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A inconstitucionalidade da incidência de ICMS sobre o contrato de demanda contratada da reserva de energia elétrica não utilizada.

O ICMS possui como núcleo material de sua hipótese de incidência o negócio jurídico que promove a modificação da circulação de mercadorias, sendo que a demanda de potência, na sua concepção fática – jurídica, nela inserida a contratada.

RESUMO

O ICMS possui como núcleo material de sua hipótese de incidência o negócio jurídico que promove a modificação da circulação de mercadorias, sendo que a demanda de potência, na sua concepção fática – jurídica, nela inserida a contratada - uma vez que esta última nada mais exprime do que a disponibilidade da energia elétrica na potência máxima contratada, no ponto de entrega da unidade consumidora. Sendo que não consubstancia prestação de serviço autônomo ou mercadoria, antes constitui elemento fático adjacente ao fornecimento de energia elétrica, possuindo a natureza jurídica, por isso mesmo, de custo da operação mercantil e como tal incorpora-se à base de cálculo do ICMS por integralizar o valor da operação.

PALAVRAS-CHAVE: ICMS. Energia Contratada. Inconstitucionalidade

1.INTRODUÇÃO

Em detrimento a inúmeras atividades desenvolvidas por empresas, seja no setor industrial ou comercial, e da constante busca da continuidade e aprimoramento de seu objeto social, estas ficam obrigadas a firmarem contratos de Fornecimento de Energia Elétrica incluindo-as na demanda reservada, com as diversas Companhias Energéticas do país.

Ocorre que em razão da instabilidade que o setor energético brasileiro enfrentou as empresas, visando evitarem prejuízos, bem como desgastes com seus clientes, firmam contratos com as Companhias Energéticas prevendo além do efetivo fornecimento de energia elétrica, uma garantia (demanda reservada), ou seja, caso necessário um “plus” na utilização de energia elétrica, este será assegurado e as empresas poderão usufruí-lo sem prejuízos.

Frisa-se novamente, que este contrato, incluindo a "demanda reservada", foi firmado em razão do Poder Público - revestido na concessionária - não garantir que as empresas não seriam surpreendidas com os riscos de insuficiência de energia elétrica. Não havendo esta garantia e não podendo correr tal risco as empresas viram-se obrigadas a firmar um contrato assegurando não só a energia consumível, como também uma reserva.

Assim, as empresas ao efetuarem o pagamento de suas contas de energia elétrica estão sendo oneradas pelo ICMS não só nos casos em que utilizam a energia elétrica, como também está sendo cobrado o referido imposto sobre aqueles valores devidos a garanti a energia contratada.

Resta claro, portanto, que somente são passiveis de incidência do ICMS os valores devidos à energia elétrica consumida/fruída, não sendo possível a tributação dos valores contratados para "demanda reservada" ou "demanda contratada", tendo em vista que não se configura uma "operação relativa à circulação de mercadorias", mas tão somente um seguro/garantia de fornecimento de energia acaso seja necessário.

Para elucidar de vez a questão, imaginemos o seguinte exemplo: determinado complexo industrial possui dezenas de consumidores de energia elétrica. Para todo o complexo é reservado pela concessionária 1000kW. Cada consumidor do complexo possui dezenas de aparelhos, e se todos são ligados concomitantemente gerando um consumo em kWh que necessite de potência superior aos 1000kW reservados, fatalmente haverá queda de energia. Assim, os grandes consumidores reservam potência específica para seu negócio, o que lhes assegura energia necessária para o funcionamento de todos seus aparelhos independentemente do consumo do resto dos consumidores.

Note, ainda, que é possível reservar-se 10.000kW de potência, e não se consumir energia elétrica (basta que os aparelhos estejam todos desligados durante o mês). Destaque-se, também, que é possível que uma pessoa consuma 100.000kWh e exija menos potência reservada que o indivíduo que consumiu 1.000kWh, pois o que se mede é o máximo de potência exigida em pequeno intervalo de tempo.

Passadas todas essas informações, adentra-se, finalmente, no cerne da questão.

A Fazenda deste Estado exige ICMS sobre o valor total da fatura de energia elétrica, tanto sobre o valor da energia elétrica fornecida e efetivamente consumida, bem como sobre o valor do contrato de reserva de potência.

