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Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei nº 9.605/98

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. ASPECTOS HISTÓRICOS. 2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESSOA JURÍDICA. 3. ASPECTOS PENAIS: 3.1 A Culpabilidade; 3.1.1 Imputabilidade; 3.1.2 Potencial Consciência da Ilicitude; 3.1.3 Exigibilidade de Conduta Diversa; 3.2 Noções Sobre Responsabilidade; 3.3. Intervenção Penal Mínima: 3.3.1 O Caráter Subsidiário ou Acessório do Direito; 3.3.2 O Caráter Fragmentário do Direito Penal. 4. FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA: 4.1. Fundamentos Doutrinários Favoráveis; 4.2. Fundamentos Doutrinários Contrários; 4.3. As Sanções Aplicáveis a Pessoa Jurídica Pela Lei dos Crimes Ambientais; 4.4. A Abrangência da Lei n. 9.605/98 às Pessoas Jurídicas de Direito Público. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A possibilidade de responsabilizar penalmente uma pessoa jurídica há muito é discutida em diversos países. No sistema common law, tal possibilidade é pacífica. Alguns países de origem jurídica romano-germânica, que adotavam o princípio societas delinquere non potest, já prevêem sanções criminais aos entes coletivos. Trata-se de uma tendência que expressa o objetivo de coibir ilícitos praticados por pessoas físicas, porém acobertadas pelo imune manto penal da pessoa jurídica.

O legislador constituinte brasileiro autor da vigente Constituição Federal manifestou-se favoravelmente à responsabilização dos entes coletivos, por força do artigo 173 e do artigo 225. Em 1998, foi sancionada a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei nº 9.605, que veio a regulamentar o dispositivo constitucional, sendo que o artigo 3º da referida Lei, explicitamente, confirmou o discutido ditame constitucional. Portanto, pode-se afirmar que foi abolido o clássico princípio societas deinquere non potest, adotando a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Tido por muitos como uma cópia do modelo francês, o legislador não se preocupou em adequar o sistema penal brasileiro à punição de entes coletivos, como foi feito naquele país. Desta forma, surgiram incoerências no ordenamento jurídico vigente, rompendo postulados que regem o direito penal moderno, como, v. g., a culpabilidade e o princípio da individualização das penas.

Em contrapartida, a sociedade brasileira necessita de uma resposta ao indagar-se sobre até quando pessoas físicas se utilizarão de empresas para cometer atrocidades. Empresas despejam, sem tratamento algum, lixo altamente poluidor nas águas que servem para consumo e banho, há devastação da fauna e da flora sem controle, gerando a extinção de espécies etc. Evidentemente, existe uma crescente conscientização acerca da importância e da necessidade da tutela do meio ambiente, inclusive, do ponto de vista penal, e a edição da lei supramencionada evidencia um claro indicativo desta situação.

Visando a uma melhor e mais ampla compreensão deste assunto, serão expostos alguns aspectos referentes à evolução histórica no Brasil e em outros países, bem como um breve relato acerca da pessoa jurídica como sujeito de direito. A teoria da culpabilidade e a responsabilidade penal antecederão um estudo sobre o direito penal mínimo. Será realizada uma análise mais profunda sobre os argumentos contrários e favoráveis deste tão debatido tema. Por fim, a manifestação sobre a possibilidade de um ente público estar sujeito à Lei n.º 9605/98, bem como às sanções tipificadas à pessoa jurídica e sua real possibilidade de aplicação.


1. ASPECTOS HISTÓRICOS

O Direito de antanho admitia a imposição de sanções a entes coletivos. Desde clãs até cidades ou grupamentos eram punidos por atos de seus integrantes. A título de exemplos, o direito canônico medieval admitiu amplamente a responsabilidade penal das corporações (conventos, claustros, congregações, cidades, comunas etc.), que eram passíveis de serem autores da prática de crimes e serem punidos conforme a prática então dominante.

