Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Da aplicabilidade dos institutos da coautoria e participação nos crimes culposos no atual ordenamento jurídico criminal

Exibindo página 1 de 4
Agenda 05/08/2015 às 15:17

O presente trabalho acadêmico tem como propósito fazer um estudo minucioso no que tange ao instituto do concurso de pessoas, demonstrando em quais hipóteses o mesmo pode ser aplicado junto aos coautores e partícipes que venham a praticar crimes culposos.

RESUMO: O presente trabalho acadêmico tem como propósito fazer um estudo minucioso no que tange ao instituto do concurso de pessoas, demonstrando em quais hipóteses o mesmo pode ser aplicado junto aos coautores e partícipes que venham a praticar crimes culposos. O tema em análise vem a algum tempo gerando entendimentos divergentes, justamente porque parte da doutrina concorda com a punição dos referidos agentes nos crimes culposos, e outra leva de doutrinadores discorda desse entendimento, aduzindo que os referidos agentes não podem ser punidos em coautoria e participação em face da conduta culposa, faltando assim, o elemento essencial para a sua caracterização, qual seja o liame subjetivo. Destarte, diante desta celeuma, demonstraremos como o tema em debate vem sendo encarado atualmente pela doutrina majoritária brasileira, bem como pelos recentes precedentes dos nossos tribunais superiores, e ao fim, expuseremos o entendimento pessoal sobre o tema.

Palavras-Chave: Concurso de Pessoas. Coautoria. Participação. Crimes Culposos.


1.  INTRODUÇÃO

O Trabalho acadêmico em análise abordará de forma sucinta a problemática sobre a possibilidade da configuração do instituto do concurso de pessoas nos crimes culposos. Diante disto, exploraremos as principais teorias, posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre o tema, esgotando todas as discussões existentes sobre a mesma, e por fim nos posicionando retoricamente pela teoria à qual achamos mais adequada.

Posto isto, para a elaboração e confecção deste artigo científico, utilizarei de diversas fontes doutrinárias, da legislação nacional e internacional, dos artigos e revistas científicas pertinentes ao tema, além dos recentes julgados dos nossos tribunais superiores.

Sobre a metodologia empregada em nossa produção acadêmica, no que pertine a abordagem, acolhemos o método de natureza dedutiva, a natureza metodológica aplicada será a bibliográfica, e a pesquisa de procedimento escolhida foi a comparativa.

Ab Initio, iremos explanar sucintamente o instituto do concurso de pessoas, abordando sua noção conceitual, as teorias existentes sobre o mesmo, bem como os requisitos para a sua caracterização, além das suas principais características.

Após uma breve elucidação da noção conceitual do instituto do concurso de pessoas, passaremos a análise da Coautoria, conceituando-a, elucidando as suas teorias, prevendo os requisitos para a sua caracterização e abordando as suas respectivas modalidades.

Dentro do tema da coautoria, estudaremos as suas classificações e divisões. Dentre tantas teorias, existe uma que será minuciosamente estudada por nós. Essa teoria é de fundamental importância ao nosso estudo e possui estreita ligação com o tema em análise, sendo amplamente conhecida como teoria do domínio do fato. Em início essa teoria não era adotada no Brasil, sendo uma mera previsão doutrinária, contudo, ao passar dos anos e com a evolução das relações desenvolvidas no interior do direito penal, foi necessária a sua adoção para sanar algumas falhas existentes quando da adoção de outras teorias.

A teoria do domínio do fato, conforme será demonstrada mais à frente, ganhou muita notoriedade, principalmente nos julgamentos do caso “mensalão”, da Petrobras e de outros crimes que envolvem organizações criminosas, buscando através desta, abranger ainda mais o conceito de autor (conceito extensivo de autor).

 Assim sendo, logo após abordarmos o instituto da coautoria, conceituando, classificando e demonstrando as teorias existentes sobre esta, passaremos ao estudo detalhado da Participação, abordando os pontos primordiais do referido instituto e destacando as controvérsias e polêmicas a respeito do assunto.

Nesse ponto, abordaremos a possibilidade da existência da tentativa de participação, aonde adotaremos a corrente majoritária que entende que de acordo com o artigo 31 do Código Penal, não há a possibilidade de existir a tentativa de participação.

Também iremos elucidar o tema atinente à participação nos crimes omissivos próprios e omissivos impróprios (art. 13, §2º, CP), demonstrando como a doutrina e jurisprudência se posicionam sobre a aplicação dos mesmos.

A posteriori, passaremos a analisar a questão atinente à punição dos coautores e partícipes, e demonstraremos como o nosso Código Penal lida com as circunstâncias incomunicáveis, quando diante da punição destes agentes que se encontram interligados pelo concurso de pessoas.

Outro fator muito importante a ser abordado nessa obra, é a questão atinente à figura do partícipe que pretende participar de crime menos grave, mas que acaba se envolvendo em crime mais grave. Essa questão atualmente é pacífica e legislada de forma expressa no código penal, mas que será objeto de diversos desdobramentos quando do seu estudo.

Por fim, iremos adentrar na problemática da qual esta produção acadêmica procurou se alongar, problemática esta, que gira em torno da aplicação do concurso de pessoas nos crimes culposos. Iremos explicitar ao longo desta, o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência sobre o tema, e ao fim iremos aduzir o entendimento que nos parece mais acertado, qual seja, o da utilização do concurso de pessoas nos crimes culposos, desde que essa utilização seja feita com bastante cautela, devendo-se sempre olhar para o caso concreto.

