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A receptividade da teoria da perda de uma chance pelo Direito Brasileiro

Agenda 14/08/2015 às 22:51

Trata-se de revisão bibliográfica sobre o novel instituto da perda de uma chance e a subsequente receptividade das tratativas teóricas que o tema envolve na doutrina e jurisprudências nacionais.

A RECEPTIVIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE PELO DIREITO BRASILEIRO

 

Wagson Lindolfo José Filho1

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Considerações sobre a teoria. 3. Perda de uma chance como dano específico. 4. Perda de uma chance como causalidade alternativa. 5. Causalidade parcial. 6. Presunção causal e fator substancial. 7. Chances futuras e prognósticos pretéritos. 8. Criação de riscos e perda de chances. 9. Intelecção italiana. 10. Intelecção francesa. 11. Intelecção da common law. 12. Intelecção norte-americana. 13. Manifestação da doutrina e jurisprudência nacionais. 13.1. Perda de uma chance como dano emergente. 13.2. Perda de uma chance como lucro cessante. 13.3. Perda de uma chance como tertio genus. 13.4. Perda de uma chance como causalidade alternativa. 13.5. Perda de uma chance como dano moral. 13.6. Posicionamento de Fernando Noronha. 13.7. Perda de uma chance na justiça do trabalho. 13.8. Perda de uma chance na seara médica. 13.9. Perda de uma chance e a responsabilidade civil do advogado. 14. Tendência jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 15. Princípio iura novit curia. 16. Quantificação da chance perdida e o an debeatur. 17. Conclusão. 18. Bibliografia

 

RESUMO: Trata-se de revisão bibliográfica sobre o novel instituto da perda de uma chance e a subsequente receptividade das tratativas teóricas que o tema envolve na doutrina e jurisprudências nacionais. A natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance é dúplice, pois pode ser compreendida dentro de um conceito diferenciado de dano, ou ser um conceito mais alargado do nexo de causalidade. Esta pesquisa pretende, de maneira geral, demonstrar o quão relevante é exigir a indenização não pelo efetivo dano sofrido ou pelo lucro certo não percebido, mas pela perda de uma chance de obter uma respectiva vantagem ou evitar determinado evento. Evita-se, pois, o desmerecimento amplo dos direitos e garantias previstos em nosso ordenamento, com a consequente e merecida responsabilização do agente infrator, desde que a chance perdida seja real e séria.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria da perda de uma chance. Chances reais e sérias. Dano e nexo causal. Responsabilidade Civil. Indenização. Reparação.

 

ABSTRACT: This is a bibliographic review on the novel Institute of loss of a chance and subsequent responsiveness of the theoretical discussions that the issue involves the doctrine and national jurisprudence. The legal nature of the liability for the loss of a chance is twofold, as it can be understood within a different concept of damage, or be a broader concept of causation. This research aims, in general, demonstrate how relevant is to demand compensation not the actual harm suffered or at certain profit not realized, but the loss of a chance to get a relevant advantage or avoid particular event. It avoids, therefore, the ample unworthiness of the rights and guarantees provided in our legal system, with the consequent accountability and deserved the offending agent, since the lost chance is real and serious.

KEY WORDS: Theory of loss of a chance. Real chances and serious. Injury and causation. Civil Responsability. Compensation. Repair.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Depois da recente reformulação do Código Civil, o sistema de responsabilidade civil tornou-se mais abrangente, aceitando conceitos de dano e responsabilidade civil até antes não existentes.

Além da objetivação da responsabilidade civil, a coletivização dos direitos também contribuiu para a reparação mais ampla dos danos ocasionados à vítima. Assim, com o desenvolvimento contemporâneo, toda a sociedade passou a arcar com o ônus de reparar certos tipos de danos.

É princípio de responsabilidade civil que aquele que cause dano a outrem fique obrigado a reparar os prejuízos decorrentes de seu ato, de forma integral. Além dos prejuízos já definidos como danos emergentes e lucros cessantes, em razão de um ato ilícito e injusto praticado por outrem, pode alguém ficar privado da oportunidade de obter determinada vantagem ou, então, de evitar um prejuízo. Trata-se, como vem sendo discutido jurisprudencialmente e doutrinariamente, da indenização pela perda de uma chance ou oportunidade (perte d´une chance).

O que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada, mas a possibilidade de obtenção de resultado esperado. Assim, como não se pode exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável da sua ocorrência, a indenização, logicamente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor em auferir a oportunidade desejada.

A responsabilidade civil pela perda de uma chance não foi tema de discussões doutrinárias mais aprofundadas pelos estudiosos do direito civil em nosso país. Com exceção das obras de Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva, os demais doutrinadores brasileiros teceram breves comentários sobre o assunto em obras genéricas de responsabilidade civil.

Dentro desta perspectiva, torna-se imprescindível um estudo a respeito da compatibilidade da teoria da perda de uma chance no sistema de responsabilidade civil atual no Brasil, analisando posicionamento doutrinário e jurisprudências diversas.

 

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA

 

A objetivação da responsabilidade civil significa a ruptura com a sociedade egocêntrica e voluntarista que criou os códigos liberais do século XIX e início do século XX. Desta maneira, com o surgimento da nova ordem massificada (sociedade de riscos), o sistema de culpa, nitidamente individualista, evoluiu para um sistema solidarista da reparação do dano.2

Além da objetivação da responsabilidade civil, a coletivização dos direitos também contribuiu para a reparação mais ampla dos danos ocasionados à vítima. Assim, com o desenvolvimento contemporâneo, toda a sociedade passou a arcar com o ônus de reparar certos tipos de danos.3

Ao estudar a enorme alteração produzida pelo surgimento do paradigma solidarista, percebe-se que os autores costumam indicar a relativização de apenas um dos requisitos aludidos como consequência da objetivação da reparação de danos: a culpa. No entanto, acredita-se piamente que o desenvolvimento contemporâneo da responsabilidade civil também provoca modificações profundas em outros requisitos da responsabilidade, como o nexo causal e o dano.

A dinamicidade da vida moderna fez surgir a necessidade de se repararem danos que possuem causas intangíveis e emocionais, mesmo que não se saiba precisar o seus reais causadores. Desse modo, fatos como quebra de expectativa e confiança, quebra de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda da escolha já podem ser considerados ressarcíveis.4

Nestes casos, a teoria da perda de uma chance estriba-se em mais uma maneira de possibilitar ao lesado receber alguma reparação. A impossibilidade de se provar que a perda da vantagem esperada (dano final) é a consequência certa e direta da conduta do infrator faz com que o operador do direito utilize parâmetros de estatística e probabilidade para aferir e reparar o dano injusto causado à vítima.

A Teoria da Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, surgiu e se desenvolveu, como prelúdio, na França (perte d’une chance). Logo após, a doutrina e jurisprudência de outros países europeus passaram a adotar a teoria, inclusive a Itália, que a princípio ofereceu certa resistência às inovações trazidas por essa nova concepção de dano hipotético.

A importância e a utilidade da teoria da perda de uma expectativa favorável fizeram com que o instituto também refletisse nos países de tradição da Common Law, gerando uma quantidade infindável de leading cases, precipuamente em relação à seara médica. Inclusive, pode-se notar uma evolução jurisprudencial no sentido de reparar integralmente a vítima em situações em que há um dano perpetrado por uma conduta mínima do agressor.