No Direito Romano, segundo Fausto Martin de Sanctis, "o sistema jurídico reconhecia as pessoa jurídicas, inclusive chegou a regulamentá-las. Esta regulamentação existiu desde a época da Lei das XII Tábuas e disciplinou, com precisão, os direitos, as obrigações, a imputabilidade, os delitos e as penas aplicáveis às pessoas coletivas." Entretanto, tal entendimento não é absoluto e o citado autor expõe: "Apesar da existência deste sistema jurídico, que permitiria às pessoas jurídicas ser processadas e condenadas criminalmente, alguns autores negavam estes fatos e consideravam que a questão não existia no direito romano."

Conforme ensino de Ataides Kist, "com o advento da era imperial, passaram a ser consideradas as entidades como pura ficção, sendo um artifício legal a que não correspondia qualquer realidade social ou jurídica. Em virtude da natureza fictícia, as pessoas coletivas não eram responsáveis criminalmente no direito romano, ante ao próprio adágio Societas delinquere non potest."

Nos termos do Direito Germânico, era plenamente admitida a responsabilidade de entes coletivos, chegando-se a dividir a população em grupos, cujos integrantes, ligados entre si por traços de mútua responsabilidade, ao se verificar um delito, deveriam deter o criminoso sob pena de, não o fazendo, pagarem uma indenização em dinheiro.

O mesmo pode ser dito do Direito Francês, que admitiu, até a Revolução Francesa, a responsabilização penal dos grupamentos. Há notícias de punições de cidades: Toulouse, em 1331, Bordeaux, em 1558 e Montpellier, em 1739, foram condenadas pelo Parlamento de Paris à perda de seu direito de corpo e comunidade, com o confisco de seu patrimônio. Citado por Fausto Sanctis, o doutrinador espanhol Aquiles Mestre ensina que a Lei de 1670, já no art. 1º do Título XXI, anuncia que a ação penal será dirigida contra as cidades, vilarejos, corpos e companhias que tenham cometido qualquer rebelião, violência ou outro crime, consagrando o procedimento aplicável às cidades e comunidades. Vê-se, portanto, que esta lei admitia a responsabilidade penal aos grupos de direito público e de direito privado. Quanto às penas, aplicavam-se multas, indenizações, reparações civis e perda de privilégios, v.g. o confisco do patrimônio, modificação da forma de governo, destruição de muros e defesas, derrubada de portas, entre outras.

Atualmente, nos países anglo-saxões destacam-se os seguintes países que adotam a responsabilidade penal às empresas: a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Escócia. Influenciado pelo mesmo sistema, o Japão também adota tal responsabilidade. Por outro lado, observa-se que os países de que adotam o sistema romano-germânico, em regra, filiam-se ao princípio societas delinquere non potest, excluindo a possibilidade de punir criminalmente um ente coletivo.

No Brasil, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não foi adotada somente na Constituição Federal de 1988. Antes mesmo dos portugueses chegarem, os povos indígenas viviam sob responsabilidade coletiva. Famílias inteiras se opunham às outras, sentiam e reagiam como um ente coletivo, no qual a responsabilidade individual vigia em raras exceções. João Bernardino Gonzaga, em sua obra O direito penal Indígena: à época dos descobrimentos do Brasil, citado por Ataides Kist, menciona que … "os vários laços que estabelecem forte coesão social; coesão inclusive de natureza mágica, totêmica: fatores vários, enfim, fazem com que cada membro se confunda com o grupo a que pertença. Não é concebível um homem isolado na própria individualidade. O indígena é sempre indestacável do seu grupo. Há círculos concêntricos de coletividade que superpõem – a família, a aldeia, o clã, a tribo, o totem, cada uma delas apresentando-se qual massa uniforme em que se dissolvem as pessoas".

No Código Criminal Brasileiro de 1830, em seu artigo 79, havia expressa previsão de punição de pessoa jurídica: Reconhecer o que for cidadão brasileiro, superior fora do Império, prestando-lhe efetiva obediência. Penas: de prisão de 4 a 16 meses e Artigo – Se este crime for cometido por corporação, será esta dissolvida.

