1. INTRODUÇÃO
O instituto da arbitragem, reintroduzido no direito brasileiro em estatuto próprio em 1996, com o advento da Lei n. 9.307, tem sido cada vez mais utilizado no Brasil como forma alternativa e efetiva para a solução de controvérsias, tornando-se, inclusive, uma opção viável ao Judiciário. A arbitragem, ou juízo arbitral, foi um dos primeiros meios de solução de conflitos conhecidos pela história, método pelo qual as partes buscam pacificar as relações conflituosas mediante a intervenção de um terceiro, de forma privada.
Trata-se de um instituto legislado e conhecido há muito no Brasil, substantivado no direito brasileiro inicialmente pelas Ordenações Filipinas de 1603, e expressamente adotado pela Constituição brasileira de 1824, sendo efetivamente consagrado como forma de prevenir litígios nas Constituições de 1891 e 1969.
Em operações comerciais internacionais, recente pesquisa conduzida pela Queen Mary University de Londres, em parceria com a consultoria Price Waterhouse Coopers, constatou que aproximadamente 73% das empresas multinacionais preferem o uso da arbitragem para solucionar suas disputas internacionais, e que 95% dessas empresas anseiam continuar ou ampliar a aderência a tal prática1.
As principais razões para tal escolha são: a flexibilidade no processo; a possibilidade de execução do laudo em virtualmente qualquer jurisdição, devido à existência da Convenção de Nova York de 1958; o sigilo assegurado ao processo; a capacidade das partes de eleger um ou mais árbitros afetos à questão sub judice; assim como a possibilidade de eleger uma lei apta a adequar a negociação à efetiva vontade das partes. As desvantagens normalmente estão associadas às custas, que algumas vezes podem ser superiores às do processo judicial; a ausência de prazos e fases definidas, que podem retardar o encerramento de alguns procedimentos; a possibilidade de intervenção do Judiciário, retardando ainda mais o procedimento; assim como a dificuldade em compelir terceiros a participar do processo.
Há também uma percepção generalizada de que a revisão judicial de laudos arbitrais é impossível, o que não é verdade para alguns casos. O mérito da decisão efetivamente não se sujeita a um segundo grau de jurisdição, mas questões formais ou preliminares rechaçadas pelos árbitros podem ser revistas em juízo. Ademais, muitos dos problemas identificados no procedimento arbitral também são encontrados na solução pela via judicial.
Por essas razões, somadas à cultura da submissão dos particulares aos órgãos da administração estatal e à idéia de que a administração da justiça é monopólio do Estado, é que infelizmente a arbitragem nunca se firmou como opção viável em contratos celebrados em território nacional, um pouco pela ausência de um marco legal definido e de uma cultura avessa à intervenção privada em um domínio tido como exclusivo do Judiciário estatal, um pouco pelo desprestígio ao instituto outorgado pela lei até então vigente2, que, nas raras ocasiões em que o fazia, demandava um procedimento extremamente gravoso para dar efetividade às decisões arbitrais, e muitas vezes produzia um laudo (decisão) que não poderia ser executado.
Tal cenário interno mudou. Diversas são as áreas em que a arbitragem se tem mostrado como instrumental eficaz, e, para questões no âmbito societário, esta demonstra um promissor potencial, devido à especificidade das questões que podem surgir entre sócios de uma empresa e entre estes e a própria empresa.
A mesma lógica que leva milhares de empresas e empresários a optar pela arbitragem para a solução de suas controvérsias comerciais internacionais pode ser utilizada como paradigma para eleger a arbitragem como forma de solução de controvérsias societárias. A uma porque grande parte das empresas modernas tem capital e sócios estrangeiros e atuações em diversas localidades do globo, ou busca sócios com esse perfil para integrar seu quadro societário; a duas porque as lides societárias, assim como nas operações de comércio internacional, são extremamente intricadas e específicas, e seu manuseio e comando não são dominados por grande parte dos integrantes do Judiciário pátrio, seja por falta de prática, vivência ou preparo; a três porque em determinadas ocasiões pode ser útil às partes a eleição de um direito outro que o brasileiro3, e a única forma de fazer prevalecer uma decisão pautada em direito estrangeiro é a via arbitral; a quatro porque a sociedade pode continuar suas atividades sem qualquer interferência externa, focando seus esforços em sua atividade-fim, e não num contencioso aberto que muitas vezes atribula ou interrompe a vida da empresa. Por fim, num mercado cercado de terceiros ilegitimamente interessados nos assuntos internos da sociedade, a possibilidade de resolução de controvérsias de forma técnica, eficaz, veloz e sigilosa pode garantir a preservação e a independência da empresa.