Alguns autores associam o aparecimento da responsabilidade pela perda de uma chance à utilização menos ortodoxa do nexo de causalidade, ora se manifestando em forma de causalidade parcial, ora em forma de presunção de causalidade, nos moldes da responsabilidade coletiva ou grupal. Outra corrente defende que a teoria da perda de uma chance constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável, mantendo a aplicação mais rígida do nexo causal.

Dois são os critérios apontados pela doutrina e jurisprudência para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance. O primeiro diz respeito à seriedade das chances ultrajadas; para que a demanda seja digna de procedência, a chance deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. O segundo, prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem final.

A teoria, em linhas gerais, reconhece a possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado da oportunidade de obter um lucro ou de evitar um determinado prejuízo. Pode-se utilizá-la em hipóteses fáticas regidas tanto pela responsabilidade civil objetiva (orientada pela teoria do risco), assim como pela tradicional responsabilidade civil subjetiva, que tem na culpa o seu maior fundamento e requisito.

 

3. PERDA DE UMA CHANCE COMO DANO ESPECÍFICO

 

Esta vertente da teoria tem por escopo reconhecer a existência de uma nova categoria de dano indenizável, um dano autônomo e específico consistente na chance perdida, o qual independe do resultado final. Atribui-se um valor pecuniário, de conteúdo patrimonial, à probabilidade de obter um lucro, sem a certeza da efetivação, no caso concreto, da vantagem derradeira.

Não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela possibilidade real e séria de consegui-la. Para tanto, a teoria faz uma distinção entre resultado perdido e as chances vituperadas, relativizando o conceito de dano.

Um dos expoentes desta corrente é Joseph King Jr. O autor americano propugna que os tribunais têm falhado em identificar a chance perdida como um dano reparável, pois a interpretam equivocadamente como uma possível causa para a perda definitiva do lucro esperado pela vítima.5

King Jr. defende a autonomia das chances perdidas a partir do conceito de predisposições (preexinting conditions). Utilizada principalmente na seara médica, a teoria das predisposições serve para averiguar qual dano a vítima já havia sofrido antes do erro médico. Assim, as predisposições se distanciam das causas concorrentes por serem propensões relativas a eventos naturais como câncer, hepatite, etc., sem constituírem a causa necessária para o desencadeamento do dano.6

Na lição do referido doutrinador, as probabilidades medem a ignorância humana e não uma chance legítima, que já existe por si só. Portanto, a única forma sensível de se avaliar, no caso concreto, a oportunidade perdida pela vítima é quantificar o dano sofrido, levando-se em conta a probabilidade que tinha a vítima de aferir, ao final do processo aleatório, a vantagem pretendida.

 

4. PERDA DE UMA CHANCE COMO CAUSALIDADE ALTERNATIVA

 

A teoria clássica da perda de uma chance imprimiu um caráter autônomo em relação às chances perdidas. Essa referida independência serviria para distinguir o dano representado pela paralisação do processo aleatório no qual se encontrava a vítima (oportunidade perdida) do prejuízo representado pela perda da vantagem pretendida, que também se denominou dano final.

A falta de causalidade necessária (conditio sine qua non) entre o dano final e o ato do agente ofensor que causou a interrupção do processo aleatório impossibilita a reparação integral da vantagem final esperada. Entretanto, servindo-se da mesma linha evolutiva utilizada para respaldar a atenuação do pressuposto da culpa, a doutrina passou a considerar uma teoria capaz de modificar os requisitos necessários do nexo de causalidade, criando, para tanto, a propalada causalidade alternativa.

No sistema jurídico brasileiro de tradição romano-germânica, a condição necessária deve encontrar respaldo num juízo de certeza sólido, ao menos algo próximo a 100% (cem por cento) de exatidão entre a conduta e o dano. Dessa maneira, não existe possibilidade de gradação causal, ou o nexo de causalidade é totalmente provado, gerando todos os efeitos reparatórios pertinentes, ou a pretensão indenizatória restará improcedente, mesmo comprovando-se parte da relação causal. Tal padrão de responsabilidade civil é denominado pelos juristas de “tudo ou nada”.7

Já no sistema norte-americano a jurisprudência consolidou o entendimento de que a valoração de um ato ofensivo como causa do dano num patamar acima de 50% (cinquenta por cento) de probabilidade é suficiente para considerá-lo como causa necessária (condição but for). Porém, igualmente ao sistema romano-germânico, as consequências devem ser logicamente previsíveis para a responsabilização do infrator.8

Em ambos os sistemas o problema de estabelecer precisamente qual teoria da causalidade adotar persiste, posto que não existe certeza absoluta em relação à prova do nexo causal, bastando uma carga probatória que forneça os elementos de convencimento do magistrado ou, no sistema norte-americano, do júri.

O estabelecimento de presunções é uma das maneiras pelas quais é relativizado o princípio geral de que incumbe ao autor provar a causalidade entre o ato do infrator e o dano ocasionado. Isso ocorre quando o processo causal escapa a uma observação mais direta ou quando a multiplicidade de causas gera grande complexidade. Essas presunções podem advir com o trabalho da jurisprudência ou pela ação do legislador, como nos casos de acidente de trânsito, atividades nucleares, acidentes de trabalho e ações nocivas ao meio ambiente.

Duas são as soluções de causalidade alternativa apontadas pela doutrina para resolverem a questão da responsabilidade civil pela perda de uma chance. A primeira utiliza uma espécie de presunção causal, nos mesmos moldes vislumbrados na responsabilidade civil dos grupos, alcançando, inclusive, a reparação do dano final em casos de perda de uma chance médica, é o que os americanos alcunham de “fator substancial”. A segunda solução, ao contrário, alterca que a reparação deve ficar limitada ao valor das chances perdidas. Os autores não fazem qualquer distinção entre a responsabilidade pela perda de uma chance na seara médica e as outras modalidades. Essa posição refuta o conceito alargado de dano, apropriando-se da ideia de “causalidade parcial”, a qual é utilizada para identificar a proporção de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano final, cujo resultado será identificado como “chances perdidas”.9

 

5. CAUSALIDADE PARCIAL

 

Autores como Jacques Boré e John Makdisi defendem que as chances perdidas são apenas um meio de quantificar o nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem pretendida). Assim, caso a conduta do ofensor não represente uma condição necessária (condição but for) para a interrupção do processo aleatório, pode-se conceder a reparação para um prejuízo parcial e relativo, reduzindo o prejuízo na medida do vínculo causal constatado com o erro do infrator.10

Makdisi ensina que a reparação deverá ser mensurada de acordo com a probabilidade de causalidade provada. Se existem 70% de probabilidade de que a conduta do ofensor tenha causado prejuízo à vítima, o dano será quantificado em 70% da perda total suportada. Da mesma forma, quando o conjunto probatório indica uma estimativa causal de 30%, é exatamente segundo esta proporção que será calculada a indenização.11

Destarte, a ideia de causalidade parcial ministrada pelos autores citados esbarra no requisito da condição necessária, indispensável para todas as teorias sobre o nexo causal. É nesse sentido que a causalidade alternativa seria utilizada, já que flexibiliza o ônus da prova da conditio sine qua non.