Analisando de forma detalhada o supracitado instituto, iremos verificar que quando do cometimento de um crime culposo, só existe a possibilidade de fazê-lo por meio do instituto da coautoria, mas jamais através da participação, já que essa última modalidade não comporta tal possibilidade.

Esta é a posição a ser defendida em nossa confecção científica, aonde iremos demonstrar ao correr desta, que de acordo com a doutrina, legislação nacional e os recentes julgados dos tribunais superiores, que o nosso ordenamento jurídico criminal, atualmente só admite a figura da coautoria nos crimes culposos.


2.  CONCURSO DE PESSOAS 

2.1.  NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O concurso de pessoas é uma criação doutrinária que está a muito tempo contida no Código Penal Brasileiro, e basicamente verifica-se a sua ocorrência, quando duas ou mais pessoas convergem seus esforços de qualquer modo para o cometimento de uma infração penal. Dessa maneira, é a ligação existente entre os agentes que vierem a cometer o crime, que configura o instituto do concurso de pessoas.

No atual ordenamento jurídico criminal, os crimes podem se dividir em unissubjetivos e plurissubjetivos. Os crimes plurissubjetivos são aqueles em que o próprio tipo penal reclama a presença de duas ou mais pessoas para a consumação do tipo. O melhor exemplo disso é o do crime de associação criminosa, que conforme expressa o artigo 288 do Código Penal, exige a presença de três ou mais agentes.

Sendo assim, os crimes plurissubjetivos encontram respaldo no próprio tipo penal incriminador, não necessitando do complemento do artigo 29 do código penal. Situação inversa é a encontrada nos crimes unissubjetivos, que podem ser entendidos como aqueles que são praticados por um único agente, mas que em determinadas situações são cometidas por duas ou mais pessoas. Assim, o tipo penal não prevê a conduta ou situação em que o crime é praticado por duas ou mais pessoas, sendo necessária a complementação por parte do artigo 29 do Código Penal, ou seja, deve-se recorrer ao instituto do concurso de pessoas, e utilizar no caso concreto a coautoria ou participação para dirimir a responsabilidade penal subjetiva.

Sendo assim, o legislador pátrio resolveu legislar esse instituto por meio do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940), conforme se infere a seguir: Art. 29, CP. “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Destarte, a época da promulgação do Código Penal de 1940, o legislador previa a figura unitária da Coautoria, que a época abrangia todas as pessoas que tivessem qualquer tipo de vínculo com a atuação delituosa. Só depois, em 1984, é que o legislador ao verificar o erro de nomenclatura, modificou-o, sendo até hoje chamado de concurso de pessoas, da qual são espécies a coautoria e a participação.

A respeito do que fora explanado acima, torna-se necessária a transcrição das lições de Bitencourt (2012, epub reader):

O Código Penal de 1940 utilizava a terminologia “coautoria” para definir o concurso eventual de delinquentes. Mas na verdade coautoria é apenas uma espécie do gênero “codelinquência”, que também pode se apresentar sob a forma de participação em sentido estrito. Consciente desse equívoco, o Código Penal de 1969 utilizou a expressão “concurso de agentes”, que abrangeria as duas espécies referidas de concurso. A reforma de 1984 considerou, porém, que “concurso de agentes” não era a terminologia mais adequada por ser extremamente abrangente e poder compreender inclusive fenômenos naturais, pois agentes físicos também podem produzir transformações no mundo exterior. Na visão da reforma, “concurso de pessoas” é a melhor forma para definir a reunião de pessoas para o cometimento de um crime, adequando-se melhor à natureza das coisas.

Sendo assim, atualmente a legislação brasileira vem adotando a nomenclatura mais acertada no que tange ao instituto do concurso de pessoas, que por sua vez, divide-se em coautoria e participação, conforme será estudada mais à frente.

2.2.       TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS

Ao decorrer dos tempos, e com o aprimoramento do estudo do instituto do concurso de pessoas, inúmeras teorias surgiram a respeito do mesmo, ao qual passaremos a discorrer.

Embora existam diversas teorias que tratem do referido assunto, iremos nos limitar a estudar as três principais teorias existentes sobre o tema, qual sejam a teoria pluralista, a teoria dualista e por fim a teoria monista, que representam as teorias mais importantes a respeito do conteúdo em análise.

A teoria pluralista entende que cada ação de cada agente configura um ilícito penal, ou seja, cada ação desenvolvida pelo agente configura um delito. Assim, cada autor e partícipe que agir de determinado modo para por em prática um delito, pratica um indiferente penal. Posto isto, a título de exemplo, numa empreitada criminosa em que três agentes se reúnem para roubar um banco, todos os agentes respondem cada um por um ilícito diferente, e não pelo crime ao qual pretendem praticar.

A respeito da teoria pluralista, vejamos as lições de Bitencourt (2012, epub reader):

Segundo essa teoria, a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. À pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso [...]. Imagine-se, por exemplo, a prática do crime de roubo quando quatro pessoas entram em acordo para subtrair o dinheiro existente na caixa forte de uma agência bancária, mediante o emprego de grave ameaça contra o diretor da sucursal. Nesse caso, não estamos diante de quatro crimes de roubo, ou do “crime de concurso”, mas, sim, de um único crime que para a sua execução contou com a intervenção de quatro agentes. O resultado produzido também é um só. Na verdade, a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, mas converge para uma ação única, com objetivo e resultado comuns.