 Esta incrível exigência de ICMS sobre o montante de potência reservada viola, escancaradamente, o princípio constitucional da legalidade, da tipicidade tributária e os elementos da regra matriz de incidência do imposto em referência (ICMS).

2. FATOR GERADOR DO ICMS.

De todos os impostos previstos no atual Sistema Tributário Nacional, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços – ICMS, sem dúvida, é aquele que enfrenta as maiores dificuldades na compreensão, ganhando interpretações diversas.

O ICMS tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercado e as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, exceto os serviços prestados pelo rádio e pela televisão, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. O imposto iniciou também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se trata de bem destinada a uso, consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como o serviço prestado no exterior.

O fato gerador do imposto ocorre na entrada do estabelecimento do destinatário ou no recebimento pelo importador de mercado ou bem importados no exterior.

Em conformidade com a lei Complementar n° 87, de 1996, assim definiu o imposto e sua incidência:

Art. 2° O imposto incide sobre:

I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

§ 1º O imposto incide também:

I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lei Complementar n° 114, de 16.12.2002)

II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.

§ 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.

A Lei Complementar nº 87/96 determina que qualquer movimentação de bens, independentemente da relação comercial que exista, implica a ocorrência de um fato gerador, desde que o agente possa ser considerado contribuinte do ICMS. Entretanto, analisar os fatos apenas por essa vertente implicaria afirmar que todo ato determinado como circulação de mercadoria poderá ser tributado, mesmo que não estivessem vinculados a transações comerciais. Mas não se pode ter esse entendimento.

No caso concreto não há mais em que se falar sobre o núcleo da materialidade da hipótese de incidência desse tributo, o ICMS é imposto incidente sobre operações e não, sobre a mera circulação ou mesmo sobre a mercadoria. Sendo assim, observando o núcleo do fato gerador, não pode se falar que sobre qualquer circulação de mercadorias realizada que se sujeita ao ICMS.

Sobre esse aspecto o doutrinador Ataliba[3], determina ainda que apenas a operação do único fato tributado pelo ICMS, sendo circulação e mercadoria aspectos adjetivos, destinados a qualificar, a distinguir dentro do universo de operações mercantis, aquelas sujeitas ao tributo.

2.1. Competência Tributaria do ICMS

No que tange especificamente ao tributo ICMS, à competência tributária está estabelecida no inciso II do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, que determina:

Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Pelo que ficou determinado no artigo, não fica difícil observar que o ICMS é um imposto de competência estadual e distrital, ou seja, os Estados e o Distrito Federal, mediante lei ordinária, podem instituí-lo ou sobre ele dispor.

Contudo para cobrança do ICMS, a norma é diferente, pois a competência para tanto é do Estado em que se verifica a sua hipótese de incidência, pouco importando se o destinatário da mercadoria tem domicílio em outro Estado.

 2.2 Sujeitos do ICMS.

No que se refere aos agentes capazes de fazerem nascer a obrigação de pagar o ICMS a Constituição Federal não foi; todavia contemplou as materialidades suscetíveis de incidência e facilitou a tarefa do legislador na composição do rol de contribuintes.

  Não obstante, sendo veículo competente para estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, competiu à Lei Complementar explicitar o comando constitucional, especificando o contribuinte.

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  Desta feita, a Lei Complementar nº 87/96, em seu artigo 4º, estabeleceu que contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

  Para alguns doutrinadores apenas o produtor, o industrial ou o comerciante podem realizar tais operações. O particular ou o profissional liberal que vendem um objeto seu, não realizam operação relativa à circulação de mercadoria, tão-somente uma compra e venda civil.

  Também pode ser observado que, ao veicular a posição acima citada, não quer significar que apenas pessoas dotadas de personalidade jurídica de comerciante, industrial ou produtor, conforme as regras de direito privado, podem ser validamente enquadradas na posição de contribuintes de ICMS, mas ressalta que deve ser aferida a configuração de circulação de mercadoria para imposição tributária.

Entende ainda, que também são sujeitos à tributação pelo ICMS o comerciante de fato, menor absolutamente incapaz, ou qualquer outro que pratique com habitualidade atos de comércio ou operações relativas à circulação de mercadorias.