Estar-se-ia, então, não diante de um dano independente do dano final, mas de certa dispensa da prova da causalidade, responsabilizando-se o réu a pagar pelo dano que, segundo uma correlação estatística pré-científica, se espera que ele tenha causado.

Cumpre registrar que a análise econômica das instituições jurídicas, que tem como finalidade encontrar a solução economicamente mais eficiente, é um processo bastante rotineiro entre os juristas da Common Law.

Com base no sistema do “tudo ou nada”, se uma falha médica apresenta 30% de chances de ter causado determinado dano, o médico responsável não seria condenado a reparar qualquer tipo de dano. Assim, a função pedagógica da responsabilidade civil não se verificaria, pois o médico não teria razões jurídicas para mudar o seu comportamento. Porém, constatando-se que o referido médico cause em seu paciente um prejuízo de sobrevivência de 70%, segundo os critérios da Common Law, a atividade médica é considerada economicamente insuficiente, visto que é responsável pela criação de um lucro adicional inferior à despesa criada. Neste caso, o médico estaria reparando os elementos aleatórios do prejuízo, que não estão em relação de causalidade com a falha médica.12

Todavia, alguns autores como Lori Ellis sustentam que a aplicação da teoria da perda de uma chance deve ser aplicada apenas aos casos em que a conduta do ofensor não tenha causado “more likely than not” o dano final, ou seja, que retire menos de 50% da probabilidade de a vítima auferir a vantagem esperada. Assim, nas hipóteses em que a conduta danosa cruze a linha dos 50% a reparação do prejuízo final pelo agente seria irremediavelmente integral.13

Lori Ellis assevera que a teoria da perda de uma chance tem por escopo mitigar as injustiças em casos médicos devido à dificuldade de prova do nexo causal. Ademais, com supedâneo na função pedagógica da responsabilidade civil, não seria crível que médicos deixassem de indenizar falhas que contribuíram para o dano, que não constituem em condições “but for”, ocasionando uma licença para a ocorrência reiterada de falhas de menor porte.

 

6. PRESUNÇÃO CAUSAL E FATOR SUBSTANCIAL

 

A teoria do fator substancial foi criada precipuamente para amparar casos em que o padrão da prova da condição “but for” se mostrava inadequado e gerador de iniquidades. Desse modo, mesmo que o dano possa ter ocorrido sem a participação única do infrator, comprovada sua contribuição substancial (presunção causal), este deve arcar com a reparação integral do dano final, isto é, com a total indenização da vantagem que a vítima poderia alcançar ao final do processo aleatório.

O fator substancial se aproxima bastante do exemplo clássico do “twin fires”, no qual um agente dá início a um incêndio que acaba se somando a outro, sendo os dois incêndios capazes, individualmente, de destruir a propriedade da vítima. No caso, a propriedade da vítima seria destruída mesmo sem a ocorrência do incêndio causado pelo agressor.14

O mais famoso leading case é Higs v. United States, julgado em 1966. Uma paciente que sofria de graves dores abdominais foi medicada pelo médico plantonista e liberada para retornar somente depois de oito horas. Horas depois a paciente veio a falecer devido a uma obstrução intestinal. Os peritos constataram que a conduta médica fora um fator substancial para a morte da paciente. O dano final (morte) foi indenizado, mesmo sem a prova inequívoca da conditio sine qua non, ou seja, a vítima poderia ter falecido pela evolução normal da doença, mesmo que adequadamente tratada.15

Entretanto, Patrice Jourdain e Geneviève Viney defendem a utilização do fator substancial apenas na seara médica, posto que em tais casos a vítima não conseguiria estabelecer com certeza a relação de causalidade entre o fato do ofensor e o dano, mas apenas apontaria o responsável pelo prejuízo. Assim, a indenização seria concedida apenas pela constatação de que a conduta do agente havia criado um risco injustificado ou devido a uma “presunção de realização de riscos.”16

 

7. CHANCES FUTURAS E PROGNÓSTICOS PRETÉRITOS

 

Outra manifestação da teoria, adotada de forma majoritária na França (René Savatier e Jean Penneau), propõe a ruptura radical entre os casos de perda de uma chance na seara médica e as demais aplicações da teoria, também denominadas de perda de chances “clássicas”.

A finalidade dessa doutrina é diferenciar os casos de reparação da perda de uma chance pretérita e incerta de causar um evento danoso e as hipóteses de ressarcimento de chances para o futuro. Então, o crivo distintivo das chances perdidas é o momento da consolidação do acidente. Se as chances estão localizadas antes do fatídico, excogita-se de uma causalidade clássica, do contrário, estaríamos diante de uma causalidade parcial para configurar o dano.17

Na perspectiva clássica, um ato ilícito está em relação de causalidade certa com a interrupção de um processo do qual nunca se saberá o resultado final, como exemplos tem-se a perda de prazo recursal pelo advogado e o ilícito que impeça alguém de prestar certo concurso. Já no caso de chances de cura ou sobrevivência, o processo aleatório foi até o último estágio, conhecendo-se o prejuízo final; ou o paciente está morto, ou inválido. Resta inquirir o verdadeiro nexo causal, isto é, não se sabe com certeza qual é a causa do prejuízo; o ato do médico negligente ou a evolução natural da doença.

Assim, a perda das chances de cura ou de sobreviver não pode constituir um dano específico e independente, tendo em vista sua estreita ligação com a existência do dano final. Mesmo que exista comprovação da falha médica, mas o paciente não apresentou qualquer sequela, o médico não pode ser condenado a reparar um dano inexistente, apesar da subtração de chances de vida da vítima.

Georges Durry tece algumas críticas à referida corrente. Para ele, existem espécies de responsabilidade pela perda de uma chance que lançam mão da noção de causalidade parcial e não estão circunscritas aos casos de perda de uma chance na seara médica. É o típico caso de estudante que, mesmo sendo vítima de acidente, consegue fazer uma prova de vestibular; a situação do estudante e do paciente é a mesma, nas duas hipóteses as vítimas foram obrigadas a encarar testes de forma debilitada, por culpa do agressor.18

Por fim, François Chabas ministra que a perda de uma chance na seara médica não está adstrita à utilização da causalidade parcial. O autor divide a aplicação em dois casos: o primeiro ele chama de “aplicação verdadeira” da perda de uma chance, a qual iguala a perda de uma chance clássica; o segundo de “aplicação falsa”, na qual se deve buscar a utilização da causalidade parcial. Dois requisitos são necessários para a distinção: a) processo mórbido anormal do paciente e; b) a conduta danosa do médico deve retirar todas as chances de cura ou sobrevida da vítima. Em havendo os dois requisitos, configura-se a primeira aplicação, a contrario sensu, faltando um dos requisitos, tem-se a “aplicação falsa” das chances subtraídas.19

 

8. CRIAÇÃO DE RISCOS E PERDA DE CHANCES

 

No geral, toda responsabilidade civil pela perda de uma chance trabalha com a ideia de criação de riscos. Assim sendo, quando um médico deixa de diagnosticar corretamente certa doença, o paciente perde uma chance de cura, visto que o risco de morte aumenta consideravelmente.

