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Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual

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Agenda 30/08/2015 às 11:11

3. IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DOS JUIZOS COLEGIADOS CRIMINAIS 

3.1. CONTEXTO INSTITUCIONAL DIANTE DO LEADING CASE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (LEI Nº. 6.806/07 DO ESTADO DE ALAGOAS E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 4.414).

Por intermédio da Lei Estadual nº. 6.806, de 26 de Março de 2007, o Estado de Alagoas criou a 17ª Vara Criminal da Capital, que previa a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau para os crimes praticados por organizações criminosas, seguindo a Recomendação nº. 03 do CNJ, de 30 de Maio de 2006, que consiste na criação de varas especializadas, como já abordado no item 1.2.2 deste trabalho.

Diante de tamanha inovação, o mencionado ato normativo estadual foi alvo de inúmeros questionamentos quanto a sua constitucionalidade, chegando o caso até o Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.414, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados – CFOAB.

Dentre os vários pontos impugnados, estava que a formação de um colegiado criminal de 1º grau usurparia a função da União em legislar sobre matéria processual, matéria de competência privativa da União, conforme art. 22, inciso I, da Constituição Federal[18], além de ser uma afronta aos princípios do juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, senão vejamos:            

A rigor, tais dispositivos são inconstitucionais por evidente afronta ao art. 22, I, da Constituição Federal, ao legislar sobre direito material penal e processual penal (vício formal), bem como afronta material e direta aos princípios da legalidade (art. 5º, II) e do juiz natural (art. 5º, LIII). (CFOAB, 2010, p. 07)

 “A regra em tela, portanto, viola não só o art. 22, I, como também os incisos LIV e LV, do art. 5º, da Carta Maior, pois priva as partes do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.” (CFOAB, 2010, p.30)

“Com efeito, a criação de titularidade colegiada em primeira instância fere não apenas o princípio do juiz natural – art. 5º, LIII – como, também, desrespeita a garantia da inamovibilidade dos magistrados, previstas no art. 95, II, da Carta da República.” (CFOAB, 2010, p.28).

Por consequência destes questionamentos, alegou-se que a instituição do colegiado criminal de 1º grau criaria a figura do “juiz sem rosto”, figura “cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz” (GOMES, 2012), nestes termos:

“Cria-se com a lei a figura do juiz sem rosto, pois é composta por cinco magistrados que agem coletivamente e sem se identificar (artigos 2º e 4º). Só se sabe que agem por maioria dos votos que também são coletados sigilosamente.” (CFOAB, 2010, p. 24)

Em contrapartida, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB participou como amicus curiae na Ação de Direta de Inconstitucionalidade, defendendo a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau, até porque a:

“ocorrência de decisões colegiadas não é um procedimento inédito em primeiro grau de jurisdição. 61. Com efeito, o art. 125, § 4º, da CF, dispõe que a Justiça Militar estadual, será constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e “pelos Conselhos de Justiça”. 62. A despeito desse dado, histórico e legal, na hipótese prevista na lei alagoana, os magistrados reúnem-se para deliberar, mas a fundamentação de suas decisões estará contida nos autos, como ocorre em qualquer processo judicial. A pluralidade existe apenas como forma de proteção contra insurgências violentas de criminosos ao magistrado. 63. Os juízes assinam as decisões de forma coletiva, quando podem ser verificadas e identificadas suas assinaturas individualizadas, uma ao lado da outra, observando-se, assim, o devido processo legal, já que a partir da decisão fundamentada poderá a parte inconformada dela recorrer. (AMB, 2011, p. 20-21)

Pondo fim a este impasse, em 31 de Maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal, no que se refere a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau, através do voto do relator da ADI nº. 4.414, Ministro Luiz Fux, declarou a constitucionalidade do citado dispositivo, alegando que a composição de um colegiado no primeiro grau não se trata de tema processual, porém de organização judiciária, matéria concorrente dos Estados e tampouco a formação do colegiado fere os princípios do juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, neste ponto:

A composição do órgão jurisdicional se insere na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual, mercê da caracterização do procedimento como a exteriorização da relação jurídica em desenvolvimento, a englobar o modo de produção dos atos decisórios do Estado-juiz, se com a chancela de um ou de vários magistrados (Machado Guimarães. Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro - São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969. p. 68). 6. A independência do juiz nos casos relativos a organizações criminosas, injunção constitucional, na forma do art. 5º, XXXVII e LIII, da CRFB, não está adequadamente preservada pela legislação federal, constituindo lacuna a ser preenchida pelos Estados-membros, no exercício da competência prevista no art. 24, § 3º, da Carta Magna. (FUX, 2012, p. 5)

Segundo o Ministro Luiz Fux, a criação de um juízo colegiado não está reservada a matéria processual, de competência privativa legislativa da União, mas, sim, sobre procedimentos em matéria processual, de competência concorrente dos entes da União, como reza o art. 24, XI, da Constituição Federal[19], sendo assim:

De imprescindível análise, no ponto, o art. 24, XI, da Constituição, segundo o qual “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: procedimentos em matéria processual”. Assim, mister apreciar se a composição do órgão jurisdicional se insere na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual. Carnelutti bem observou que o juízo é o único dos sujeitos processuais que não só deve contar com clara definição legal, como também surge da lei – partes nascuntur, iudices fiunt. O citado jurista italiano definiu o órgão jurisdicional como o complexo (universitas) dos homens, a cuja colaboração a lei confia o exercício da função judiciária para a composição de uma mesma lide (Sistema di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1936. p. 516 e 518). Mas essa definição legal das características do juízo seria matéria de processo ou de procedimento? A Constituição não trouxe elementos para diferenciar as duas espécies. (FUX, 2012, p. 59-60)

Em verdade,quando se diz que uma norma está criando um órgão jurisdicional colegiado, na verdade o que se extrai é que determinados atos processuais serão praticados, exteriorizados, mediante a chancela de mais de um magistrado. Incide, na hipótese, a competência concorrente prevista no art. 24, XI, da Constituição. Estabelecido que essa é uma questão procedimental, o art. 24 da Carta Magna dispõe que, nas matérias de competência concorrente,reserva-se à União a edição de normas gerais – o Estado, portanto, só pode legislar sobre o assunto na omissão do ente federal. (FUX, 2012, p. 61)

Quanto a distinção entre tema processual e procedimental, temos por processo o “método de exercício de jurisdição, idealizado pelo legislador por  normas processuais” (KLIPPEL; BASTOS, 2011, p. 181), enquanto por procedimento é a “materialização, a corporificação em atos concatenados do conteúdo que se busca realizar, sendo o aspecto visível e tangível do processo” (Ib idem, p. 183)

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Além disto, o Ministro Relator ressaltou a importância do colegiado como um fator de independência judicial, propiciando um julgamento justo e livre de qualquer interferência externa, senão vejamos:

CRIAÇÃO DE ÓRGÃO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU POR MEIO DE LEI ESTADUAL. APLICABILIDADE DO ART. 24, XI, DA CARTA MAGNA, QUE PREVÊ A COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA PROCESSUAL. COLEGIALIDADE COMO FATOR DE REFORÇO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL. OMISSÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL PARA SUPRIR A LACUNA (ART. 24, § 3º, CRFB). CONSTITUCIONALIDADE DE TODOS OS DISPOSITIVOS QUE FAZEM REFERÊNCIA À VARA ESPECIALIZADA COMO ÓRGÃO COLEGIADO. (FUX, 2012, p. 2) (grifo nosso)         

Sem dúvidas, a decisão do Supremo Tribunal Federal, em declarar constitucional a formação de um juízo criminal colegiado de 1º grau para os crimes praticados por organizações criminosas, criou um precedente favorável para a elaboração da Lei nº. 12.694/12, objeto de estudo do presente trabalho acadêmico.

