer das partes gera a responsabilidade civil de reparar o dano. Como se pode notar, na responsabilidade contratual, a posição do credor é mais vantajosa.

No que diz respeito à fonte geradora da responsabilidade, a distinção é óbvia, e já mencionada: a responsabilidade contratual origina-se no contrato de vontades no qual surgiram as obrigações contraídas que serão descumpridas por um dos contratantes, a responsabilidade aquiliana, tem sua fonte na lei, como exemplo tem-se o artigo 186 do novo Código Civil estudado anteriormente.

Há em alguns sistemas jurídicos, tais como o francês admitindo a cumulação das duas responsabilidades na mesma demanda. No Brasil, essa possibilidade é totalmente descartada por PEREIRA (1998, p. 250-251), mesmo que a análise trata-se do antigo Código Civil:

Em nosso direito, se o autor planta a pretensão no artigo 159 do Código Civil, está se posicionando no terreno da responsabilidade aquiliana, e desta sorte, não se funda em culpa contratual. (...) O que evidentemente não é possível é que o demandante receba dupla indenização: uma a título de responsabilidade contratual e outra fundada na delitual.

Modernamente, as tendências dividem-se: uma quer aproximar as duas responsabilidades, dizendo que uma pode ser à outra, outra tendência pretende afastar a responsabilidade civil da dicotomia contratual e extracontratual, criando um tertium genus, a responsabilidade profissional, assumindo condições especiais de responsabilidade legal (PEREIRA, 1998, P. 250).


9

.RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS DE DIREITO PRIVADO

A responsabilidade civil, como se pode perceber, está intimamente ligada ao elemento moral, ou melhor, ao elemento volitivo, ou pelo menos, à consciência de seus atos.

As pessoas jurídicas não possuem um órgão próprio para a manifestação de sua vontade, pois se tratam de ficções jurídicas, uma personificação de um ente capaz de manifestar-se em nome de toda uma coletividade ou de uma associação de pessoas com objetivos comuns.

Para que seja possível o entendimento da responsabilidade civil das pessoas jurídicas é indispensável, primeiramente, a busca da natureza das mesmas. As diversas teorias que tentam explicar a natureza jurídica de uma pessoa jurídica podem ser resumidas em duas: teoria da ficção e a teoria realista.

De um lado, a teoria da ficção6 não aceita a pessoa jurídica com personalidade distinta de seus componentes, assim a pessoa jurídica não passa de mera criação legal. Nessa visão, a pessoa jurídica não passa de uma manifestação abstrata e necessária que facilita a expressão de uma vontade conjunta de várias pessoas naturais. Para expressar essa vontade, é necessário que haja um representante, pois uma pessoa jurídica não é sujeito de direitos, só o é o homem. Portanto, as pessoas jurídicas adquirem capacidade apenas em termos patrimoniais, quanto às demais responsabilidades, a capacidade é limitada.

De outro lado, a teoria da realidade é a que mais se adapta ao princípio da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, na opinião de PEREIRA (1998, p. 119). A pessoa jurídica é dotada de personalidade e vontade própria, podendo ser responsabilizada pelos atos emanados de seus órgãos. A personalidade jurídica passa a ser um atributo, uma investidura que o Estado defere aos entes merecedores dessa situação. A teoria da realidade é defendida pro GIERKE.

O Direito Civil Brasileiro estabelece pelo artigo 43 do novo Código Civil que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é objetiva e segue as determinações da Constituição Federal de 1988, quanto às pessoas jurídicas de direito privado, lhes é reservado o artigo 931 do mesmo Estatuto, que aplica a regra do artigo antecedente, determinando que os empresários individuais e empresas respondem independente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. No último caso, a responsabilidade objetiva é ampliada, atingindo até mesmo os empresários individuais, pessoas físicas.

Estabelece PEREIRA (1998, p. 123):

... as pessoas jurídicas de direito privado, qualquer que seja a sua natureza e os seus fins, respondem pelos atos de seus dirigentes ou administradores, bem como de seus empregados ou prepostos que, nessa qualidade, causem dano a outrem.

Não há interesse em determinar a culpa, se in eligendo ou in vigilando, mas importar em determinar a existência do dano e sua autoria, apurando que o agente procede nessa qualidade ou por ocasião dele.

Assim, quando a pessoa jurídica age por meio de seus representantes, é a pessoa física destes quem, eventualmente, pratica o ato ilícito causador de danos à vítima. Porém, quando os representantes ao praticarem um ato contrário ao direito o fizerem como delegados da pessoa jurídica, a responsabilidade seria desta para a reparação do dano causado. A constatação é óbvia, pois, enquanto os representantes agem como delegados da pessoa jurídica, esta é responsável pela reparação do dano. Senão, quando os representantes não têm poderes para praticar o ato ilícito, serão responsáveis diretos pela reparação do dano, e a pessoa jurídica apenas responderá solidariamente. Na última hipótese, a pessoa jurídica de direito privado é responsável indireta do dano causado, e responde por ato praticado por terceiro.