Por sua vez, a Teoria Dualista, que possui inúmeros adeptos na doutrina brasileira, surgiu a época com várias aclamações, haja vista que possuía como postulado a divisão entre coautor e partícipe. Por essa teoria, deve-se entender que quando do cometimento de um crime, o coautor praticava um determinado ilícito e o partícipe praticava um outro delito, diverso do praticado pelo autor.

Por fim, a Teoria Monista ou Unitária que atualmente é adotada pelo nosso Código Penal, entende que todas as pessoas que concorrem de qualquer forma para o suposto crime, incidem nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. É o que diz o artigo 29 do Código Penal.

A respeito da Teoria Monista ou Unitária, assevera Rogério Greco (2014, p. 426):

Para a teoria monista existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorreram, autores ou partícipes. Embora o crime seja praticado por diversas pessoas, permanece único e indivisível.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Sendo assim, quando do cometimento de um crime de furto, que seja realizado por diversos agentes que agem simultaneamente em coautoria e participação, deve-se imputar aos mesmos a figura única do crime de furto.

Além de estar expressamente contida no Código Penal, a Teoria monista ou unitária é há muito tempo consolidada na jurisprudência pátria. Sendo assim, olhemos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 169.212-PE, 6º Turma, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, de 24.06.199. (BRASIL, STJ, 1999):

O Ordenamento jurídico pátrio adotou, no concernente à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrerem para a crime incidem nas penas a ele cominadas (art. 29, CP). Entretanto, exceções pluralistas há em que o próprio Código Penal, desmembrando as condutas, cria tipos diferentes. É, por exemplo, o caso do falso testemunho, hipótese em que a testemunha que faz afirmação falsa responde pelo delito do art. 342 e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem para que aquela cometa o falso no processo penal incide nas penas do art. 343.

Conforme assevera o julgado em questão, o nosso código penal adotou em regra a teoria monista, contudo, de forma excepcional utiliza-se da teoria dualista para punir de forma diversa o autor do partícipe em algumas hipóteses.

Essas exceções foram previstas de maneira expressa (numerus clausus), de acordo com que aduz o artigo 29, parágrafos primeiro e segundo do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940):

Art. 29, §1º, CP. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

Art. 29, §2º, CP. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada de até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Destarte, de forma excepcional o nosso Código Penal também admite a aplicação da teoria dualista, quando houver o cometimento do crime em qualquer das hipóteses constantes dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 29.

Sendo assim, se a participação for de menor importância, ou seja, aquela participação que contribua de forma mínima para o resultado final, a pena do partícipe poderá ser diminuída no patamar de 1/6 a 1/3.

A respeito dessa causa de diminuição de pena, a doutrina pacífica entende que a mesma configura um direito subjetivo do réu, já que uma vez demonstrada cabalmente a sua intenção de participar de crime menos grave, o magistrado é “obrigado” a conceder essa diminuição de pena, podendo empregar o seu subjetivismo tão somente na parte que diz respeito ao patamar de redução a ser aplicado ao caso concreto, assim, cabe ao juiz dentro do seu subjetivismo, apenas a à adoção do patamar de redução da pena, que pode se dar entre um sexto a um terço.

Isto posto, assevera Nucci (2014, p.297):

[...] Também, possível admitir e reconhecer que há participações de somenos importância. Essas receberam um tratamento especial do legislador, pois fica criada uma causa de diminuição de pena. Assim, o partícipe que pouco tomou parte na prática criminosa, colaborando minimamente, deve receber a pena diminuída de um sexto a um terço, o que significa a possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em abstrato. 

Por sua vez, o parágrafo segundo aduz que o agente que quis participar de crime menos grave, deverá a ele ser aplicada a pena deste crime, contudo, caso o agente ao agir preveja como possível o resultado mais grave, ser-lhe-á aplicada a pena do crime menos grave aumentada até a metade.

A doutrina explica que nesse caso, deve-se aplicar a pena do crime menos grave, porque no crime efetivamente praticado faltou o liame subjetivo que ligava supostamente “a” e “b” para a pratica deste crime, já que por exemplo, “a” queria praticar um determinado crime, e “b” efetivamente praticou um outro crime. Assim, “a” não poderá responder pelo crime mais grave, já que nunca se prestou a praticar aquele determinado crime, pelo contrário, desde o início teve o intuito de praticar outro crime, que por sua vez era menos grave.

A respeito do assunto, vejamos as lições de Nucci (2014, p. 298-299):

O agente que desejava praticar um determinado delito, sem condição de prever a concretização de crime mais grave, deve responder pelo que pretendeu fazer, não se podendo a ele imputar outra conduta, não desejada, sob pena de se estar tratando de responsabilidade objetiva, que a reforma do código penal de 1984 pretendeu combater. Quando um sujeito coloca-se no quintal de uma casa, vigiando o local, para que outros invadam o lugar, subtraindo bens, quer auxiliar o cometimento de crime de furto. Se, dentro do domicílio, inadvertidamente, surge o dono da casa, que é morto pelos invasores, não deve o vigilante, que ficou fora da casa, responder igualmente pelo latrocínio. Trata-se de uma cooperação dolosamente distinta: um quis cometer o delito de furto, crendo que o dono da casa estava viajando, e, portanto, jamais haveria emprego de violência; os outros, que ingressaram no domicílio e mataram o proprietário, evoluíram na ideia criminosa sozinhos, passando do furto para o latrocínio (grifos acrescidos).