2.3 Da demanda contratada de energia

Nos contratos de Fornecimento de Energia é comum que as empresas contratem determinada quantidade de quilowatts, tecnicamente denominada "demanda contratada".

A demanda contratada estará à disposição da empresa contratante, não sendo disponibilizada para outro usuário, fato que justifica a cobrança por parte da empresa distribuidora de energia, independente da energia ter sido efetivamente consumida.

A ANEEL, órgão regulador das operadoras de energia elétrica define Demanda Contratada, através artigo do 2° da Resolução no 456, como aquela a ser obrigatória e continuamente disponibi¬lizada pela concessionária, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento.

Não é incomum que a demanda contratada supere a quantidade de quilowatts efetivamente consumida.

Ocorre que, os Estados adotam a prática de exigir a incidência do ICMS sobre o total da fatura, inclusive sobre a parcela relativa a demanda contratada não utilizada, não levando em conta se a energia foi efetivamente consumida pela empresa contratante.

A demanda contratada fala sobre a potência que a concessionária disponibilizará para uso pela unidade consumidora, cuja verificação é feita por equipamento registrador instalado no ponto de medição, que a cada 15 minutos gera um registro para fins de faturamento.

A demanda contratada é conceituada pelo órgão regulador do sistema elétrico como sendo a demanda de potência ativa solicitada ao sistema elétrico, que a concessionária se obriga contratualmente a disponibilizar ininterrupta e continuamente para o consumidor, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência ajustados e que deve ser paga, seja ou não utilizada durante o período contratado.

Como, para atender um intenso consumo de energia, é necessária uma rede de alta potência, com linhas de transmissão que operam em alta tensão e condutores com grandes bitolas, os próprios consumidores, tendo em consideração a soma das potências nominais dos equipamentos elétricos instalados em sua unidade, de que são conhecedores, devem dimensionar e contratar a demanda de potência máxima provável que estimam necessária para que a concessionária possa dimensionar, com segurança, a capacidade da rede de distribuição, para disponibilizá-la (Res. ANEEL nº 456, art. 3º, “c”)

Como as curvas de carga das plantas industriais podem variar em função do ciclo de operação previsto para os diferentes períodos de funcionamento diário dos setores de produção, os próprios consumidores ligados ao sistema elétrico, tendo em consideração a soma das potências nominais dos equipamentos elétricos instalados na unidade, devem dimensionar e contratar a demanda de potência máxima provável que será necessária para a concessionária assegurar o pleno funcionamento simultâneo do conjunto de seus aparelhos e equipamentos. (MIRANDA Demanda contratada de energia elétrica: natureza jurídica, 2007).

Ao contratar a disponibilização de uma determinada potência, o grande consumidor garante-se de que a concessionária estará aparelhada para suprir a demanda estimada, embora variável, mas comprometida, tendo então a garantia de que poderá consumir energia elétrica até a potência máxima contratada, sem risco de quedas de tensão ou danos aos equipamentos e à rede.

Veja-se, ainda, o seguinte exemplo fornecido pela Eletropaulo, em seu sítio na internet: (MIRANDA, DEMANDA CONTRATADA – INCIDÊNCIA DO ICMS. 2008)

 “Em uma instalação existem 3 lâmpadas coloridas de iluminação de potência de 100 W cada uma. Às 18 horas da tarde você liga a lâmpada vermelha e a deixa ligada. Às 19 horas você liga a lâmpada amarela e mantém a lâmpada vermelha acesa. A partir das 20 horas você mantém as 3 lâmpadas acesas.

Cada uma destas lâmpadas representa uma carga (de uma potência especifica de 100 W) que fica solicitando energia do sistema de fornecimento elétrico.

No exemplo, a demanda a cada período seria a seguinte:

Às 18 horas: 100 W;

Às 19 horas: 200 W (2X100);

Às 20 horas: 300 w (3X100).

Portanto, no caso, a demanda máxima provável seria de 300 KW; diferentemente, o consumo, a seu turno, importaria 600 KWh (100+200+300).

Os exemplos revelam que os sistemas elétricos são realmente dimensionados pela demanda e não pelo consumo de energia. Revelam também que o consumo medido da energia elétrica não coincide com a demanda de potência elétrica utilizada no mesmo período.