Por conseguinte, a conclusão natural é de que as pessoas jurídicas de direito privado possuem dois tipos de responsabilidade: por ato próprio ou por ato de terceiro. E mais, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado é objetiva, sem preocupação com a culpa, apenas se interessa com o dano sofrido pela vítima.

Sabe-se que as pessoas jurídicas de direito privado podem assumir alguns tipos, como preceitua o artigo 44 do novo Código Civil, tais como: associações, sociedades e fundações.

Na prática, as pessoas jurídicas de direito privado de maior relevância são as sociedades sejam elas civis ou comerciais. As sociedades agem como uma pessoa natural, adquirem direitos, contraem obrigações, emitem declarações de vontade, e, portanto, estão vinculadas ao cumprimento dessas emissões volitivas, respondendo com seu patrimônio próprio pela inobservância de seus compromissos.

Encontra-se aí fundamentada a principal característica de uma sociedade como pessoa jurídica com capacidade legal: a autonomia patrimonial, ou seja, o conjunto econômico da sociedade não se confunde com o patrimônio dos seus sócios (componentes), quando a pessoa jurídica assume uma obrigação, é o seu patrimônio quem responde, no caso de descumprimento. Assim, a responsabilidade de qualquer dos sócios não interfere na responsabilidade social que ele assume indiretamente em relação à pessoa jurídica.

Ainda, há que se distinguir a responsabilidade contratual e a extracontratual que uma sociedade pode assumir no exercício de suas atividades. A responsabilidade extracontratual é ilimitada, e tem o dever de ressarcimento sempre que, por ato ilícito, o seu preposto ou representante legal (administrador) causar dano a outrem. A responsabilidade contratual está adstrita aos termos do contrato, podendo ser ele o contrato social, fundador da sociedade, ou então, pode ser o contrato entre as partes: sociedade e vítima.

Para atingir o escopo de separar a responsabilidade pessoal do sócio-gerente ou administrador da responsabilidade da sociedade, é necessário buscar a atitude da pessoa natural do administrador da sociedade no momento do dano, dependendo se está agindo na qualidade preposto7 para aquele ato.

O Novo Código Civil regulamenta de forma mais completa as pessoas jurídicas de direito privado e responsabiliza de forma veemente a pessoa dos administradores da sociedade quando exercerem seus poderes nos limites constituídos pelo contrato social. A disposição está no artigo 47, in verbis: "obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo".

Quanto ao dano ambiental, objetivo de nosso estudo, a pessoa jurídica que lhe deu causa é responsável por sua reparação, de acordo com o artigo 14 da Lei nº 6.938/81, que será estudado posteriormente. Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 225, §3º, disciplina:

"Art. 225 – (...)

§3º - As condutas e as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Resta claro que o legislador constituinte teve a intenção de proteger o meio-ambiente, no sentido de punir todo e qualquer dano causado ao meio-ambiente, seja ele ocasionado por uma pessoa natural ou por uma sociedade cível ou comercial. E mais, a Lei nº 9.605/98 completou a legislação ambiental punitiva, dispondo no artigo 3º a responsabilidade civil, penal e administrativa das pessoas jurídicas cometedoras dos crimes ambientais previsto na mesma Lei.

Porém, a questão de grande relevância é o artigo 4º 8 da referida Lei. Esse determina a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que esta impossibilite o ressarcimento dos prejuízos causados ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, por uma sociedade, como por exemplo. A regra determina como principal fundamento a reparação do dano ambiental, sendo que para tanto, não importe se a culpa pelo dano seja da pessoa jurídica por seu ato próprio ou por ato de terceiros que a administram. Assim, mesmo que o dano seja ocasionado pela sociedade como tal, e ela não possuir patrimônio suficiente para a indenização, seus sócios podem ser responsabilizados e obrigados a repará-lo.

Dessa forma, a conclusão é de que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas não se modifica com o passar do tempo, a evolução foi apenas no campo da responsabilidade objetiva, na qual deixou-se de perquirir a culpa do agente causador do dano, e esta questão só é discutida na ação regressiva da pessoa jurídica contra seu empregado ou funcionário responsável.

Sobre a autora
Juliana Piccinin Frizzo

bacharela em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIZZO, Juliana Piccinin. Responsabilidade civil das sociedades pelos danos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4129. Acesso em: 25 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!