Segundo Peteffi, o ponto nodal que diferencia a perda de chances da simples criação de riscos é justamente a perda da vantagem esperada pela vítima, isto é, a existência do dano final. Nos casos de chances perdidas, a vítima encontra-se em um processo aleatório que, ao final, pode gerar uma vantagem. Já, quando se trata de riscos causados, a vítima também se encontra dentro de um processo aleatório, porém não é possível averiguar se a perda definitiva da vantagem esperada será efetivamente observada. Aumentam-se os riscos sem que se comprove o prejuízo derradeiro.20

Quanto ao tema, o referido autor assevera o seguinte:

Exemplo clássico dessa situação ocorre nos casos de exposição de pessoas a elementos tóxicos, quando o substancial aumento do risco de contrair uma doença pode ser cientificamente comprovado, apesar de a vítima continuar gozando de saúde perfeita. Aqui, impossível saber se a vítima efetivamente desenvolverá determinada doença, que pode restar em estado de latência durante vários anos ou nunca vir a se desenvolver. Desse modo, a vantagem esperada pela vítima, que é a manutenção da saúde perfeita, ainda pode ser alcançada. Por outro lado, nas demandas de responsabilidade pela perda de uma chance, a doença já se manifestou de forma definitiva.21

Cumpre ressaltar que a responsabilidade em hipóteses de simples riscos não se confunde com a responsabilidade civil objetiva. Trata-se, efetivamente, de uma teoria que defende a possibilidade de se considerar uma situação perigosa como um dano indenizável.

Todo risco criado corresponde ao aumento ou à criação da probabilidade de ocorrência de um dano vindouro. Essa estimativa admite a geração de reflexos que, dependendo do caso concreto, podem ser reparáveis. Hipótese típica é a falha clínica de médico que aumenta a probabilidade do paciente desenvolver determinada doença grave. Sem falar na angústia e sofrimento acometidos (dano moral e atual), a vítima poderá despender consideráveis quantias em tratamentos e medicamentos para evitar o aparecimento da doença (dano material e futuro).

Diferentemente dos danos futuros, que são uma “prolongação certa e direta de um estado de coisas atuais” e susceptíveis de reparação integral e imediata, a solução litigiosa dos riscos propriamente ditos possui três caminhos a serem seguidos. Primeiro, esperar pelo efetivo acontecimento do dano final (suspensão da ação de indenização) e conceder a reparação integral. Segundo, optar pela reparação imediata do risco criado, mesmo sem a comprovação do prejuízo. Terceiro, é a reparação pelo “dano atuarial”, ou seja, a quantificação da indenização devida pelo réu estaria vinculada ao valor do prêmio de um seguro, transferindo o risco para a seguradora.22

 

9. INTELECÇÃO ITALIANA

 

A questão da responsabilidade civil pela perda de uma chance, desde os idos de 1940, tem sido objeto de acirradas discussões na Itália. O professor Giovanni Pacchioni, em sua obra clássica Diritto Civile Italiano, partindo de exemplos clássicos da doutrina e jurisprudência francesas, repele categoricamente a ideia de indenização por meras possibilidades corrompidas.23

Os exemplos esquadrinhados por Pacchioni são os seguintes: um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quadro é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma do julgado que lhe foi desfavorável.24

Para este autor, as condutas culposas descritas nos exemplos supracitados, embora causem certo transtorno nas vítimas, não são capazes de caracterizar um dano patrimonial passível de reparação civil. Assim, uma simples possibilidade aleatória, uma chance, tem sim um valor social considerável, porém não um valor de mercado (efetivo, certo e presente).

Em 1965, na mesma linha de pensamento, Francesco Donato Busnelli, ao comentar um julgado do Tribunal de Apelação de Paris, considerou a perda de uma chance como mero interesse de fato e, portanto, como um dano que não seria indenizável de acordo com o ordenamento jurídico italiano.

A questão mais relevante para Busnelli é enquadrar somente as lesões a um direito subjetivo ou interesse juridicamente tutelado no conceito de “injustiça” do dano previsto no artigo 2.043 do Código Civil Italiano. Esta tendência jurisprudencial, que concede a reparação de uma mera perda de uma expectativa, derrogaria, a seu ver, a interpretação jurídica pacífica do dano.

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O professor italiano Adriano de Cupis ao publicar, em 1966, Il Dano: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, contradizendo os autores citados, reconheceu a existência de um dano passível de reparação nos mesmos exemplos citados por Pacchioni.25

Mesmo não reconhecendo a viabilidade das indenizações consistentes em vitórias perdidas (no turfe, no vernissage ou na demanda judicial), Cupis assevera a existência de uma “possibilidade de vitória” ao patrimônio da vítima, vislumbrando um dano passível de indenização quanto à chance perdida.

O autor defendeu, também, que a oportunidade de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que modificará o quantum indenizatório. Acrescentou que nem todo caso de quebra de expectativa será indenizável, porquanto simples “esperanças” aleatórias não são apreciadas pela responsabilidade civil, como, por exemplo, a morte de uma pessoa que costumava jogar na loto.

Segundo Savi, Adriano de Cupis foi o precursor da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance no Direito Italiano, haja vista que admitiu a existência de um dano autônomo independente do resultado final consistente na chance perdida, inseriu a perda de oportunidade no conceito de dano emergente e limitou a necessidade de indenização somente às chances sérias e reais.26

Mais uma importante contribuição para o engendramento da teoria no direito italiano foi dada por Piero Calamandrei, ao tratar da responsabilidade civil do advogado. Isto porque, nos casos em que o cliente perdeu a oportunidade de reexame da matéria pelo Tribunal por inércia ou desídia do advogado que deixou de propor o recurso em tempo hábil, Calamandrei porfiou o uso da estatística judiciária para o cálculo da chance de êxito que o recurso teria acaso interposto.

Assim, o dano sofrido pelo cliente deveria, de acordo com o referido posicionamento, ser mensurado com base no percentual de probabilidade de modificação da decisão prejudicial pelo Tribunal, devendo este porcentual incidir sobre o valor da causa.

Contudo, a teoria da perda de uma chance somente se consolidou em 1976 com a publicação do primoroso artigo Perdita di una chance e certezza del danno escrito por Maurizio Bocchiola, também professor da Universidade de Milão.27

O autor menciona que no lucro cessante e na chance, em ambos os casos, a conduta nociva impede que a vítima possa adquirir novos elementos, lucrar e usufruir de ulteriores utilidades patrimoniais.

Porém, podem-se estabelecer diferenças entre os dois conceitos apresentados. A primeira diz respeito à natureza dos interesses prejudicados. A perda de uma chance decorre de uma violação de um interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo. A segunda, no caso de lucros cessantes, a vítima deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro futuro. Já a perda de uma chance é normalmente um dano presente independente da vantagem final, tendo em vista que a circunstância favorável, na maioria das vezes, é perdida no mesmo momento em que se verifica o fato danoso.

Considerando-se a perda de uma chance como um dano real e existente, diminui-se a dificuldade apresentada em relação à prova da certeza do dano e do nexo causal. Ademais, o mais importante para solucionar os transtornos impostos à indenização da perda de uma oportunidade é considerar esta como um dano emergente e não como um lucro cessante, contrariamente ao altercado em linhas pretéritas.

Apesar de reconhecer a possibilidade de indenização para as chances perdidas, para Bocchiola, somente será adequado admitir a reparação do prejuízo quando a vítima comprovar que a probabilidade de conseguir a vantagem esperada era superior a 50% (cinquenta por cento). Do contrário, deve-se reputar não produzida a prova da existência da chance e o juiz será obrigado a julgar improcedente o pleito de indenização.