Nesse contexto, para o setor elétrico, conhecer a demanda de potência de energia elétrica necessária para assegurar o simultâneo funcionamento do conjunto dos aparelhos e equipamentos de uma unidade consumidora intensiva é essencial, uma vez que o dimensionamento do sistema elétrico depende não só da quantidade de energia absorvida, mas também da intensidade em que é consumida, denominada demanda de potência, que é a soma das cargas a serem atendidas. (MIRANDA, DEMANDA CONTRATADA – INCIDÊNCIA DO ICMS. 2008)

Segundo prevê o Decreto nº 62.724, de 17 de maio de 1968, que, ao estabelecer normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, assim dispõe:

“Art. 11. As tarifas a serem aplicadas aos consumidores do Grupo A serão estruturadas sob forma binômia, com uma componente de demanda de potência e outra de consumo de energia.

Art. 12. A demanda de potência faturável para as unidades consumidoras do Grupo A será a maior dentre as seguintes:

I - a maior demanda medida, integralizada no intervalo de quinze minutos durante o período de faturamento;

II - a demanda contratada, observado o disposto no art. 18 deste Decreto e no art. 3º do Decreto nº 86.463, de 13 de outubro de 1981.

§ 1º A demanda de potência, bem como o consumo de energia de cada usuário desse grupo, deverão ser verificados, sempre por medição”.

2.4 A demanda contratada de energia não utilizada, a incidência do ICMS  e a Súmula 391, STJ.

O Superior Tribunal de Justiça passou ao largo das divergências nos Tribunais Estaduais e agora pacificou o entendimento através da Súmula 391 que assim determina "O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada ", contudo apesar do entendimento alguns empresas permanecem com a cobrança indevida de ICMS sobre a reserva de energia potencialmente não utilizada .

A esse respeito, vejam-se as ementas abaixo colacionadas sobre a não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de energia antes e após Súmula 391, STJ:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIAELÉTRICA. CONTRATO DE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA.

1 — O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energiaelétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

2 — O ICMS deve incidir sobre o valor da energiaelétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

3 — O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos.

4 — Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demandareservada de potência.

5 — A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energiaelétrica não caracteriza circulação de mercadoria.

6 — A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energiafor fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

7 — Recurso conhecido e provido por maioria.

8 — Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a ‘demandareservada de potência", sem ser considerado o total consumido. [4]

TRIBUTÁRIO. ICMS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. Inexiste omissão em acórdão que, no trato de recurso especial. deixa de analisar e aplicar regras de patamar constitucional.

2. A função do Recurso Especial é de garantir a autoridade e a aplicação uniforme da lei federal.

3. O ICMS, que se trata de fornecimento de energia elétrica, deve incidir sobre o total efetivamente consumido pelo contribuinte.

4. Inexistência de lei determinando como fato gerador do ICMS a reserva de demandae, conseqüentemente, como base de cálculo, o valor correspondente a esse tipo de negócio jurídico.

5. Embargos de declaração rejeitados. [5]

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.ICMS. DEMANDA CONTRATADA DE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO INCIDÊNCIA. REGIME DOS REPETITIVOS (ART. 543-C DO CPC)RESP PARADIGMA 960.476/SC. MULTA. 1. A concessão da segurança no writ foi específica para declarar a inexigibilidade da cobrança do ICMS sobre a demanda contratada de potência e o encargo de capacidade emergencial, não abrangendo, em momento algum, a potência efetivamente utilizada. 2. A matéria ficou pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, na sessão realizada em 11.3.2009, por ocasião do julgamento do recurso especial 960476/SC, em que se firmou o entendimento de que "o ICMS somente incide sobre a tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente utilizada, não incidindo, todavia, sobre a demanda contratada e não utilizada". 3. Aplica-se ao caso a multa do art. 557, § 2º do CPC no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, por questionamento de matéria já decidida em recurso repetitivo. Agravo regimental improvido. [6]

TRIBUTÁRIO. RECURSOS ESPECIAIS INTERPOSTOS POR COMPANHIA VALE DO RIO DOCE - CVRD E ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A - ESCELSA. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA RESERVADA OU CONTRATADA. APLICAÇÃO AO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO DO ICMS. VALOR CORRESPONDENTE À ENERGIAEFETIVAMENTE UTILIZADA. PRECEDENTES. ART. 116 DO CTN. ART. 19 DO CONVÊNIO 66/88. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIAELÉTRICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA PARA FIGURAR EM CAUSA EM QUE SE EXAMINA FORMA DE CÁLCULO DE ICMS.