Por ser um tema de grande amplitude, o presente artigo tentará demonstrar as questões mais relevantes de forma sucinta e clara, buscando analisar unicamente os aspectos mais importantes do instituto.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA ARBITRAGEM
A Lei n. 9.307/96 alterou as regras até então vigentes no Brasil relativas à arbitragem, possibilitando eficazmente solucionar litígios por meio da indicação de árbitros ou instituições arbitrais escolhidas pelas partes.
A arbitragem, na forma prescrita pela lei, está apta a solucionar unicamente controvérsias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, sendo adotada como método alternativo ao Poder Judiciário. Alternativo, pois se trata de instituição privada, de efeitos judicantes.
Dentre as vantagens a serem elencadas podemos destacar a maior aderência à autonomia das vontades das partes; a rapidez; o preparo e a vivência do árbitro nas questões levadas à sua apreciação; por vezes um custo menor; legalidade e possibilidade de execução forçada da decisão; assim como a manutenção de sigilo quanto ao procedimento e à decisão a ser alcançada.
Adicionalmente, mister se faz afirmar que o árbitro deve ser pessoa ou instituição estranha à empresa e aos acionistas, uma vez que, nos termos do art. 14. da Lei 9.307/96, aplicam-se aos árbitros os mesmos impedimentos ou suspeição dos juízes.
Às partes, todavia, é lícito transigir nesse aspecto havendo um terceiro interessado ou afeto à causa que conte com a confiança da totalidade dos participantes do processo arbitral.
A arbitragem pode ser ad hoc ou institucional.
A primeira não é necessariamente conduzida sob as diretrizes e normas de nenhuma instituição arbitral regularmente constituída, de forma que as partes podem convencionar livremente as regras procedimentais e a seleção dos árbitros, podendo inclusive, se acharem conveniente, sujeitá-las a procedimento institucional. Já quando submetidas a uma instituição arbitral, as partes concordam em solucionar a disputa por essa instituição especializada, que administrará os procedimentos nos moldes de suas próprias regras, previamente conhecidas e aceitas pelas partes.
3. DIREITO EMPRESARIAL CONTEMPORÂNEO: ARBITRAGEM E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
A aceleração do comércio e a rapidez no desenvolvimento dos negócios empresariais vêm acarretando mudanças no dia a dia das empresas, daí a busca por um mecanismo de solução de conflitos mais ágil e eficaz, necessidade esta que, cominada com a introdução do § 3º do art. 109. da Lei das S.A., em 2001, acabou por finalmente legitimar o uso do instituto da arbitragem à solução das controvérsias societárias.
A busca por características como confidencialidade, agilidade e sigilo deveriam incentivar ainda mais o uso da arbitragem para solucionar conflitos empresariais entre acionistas minoritários, acionistas controladores, destes entre si ou entre a companhia e acionistas, dirimindo conflitos entre administradores ou terceiros, protegendo assim as relações internas e externas, fomentando a confiança do mercado e evitando potenciais danos à imagem da empresa.
O Código Comercial de 1850 já previa a arbitragem como forma de solução de conflito entre os sócios ou acionistas de uma empresa. Inserida no contrato social ou estatuto social ou até mesmo, como é mais usada, em documentos como o acordo de quotistas ou de acionistas, trata-se de instituto já conhecido pela doutrina e jurisprudência pátria.
Por meio de cláusula compromissória inserida no documento social da empresa, ou em documento apartado, as partes capazes de contratar firmam a cláusula compromissória para solucionar eventuais divergências no cumprimento ou interpretação dos atos constitutivos das sociedades.
Pela cláusula compromissória, as partes devem acordar em submeter-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou a arbitragem ad hoc, optando por regras próprias ou se sujeitando às regras de uma instituição. Dessa forma, quando for invocada, seguirá as normas previamente estipuladas.
O art. 4º da Lei n. 9.307/96 define a cláusula compromissória da seguinte forma: “A convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Importante notar que tal determinação é feita in abstracto, ou seja, antes da ocorrência de qualquer conflito. É a predeterminação da via arbitral como a única apta a solucionar quaisquer controvérsias oriundas da interpretação daquele contrato.
A cláusula compromissória inserida no instrumento contratual é o meio mais adequado para refletir a vontade e a intenção das partes de ter seus conflitos solucionados por arbitragem, devendo-se especificar quais tipos de controvérsias serão solucionados por tal via ou, como costuma acontecer na maioria das vezes, que a arbitragem seja usada para a solução de todas as divergências, dentro dos limites legais.