O Código Penal republicano também adotou a responsabilidade coletiva. Seu artigo 103 previa: Se este crime for cometido por corporação, será esta dissolvida; e, caso os seus membros se tornem a reunir debaixo da mesma, ou inversa denominação, com o mesmo ou diverso regime: pena – aos chefes, de prisão celular por um a seis anos; aos outros membros, por seis meses a um ano. Não obstante, o artigo 25 do mesmo diploma estabelecia que a responsabilidade penal deve ser exclusivamente pessoal, incongruência que gerou grandes discussões doutrinárias, concluindo os doutrinadores da época que houve má redação do referido dispositivo legal.

O Código Penal vigente de 1940, com alterações introduzidas pela Lei nº 7.209/84, possui sua parte geral voltada estritamente para pessoa física. É clara sua intenção de punir apenas a vontade "humana" e jamais a "coletiva", adotando, portanto, o princípio societas delinquere non potest.

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Esta a regra também na legislação especial. As exceções que podem ser citadas são: a Lei 4595/64, cujo artigo 44, § 7º, prevê que quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuem como instituição financeira, sem estar devidamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores. Na Lei n. 4.729/65, artigo 6º, consta que quando se tratar de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta Lei será de todos os que, direta ou indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal. Já a Lei 4.728, que disciplina o mercado de capitais, estipula no artigo 73, § 2º, que a violação de qualquer dos dispositivos constituirá crime de ação pública, punido com pena de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em todos os seus diretores.

Entretanto, a Lei nº 9605/98, conforme já dito, prevê explicitamente a responsabilização criminal de pessoa jurídica, fazendo-o no artigo 3º: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

É bem verdade que o legislador não se preocupou com a real possibilidade de aplicação deste preceito, limitando-se a criar a norma, não se preocupando com o processo, dispondo o artigo 79 da referida Lei que deve ser utilizado o Código de Processo Penal. Portanto, é incumbência dos operadores do direito encontrar os meios para desenvolver validamente um procedimento penal direcionado à pessoa jurídica.


2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESSOA JURÍDICA

Sendo o direito fruto da sociedade, esta, por sua natureza evolutiva, demonstrou a necessidade de reconhecimento legal das já existentes instituições comerciais ou representativas, formadas pela incapacidade do ser humano em, por si só, realizar certos fins, por ultrapassarem suas forças e limites individuais. Tais instituições se personalizaram, tornando-se passíveis de direitos e obrigações e se desvinculando das pessoas físicas que as compunham.

Entre as teorias que explicam a natureza dos entes coletivos, destacam-se duas, as mais significativas. A primeira é a teoria da ficção, que predominou no século XIX e teve como defensor SAVIGNY, que afirmava ser a personalidade jurídica fictícia, não decorrendo de ato natural, e, sim, legal. O ente jurídico nada mais é que uma criação artificial da lei, carecendo de realidade: sua existência teria por escopo apenas facilitar determinadas funções. A teoria da realidade, de origem germânica, sustenta que a vontade, pública ou privada, é capaz de dar vida a um organismo, que passa a ter existência própria, distinta da de seus membros, capaz de tornar-se sujeito de direito, real e verdadeiro. A idéia básica é que as pessoas jurídicas, longe de serem mera ficção, são uma realidade sociológica, seres com vida própria, que nascem por imposição das forças sociais. Pessoas jurídicas são corpos sociais, que o direito não cria, mas se limita a declarar existentes.

Nos termos do artigo 40 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), as pessoas jurídicas dividem-se em pessoas jurídicas de direito público, interno ou externo, e pessoas jurídicas de direito privado.

As características e formas de constituição são distintas. Nas de direito privado, para que um grupo de pessoas físicas, ou apenas uma, crie uma pessoa jurídica, faz-se necessário, além da vontade humana e da atividade lícita, o preenchimento dos requisitos legais para sua constituição, que podem ser de ordem material (elaboração dos estatutos, contrato social, etc) e de ordem formal (o registro). Quanto às espécies de pessoas jurídicas de direito privado, consta no artigo 44 do Código Civil: I - as associações; II – as sociedades; e III – as fundações.

Já a pessoa jurídica de direito público tem determinada sua formação por fatos históricos, de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais, conforme se trate de pessoa jurídica de direito público externo. Consoante o artigo 41 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito público interno a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades de caráter público criadas por lei.