1. Tratam os autos de ação ordinária proposta pela COMPANHIA VALE DO RIO DOCE – CVRD contra a ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A – ESCELSA, sendo posteriormente admitido como assistente litisconsorcial o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Discute-se a cobrança de ICMS sobre "demanda contratada", consistente em potencial de energiaelétrica colocada à disposição de grandes clientes pela concessionária de energia, mediante contrato. Em primeira instância o pedido da CVRD - para calcular o ICMS apenas sobre a energia efetivamente utilizada - foi julgado improcedente, interposta apelação, foi denegada pelo aresto recorrido, pelo que resultaram os recursos especiais em apreciação. O da CVRD buscando assentar a tese apresentada em primeiro grau. O da EXCELSA S/A aduzindo a sua ilegitimidade passiva para o feito. Admitidos, ambos os recursos vieram a exame.

2. Concessionária de energiaelétrica não é sujeito passivo de obrigação tributária e contribuinte no que se refere ao ICMS, uma vez que apenas repassa à Fazenda Pública o numerário obtido, razão pela qual não possui legitimidade para figurar no pólo passivo de ação cujo ponto controverso respeita à forma de apuração de ICMS decorrente de transmissão de energia.

3. Consoante o entendimento esposado por este Superior Tribunal de Justiça, não se admite, para o efeito de cálculo de ICMS sobre transmissão de energia elétrica, o critério de Demanda Reservada ou Contrada - apura-se o ICMS sobre o quantum contratado ou disponibilizado, independentemente do efetivo consumo -, uma vez que esse tributo somente deve incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida.

4. Apenas com a transferência e a tradição da energia comercializada se tem como existente a obrigação tributária concernente ao ICMS (art. 116, II do CTN e art. 19 do Convênio 66/88).

5 – O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

6 – O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

7 – A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

8. Recurso especial da ESCELSA S/A conhecido e provido, para o efeito de reconhecer a sua ilegitimidade passiva para o feito. Recurso especial da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE conhecido e provido.[7]

Com foi falado a priori, a jurisprudência é determinante ao pacificar que o ICMS não pode ter como fato gerador, a assinatura do contrato referente à demanda de potência e nem como base de cálculo, o valor total desse contrato, então, o fato gerador no caso em questão é a circulação efetiva da mercadoria, a energia efetivamente utilizada, sendo assim a base de cálculo deverá ser sobre o valor que corresponda ao consumo, ou seja, a energia efetivamente utilizada. Com isso a mera disponibilização da energia ao consumidor não representa hipótese de incidência do ICMS.

3. CONCLUSÃO

O custo do fornecimento de energia elétrica, por força do disposto no art. 14, do Decreto nº. 62.724/68, é repartido entre os componentes de demanda de potência e de consumo de energia elétrica (daí falar-se em tarifa binômia). O componente consumo refere-se ao registro do quanto de energia elétrica foi consumida durante determinado período. Já a demanda é a medida de grandeza da energia consumida. Como a demanda utilizada é objeto de periódica medição, a exemplo do que ocorre com o consumo, tal circunstância se mostra suficiente para infirmar a alegação de que o consumidor estaria suportando, por força do contrato, o pagamento de uma energia que não chegou a ser consumida, pois a potência objeto da demanda contrata da cuja utilização veio a ser objeto de medição pressupõe o consumo da energia elétrica.

Pelo que resta demonstrado, a demanda contratada constitui componente indissociável da tarifa devida à concessionária, pois corresponde ao consumo de energia dividido pelo tempo adotado na verificação e sua utilização, por quem a tenha contratado, é periodicamente apurada, para fins de tarifação, na forma prevista na legislação. A demanda contratada não constitui um "critério" para efeito de cálculo do ICMS sobre transmissão de energia elétrica e nem se trata, consoante muitas vezes se afirma, de contrato de energia elétrica para reserva, mesmo porque a energia não pode ser armazenada.