Contudo, se diante das circunstâncias presentes no caso concreto o agente poderia prever o resultado mais grave, aumentar-se-á a pena em até a metade. Assim, se o agente poderia prever que algo mais grave poderia acontecer naquela empreitada criminosa, receberá nesse caso a pena do crime mais leve, aumentada, todavia, de até a metade.

Essa previsão deve ser verificada no caso concreto, diante da concepção de vida de um homem médio, assim, deve-se verificar como um homem médio lidaria com tal situação. Se o mesmo não conseguisse prever esta, aplicar-se-á a pena mais branda sem nenhum aumento. Por sua vez, se pela percepção do homem médio fosse possível prever tal resultado, deve-se aplicar a pena mais branda, aumentada em todo caso em até a metade.

2.3.       REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS

Após a leitura de vários manuais e doutrinas sobre o assunto, percebemos que a doutrina pátria é uníssona ao prever quatro requisitos de forma cumulativa para a configuração do concurso de pessoas.

Posto isto, os requisitos configuradores do concurso de pessoas são a pluralidade de agentes e de condutas; Relevância causal de cada conduta; Liame subjetivo entre os agentes, e a identidade de infração penal.

O primeiro requisito é o da pluralidade de agentes, ou seja, para que se configure o instituto do concurso de pessoas, é necessário que dois ou mais agentes convirjam seus esforços para o cometimento de um indiferente penal.

O segundo requisito diz respeito à relevância causal de cada conduta. Assim, para que se aplique tal instituto é necessário que o agente pratique uma conduta relevante para o desfecho final do crime, pois, caso contrário, a sua conduta será considerada irrelevante, e não será considerada para fins de punição do referido crime perpetrado.

O terceiro requisito pode ser considerado como um dos mais importantes para a configuração do concurso de pessoas, sendo aquele que exige o liame subjetivo entre os participantes da empreitada criminosa, é a convergência de vontades, é assim, o vínculo de natureza psicológica que ligam os agentes à aquela conduta criminosa.

A respeito do requisito do liame subjetivo, seguem as lições de Bitencourt (2012, epub reader):

Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum. A ausência desse elemento psicológico desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e autônomas. “Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da ação”.

O simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, “conivência”, que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica. Tampouco será responsabilizado como partícipe quem, tendo ciência da realização de um delito, não o denuncia às autoridades, salvo se tiver o dever jurídico de fazê-lo, como é o caso, por exemplo, da autoridade pública.

O liame subjetivo tem por objetivo reunir as vontades dos agentes para a “produção” do resultado criminoso almejado, e conforme ensina Bitencourt, caso inexista essa convergência de vontades para o cometimento de determinado crime, teremos apenas condutas isoladas, que serão punidas de forma autônoma e individual em face de cada agente.

Por fim, teremos o quarto e último requisito do concurso de pessoas, qual seja o da identidade de infração penal. Esse requisito é entendido como sendo aquele em que todos os agentes que participam ou colaboram de qualquer forma para o crime, devem responder pelo mesmo, configurando assim em “unidade de infração”. A exigência de tal requisito para o concurso de pessoas se dá pela adoção por parte do nosso Código Penal à teoria unitária ou monista.

Contudo, essa regra não é absoluta, já que admite algumas exceções. A título de exemplo, podemos evidenciar o fatídico caso dos crimes contra a administração pública, em que o agente particular responderá por corrupção ativa (art. 333, CP) e o agente público responderá por corrupção passiva (art. 317, CP).

2.4.       DAS CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNIVÁVEIS DO CONCURSO DE PESSOAS

Destarte, quando da criação do instituto do concurso de pessoas, o legislador pátrio e a doutrina entendiam que os agentes que participavam da mesma empreitada criminosa deveriam responder pelo mesmo delito, ou seja, deveria-se observar o requisito da unidade de infração, para que restasse configurada a figura do concurso de pessoas.

Contudo, atualmente essa regra não é absoluta, já que existe uma exceção prevista expressamente no texto de lei, à qual passaremos a estudar a seguir. Posto isto, o Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940) prevê: “Art. 30, CP: Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Pela simples literalidade do dispositivo legal, podemos extrair que as circunstâncias e condições de caráter pessoal/subjetiva do agente não se comunicam aos demais coautores e partícipes da empreitada criminosa, salvo, quando estas forem elementares do crime.

Sendo assim, o texto de lei prevê uma única ressalva, qual seja, quando as elementares e circunstâncias de caráter pessoais forem elementares do crime.

Dessarte, mostra-se de extrema importância explicitar o que vem a ser elementares e circunstâncias, assim sendo, recorreremos mais uma vez as lições de Masson (2012, p. 524), grifo meu:

Elementares são os dados fundamentais de uma conduta criminosa. São os fatores que integram a definição básica de uma infração penal. No homicídio simples (CP, art. 121, caput), por exemplo, as elementares são “matar” e “alguém”.

Circunstâncias, por sua vez, são os fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de aumentar ou diminuir a pena. Exemplificativamente, no homicídio, que tem como elementares “matar” e “alguém”, são circunstâncias o “relevante valor moral” (§1.º), o “motivo torpe” (§2.º, I) e o “motivo fútil” (§2.º, II), dentre outras.