No direito Empresarial Contemporâneo, assim como em outros ramos do direito em que a arbitragem pode ser utilizada, as partes podem instituí-la mesmo quando não tiverem inserido cláusula nesse sentido no instrumento social constitutivo, convencionando os termos do procedimento no chamado compromisso arbitral.
O compromisso arbitral, nos termos do art. 9º da Lei n. 9.307/96, é “a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem”. Assim, uma vez identificada a natureza e a extensão da controvérsia, as partes podem optar por encaminhá-la à arbitragem, mediante a assinatura de um compromisso arbitral. Este difere da cláusula arbitral por se tratar do documento necessário para iniciar o procedimento arbitral, e só pode ser invocado in concreto, ou seja, quando já existe um conflito a ser dirimido.
Vale ressaltar ser extremamente importante a forma como são elaborados, seja a cláusula ou o compromisso arbitral, devendo sua redação, idioma, conteúdo, local da arbitragem e o órgão arbitral ser predeterminados de forma clara e direta, para que a arbitragem possa cumprir sua finalidade, além de demonstrar com clareza inequívoca a vontade das partes, evitando assim que as sociedades ou seus sócios/acionistas/quotistas venham questionar no Judiciário sua validade.
Dessa forma, apesar de facultativa a opção pelo juízo arbitral, uma vez adotado por meio de cláusula compromissória ou de compromisso arbitral, as partes se vinculam a esse modo para solucionar suas controvérsias, podendo qualquer delas, a qualquer tempo, requerer a instalação do juízo arbitral para dirimir seus litígios.
4. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES LIMITADAS
No que tange às chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, cujas regras estão definidas no Código Civil brasileiro (arts. 1.052. a 1.087), nosso legislador, pela adoção do parágrafo único do art. 1.053, autorizou a adoção supletiva das regras das sociedades anônimas. Assim, o paralelo entre essas formas torna-se marcante.
A lei brasileira de arbitragem, em seu art. 4º, § 1º, estabelece que “A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”. Dessa forma, a arbitragem pode ser instituída na sociedade limitada em seu contrato social, visando dirimir conflitos entre sócios, na liquidação da empresa, entre sócios e empresa e até mesmo na partilha de seu acervo.
Pedro A. Batista Martins comenta: “Por força dos elementos constitutivos, a estipulação do pacto arbitral não deverá, no mais das vezes, enfrentar maiores percalços”4.
Por meio de uma cláusula compromissória inserida em acordo de quotistas de uma sociedade limitada, podem os sócios manifestar a vontade unânime de preservar a empresa, referindo quaisquer controvérsias entre os quotistas a via arbitral, produzindo todo e qualquer efeito até então supostamente tutelado somente pela jurisdição estatal. O arbitro, ou os árbitros, podem decidir quaisquer assuntos, nomear interventores ou mesmo expedir ordens liminares5.
O instrumento no qual constar a utilização da arbitragem para dirimir qualquer litígio, desde que assinado pelos sócios/quotistas, não será passível de qualquer dúvida no que tange à cláusula compromissória e deverá afastar do Judiciário o conhecimento de qualquer causa.
Inexistindo no contrato social a cláusula compromissória, ou sendo inserida posteriormente a sua constituição por decisão dos quotistas majoritários, somente estes se vincularão à arbitragem como forma de solucionar controvérsias. Aqueles minoritários que não votaram positivamente, assim como aqueles que estiveram ausentes da assembléia ou reunião que adotou tal cláusula ou dela não tiveram notícia, a ela não se vincularão, por se tratar a arbitragem de instituto derivado de declaração personalíssima de vontade, não podendo a decisão de alguns, ainda que a maioria, excluir da parte recalcitrante ou ausente o direito constitucionalmente garantido de resolver suas questões pelo juízo estatal. No entanto, uma vez tendo ciência da existência de tal cláusula, competirá ao sócio a opção de continuar ou não vinculado à empresa, devendo, se nela permanecer, sujeitar-se ao procedimento arbitral.
É fato cediço que a prerrogativa de ajuizar ações, instituída pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, é passiva de transação de direitos; em havendo concordância tácita ou expressa à cláusula compromissória, o sócio estará vinculado à arbitragem como forma exclusiva para a solução de controvérsias societárias. Não é possível a discordância com a instituição de tal forma de dirimir as questões societárias se aprovado em consonância com o quorum legal ou contratual. O voto negativo ou o mero protesto pela sua não vinculação constituiria justa causa6 para a exclusão do sócio recalcitrante, ou o autorizaria, nos termos do art. 1.077. do Código Civil, a retirar-se da sociedade voluntariamente, mas não o desobrigaria de sujeitar-se ao procedimento arbitral caso permaneça como sócio da empresa.