Em suma, após a inicial resistência ao acolhimento da teoria, principalmente fundada no posicionamento contrário do grande jurista Giovanni Pacchioni, a doutrina italiana, influenciada pelos trabalhos de Adriano De Cupis e Maurizio Bocchiola, passou a admitir a possibilidade de indenização das chances perdidas, sempre que pudessem ser consideradas sérias e reais oportunidades de obtenção de uma determinada vantagem, segundo os critérios estabelecidos pela estatística e probabilidade.

De acordo com a doutrina italiana atual, indenizar a perda de uma chance não implica em violar a regra segundo a qual o dano deve ser certo para que possa ser indenizado. Não se indeniza a perda de um resultado favorável (que seria hipotético ante a incerteza que lhe é inerente), mas uma coisa completamente diversa. Isto é, se indeniza a perda da possibilidade atual de conseguir aquela determinada vantagem, a qual já existia no patrimônio da vítima no momento em que ocorreu a lesão. Se a oportunidade já fazia parte dos bens da vítima no momento do prejuízo, a sua perda deve ser qualificada juridicamente como um dano emergente (aquilo que a vítima efetivamente perdeu) e não como lucro cessante.

Destarte, somente em 19 de novembro de 1983, sete anos após a publicação do artigo do professor Maurizio Bocchiola, foi julgado pela Corte di cassazione o primeiro caso (leading case) favorável à reparação da perda de uma chance.28

Uma empresa denominada Stefer organizou um processo seletivo para a contratação de motoristas que iriam compor o seu quadro de empregados. Após terem logrado êxito em vários exames médicos de admissão, alguns candidatos foram obstados pela empresa de participar das demais provas (direção e cultura elementar) que seriam necessárias à conclusão da seleção.

O juízo de primeiro grau (Pretore di Roma) reconheceu o direito dos autores de serem admitidos sob a condição de que superassem as demais provas que perderam, condenando a requerida Stefer a indenizá-los pelo atraso no concurso.

Em esfera recursal, o Tribunal de Roma reformou a decisão monocrática. Pronunciou que o dano não é indenizável, por se tratar apenas de um dano potencial, que não foi demonstrado de forma robusta, evitando, assim, a valoração ou liquidação de forma equitativa.

Por fim, a Corte di Cassazione cassou a decisão do apelo e ratificou a sentença originária. De acordo com o corpo coletivo superior, trata-se de um dano patrimonial emergente e não de lucro cessante, visto que a possibilidade perdida não se refere ao emprego (resultado final), mas ao direito de participar das demais provas da seleção, cuja superação implicaria na contratação.

 

10. INTELECÇÃO FRANCESA

 

Os tribunais franceses são bastante criativos na aplicação da teoria da perda de uma chance. Dentre outros casos, já utilizaram esta teoria na perda de uma chance de lograr êxito em um jogo de azar ou competição esportiva, pela quebra do dever de informar, em decorrência de falhas de advogados, na perda da chance de evitar assaltos, em matéria empresarial e até mesmo na reparação da perda de uma oportunidade de auferir melhor condição social.29

Não obstante robusta controvérsia doutrinária quanto à utilização da causalidade parcial, a Corte de Cassação francesa, desde os primeiros julgados sobre responsabilidade médica, firmou posição no sentido de admitir casos de perda de uma chance nesta seara, sem, contudo, aprofundar-se no exame da natureza jurídica da teoria.

Destaca-se o caso julgado em 08 de julho de 1997, em que um paciente sentiu fortes dores na perna, mas somente procurou atendimento médico 24 horas depois. Após chegar à clínica, os médicos prescreveram um tratamento que restou infrutífero, culminado em uma intervenção cirúrgica após três dias. Os peritos forenses concluíram que a cirurgia deveria ter sido feita no período entre 10 e 15 horas após a constatação dos primeiros sintomas, caracterizando a conduta culposa dos médicos. Entretanto, como o paciente procurou a clínica apenas 24 horas após os sintomas, mesmo praticada imediatamente, a cirurgia poderia resultar em sequelas para o paciente. Desse modo, os médicos responsáveis foram condenados na reparação civil pela perda de uma chance de sofrer sequelas menores.30

A primeira utilização da perda de uma chance remonta casos envolvendo falha de um advogado, oficial de justiça, escrivão ou de qualquer outro profissional que atue no sentido de dar normal seguimento às demandas judiciais. Um dos prováveis motivos para essa aceitação mais facilitada é o fato de o juiz não depender de laudos externos para basear o seu convencimento, isto é, o próprio magistrado atua como perito da causa. Nesse sentido é o julgado da Corte de Cassação, de 19 de outubro de 1979, ao afirmar que, mesmo que o recurso não conhecido pela falha do causídico não tivesse nenhuma chance de lograr êxito, a indenização poderia ser concedida contra o advogado culpado pela “perda do meio de pressão a que todo autor tem direito no exercício de uma ação judicial”.31

A reparação pela quebra do dever de informar ocorre sempre que uma pessoa, que deveria ter sido informada, venha a sofrer um dano que poderia ter sido evitado pela informação adequada. Todavia, lobriga-se que a realização do dano depende da atitude real da vítima. A Corte de Cassação apresentou decisões que seguiram essa corrente, como ocorreu em um julgamento de novembro de 1983, quando confirmou uma decisão que concedia reparação integral para a família de uma pessoa que havia sido vítima de um incêndio criminoso em um hotel da Itália. No caso, o hotel não possuía seguros para incêndios, sendo que tal informação foi omitida pela agência de viagens aos seus clientes, impedindo-os da oportunidade de contratarem um seguro individual contra os danos que acabaram sofrendo.32

No campo empresarial, envolto de grande álea patrimonial, também existem exemplos de aplicação da perda de uma chance. Na jurisprudência francesa, são comuns casos em que as empresas pleiteiam indenização em razão da não celebração de um contrato lucrativo e até mesmo da quebra de tratativas. A Corte de Cassação tem-se mostrado pouco exigente com relação à seriedade das chances perdidas, concedendo ressarcimento para contratos que apresentavam grande possibilidade de não se concretizarem. Em julgado bastante salutar, a Corte de Cassação analisou um caso em que havia ocorrido um assalto a um estabelecimento comercial, que resultou em graves prejuízos patrimoniais. Ocorre que o sistema de alarme instalado não funcionou de maneira adequada. Dessa maneira, a referida Corte condenou a empresa que havia instalado o alarme pela perda de uma chance de a autora não ser assaltada, tendo em vista que mesmo que o alarme funcionasse de maneira conveniente o assalto poderia ter ocorrido.33

Outro aspecto interessante, diz respeito aos jogos de azar ou competições esportivas. Os exemplos mais clássicos de perda de uma chance na França estão ligados à quebra de expectativa de obter lucros com corridas de cavalos. Insta ressaltar que o turfe é uma espécie de paixão nacional na França, onde é protegido por legislação especial justamente por envolver vultosos ganhos originários de apostas. Nessa linha de raciocínio, a Corte de Cassação concedeu a reparação pela perda de uma chance de ganhos para um apostador que intentou demanda judicial contra um jóquei que havia ganhado a corrida disputada, porém fora posteriormente desclassificado pela comissão organizadora por estar acima do peso máximo permitido.34