Desta forma, as circunstâncias podem ser entendidas como informações suplementares, dados secundários que apenas dizem respeito à circunstâncias que podem aumentar ou diminuir a pena.

Por sua vez, a doutrina classificou as circunstâncias em natureza objetiva e subjetiva. A de natureza objetiva, de acordo com Greco (2014), se relaciona com o fato criminoso, com os dados constantes da própria atividade criminosa, como por exemplo o tempo, o lugar, ocasião, modos de execução, uso de determinados instrumentos. Tais elementos, como fazem parte da atividade criminosa, se comunicam aos agentes se estes ingressarem na esfera de conhecimento dos coparticipantes.

As circunstâncias de natureza subjetiva ou pessoais, de acordo com Greco (2014), são circunstâncias que dizem respeito ao próprio agente, é um dado/informação pessoal, e por conta disso, via de regra não se comunicam aos coparticipantes. Contudo, se este dado pessoal for uma informação elementar do crime, deve-se obedecer a regra do artigo 30, e estendê-la aos demais coparticipantes.

Diante dos ensinamentos de Cleber Masson, percebe-se que a elementar é um dado fundamental da conduta criminosa descrita em lei, que caso não esteja presente, levará a atipicidade da conduta ou a desclassificação para um outro crime diferente daquela previamente planejado. Dessa maneira, de acordo com o exemplo citado acima, a conduta de “matar” seria a elementar do crime de homicídio (art. 121, CP).

Posto isto, essa ressalva se aplica a diversos dispositivos do Código Penal, a título exemplificativo, há determinadas circunstâncias de caráter pessoal, que configuram-se como elementares do crime. Como exemplo, podemos citar o crime de peculato (art. 312, CP), que é crime próprio de funcionário público (circunstância pessoal).

Sendo assim, a condição de funcionário público é circunstância de caráter pessoal, e poderá se transmitir ao coautor/partícipe a fim de estender a punição pelo delito de peculato aos mesmos, já que a figura do “funcionário público” é elementar do crime de peculato.

Por fim, a doutrina atualmente pacífica, entende que as circunstâncias e as condições pessoais do agente devem ser de conhecimento prévio dos demais agentes, a fim de estender aos mesmos a comunicabilidade de tais circunstâncias e condições de caráter pessoal, pois, caso os demais agentes não conheçam tais circunstâncias pessoas, estas não se estenderão aos demais comparsas, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

O entendimento exposto acima é atualmente majoritário, sendo defendido por inúmeros doutrinadores, dentre os quais destacamos as elucidativas palavras de Nucci (2014, p. 307):

[...] é indispensável que o concorrente tenha noção da condição ou da circunstância de caráter pessoal do comparsa do delito, pois, do contrário, não se poderá beneficiar do disposto no art. 30. Assim, caso uma pessoa não saiba que está prestando auxílio a um funcionário público para apropriar-se de bens móveis pertencentes ao Estado (peculato para o funcionário público – art. 312, CP), responderá por furto.

2.5.       DA AUTORIA

Antes de adentrarmos ao estudo da Coautoria, vez que se torna necessário conceituarmos o que vem a ser Autoria. Apesar de encontrarmos forte resistência na doutrina, atualmente prevalece o entendimento do conceito restritivo de autor, e de forma excepcional, o nosso ordenamento jurídico e doutrina, admitem os chamados conceitos extensivos da autoria, da qual fazem parte as teorias do domínio do fato, autoria intelectual, autoria de escritório, e tantas outras que tentam estender o conceito de Autor.

Sendo assim, iremos nos limitar a conceituar de forma restritiva o autor, que nas palavras de Greco (2014, p. 427), pode ser entendido como:

Autor seria somente aquele que praticasse a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Todos os demais que, de alguma forma, o auxiliassem, mas que não viessem a realizar a conduta narrada pelo verbo do tipo penal seriam considerados partícipes.

A autoria pode ser realizada de forma direta ou indireta. A autoria direta é aquela em que o agente pratica o verbo nuclear do tipo penal, pratica diretamente o fato definido como crime. Já a autoria indireta, também conhecida como autoria mediata, é aquela em que o agente utiliza de uma terceira pessoa para praticar o crime.

A respeito da autoria mediata, ensina Masson (2012, p. 512):

A pessoa que atua sem discernimento – seja por ausência de culpabilidade, seja pela falta de dolo ou culpa -, funciona como mero instrumento do crime. Inexistindo vínculo subjetivo, requisito indispensável para a configuração do concurso de agentes. Não há, portanto, concurso de pessoas. Somente o autor mediato pode ser atribuída a propriedade do crime.

Pelo exposto, podemos aduzir que apenas o autor mediato, aquele que dolosamente utiliza de terceiro para praticar o crime, é que de fato será punido pelo crime, sendo que o autor de fato/autor imediato, que foi utilizado como instrumento do crime, não deve ser responsabilizado, sob pena de incorrermos em responsabilidade penal objetiva.

Ainda no estudo da autoria, esse instituto comporta inúmeras classificações, contudo, trataremos de três das quais acredito serem as mais pertinentes ao estudo em análise, quais sejam, a autoria colateral, a autoria incerta e a autoria desconhecida.