3. ASPECTOS PENAIS

3.1 Culpabilidade

Faz-se necessária uma breve incursão na teoria geral do delito para analisar o instituto da culpabilidade e, em ato contínuo, verificar da possibilidade de penalização das pessoas jurídicas.

O crime consiste em uma ação típica, antijurídica e culpável.

O fato típico divide-se em quatro ramificações: conduta (ação e omissão), resultado, nexo de causalidade e tipicidade. A conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) manifesta-se sob dois aspectos: a vontade e a consciência. A vontade, que não deve ser confundida com o dolo, significa a voluntariedade, ou seja, o agente pratica determinada conduta por vontade própria. A consciência diz respeito à noção psíquica do agente em relação à prática daquele ato. O agente deve ter pleno senso de realidade, objetivando o fim a que se dispôs.

O resultado origina-se em uma conduta e, conseqüentemente, altera o mundo exterior, seja material ou formalmente. Há casos em que não há resultado - crimes de mera conduta -, punindo-se, simplesmente, o comportamento. Nos crimes materiais, o resultado é uma conseqüência da ação e dela se desvincula, se destaca, pois a ação pode existir sem que se alcance o resultado desejado. Nestes casos, conforme nossa legislação penal, pune-se a tentativa. Já nos crimes formais, o resultado realiza-se com a prática da própria conduta, ou seja, há simultaneidade entre ação e resultado.

O nexo de causalidade compreende a ligação da conduta ao resultado. É analisada a equivalência dos antecedentes contribuitivos realizados pelo agente, objetivando a consumação, o resultado. O Código Penal adota, aparentemente, a conditio sine qua non, embora na exposição de motivos manifesta-se para a não conceituação de causa.

Ao enquadrar-se no tipo penal pré-existente, a conduta adquire o atributo da tipicidade, ou seja, passa a ter relevância no mundo jurídico. A tipicidade significa, assim, a adequação da conduta à norma. O tipo penal consiste na norma abstrata, que descreve esta conduta lesiva à sociedade. O tipo é o injusto abstratamente, que ainda está por acontecer, já descrito na norma. O tipo não é a conduta, mas, sim, a previsão legal da conduta que fere a ordem pública.

Desta sinopse sobre a os elementos do fato típico, identifica-se que a conduta de um agente, ao gerar um resultado sob a égide da tipicidade, configura, em regra, um crime. É em regra, pois a antijuridicidade ou, simplesmente, ilicitude, está relativamente suprida pelo fato típico. Ou seja, havendo um fato típico, há indícios de crime, e assim não será somente se existir alguma causa de exclusão de ilicitude, que são, nos termos do artigo 23 do Código Penal, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal.

A culpabilidade interpreta-se sob dois aspectos: de um lado, é pressuposto para aplicação da pena, ou seja, consiste na capacidade individual de responder pela sanção penal. A outra forma de manifestação da culpabilidade diz respeito aos elementos de aplicação e medição da pena. Nesta acepção, a culpabilidade funciona, não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios.

Ao adotar a teoria finalista, o código penal brasileiro recepcionou a teoria normativa pura da culpabilidade. O dolo e a culpa são excluídos da culpabilidade e inseridos no tipo penal, enquanto a consciência da ilicitude é desvinculada do dolo e analisada sob os ditames da culpabilidade. A culpabilidade, desta forma, traz consigo três elementos, a saber: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Assim, a imposição de uma pena de caráter criminal exige a concorrência destes três dados, na seqüência analisados.

3.1.1 Imputabilidade

A imputabilidade diz respeito à possibilidade do agente de sofrer as sanções penais tipificadas à conduta praticada. Com a imputabilidade se pretende designar a capacidade psíquica de culpabilidade: "...para que se possa reprovar uma conduta a seu autor, é necessário que ele tenha agido com um certo grau de capacidade, que lhe haja permitido dispor de um âmbito de autodeterminação. A capacidade psíquica requerida para se imputar a um sujeito a reprovação do injusto é a necessária para que lhe tenha sido possível entender a natureza de injusto de sua ação e que lhe tenha podido permitir adequar sua conduta de acordo com esta compreensão da antijuridicidade." Toledo menciona que a "imputabilidade é sinônimo de atribuibilidade.". Cezar Roberto Bitencourt menciona que: "...sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo. Com o que não é capaz de culpabilidade, sendo portanto, inculpável."