O valor concernente à demanda contratada constitui, assim, componente indissociável da tarifa, mesmo porque o consumo de energia elétrica de um aparelho elétrico está diretamente relacionado à sua potência e ao tempo em que permanecer em funcionamento, sendo desinfluente, para fins de determinação da base de cálculo do imposto, a discriminação tarifária procedida.

Tendo em vista, então, que a tarifa binômia adotada para fins de determinação da remuneração devida à concessionária comporta o componente demanda de potência e o componente consumo, conclui-se pelo desacerto do entendimento que procura dissociar a potência de energia elétrica utilizada do componente consumo, como se a demanda de potência faturável não integrasse o valor da operação, como custo que é do fornecimento da energia elétrica consumida e ao próprio consumo não estivesse ela umbilicalmente associada.

A inclusão do componente tarifário na base de cálculo do ICMS, além de afeiçoar-se ao que estabelece o art. 155, II, da CF, encontra fundamento no art. 9º, § 1º, II, da Lei Complementar nº 87, de 1996, no que dispõe ser a base de cálculo do imposto o valor praticado na operação final, visto que, somente assim, ao incorporar todos os custos incorridos nas etapas antecedentes, estará traduzindo o real o valor da operação da qual decorre a entrada da energia elétrica no estabelecimento consumidor (LC, art. 13, VIII).

Com efeito, como a base imponível do imposto deve resultar, como no caso, da valoração de ambos os elementos que integram o núcleo material da hipótese de incidência do ICMS sobre a energia elétrica, a tarifa binômia, por abrigar componentes distintos do custo diretamente afeto ao fornecimento da energia elétrica, deve necessariamente integrar sua base de cálculo, pois, somente assim, estará exprimindo a real dimensão financeira do fato gerador do imposto, mesmo porque, tal como se passa com a energia consumida, a potência elétrica contratada é igualmente objeto de medição, para efeito de faturamento.

Por conseguinte, a restrição exegética que se procura imprimir à base impositiva do ICMS não se revela compatível com o art. 13, I, da Lei Complementar nº 87/96, quando estabelece que a base de cálculo é o valor da operação - com cuja disposição é compatível o disposto art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96 - que, ao autorizar a lei estadual a atribuir a responsabilidade às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica pelo seu pagamento - desde a produção até a última operação - deixou expresso que o cálculo do imposto deve ser efetuado sobre o preço praticado na operação final.

Aliás, essa previsão legislativa não constitui nenhuma inovação, decorrente que é do que se contém no art. 34, § 9º, do ADCT, quando contempla idêntica hipótese de atribuição de responsabilidade tributária a terceiro e estabelece que a base de cálculo das operações com energia elétrica é o preço praticado na operação final, assim entendido na medida em que incorpora, naturalmente, todos os custos incorridos desde a geração até sua entrega ao consumidor final. Nesse sentido, aliás, dispunha também o art. 19, do Convênio 66/88, e assim o dizem o art. 9º, § 1º, II e o art. 13, VIII e § 1º, II, "a", ambos da Lei Complementar nº 87, de 1996.

Como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor outro não poderá ser, por conseguinte, senão aquele que constituir objeto da fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto, residindo aí o motivo pelo qual, como o preço da energia consumida foi acrescido para embutir o valor da demanda contratada, a base de cálculo sobre a qual incide o ICMS deve ser o quantum inserido na nota fiscal/fatura.

O ICMS, já o disse o árbitro maior das questões que envolvam a aplicação do direito federal, deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor (AgRg no REsp 625.001, Relator Min. Castro Meira), mesmo porque, segundo já se afirmou, a nota fiscal entregue ao comprador é o documento onde se demonstra a ocorrência da operação de compra e venda, expressando o valor para fins de incidência do ICMS (REsp 137.783, Relator Min. Milton Luiz Pereira).

Com efeito, no caso, a expressão financeira da base impositiva do ICMS, real dimensão da materialidade da sua hipótese de incidência, é naturalmente revelada na fatura de venda do produto, documento representativo da mudança da titularidade da energia elétrica e versão documental, que a operação subjacente tem por forma de materialização, onde são discriminados os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes de consumo e de demanda de potência, elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica.