Primeiramente trataremos da autoria colateral, que vem a ser aquela situação em que duas ou mais pessoas distintas, que não possuem ligação alguma, que não possuem vínculo subjetivo, acabam querendo atingir o mesmo bem juridicamente tutelado. Vejamos o que diz Masson (2012, p. 528):

[...] ocorre quando duas ou mais pessoas intervêm na execução de um crime, buscando igual resultado, embora cada uma delas ignore a conduta alheia. Exemplo: “A”, portando revólver, e “B”, uma espingarda, escondem-se atrás de árvores, um do lado direito e outro do lado esquerdo de uma mesma rua. Quando “C”, inimigo de ambos, por ali passa, ambos os agentes contra ele efetuam disparos de armas de fogo.

Isso ocorre porque simplesmente “A” e “B” sem vínculo subjetivo algum,  desejavam realizar o mesmo delito. Infere-se que a autoria colateral não está inserida no concurso de pessoas, por lhe faltar o vínculo subjetivo que ligam os coautores ou partícipes, assim, diante do caso prático, “A” e “B” deverão responder de forma autônoma pela figura delituosa praticada a título consumado ou tentado, caso tenham atingindo ou não o resultado almejado.

Após a análise da autoria colateral, estudaremos a autoria incerta, que por sua vez é uma teoria advinda daquela, e se caracteriza quando se sabe quem são os prováveis autores do crime, contudo, não se pode determinar com certeza quem de fato conseguiu atingir o bem jurídico protegido.

Diante de tal situação, como não se pode afirmar com grau de certeza quem conseguiu atingir o bem jurídico, e já que não se trata de concurso de pessoas, devem ser imputados aos mesmos a figura tentada do crime, numa nítida aplicação do princípio in dubio pro reo.

Insta salientar que a posição esposada acima é majoritária no âmbito dos tribunais superiores. Contudo, existem precedentes no Superior Tribunal de Justiça, que entendem que quando um dos coautores ou partícipes da coautoria incerta praticar um crime impossível por impropriedade absoluta do meio, essa causa se estenderá aos demais, sob pena de infringir o princípio do in dubio pro reo. Assim, como não se pode determinar com grau de certeza quem foi o autor do crime, se um dos agentes vier a cometer crime impossível, essa causa se estenderá a todos os demais.

Esclarecido o que vem a ser a autoria colateral e incerta, desse modo, devemos analisar a autoria desconhecida, que nas palavras de Masson (2012, p. 530) pode ser entendida como:

Cuida-se de instituto ligado ao processo penal, que ocorre quando um crime foi cometido, mas não se sabe quem foi seu autor. Exemplo: “A” foi vítima de furto, pois todos os bens de sua residência foram subtraídos enquanto viajava. Não há provas, todavia, do responsável pelo delito.

É nesse ponto que se diferencia da autoria incerta, de interesse do direito penal, pois nela conhecem-se os envolvidos em um crime, mas não se pode, com precisão, afirmar quem a ele realmente deu causa.

Na autoria desconhecida, conforme assevera Masson, diferentemente das demais, não se sabe afirmar quem de fato cometeu o crime, ou seja, ocorreu um delito, mas não se tem notícia alguma de quem cometeu o crime. Foi um fato oculto, feito as escondidas.

Questão importante a ser abordada em nosso artigo científico é a que diz respeito ao autor intelectual, que vem ganhando maior notoriedade no cenário jurídico-criminal brasileiro, principalmente nos últimos tempos, com a desarticulação do “mensalão” e dos processos do “lava-jato”, bem como a do escândalo da empresa estatal Petrobras.

Por autor intelectual, como o próprio nome já explica, pode ser entendido como aquele em que o agente que muito embora não esteja presente na empreitada criminosa praticando o verbo nuclear do tipo penal, está “por trás” de toda a trama criminosa, organizando e planejando toda a operação criminosa. A função por ele exercida se configura como de essencial importância para o desfecho final do crime.

Sendo assim, infere-se o conceito extraído da doutrina de Jesus (2014, epub  reader):

O sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade. É o caso do chefe de associação criminosa que, sem efetuar comportamento típico, planeja e decide a ação conjunta.

Por fim, devemos abordar todas as nuances que rondam a autoria de escritório, teoria essa oriunda da doutrina alemã. A teoria da autoria de escritório basicamente tenta inserir o “mandante” do crime como autor do delito, já que em diversas situações vislumbramos chefes de facções criminosas que detêm o poder sobre os demais integrantes, e simplesmente ordenam a seus subordinados a pratica de determinado crime.

Sendo assim, a referida teoria defende que a essa pessoa deve ser estendida o status de autor do crime, já que o mesmo tem o domínio da situação, tem o poder de ordenar o crime quando bem entender.

A respeito da teoria da autoria de escritório, os estudos e publicações científicas de Zaffaroni e Pirangeli (2007, p. 582-583), foram de longe as que ganharam maior notoriedade sobre o assunto, sendo assim, vejamos:

Esta forma de autoria mediata pressupõe uma “máquina de poder”, que pode ocorrer tanto num estado em que se rompeu com toda a legalidade, como numa organização paraestatal (um estado dentro do estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”, por exemplo. Não se trata de qualquer associação para delinquir, e sim de uma organização caracterizada pelo aparato de seu poder hierarquizado, e pela fungibilidade de seus membros (se a pessoa determinada não cumpre a ordem, outro a cumprirá; o próprio determinador faz parte da organização).