A inimputabilidade, em conseqüência, consiste na ausência total da capacidade criminal, característica diferente daqueles que possuem parcial capacidade, pois, se o agente sofrer de desenvolvimento mental retardado, mas puder, ao tempo da ação, ter a mínima noção do caráter ilícito do fato, lhe é imputada uma sanção, mesmo que diminuída em seu quantum.

3.1.2 Potencial Consciência da Ilicitude

Além disso, é imprescindível que o sujeito tenha consciência da reprovabilidade de sua conduta e, no momento do fato, lhe era absolutamente esperada outra, diferente da escolhida e configuradora do crime.

Muñoz Conde ensina que a conduta criminosa "quase sempre vem acompanhada da consciência de que se faz algo proibido, sobretudo quando o bem jurídico, protegido no tipo em questão seja um bem fundamental para convivência, em cuja proteção tem sua razão de ser o Direito Penal".

A falta de consciência da ilicitude, portanto, exclui a culpabilidade. Entretanto, dela não pode se aproveitar a agente quando: a) teria sido fácil para ele, nas circunstâncias, obter essa consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos hauridos da vida comunitária de seu próprio meio; b) propositadamente, recusa-se a instruir-se para não ter que evitar uma possível conduta proibida; c) não procura informar-se convenientemente, mesmo sem má intenção, para o exercício de atividades regulamentadas.

3.1.3 Exigibilidade de Conduta Diversa

Exige-se que o sujeito tenha uma conduta em conformidade com o ordenamento jurídico-penal, ou seja, uma conduta não antijurídica. A contrário senso, em situações nas quais não lhe pode o direito exigir tal conduta, está prevista a inexigibilidade desta e que funciona como forma de exclusão de culpabilidade. A exigência em fazer com que o agente tenha outra conduta em situações adversas representaria uma situação desumana.

Neste sentido, doutrina Francisco Muñoz Conde: "O direito não pode exigir comportamentos heróicos, ou, em todo caso, não pode impor uma pena quando, em situação extrema, alguém prefere realizar um fato proibido pela lei penal a ter que sacrificar sua própria vida ou sua integridade física."

Encontram-se positivadas no Código Penal causas que excluem, total ou parcialmente, a culpabilidade: a) doença mental (art. 26 caput); b) desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26 caput e § único); c) embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, §§ 1ºe 2º); d) menoridade (art. 27); e) erro de proibição (art. 21); f) coação moral irresistível (art. 22); g) obediência a ordem superior hierárquica (art. 22); h) descriminantes putativas (art. 20, § 1º).

Os itens "a" a "d" excluem a imputabilidade, o erro de proibição refere-se à potencial consciência da ilicitude, enquanto os demais itens excluem a culpabilidade por não ser exigível do sujeito outra conduta, se não a que gerou o ilícito.

Portanto, pelo estudo da culpabilidade conclui-se que o agente poderá ser punido quando é passível de sanção penal e quando tiver livremente decidido pelo ilícito. Neste sentido é o ensino da doutrina, como se observa em Klaus Günter: "O fato pode ser ‘reprovado’ ao autor, quando este não tenha utilizado sua capacidade para uma autodeterminação moral."

Evidencia-se, assim, ser incontestável o argumento de que a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime, por não ser imputável, não possuindo capacidade psíquica. Também não tem consciência alguma, seja lícita ou ilícita e mais, a pessoa jurídica é desprovida de qualquer forma de conduta, incidindo o brocardo nullum crimen sine conducta. Conforme prelecionam Zaffaroni e Pierangeli, "quem quiser defender a vigência de um direito penal que reconheça um mínimo de respeito à dignidade humana não pode deixar de reafirmar que a base do delito – como iniludível caráter genérico – é a conduta (…)".