Vale salientar que em 1999, portanto antes da edição do Código Civil de 2002, Arnoldo Wald constituiu uma comissão com o objetivo de elaborar uma lei específica para as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Esse anteprojeto previa em seu art. 4º o que segue: “O contrato social poderá: (...) II – prever: (...) g) a solução por arbitragem dos conflitos entre a sociedade e os sócios ou entre estes, com a indicação da forma pela qual deverá ser realizada”.
No mesmo projeto, o art. 46. estabelecia: “O contrato social poderá submeter à arbitragem as divergências entre a sociedade e os sócios ou entre estes, especificando as regras aplicáveis”.
No entanto, tal projeto não foi aprovado, e o Código Civil é silente quanto a esse aspecto. Em casos de omissão, podemos afirmar que a eleição da arbitragem como forma de solução de controvérsias não é vedada pelos dispositivos de lei que hoje regem as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, desde que as partes tenham anuído com tal forma de solução de litígios, o objeto da arbitragem esteja restrito a questões de ordem patrimonial e sejam relativos a direitos que sejam disponíveis pelas partes.
5. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
A Lei de Sociedades Anônimas, Lei n. 6.404/76, em diversos momentos destaca expressamente a arbitragem.
O art. 109, § 3º, introduzido pela Lei n. 10.303/2001, estabelece que “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia ou entre os acionistas controladores e os minoritários, poderão ser solucionados mediante arbitramento, nos termos em que especificar”.
Nos termos da lei, existe a possibilidade de solucionar conflitos entre acionistas minoritários, acionistas controladores ou controvérsias entre a companhia juntamente com seus acionistas e administradores pela via arbitral.
Maria Eugênia Finkelstein expõe que “as Sociedades Anônimas são constituídas por meio de um estatuto social (...), que é a lei máxima que rege a vida da companhia e a relação desta com seus acionistas. É no estatuto social que se encontram disposições gerais que regulam o funcionamento da companhia7”.
Assim, forçoso afirmar que a natureza jurídica do estatuto social é contratual. Dessa forma, havendo consenso quanto ao uso da prerrogativa legal da inserção da arbitragem para dirimir controvérsias no seio da sociedade e havendo cláusula contratual nesse sentido, há de se afirmar que essa determinação faz lei entre as partes (pacta sund servanda). A assembléia de acionistas é soberana ao ditar os rumos da sociedade, e, havendo a aprovação desse órgão, seja na constituição desta, seja em aditamento aos seus atos constitutivos, todas as partes que desejam permanecer na companhia devem submeter-se a tal forma de solução de controvérsias.
Corroborando o posicionamento anteriormente exposto, que classifica a eleição da via arbitral como exercício de direito personalíssimo que necessita da anuência ou da declaração de vontade do sócio de submeter-se a tal meio, faz-se necessário expor que existem dúvidas quanto à vinculação deste ao procedimento arbitral por novos acionistas ou acionistas recalcitrantes, em detrimento da proteção de direitos essenciais (assim como os não essenciais) pela via judiciária.
Doutrinadores como Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik8 defendem que a cláusula compromissória deve ser especificamente aprovada, por escrito, pelos sócios que ingressam posteriormente na sociedade, sob pena de sua invalidade.
A questão da submissão dos novos acionistas ao procedimento arbitral estatuído em segundo momento gera dúvidas no que diz respeito à necessidade de convalidação em documento apartado, revestido de formalidades adicionais para garantir à sociedade e à totalidade dos sócios sua submissão à arbitragem. Por óbvio que a existência de tal documento é recomendável, mas não nos parece ser imprescindível.
Carvalhosa e Eizirik9 afirmam que a submissão erga omnes dos sócios a uma cláusula compromissória “não vincula os acionistas que não tenham inequívoca, livre e expressamente contratado a referida cláusula ou a ela expressamente aderido, nos termos do § 2º do art. 4º da lei n. 9.307/96”. Todavia, a mensagem legislativa que norteia essa determinação da lei de arbitragem pressupõe tratar-se essas formas contratuais de contrato comerciais, e, no mais das vezes, de relações de consumo, o que não pode nem deve ser tomado com paralelo nesta discussão.
Tal situação é também distinta daquela prevista na legislação italiana (Decreto Legislativo n. 5, de 17 de janeiro de 2003), que contém dispositivos próprios para a arbitragem em matéria societária e determina que, uma vez aprovada a cláusula compromissória, esta vinculará todos os sócios10.