Conforme dito acima, a autoria de escritório é bastante comum nas grandes organizações criminosas, já que existe um poder hierarquizado, da onde provem ordens para serem executadas pelos seus subordinados, afim de que cometam, paralisem ou anulem a pratica de determinado crime, sendo uma ordem que deve ser obedecida pelo agente, já que existe uma hierarquia dentro daquele determinado grupo.

Assim sendo, a título de exemplo, existiria autoria de escritório no que pertine ao comandante do PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa bastante conhecida em São Paulo, que possui um comando central, que a qualquer momento poderá ordenar que os seus comandados procedam de determinado modo a cometerem determinado crime.

Sendo assim, o comandante do PCC deve ser encarado na óptica do direito penal como autor do crime, já que é da vontade dele que emana ou não a realização de determinado crime.

2.6.       TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

A teoria do domínio do fato, nascida em 1939 pela criação do doutrinador Alemão Hans Welzel, surgiu para solucionar um grande problema enfrentado no direito penal, qual seja o da punição dos agentes que embora não cometessem a conduta elementar do tipo penal, o verbo do tipo, participavam de forma decisiva e essencial no resultado final do crime.

Como já fora abordado mais acima, o ordenamento jurídico-criminal brasileiro entendia que autor era tão somente aquele indivíduo que praticava o crime, e o partícipe era quem o auxiliasse moral ou materialmente para a confecção do crime. Contudo, em diversas oportunidades, os aplicadores da norma se depararam com situações em que o executor era apenas uma das pessoas que organizavam, maquinavam e executavam o crime, ou seja, cada pessoa desempenhava funções primordiais para que ao fim o crime fosse perpetrado.

Assim, sobre a referida teoria aduz Capez (2011, p. 362):

[...] autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva.

Destarte, para a teoria do domínio do fato, ainda que o agente não esteja cometendo o verbo nuclear, nem mesmo esteja presente na empreitada criminosa, mas que de qualquer forma possa intervir em seu resultado final, tendo poder para ordenar, paralisar e finalizar a hora que quiser o crime, a esse agente poderá ser estendido o status de autor/coautor. Isso se deve ao fato de que a teoria do domínio do fato, considera autor, o agente que detenha o domínio sobre a empreitada criminosa.

A teoria do domínio do fato é amplamente aplicável na Alemanha, contudo, no que pertine à sua aplicabilidade no Brasil, insta salientar que a mesma ficou muito tempo “esquecida”, sendo que atualmente ela vem sendo amplamente aplicada nos tribunais superiores, e vem sendo defendida por boa parte da doutrina pátria, como por exemplo, podemos citar Damásio de Jesus, Zaffaroni, Cleber Masson, Fernando Capez, Nilo Batista, Luis Régis Prado, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Flávio Gomes, e outros expoentes da doutrina criminal, configurando assim, aceitação majoritária da referida teoria.

No que tange a sua aplicação junto aos tribunais superiores, devemos colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando da apreciação do Habeas Corpus nº 191444/PB – 2010/0217862-8, de relatoria do Ministro OG. Fernandes, 6º Turma, julgado em 06.09.2011 (BRASIL, STJ, 2011), que sobre o instituto da teoria do domínio do fato, acabou adotando o seguinte entendimento:

Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E TENTATIVA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. EXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA.TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. PENA-BASE FUNDAMENTADA. CONTINUIDADEDELITIVA. RECONHECIMENTO. 1. O habeas corpus não é o instrumento processual adequado para a operação do revolvimento aprofundado de elementos probatórios. A impropriedade da via se avulta quando o objetivo colimado é o de justamente desconstituir o acervo probatório coligido em processo criminal, e exposto por meio de decisão judicial fundamentada como suficiente a amparar a condenação. 2. Inviável, outrossim, é o reconhecimento do instituto da participação de menor importância, porquanto o acórdão, de maneira motivada, afastou o benefício legal, demonstrando que as ações do paciente, a saber, a locação de imóvel para acomodação dos comparsas, bem como o auxílio por ele prestado até o local dos fatos tiveram proeminente relevância causal. 3. Cumpre ressaltar, por relevante, que, em tema de concurso de agentes, a autoria pode se revelar de diversas maneiras, não se restringindo à prática do verbo contido no tipo penal. Assim, é possível, por exemplo, que um dos agentes seja o responsável pela idealização da empreitada criminosa; outro, pela arregimentação de comparsas; outro, pela obtenção dos instrumentos e meios para a prática da infração; e, outro, pela execução propriamente dita. Assim, desde cada um deles - ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso - exerça domínio sobre o fato, responderá na medida de sua culpabilidade. 4. No que diz respeito à aplicação da pena-base do paciente, não há constrangimento a ser sanado, visto que foram fixadas, em relação a cada infração (roubo circunstanciado e tentativa de roubo circunstanciado), três meses acima do mínimo legal, em conta, principalmente, das circunstâncias do crime e da acentuada culpabilidade. 5. O contexto fático leva à conclusão de que as infrações, da mesma espécie, e pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, foram cometidas de forma continuada, ou seja, a segunda infração (roubo tentado) nada mais constituiu do que o prolongamento da ação delitiva iniciada anteriormente. 6. Pela narrativa da denúncia, corroborada no título condenatório, é possível inferir que - conquanto autônomos na sua essência, já que um foi o roubo à residência e, outro, contra o estabelecimento comercial vizinho, com vítimas inclusive diferentes - o alvo principal dos réus sempre foi a empresa. Daí que a passagem pela residência constitui meio "útil" aos agentes para alcançar o objetivo maior: o estabelecimento comercial. 7. Por tal razão, é o caso de reconhecimento da continuidade entre os crimes de roubo circunstanciado e tentativa de roubo circunstanciado. 8. Readequação das sanções. 9. Ordem parcialmente concedida [...] (grifos acrescidos).