3.2 Noções sobre responsabilidade

Em termos genéricos, a palavra "responsabilidade" originou-se do latim spondeo, noção que ligava o devedor nos contratos verbais do direito romano. Em sentido geral, pois, responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa, revelando o dever jurídico em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que lhe sejam imputáveis, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legalmente previstas.

Responsabilidade civil é a que se apura para que se possa exigir a reparação civil, que é a sanção imposta ao agente ou responsável pelo ato ilícito. O Código Civil Brasileiro impõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado a reparar o dano.

A responsabilidade administrativa é a que resulta da infringência de norma da administração estabelecida em lei (em sentido geral, compreendendo também o regulamento, os cadernos de encargos etc.) ou no próprio contrato, impondo um ônus ao contratado para com qualquer órgão público. É independente das demais responsabilidades e é pessoal, mas a sanção nem sempre é de execução personalíssima, caso em que pode transmitir-se aos sucessores do contratado, pessoa física ou jurídica, como ocorre com as multas e encargos tributários. A própria administração é quem aplica as sanções pertinentes (advertência, multa, interdição de atividades, suspensão provisória ou declaração de idoneidade) conforme o estatuto da classe, por meio de um processo interno, que faculta ao acusado defender-se.

Tanto no Direito Civil como no Administrativo, a responsabilidade pode ser objetiva ou, até mesmo, impessoal.

No Direito Penal, face ao bem indisponível que regula, muitas vezes irreparável, a responsabilidade deve ser subjetiva, personalíssima e atender aos ditames da teoria geral do delito. Será um sujeito responsabilizado criminalmente quando sua conduta violar ou contribuir para violação de um bem jurídico tutelado na esfera penal e ainda possuir culpabilidade.

Para Noronha, a responsabilidade penal "...é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável)."

Francisco Muñoz Conde menciona que as causas de extinção da responsabilidade criminal diferenciam-se das causas de justificação e de inculpabilidade, pois não afetam em nada a existência do delito, mas, sim, à sua persecução no processo penal. Nosso Código Penal contempla as causas de extinção de punibilidade no título VIII.

3.3 A Intervenção Penal Mínima

O princípio da intervenção mínima do Direito Penal impõe que o Estado intervenha na sociedade, por intermédio deste, somente quando todos os outros meios de controle falharam, revelando o caráter subsidiário, acessório e fragmentário do Direito Penal. Embora se trate de princípio do Direito Penal moderno, o que se constata é que os Estados contemporâneos, cada vez mais, lançam mão desta forma de controle social, sem antes esgotar as outras possibilidades. O fenômeno é conhecido, dentre outros termos, como inflação legislativa no campo penal e é duramente criticado pela doutrina.

O Direito Penal deve ser utilizado como mecanismo regulador da vida em sociedade somente em última instância. Ou seja, trata-se da última e mais enérgica manifestação do poder estatal. No Brasil, a Constituição proclama que são invioláveis os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º, caput), e põe como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III). Inegavelmente, da explícita adoção destes princípios segue que a restrição ou privação destes direitos somente se legitima se a sanção penal for estritamente necessária para a tutela de bens fundamentais do homem, assim como a de bens instrumentais indispensáveis para sua realização social.

Portanto, embora não esteja expresso no texto constitucional vigente no Brasil, o princípio da intervenção mínima se deduz de normas explícitas da Constituição, sendo, inegavelmente, um postulado nela existente.

Assim, a importância deste princípio reside no fato dele ser um critério limitador do legislador penal na criação de tipos penais. Com efeito, ainda que o princípio da legalidade imponha limites ao arbítrio judicial, não é capaz de evitar que o Estado, observando a reserva legal, crie tipos penais inócuos. Por isso, tal princípio "… orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável".

Por outro lado, o princípio da intervenção mínima também deve orientar o legislador na cominação das penas, tanto a sua tipologia, quanto a sua quantidade. Nestes termos, a pena privativa de liberdade, em vista dos deletérios efeitos que sua execução impõe ao condenado, deve ser a última a ser cominada e reservada para os crimes mais graves.