Por fim, a reparação pela perda de uma chance de auferir uma posição social melhor também encontra respaldo na jurisprudência francesa, não obstante a análise criteriosa da seriedade das chances perdidas. Dividem-se estes casos nas modalidades de dano indireto, quando o ato do ofensor retira a possibilidade de, abstratamente, um indivíduo melhorar sua condição econômica, ou, de dano direto, quando a pessoa estava efetivamente prestando alguma prova que a levaria a uma posição superior. Em todos os casos, necessário analisar as reais possibilidades que a vítima tinha de ser bem sucedida, seu histórico escolar e profissional, idade, dentre outros. Desse modo, em 24 de fevereiro de 1970, a Corte francesa confirmou acórdão que havia conferido reparação pela perda de uma chance de usufruir uma situação social privilegiada para jovem viúva de um médico acadêmico, considerando que os parcos vencimentos de um brilhante residente de cirurgia de um grande hospital de Paris seriam substancialmente elevados com o passar dos anos.35

 

11. INTELECÇÃO DA COMMON LAW

 

Diferentemente do Código Civil brasileiro, os países da common law não possuem uma cláusula geral de responsabilidade civil, motivo pelo qual passaram por muito tempo analisando-a de forma casuística. Contudo, a evolução da doutrina e da jurisprudência acabou por sistematizar os institutos da responsabilidade civil, nos mais variados torts.36

Nos países de influência inglesa (Austrália, Irlanda, Canadá), admite-se a aplicação da perda de uma chance clássica nas hipóteses em que o processo aleatório foi interrompido em seu curso, restando as oportunidades perdidas como danos independentes do dano final. Todavia, as nações da commonwealth parecem não admitir a quantificação das chances perdidas pela causalidade alternativa.

 

12. INTELECÇÃO NORTE-AMERICANA

 

Pela peculiaridade do sistema norte-americano, onde há grande independência das legislações estaduais, nos casos de perda de uma chance (loss of chance), não obstante a variedade de julgados, já é possível dividir ao menos os estados em grupos. Devido ao postulado de unidade fundamental do direito ianque, no qual as decisões de alguns estados servem para sistematizar a jurisprudência de outros entes confederados, há características muito semelhantes em diversos julgados, sobretudo no que tange à seara médica.37

Ao estudar os casos de aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance dentro do direito estadunidense é possível vislumbrar quatro posicionamentos distintos em virtude de suas naturezas jurídicas.

A primeira corrente, seguindo os ensinamentos de Joseph King Jr., entende as chances perdidas no ato médico como danos autônomos e independentes do dano final sofrido pela vítima. A maioria dos adeptos desta corrente adota como paradigma jurídico o caso Perez v. Las Vegas Medical Center, julgado em 1991, pela Suprema Corte de Nevada. A referida decisão consuma que o dano a ser valorado não é o falecimento da vítima, mas as chances de sobreviver, as quais foram subtraídas ou diminuídas pela imperícia médica. O foco principal é a caracterização da independência do dano sofrido e não a aplicação menos ortodoxa do liame de causalidade.38

A segunda tendência, consubstanciada na teoria do “relaxed proof aproach” (atenuação do ônus probatório), consiste na relativização do conceito do nexo de causalidade. O caso Hicks v. United States foi o precedente (leading case) para uma reformulada aplicação da teoria do fator substancial, admitindo a causalidade alternativa. Lobriga-se, nessa segunda linha jurisprudencial, a aplicação das ideias defendidas por Jacques Boré e John Makdisi.39

A terceira, também inspirada na atenuação do nexo de causalidade, defende que o prejuízo a ser ressarcido seria a vantagem que a vítima esperava alcançar ao final do processo aleatório no qual se encontrava. Esta foi a decisão da Suprema Corte de Wisconsin, no julgamento Ehlinger by Ehlinger v. Sipes, em que os magistrados utilizaram a teoria do fator substancial e afirmaram expressamente que o dano a ser indenizado seria a morte do paciente, em vez das chances de sobrevivência.40

A quarta e última, preleciona que a única forma de se indenizar uma vítima é adotando os padrões clássicos de causalidade (tudo ou nada), decidiram-se, então, por um posicionamento totalmente destoante dos demais. Destarte, há duas direções a serem seguidas; ou a vítima prova uma relação causal suficiente para condenar o agente a indenizar a integralidade do prejuízo sofrido, ou arcará sozinha com o dano.

No caso Coopers v. Sisters of Charity of Cincinnati, julgado pela Suprema Corte de Ohio em 1971, um menino sofreu uma fratura no crânio que não foi socorrida a tempo, aumentando as chances de ocorrer a hemorragia intracraniana que resultou em óbito da vítima. Os peritos comprovaram que o garoto teria 50% de chances de sobreviver se o diagnóstico tivesse sido realizado de forma correta. Mesmo assim, os julgadores decidiram que apenas haveria reparação se o diagnóstico tardio fosse condição necessária para a morte da vítima.41

 

13. MANIFESTAÇÃO DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA NACIONAIS

 

A responsabilidade civil pela perda de uma chance não foi tema de discussões doutrinárias mais aprofundadas pelos estudiosos do direito civil em nosso país. Com exceção das obras de Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva, os demais doutrinadores brasileiros teceram breves comentários sobre o assunto em obras genéricas de responsabilidade civil.

Entretanto, ainda que analisada de forma superficial pela maior parte da doutrina brasileira, nota-se nitidamente que tanto autores clássicos, quanto a vertente doutrinária mais moderna, acabam por aceitar a teoria da perda de uma chance no ordenamento pátrio.

A jurisprudência brasileira parece passar por uma fase de ebulição na seara da teoria da perda de uma chance. Alguns Tribunais, apesar de reconhecerem a possibilidade de reparação da chance perdida, encontram dificuldades em harmonizar conceitos, carecendo de uma solidificação da teoria em relação aos seus limites e à sua metodologia de aplicação.

Mister gizar que a maioria das decisões que utilizam da teoria foi proferida no início do século XXI. Grande parte dos Tribunais do Brasil ainda não teve contato com a responsabilidade civil pela perda da chance, sendo inadequado asseverar que a teoria possui aceitação sistemática nos julgados nacionais.