Todavia, quanto ao conteúdo, as Leis Estadual e Nacional possuem algumas diferenças que as distinguem. Enquanto na primeira já há uma descrição prévia da competência da vara que julgará os crimes praticados pelas organizações criminosas, a 17ª Vara Criminal da Capital, previsto no art. 1º da Lei nº. 6.806/07 do Estado de Alagoas, vara que será formada obrigatoriamente por um colegiado composto por cinco juízes de Direito, a Lei nº. 12.694/12 informa que qualquer vara criminal será competente para julgar os crimes praticados por organizações criminosas, conferindo uma discricionariedade ao magistrado quanto à formação ou não de um juízo colegiado, que será composto por três juízes, e para os atos que acredita serem necessários.

Outra fundamental diferença consiste no modo como os juízes serão escolhidos para compor o colegiado. Em Alagoas, a Lei nº. 6.806/07 conferiu ao Presidente do Tribunal de Justiça Local o poder de nomear quais os magistrados formariam o colegiado, não levando em consideração nenhum critério apriorístico, objetivo, violando a garantia constitucional de inamovibilidade dos juízes, sendo alvo de questionamentos pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados e declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Com relação à Lei nº. 12.694/12, o seu art. 1º, § 2º estabelece um sorteio eletrônico entre os juízes criminais de primeiro grau de jurisdição, trazendo um critério objetivo como o defendido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº. 4.414.

3.2. (DE)FORMAÇÃO PROCESSUAL             

Antes de iniciar a análise da Lei nº. 12.694/2012 a luz dos Princípios Consitucionais, se faz necessário uma breve definição para o que sejam Princípios.

O renomado José Cretella Jr., citado por Sérgio Pinto Martins, assim definiu o que são princípios: “Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.” (CRETELLA Jr. apud Pinto, 2013, p. 390)

Toda ciência repousa em verdades quase que absolutas, as quais servem para orientar e informar em qual direção deverá seguir uma pesquisa, um projeto, um estudo. No ramo jurídico, não poderia ser diferente. O edifício do Direito está construído em bases fortes e sólidas dos Princípios Jurídicos, a essência das normas jurídicas.

Além de orientar e informar, também servem para inspirar preceitos legais, por isso são amplos e gerais para facilitar a sua aplicação no caso em concreto.                       

Carlos Maximiliano há muito comenta da importância dos Princípios para o mundo jurídico:

“Saredo e Salvat parecem, pois, escudados em boa doutrina quando adiantam que os princípios gerais invocáveis nas cátedras e pretórios, em qualquer controvérsia, encontram-se em última análise, pelo menos em germe, em potência, latentes, entre os preceitos fundamentais do Direito Público, em espírito da Constituição.” (MAXIMILLIANO, 1994) (Grifo Nosso)

Um dispositivo legal não pode fugir às verdades quase que absolutas que sustentam o ordenamento jurídico, os Princípios Jurídicos. Estes preceitos fundamentais nos ajudam numa melhor aplicação e compreensão das normas jurídicas, conferindo uma maior dinâmica ao Direito para poder acompanhar as transformações sociais. Além disto, servem de garantia para a sociedade, protegendo-a e evitando que normas abusivas sejam inseridas no mundo jurídico e, se mesmo assim entrar em vigor, permite a sua retirada imediata do ordenamento jurídico.

Após definir um conceito para o que são princípios, passemos a analisar a Lei nº. 12.694/2012 e os seus juízos colegiados com os Princípios do Juiz Natural, do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa e do Contraditório.

3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal

O devido processo legal é denominação proveniente da expressão inglesa due process of law. A noção deste princípio surgiu como cláusula de proteção contra a tirania, que remonta ao Édito de Conrado II, no qual se encontra por escrita a idéia de que até o imperador deveria se submeter às leis.

Já a sua primeira menção em Carta Magna foi a de João Sem Terra, no ano de 1215, quando se reportou à law of the land, sem, contudo, ter se referido especificamente à dicção devido processo legal.

   Previsto na Constituição da República em seu artigo 5°, incisos LIV e LV, é denominado de princípio mãe, sendo o gênero, dele defluindo todos os outros princípios.