3.3.1 O Caráter Subsidiário ou Acessório do Direito Penal

Trata-se da premissa segundo a qual o Direito Penal somente deve ser empregado para a proteção de bens jurídicos em forma subsidiária, como ultima ratio, reservando-se para aqueles casos em que seja o único meio de evitar um mal ainda maior. As normas penais, portanto, são normas excepcionais, aplicadas quando não há outra possibilidade de conservação da segurança, da paz e da ordem social.

A tarefa imediata do Direito Penal, de fato, é proteger bens jurídicos. Contudo, neste propósito está empenhado todo o ordenamento jurídico. Já se disse que, além dos ilícitos penais, há os civis e administrativos, com as respectivas sanções. Mas, somente quando estas últimas se revelem insuficientes, é lícito utilizar as sanções penais. É nisso que se revela a subsidiariedade ou acessoriedade do Direito Penal: onde a proteção dos outros ramos do direito falhar ou for insuficiente e se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico for relevante e grave, pode e deve o legislador lançar o manto do Direito Penal, como ultima ratio regum.

Em conseqüência, uma conduta somente pode ser tipificada, e a ela cominada uma pena, diante da prova de que não existem modos não penais de intervenção aptos a coibirem as situações ameaçadoras de direitos. Não basta, pois, haver prova de idoneidade da resposta penal; é preciso, também, a demonstração de que esta não é substituível por outros modos de intervenção, de menor custo social. Aliás, o custo social da sanção penal é importante fator que deve ser levado em conta, eis que os efeitos das penas sobre os condenados, no âmbito familiar e social, são de extrema gravidade, notadamente quando se trata de pena privativa de liberdade, pelo caráter desumano que os cárceres apresentam.

Portanto, o Direito Penal tem fisionomia subsidiária, pois sua intervenção só se justifica quando fracassam as demais maneiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito. Em outras palavras, o Direito Penal serve subsidiariamente à proteção dos bens jurídicos, e a razão da subsidiariedade reside no rigor da sanção penal.

3.3.2 O Caráter Fragmentário do Direito Penal

Como visto, nem todo fato ilícito reúne os elementos necessários para subsumir-se a um fato típico penal. Contudo, o crime deve sempre ser um fato ilícito para todo o direito. Dentre todos os fatos ilícitos possíveis, somente alguns, os mais graves, são alcançados pelo Direito Penal.

Em outros termos, o Direito Penal não encerra um sistema exaustivo de proteção de bens jurídicos, mas um sistema descontínuo de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los, por ser este o meio indispensável de tutela jurídica. Este ramo do direito só se ocupa de fragmentos das ações proibidas e de alguns bens jurídicos protegidos, que são os mais importantes. O princípio é o de que só se deve castigar, com uma sanção penal, atos extremos, que são visíveis no mundo exterior e que vulneram bens fundamentais para a vida social. Portanto, a fragmentariedade é um critério para a criminalização de condutas, que é deduzido do princípio da intervenção mínima do Direito Penal: limitando a criminalização somente à proteção de bens relevantíssimos; os ilícitos penais não abrangem a totalidade da área da ilicitude, constituindo apenas fragmentos desta. E sendo a reação penal a ultima ratio, ela não pode ultrapassar, na qualidade e na quantidade da sanção, o dano ou o perigo causado pelo crime. A fragmentariedade, por outro lado, não representa deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e valores, mas o limite necessário para evitar um totalitarismo pernicioso à liberdade.

Em síntese, propugna o princípio em tela que o Direito Penal deve prevenir os ataques mais graves aos bens jurídicos mais importantes para a vida em sociedade. É ilegítima a intervenção penal quando o bem jurídico possa ser protegido por outros ramos do Direito.

Sobre os autores
Maurício Fernandes da Silva

advogado, pós-graduado em Direito Ambiental pela UFPel/IDEP

Dario José Kist

Mestre em Direito, Professor de Direito Penal e Processo Penal, Promotor de Justiça no Estado da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Maurício Fernandes; KIST, Dario José. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei nº 9.605/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4168. Acesso em: 22 nov. 2024.

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