E, ao contrário do que se tem decidido, a inclusão do valor da demanda contratada, apurado após feita medição da potência utilizada, não implica a incidência do imposto sobre o quantum contratado ou disponibilizado. O valor da operação, no caso, é composto pelos dois componentes tarifários, cuja apuração, em separado, por meio de medidores instalados na unidade consumidora, é feita com vista a induzir, mediante cobrança de tarifas diferenciadas, o uso racional da energia elétrica e ressarcir a concessionária pelos altos custos dos investimentos realizados para atender uma alta demanda pela energia elétrica. Sendo assim, o valor apurado dos dois componentes tarifários guarda correspondência com a base de cálculo lógica e típica do ICMS que consiste, como é ressabido, no valor da operação de que decorre a entrega do produto na unidade consumidora.

Pelo que se vê, a controvérsia acerca da incidência do ICMS sobre o valor apurado da demanda de potência utilizada pela unidade consumidora resolve-se, naturalmente, em face da correta compreensão de sua natureza jurídica, que, como visto não se confunde com a simples garantia de suprimento ininterrupto da energia elétrica, que teria por contrapartida o compromisso do consumidor de pagamento de um valor mínimo, mesmo que viesse a consumir a energia elétrica em quantidade medida inferior ao limite contratado.

Portanto, presente a ilegalidade por parte da Receita Estadual em cobrar o ICMS sobre valores decorrentes de contratos de demanda de energia elétrica não utilizadas, as empresas lesadas devem buscar em juízo seus direitos para determinar que a administração pública se abstenha da cobrança do tributo, diminuindo assim a sua carga tributária. Sob o mesmo aspecto, pode ingressar ao Judiciário requerendo, também, a devolução ou compensação de todo o ICMS pago nos últimos cinco anos incidente sobre os contratos de demanda de energia elétrica contratada e não utilizada, em suma a mera disponibilidade da energia ao consumidor não poderia representa à hipótese de incidência de ICMS.

ABSTRACT

The ICMS has as its core material impact hypothesis of the business that promotes the legal change of movement of goods, where demand for power in its design factice - legal, it entered the contract - as it expresses nothing more than the availability of electricity in the maximum output contracted at the point of delivery of the consumer unit. Since no provision of service provides autonomous or goods, before factice element is adjacent to the supply of electricity, with the legal, therefore, the cost of market transaction and as such it incorporates the basis for calculation of VAT by complement the value of the transaction.

KEYSWORDS: ICMS. Energy Hired. Unconstitutionality

4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Recurso Especial nº. 647.553. Relator: Ministro José Delgado, Brasília, DF, 23 de maio de 2005. STJ, Brasília, 2005. Disponível em. Acesso em: 02 jan.09.

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[3] ATALIBA, Geraldo. ICMS: não incidência na ativação de bens de fabricação própria. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 63, p. 194-205, 1993.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Recurso Especial nº 222.810. Relator para acórdão: Ministro José Delgado, Brasília, DF, 15 de maio de 2000. STJ, Brasília, 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 09.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 222.810. Relator para acórdão: Ministro José Delgado, Brasília, DF, 01 de agosto de 2000. STJ, Brasília, 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 09.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. RECURSO ESPECIAL : nº1086121. Relator: Ministro Humberto Martins, , Brasília, DF, 19 de agosto de 2010. STJ, Brasília, 2010. Disponível em. Acesso em: 15 out 14.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário. Recurso Especial nº 647.553. Relator: Ministro José Delgado, Brasília, DF, 23 de maio de 2005. STJ, Brasília, 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 jan.09

Sobre os autores
Pricilla Brito Lima

Advogada.; Professora Auxiliar I da Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão – FACEMA. Bacharela em Direito pelo Instituto Camilo Filho- ICF; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina- CEUT; Mestra em Direito Empresarial pela Universidade de Ciencias Empresarias e Sociais- UCES;

Marco Aurélio Bona

Professor Orientador do trabalho. Graduado em Direito (UFPI);Especialista em Direito Público (CEUT);Mestre em Ciência Política (UFPI)

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Texto atualizado em 01.10.2014.

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