Pode-se dizer sem medo que já faz muito tempo que o princípio do devido processo legal se encontra no centro do nosso sistema processual. Ele é a verdadeira e própria essência do processo, em todas as suas manifestações. O processo legítimo, justo, equilibrado, é o devido processo legal. Daí que todas as irregularidades do processo que conspurcam esse equilíbrio, essa justeza intrínseca, violam o princípio do devido processo legal. (RAMOS, 2007)

O due process of law é uma garantia constitucionalmente prevista em benefício de todos os cidadãos, assegurando tanto o exercício do direito de acesso à justiça como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas. É uma forma de repelir a onipotência e a arbitrariedade do Estado, que detém o monopólio da jurisdição.

“A necessidade de concretização da promessa constitucional de efetividade da jurisdição não autoriza a desconsideração de outros princípios constitucionais igualmente aplicáveis ao processo, como é o caso do devido processo legal, o qual, dirigido especialmente ao Estado enquanto responsável pela atividade jurisdicional, impõe subordinação a procedimento especificado em lei”. (NERY apud Fioreze, p. 70)

Ainda nesta linha:

“Parte da doutrina o entende como o ‘princípio síntese’ ou ‘princípio de encerramento’ de todos os valores ou concepções do que se entende como um processo justo e adequado, isto é, como representativo suficiente de todos os demais indicados pela própria Constituição Federal”. (BUENO, 2007, p. 107)

Então, o devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas consequências tenham sido previstas em lei e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Por meio do princípio do devido processo legal, é exigido um processo razoável à luz dos direitos e garantias fundamentais.

Como pode se observar, o principio em epígrafe é uma cláusula geral, isto é, uma norma composta por termos vagos e abertos cujo conteúdo normativo é indeterminado. Ressalta-se que o Devido Processo Legal se aplica a qualquer processo. Há o devido processo legal jurisdicional, o administrativo, legislativo e até o negocial.

Importante se faz destacar que o Princípio do Devido Processo Legal tem duas dimensões. A primeira é a formal, ligada ao devido processo legal processual, o qual deve-se respeitar as garantias formais do processo (motivação, juiz natural, contraditório, etc). A última é a substancial (material), ou seja, o processo resulta numa decisão justa, razoável, equilibrada. O devido processo substancial impõe a proporcionalidade das decisões; é dele que se extrai o Princípio da Proporcionalidade (torna possível a justiça do caso concreto, flexibilizando a rigidez das disposições normativas abstratas).

Corroborando com os entendimentos acima, temos que:

“devido processo legal não indica somente a tutela processual, como à primeira vista possa parecer. Tem sentido genérico e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive due process of law e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo.” (NERY JR., 2000, p.36)

Sendo assim, temos que o devido processo legal inspira uma segurança aos participantes do sistema jurídico, especialmente para aqueles que se encontram na situação de réu, seja em um processo criminal, civil ou administrativo, pois, a partir da existência de uma previsão legal de quais os procedimentos deverão ser adotados no curso de um processo, fortalecerá o seu direito sagrado à defesa e ao contraditório.

Quando a Lei nº. 12.694/2012, logo em seu art. 1º, estabelece que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual”, cabendo a faculdade de formação do colegiado exclusivamente ao magistrado e para o ato que bem entender, em que pese a lei falar quando houver riscos a pessoa do magistrado, verifica-se uma afronta ao princípio do devido processo legal.

Isto porque,  não há um dispositivo pré-estabelecido com critérios objetivos para a formação de um colegiado, mas, sim, um mecanismo conferido ao magistrado para decidir ou não pelo julgamento por um colégio de magistrados, os quais os motivos para a sua formação serão íntimos, pessoais do julgador.

Além do mais, poderá causar uma enorme insegurança jurídica ao ordenamento diante da incerteza ao réu se o seu processo será julgado por um juízo monocrático ou por um colegiado, situação que influi bastante em sua defesa, podendo casos similares serem julgados de formas diferentes, isto é, uns pelo juízo monocrático, outros pelo colegiado.