Nas palavras de Raimundo Simão, o advogado é o “primeiro juiz da causa”, cabendo a ele, muitas vezes, o sucesso de uma demanda e o surgimento de novas jurisprudências com a provocação necessária do judiciário a partir do desenvolvimento de novas teses.42

 

13.1. Perda de uma chance como dano emergente

 

Para alguns doutrinadores, como Sérgio Savi, a perda de uma chance é modalidade de dano material, enquadrada na espécie de dano emergente, visto que a chance já existe no patrimônio da vítima quando do momento da ocorrência da lesão. Este autor segue a vertente doutrinária italiana, com a aplicação dogmática do nexo causal e ampliação do conceito de dano, considerando apenas as chances reais e sérias com valor probabilístico acima de 50%.43

Embora não faça menção expressa das chances perdidas como uma categoria de dano emergente, o seguinte julgado pauta-se pela quantificação das oportunidades perdidas segundo os ensinamentos de Savi:

CONTRATO DE HONORÁRIOS. REVOGAÇÃO DO MANDATO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA DE CHANCE. O mandato judicial é essencialmente revogável. Contudo, se as partes livremente estipularam que os honorários seriam pagos ao final, por ocasião da prolação de sentença favorável, havendo injusta revogação do mandato exsurge o dever de reparação civil para compensar a Autora pela chance perdida. Neste caso, a indenização é devida não para tutelar o direito aos honorários contratados, posto que estes constituíam apenas uma expectativa, porquanto estavam condicionados a um evento futuro e incerto. A indenização terá, pois, o escopo de compensar a chance perdida de receber os honorários contratados, chance esta que passou a pertencer ao patrimônio jurídico da Autora no momento da contratação, e que restou frustrada pela revogação da procuração. Na hipótese destes autos, a percepção da totalidade dos honorários realmente estava condicionada a res dubia, e justamente por ser incerto o resultado é que se pode afirmar que havia uma possibilidade real da obtenção da sentença favorável, que proporcionaria o recebimento integral dos honorários contratados. Na medida em que se pretende tutelar não o lucro que se obteria pelo resultado final, mas, sim, o direito à possibilidade de alcançá-lo, a indenização, com espeque na teoria da responsabilidade civil por perda de chance, não pode ser no valor total dos honorários contratados, mas em montante razoavelmente proporcional ao percentual de probabilidade de obtenção de um resultado final favorável. No caso em tela, de uma análise perfunctória da ação de usucapião, que constitui a causa de pedir remota da indenização, depreende-se que, até o momento em que foi revogado o mandato, pode-se dizer que as chances de obtenção de resultado favorável ou desfavorável eram idênticas, uma vez que ainda não encerrada a instrução processual, pendente, inclusive realização de audiência de oitiva de partes e testemunhas, dentre outros atos processuais, sendo, portanto, incerta a sorte da demanda. Nessa perspectiva, pode-se dizer que, no momento em que foi revogada a procuração, a Autora possuía cinqüenta por cento de chance de obter resultado favorável na demanda, de modo que é medida de justiça conceder-lhe indenização equivalente a cinquenta por cento dos honorários contratados, como compensação pela perda da chance em função da revogação do mandato.44

Segundo o doutrinador, a chance ou oportunidade é uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano irremediável à vítima, na maioria das vezes atual e emergente, o qual deverá ser indenizado ainda que por presunção factual. Assim, o fato da situação ser idônea a produzir apenas provavelmente e não com absoluta certeza o lucro a essa ligado influi não sobre a existência, mas sobre a valoração do dano indenizável.45

 

13.2. Perda de uma chance como lucro cessante

 

Maria Helena Diniz ao conceituar lucro cessante preleciona que:

Trata-se não só de um eventual benefício perdido, como também da perda da chance, de oportunidade ou de expectativa, que requer o emprego do tirocínio do órgão judicante, distinguindo a possibilidade da probabilidade e fazendo uma avaliação das perspectivas favoráveis ou não à situação do lesado, para atingir a proporção da reparação e deliberar o seu quantum. Consequentemente, nesta última hipótese, a indenização não seria do ganho que deixou de ter, mas, na verdade, da chance.46

Nesse sentido, alguns julgados consideram a perda de uma chance como uma espécie de lucros cessantes:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. ADVOGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE MEIO. AÇÃO JUDICIAL JULGADA IMPROCEDENTE. INEXISTÊNCIA DE CULPA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. PRESSUPOSTOS INEXISTENTES. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO.

I. De acordo com os arts. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor e 186 do Código Civil, a responsabilidade civil do advogado está jungida à Teoria subjetiva da culpa e subordina-se aos parâmetros das obrigações de meio.

II. Dentre as obrigações do advogado não se inclui o compromisso de êxito da demanda ajuizada, circunscrevendo-se à prestação de serviços mediante conduta tenaz e diligente.

III. A responsabilidade civil do advogado pelo insucesso da ação judicial intentada só pode ser reconhecida quando cabalmente demonstrada a culpa e seu liame de causalidade com o estado sucumbencial.

IV. A denominada "Teoria da Perda de Uma Chance", de inspiração francesa, empresta suporte jurídico para indenizações em caso de frustração de demandas judiciais devido ao desleixo profissional de advogados lenientes, contanto que estejam configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade dos ganhos e sua relação de causalidade direta com os atos desidiosos.

V. À luz da "Teoria da Perda de Uma Chance", que elastece os contornos dos lucros cessantes, o atendimento do pleito indenizatório está adstrito não apenas à comprovação de que os serviços advocatícios deixaram de ser prestados segundo parâmetros razoáveis de qualidade. Exige também a comprovação de que o autor da demanda efetivamente titularizava os direitos pleiteados e que a repulsa judicial derivou das faltas técnicas atribuídas aos serviços advocatícios.

VI. Recurso conhecido e desprovido.47

APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE FRANQUIA - DESISTÊNCIA PELO FRANQUEADOR APÓS FORMALIZAÇÃO DO PACTO E PAGAMENTO INICIAL PELO FRANQUEADO DEVOLUÇÃO DOS VALORES - RESPONSABILIDADE CIVIL BOA-FÉ OBJETIVA - PERDA DA CHANCE - LUCROS CESSANTES. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente os pedidos de indenização por lucros cessantes e danos morais. Valores gastos nas tratativas pelo apelante que foram integralmente ressarcidos pela apelada após a desistência. Danos decorrentes da impossibilidade do apelante explorar a franquia almejada, por rescisão unilateral da franqueadora. Quebra da boa-fé objetiva configurada na hipótese, por ter a apelada rescindido a avença ao fundamento de onerosidade operacional, passando a explorar ela própria o empreendimento comercial no mesmo ponto em que pretendiam fazê-lo os apelantes. Inteligência do art. 422 CC/02. Necessária adequação da nova teoria da perda da chance à já arraigada teoria geral da responsabilidade civil, em especial, quanto aos lucros cessantes. Perda da chance que projeta a perda de uma oportunidade de se obter vantagem ou evitar-se um mal, ambos futuros, mas com repercussão presente. Lucros cessantes que se voltam para a um fato passado, qual seja: a atividade lucrativa cessada, que servirá de base para aquilo que o lesado deixou de ganhar. Perda da chance que é espécie do gênero lucro cessante e sob esta ótica é de ser contemplada. Ressarcimento que reintegra o apelante por sua frustração em ver o negócio que idealizara explorado pelo pela própria franqueadora, em frontal quebra à confiança e à boa-fé; pela perda da expectativa do bom negócio, possibilidade que já se incorporara ao seu patrimônio jurídico e, portanto, deve ser ressarcida. Dano moral inexistente. Mero inadimplemento pós-contratual. Indenização fixada com base em cláusula penal do próprio contrato. Recurso a que se dá parcial provimento.48

Data vênia, o entendimento esposado encontra-se equivocado com os parâmetros fixados pela teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Ora, as situações clássicas de lucros cessantes são representadas, consoante disposição do art. 402 do Código Civil, por aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Assim, existem indícios fortes de que a conduta do réu é uma conditio sine qua non para o aparecimento do dano futuro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, a conduta do réu não é condição necessária para o aparecimento do dano final, mas apenas para a perda da chance imediata e presente de auferir a vantagem esperada.