Uma vez que a cláusula compromissória consta do estatuto da companhia, ou nela é introduzida a posteriori, os novos acionistas não precisam demonstrar em documento separado que concordam com a inserção de arbitragem para solucionar conflitos societários. Uma vez demonstrada de boa-fé, a ciência inequívoca de que a parte teve acesso ao texto do documento constitutivo da obrigação de arbitrar conflitos, a parte deve ou anuir com tal prerrogativa ou retirar-se da sociedade, uma vez que arbitragem é a forma preferida por ela para solucionar seus conflitos. Nesse caso não se trata da prevalência da vontade individual da parte, mas sim da vontade da pessoa jurídica, representada pelo voto positivo da maioria dos sócios. Não se trata de imposição do juízo arbitral, mas sim de uma opção da empresa à qual a totalidade dos acionistas deve sujeitar-se.
Uma vez que a assembléia dos acionistas, órgão deliberativo máximo da sociedade, reúne-se e decide alterar a forma de exercício de um direito, sem, no entanto, suspendê-lo, essa passa a ser a vontade da companhia. Assim, a declaração de vontade do sócio discordante deverá ser negativa, mas sua vontade individual não poderá sobrepor-se à vontade da maioria, que representa a vontade da companhia.
À assembléia compete “discutir, votar e deliberar sobre qualquer assunto do interesse social11”. O cumprimento com o quorum prescrito na lei, ou no estatuto social, é que determina os limites da decisão. Se em consonância com tal prescrição legal, a decisão que impõe conduta diversa da anteriormente contratada vincula a totalidade dos sócios.
A lei não determina que nas arbitragens societárias a declaração deva ser expressa, nem veta a renúncia tácita, instituto já consagrado no direito brasileiro. A vontade de se submeter ao procedimento arbitral pode ser implícita, desde que seja inequívoca. O protesto com o condão de preservar um direito anteriormente estatuído, da mesma forma, não produzirá os efeitos almejados.
A retirada do sócio inconformado, a despeito de não se inserir no rol das causas possíveis do art. 137. da Lei das S.A., justificar-se-ia por haver alteração essencial na mecânica operacional e supressão de direito adquirido, direito este elencado entre aqueles do art. 5º da Constituição Federal, ao qual a parte não deseja renunciar, mas cuja alteração e validade resta autorizada por lei e pela vontade soberana da maioria do capital social. É o único remédio eficaz, uma vez que a compulsoriedade da arbitragem como forma de solucionar controvérsias seria uma violência ainda maior. Por existir omissão da lei12 com relação ao caso em comento, o juiz deverá valer-se da analogia, do costume e dos princípios gerais do direito para autorizar a retirada do sócio descontente.
Modesto Carvalhosa afirma que não pode a cláusula compromissória estatutária negar o direito de ingresso em juízo de qualquer acionista que não tenha expressamente aderido a essa mesma cláusula, na forma prescrita na lei, e que são partes, para efeitos de celebração de cláusula compromissória estatutária, a própria sociedade e os acionistas que expressamente concordaram com essa substituição do foro judicial pelo arbitral.
A questão essencial é a forma da manifestação da vontade, que é inequívoca quando da assinatura do estatuto, impossibilitando alegar falta de conhecimento da cláusula compromissória, enquanto o novo acionista deve, por meio de declaração expressa ou reconhecimento tácito, manifestar seu consentimento, aceitando e reconhecendo assim que o compromisso arbitral é válido. Da mesma forma, a alteração do estatuto social visando criar tal cláusula somente vinculará o sócio ausente caso ele tenha recebido convocação para assembléia contendo na pauta deliberações quanto à inserção de cláusula compromissória, assim como o extrato ou cópia da ata que votou favoravelmente a sua inserção ou por outro meio tenha acesso a tal modificação dos atos constitutivos da sociedade. Ao sócio que votou negativamente à inserção da cláusula compromissória somente caberá retirar-se da sociedade ou, ainda que a contragosto, sujeitar-se ao procedimento arbitral.
Ou seja, a cláusula compromissória obriga a todos que dela têm ciência, inclusive aqueles que votaram contrariamente à sua inserção e optaram por permanecer no quadro societário, uma vez que a ciência inequívoca da sua existência vincula todos à decisão soberana da assembléia. A vontade da maioria deverá prevalecer, desde que preservados os direitos dos descontentes, direito este restrito a retirar-se da sociedade caso não aceite a adoção da cláusula compromissória. Uma vez que o estatuto social tem força de lei, vinculando a totalidade dos sócios e a sociedade, a liberdade da parte está severamente limitada no tocante à forma de solucionar as suas controvérsias, devendo submeter-se à forma escolhida pela assembléia geral.