Por fim, resta evidenciado que a referida teoria busca abranger o conceito de autor, abarcando assim, até mesmo a figura daquele que não venha a cometer o núcleo do tipo penal, mas que venha de qualquer modo a influir de modo decisivo no sucesso da empreitada criminosa.

Assim, apesar de ainda sofrer resistência por parte de alguns doutrinadores, atualmente esta teoria vem sendo amplamente adotada no Brasil, principalmente quando se fala em crimes realizados em concurso de pessoas (art. 29 e seguintes do Código Penal) ou daqueles previstos na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013).

2.7.       DA COAUTORIA

No que pertine ao instituto da Coautoria, esta se verifica toda vez que duas ou mais pessoas convergirem seus esforços para a prática de uma conduta criminosa. O conceito de Coautoria foi desenvolvido pelo doutrinador alemão Hans Welzel (1987, p. 129), que entendia o instituto como sendo:

[...] a coautoria é autoria; sua particularidade consiste em que o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Coautor é quem possuindo as qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em virtude disso toma parte na execução do delito. 

Sendo assim, a coautoria não é nada mais do que a própria autoria, sendo que o núcleo do tipo deve ser praticada por mais de um autor, ou que algum dos coautores pratique uma ação/omissão decisiva para o resultado final da empreitada criminosa.

Questão atualmente intrigante é a que se refere a coautoria em crimes de mão própria. Destarte, insta salientar que o tema encontra bastante divergência doutrinária e jurisprudencial, sendo que atualmente o entendimento majoritário é o de que não se admite a coautoria em crimes de mão própria, haja vista que estes crimes são delitos personalíssimos, em que a figura do sujeito ativo já vem previamente indicada no texto legal. Ou seja, a própria lei exige uma condição do sujeito ativo.

Outro tema palpitante é o que discute a constitucionalidade da Coautoria nos crimes omissivos próprios ou impróprios. Sobre o tema existem inúmeras discussões doutrinárias, das quais passaremos à expor a seguir.

Insta salientar que o tema atualmente encontra-se controvertido, já que não há na doutrina e jurisprudência entendimento pacífico sobre tal. Contudo, diante de diversos entendimentos sobre o mesmo, me filio a corrente de Cezar Roberto Bitencourt (2012, epub reader), da qual acho a mais acertada sobre o tema, vejamos:

[...] Ser perfeitamente possível a coautoria em crime omissivo próprio. Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa gravemente ferida, podendo fazê-lo, sem risco pessoal, praticarão, individualmente, o crime autônomo de omissão de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de prestar socorro, nas mesmas circunstâncias, serão coautoras do crime de omissão de socorro. O princípio é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de realizar um empreendimento comum, ou melhor, no caso de não realiza-lo conjuntamente.

Insta salientar que Bitencourt assevera em sua obra, em consonância com a doutrina majoritária, que o entendimento exposto acima se aplica de igual modo aos crimes omissivos impróprios (art. 13, §2º, CP). Assim, para a maioria da doutrina pátria, é aplicável a coautoria nos crimes omissivos próprios e impróprios.

Uma figura que está presente no instituto da coautoria, e o executor de reserva, muito recorrente em determinados crimes, não estando contida na lei, sendo uma construção doutrinária. Nessa figura, o agente que atua como executor de reserva fica apenas assessorando o autor, e caso seja necessário, o mesmo irá atuar de forma ostensiva, praticando o núcleo do verbo.

A respeito de tal figura doutrinária assevera Masson (2012, p. 510):

Executor de reserva é o agente que acompanha, presencialmente, a execução da conduta típica, ficando à disposição, se necessário, para nela intervir. Se intervier, será tratado como coautor, e, em caso negativo, como partícipe.

Dessarte, a título de exemplo, quando dois ou mais agentes vierem a cometer um roubo a banco, e um deles vier a agir como executor de reserva, este agente ficará acompanhando a empreitada criminosa, observando de perto o que ocorre, e caso seja necessário deverá intervir neste. Assim, quando este agente tiver que intervir no crime, o mesmo deve estar pronto para tanto, e deverá por sua vez praticar o verbo nuclear do tipo penal, assim, este agente será encarado como coautor do crime, mas caso contrário, caso não seja preciso atuar, este agente será encarado como partícipe do crime praticado, já que ele apenas assessorou o autor, não praticando o verbo do tipo penal incriminador.

Quem conceitua de forma didática o instituto do executor de reserva, é o renomado doutrinador Sanches (2013, p. 356), que em sua obra aduz:

Finalmente, existe a figura do executor de reserva, que garante presença durante a execução e permanece a disposição para intervir caso seja necessário. Conservando-se a disposição, será considerado participe, mas, detectando-se sua intervenção, será coautor.

Posto isto, conforme se depreende do transcrito acima, a punição do executor de reserva ficará “condicionada” a atuação ou não do referido agente, já que se agir o mesmo será considerado coautor, caso contrário, ou seja, continue omisso será encarado como partícipe.

Sobre o autor
João Firmo Neto

Bacharel em Direito. Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba. Autor de artigos científicos nas áreas de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!