Neste sentido, temos que o Código de Processo Penal ordena expressamente que o magistrado que instruir o feito, deverá prolatar a sentença[20]. No entanto, e se colegiado seja formado apenas para a prolação da sentença, como ficarão os magistrados convocados unicamente para esta etapa processual? Afinal de contas, eles não tiveram um contato direto com as provas do processo, com o interrogatório, eles poderão também prolatar uma sentença? Estará desrespeitando o próprio princípio do devido processo legal, pois contraria expressa disposição do Código de Processo Penal.

Não fosse somente isto, a noção de risco, de perigo, em muitos casos, é uma concepção subjetiva, que varia de pessoa para pessoa, trazendo para o assunto em específico, de magistrado para magistrado, sendo que para uns determinado fato ensejará a formação do colegiado, quando para outros, a ocorrência do mesmo fato não significará nada.   

Sem dúvidas, a inovação contida na Lei nº. 12.694/2012, ao permitir a formação de juízo colegiado para os crimes que envolvam organizações criminosas, é digna de aplausos e, como já visto anteriormente no presente trabalho de conclusão de curso, é uma forma de fortalecer a independência do Judiciário na medida que assegura uma maior proteção ao julgador. Todavia, seria muito melhor se a lei dispusesse objetivamente quando ou em quais momentos devessem existir a formação de um colegiado e não deixando a mercê de critérios pessoais do magistrado.

3.2.2. Princípio do Juiz Natural/Proibição do Tribunal de Exceção

O princípio do Juiz Natural e Proibição do Tribunal de Exceção está intimamente ligado a isonomia e a imparcialidade, no sentido que todos devem receber o mesmo tratamento dos órgãos jurisdicionais. “A imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural uma de suas garantias indispensáveis”(MORAES, 1997. p. 86.)

Considerado um dos princípios fundamentais do direito judiciário contemporâneo, nasce vinculado ao pensamento iluminista, nascente da revolução francesa. “Em função dela, como se sabe, foram suprimidas as justiças senhoriais e todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais.” (COUTINHO, 2008, p.168). Justiças senhoriais que eram uma espécie de foro privilegiado a que tinham direito os nobres considerados, conhecidas pelas concessões de privilégios nos seus julgamentos.

Dessa forma, nunca mais deixou de ser matéria tratada nos textos constitucionais verdadeiramente democráticos, guardando seu lugar, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e figurando expressamente na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, 1).

Atualmente, está previsto no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal, senão vejamos:                  

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Como visto, os incisos XXXVII e LIII, da vigente Constituição da República brasileira, consagram o princípio do juiz natural, na medida asseguram a todas pessoas conhecerem previamente daquele que a julgará no processo em que seja parte, revestindo tal juiz em jurisdição competente para a matéria específica do caso.

Nesse sentido, o Constitucionalista Alexandre de Moraes evoca que:

 O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência do órgão julgador'. (MORAES, 2002, p. 304).

Fortificando o conceito do referido princípio, avançando além da simples proibição de tribunais de exceção, o Prof. Machado Júnior, pratica que “o princípio do juiz natural colima assegurar a todo cidadão o direito de ser julgado por juiz constitucionalmente competente, imparcial por natureza, pré-constituído por lei, para o pleno desempenho da função jurisdicional” (MACHADO, 2006)

Complementando os ensinamentos, o Princípio do juiz natural:

consiste os dispositivos constitucionais na determinação de que os litígios devam ser processados e julgados por órgão judicial previamente estabelecidos, criado regularmente por lei. Daí se destacam dois elementos indisponíveis: a anterioridade e a legalidade da criação do órgão judicial. (CARVALHO, 1998.p.60.)

Dessarte, imperioso concluir que o princípio do Juiz Natural em verdade deriva de uma consequência lógica de dois outros princípios constitucionais: isonomia e devido processo legal, posto que sua incidência implica a vedação completa de afastamento do Juiz da causa e de nomeação aleatória ou a dedo de julgadores.

Neste ponto, a Lei nº. 12.694/2012 viola o Princípio do Juiz Natural. Não por permitir um juízo colegiado criminal de 1º grau, até porque todos os magistrados convocados a formar o colegiado estão pré-constituídos por lei e por estarem identificados quando forem chamados, mas por, mais uma vez, não trazer critérios objetivos acerca da formação do colegiado, por permitir que casos similares, ou até idênticos, sejam julgados de maneiras diferentes, quando em um é julgador por apenas um juiz e quando por outro é julgado pelo colegiado, ferindo a isonomia e o devido processo legal, como visto em tópico anterior.

3.2.3. Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

Considerado como uma das garantias fundamentais, o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório está materializado no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal[21]. Em que pese estarem ligadas de forma embrionária, o conceito de ampla defesa e de contraditório são distintos.

Segundo Nestor Távora e Rosmar Alencar, contraditório é:

traduzido no binômio ciência e participação, e de respaldo constitucional (art. 5º, inc. LV da CF), impõe que às partes deve ser dada a possibilidade de influir no convencimento do magistrado, oportunizando-se a participação e manifestação sobre os atos que constituem a evolução processual. (ALENCAR; TÁVORA, 2009, p. 51)

Portanto, podemos extrair que contraditório é o direito conferido às partes de manifestação, a fim de tentar convencer a decisão do juiz. Seguindo esta linha de entendimento, temos:

O princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Origina-se no brocardo audiatur et altera pars. A aplicação do princípio, assim, não requer meramente que cada ato seja comunicado e cientificado às partes. Relevante é que o juiz, antes de proferir cada decisão, ouça as partes, dando-lhes igual oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos. (MOUGENOT, 2011, p. 73-74)

Sendo assim, além das partes terem o direito a manifestação no curso do procedimento, é dever do magistrado garantir a participação das partes, só devendo suprimi-las em casos excepcionais, “tal como no caso das medidas urgentes – verbi gratia -, a decretação da prisão preventiva, as medidas assecuratórias, etc. - em que o pronunciamento judicial se dará inaudita altera pars, sob pena de prejuízo a própria efetividade do processo.” (MOUGENOT, 2011, p. 74)

Enquanto que ampla defesa é algo mais amplo, é o direito conferido aos litigantes de se valerem por todos os meios lícitos de provas admitidos no Direito, solicitarem perícias, documentos na posse de terceiros, por exemplo. O Princípio da Ampla Defesa “traduz a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas.” (PORTANOVA apud CARVALHO, 2002)

Defesa que pode ser exercida de maneira técnica ou por autodefesa.

 A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público. A defesa técnica é indisponível. (MOUGENOT, 2011, p. 75).

Já por autodefesa, como o próprio nome já nos informa é a “realizada pelo próprio imputado.” (ALENCAR; TÁVORA, 2009, p. 51)

Vale salientar que com a não indicação de advogado pelo réu, será obrigatória a nomeação de um defensor por parte do magistrado, sob pena de nulidade absoluta, conforme ordena o Código de Processo Penal[22]. Ainda assim, a mera habilitação ou nomeação de advogado por si só, no tocante ao processo penal, não satisfaz o requisito indispensável da defesa técnica. É necessária a efetiva participação do defensor, sob a possibilidade de uma nulidade absoluta, de acordo com a súmula nº. 523 do STF[23].

Ao réu, não deve ser permitido ser pego de surpresa, principalmente em um processo penal. A faculdade conferida ao magistrado para a formação ou não de um colegiado, para o ato processual que achar necessário, constitui uma ofensa ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, pois se trata de uma decisão suprema do julgador, a qual somente o seu consciente será consultado, não conferindo os meios e os recursos necessários para o exercício da ampla defesa e do contraditório, consubstanciando em violação a garantia fundamental.

Sobre o autor
Rafael Eloy

Advogado, membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELOY, Rafael. Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4442, 30 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41676. Acesso em: 8 nov. 2024.

Mais informações

A presente obra foi escrita para o Trabalho de Conclusão de Curso - TCC do curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe, a fim de se obter a Graduação do mencionado curso.

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