 

13.3. Perda de uma chance como tertio genus

 

A perda de uma chance é considerada por muitos doutrinadores, como Sílvio de Salvo Venosa, uma terceira modalidade (tertio genus) de dano material, intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Estes doutrinadores baseiam-se no posicionamento de que a vantagem que se espera alcançar é atual; no entanto, é incerta, pois o que se analisa é a potencialidade de uma perda e não o que a vítima efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante) ou o que efetivamente perdeu (dano emergente). 49

Alguns julgados têm respaldado a tese da chance como um terceiro gênero de dano:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO PELA "PERDA DA CHANCE". MODALIDADE DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS SITUADA ENTRE OS LUCROS CESSANTES E DANOS EMERGENTES. DIREITO DO CLIENTE PREJUDICADO. MONTANTE DA INDENIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO DO DIREITO DESPERDIÇADO. RECURSO PROVIDO. É assente o entendimento de que a obrigação do advogado é de meio e não de resultado. No entanto, verificada a atuação desidiosa do causídico no desempenho de sua função na defesa dos interesses de seus clientes, culminando com a perda da chance de discussão do direito dos agravados, impõe-se a condenação de seus patronos ao ressarcimento de danos materiais causados, por constituir a "perda da chance" modalidade de indenização situada entre os lucros cessantes e os danos emergentes. O montante deve corresponder ao valor econômico do direito culposamente desperdiçado e que vai além da mera expectativa de direito, a ser apurado em liquidação de sentença, de acordo com as peculiaridades de cada caso em concreto.50

Porém, da leitura dos artigos 402 e 403 do Código Civil, denota-se a intenção clara do legislador em admitir somente os prejuízos efetivos e os lucros cessantes como formas de perdas e danos devidos à vítima. Assim, quaisquer outras espécies de danos materiais que não estes devem estar previstas em lei, não cabendo uma interpretação ampliativa para uma terceira fattispecie. Correto, então, seria a classificação das chances perdidas como dano emergente.

 

13.4. Perda de uma chance como causalidade alternativa

 

Peteffi defende que a teoria da perda de uma chance encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro por estar de acordo com o novo parâmetro solidarista de responsabilidade civil. Conclui, em sua obra, que “a perda de uma chance, nos casos em que o processo aleatório foi até o seu final, sempre deveria se constituir em uma opção subsidiária, utilizada somente após esgotarem as possibilidades da utilização ortodoxa do nexo causal.”51

Alguns julgados denotam esse posicionamento de alargamento do nexo causal, principalmente no que tange à seara médica:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE DE HOSPITAL. Aplicação da Teoria da Perda de uma chance (Perte dune chance), que alarga o nexo de causalidade, possibilitando a responsabilidade médica, ainda que não ocorra o erro médico propriamente dito, sendo suficiente a ocorrência de condutas negligentes ou falta de um diagnóstico preciso. No caso, houve falta de um diagnóstico preciso, além de ter havido erro de procedimento, quando a traquéia foi lesionada na intubação, embora a infecção causada pela lesão não tenha sido a causa mortis do paciente, motivo pelo qual a sentença foi de improcedência. Pela Teoria da Perda de Uma Chance, ainda que o erro no procedimento não tenha sido a causa mortis, o fato de o paciente não ter tido a chance de sobreviver, em razão da falta de segurança da equipe das rés em conceder um diagnóstico preciso, já importa na condenação do hospital pelos danos morais sofridos pela esposa do finado, em virtude do falecimento deste. Verba compensatória que se fixa em R$ 40.000,00. Recurso provido, em parte.52

O Código Civil brasileiro não possui uma cláusula fechada e taxativa quanto ao nexo causal. Não é porque uma conduta danosa seja responsável por apenas 40% do prejuízo causado que deixará de ter valoração jurídica. Assim, a condição adequada e imediata do nexo causal diz respeito não à intensidade da conduta danosa, mas à potencialidade negativa desta no patrimônio jurídico da vítima.

Conclui-se, então, que a causalidade parcial poderá ser utilizada, mesmo que de forma principal, para atenuar o fardo da vítima em relação à comprovação do liame causal. Agindo dessa maneira, o julgador atenderá aos princípios norteadores da responsabilidade civil, além de indenizar integralmente a vítima, punirá o ofensor e desestimulará a conduta prejudicial.

 

13.5. Perda de uma chance como dano moral

 

Outros autores, como Antônio Jeová Santos, parecem inserir o dano da perda de uma oportunidade no contexto dos danos extrapatrimoniais. Assim, para este autor, não sendo caso de mera conjectura, a perda de uma chance funcionará como um “agregador do dano moral”.53

Seguindo essa corrente, vários julgados pátrios simplesmente ignoraram o dano material decorrente da perda de uma chance, exatamente pelo fato de a terem considerado como modalidade de dano moral. Podemos destacar os seguintes arestos:

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. NÃO AJUIZAMENTO TEMPESTIVO DE DEMANDA TRABALHISTA PARA A QUAL O MANDATÁRIO HAVIA SIDO CONTRATADO. HIPÓTESE DE PERDA DE UMA CHANCE PARA O CLIENTE. DESÍDIA PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. A conduta desidiosa do advogado que, por deixar de promover a ação judicial para a qual foi contratado, permite que prescreva o direito do cliente, caracteriza a figura da "perda de uma chance", ensejando indenização de natureza moral.54

MANDATO. INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. DANO MORAL. CONDUTA CULPOSA NA DEFESA DE DIREITOS DO CLIENTE. ATRASO DO ADVOGADO SEM MOTIVO JUSTIFICÁVEL EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. REVELIA E CONFISSÃO. OCORRÊNCIA. DANO MATERIAL. REMUNERAÇÃO INDEVIDA. OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO. NEGLIGÊNCIA DO PATRONO QUE MOTIVA A PERDA DE UMA CHANCE. RESSARCIMENTO APENAS DO DANO MORAL. CABIMENTO. O atraso do advogado, sem motivo justificável, em audiência de instrução, determinando revelia e confissão, caracteriza falta grave, nos termos do artigo 34, inciso IX, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Não é matematicamente certo que, se fosse diligente e cuidadoso o advogado, a autora sairia integralmente vencedora nas ações, sem condenação alguma. A obrigação do advogado é de meio, não de resultado. A negligência do advogado inviabilizou a chance de vencer as demandas e nada ser pago. É esta chance que foi perdida, não os valores decorrentes das condenações nas reclamações trabalhistas. Por isso, a indenização passível de ser cogitada é apenas de natureza moral.55

RESPONSABILIDADE CIVIL. INFORMAÇÕES DESABONATÓRIAS SOBRE A CONDUTA DO AUTOR. PERDA DA CHANCE. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANO MATERIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

I – Indubitável que a ré é responsável pelos atos de seu preposto que, por ordem ou não de seus superiores, forneceu informações inverídicas sobre a conduta do autor, informações estas, determinantes para a não contratação deste por outras empresas.

II – Dano material afastado. Ausência de comprovação.

III – Danos morais. Manutenção do quantum.

Apelos improvidos.56

RESPONSABILIDADE CIVIL. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO PAGO E NÃO CADASTRADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE.

1. Hipótese na qual o autor adquiriu título de capitalização, que foi pago em 08/05/2002. Entretanto, não recebeu o título e, ao consultar a central de atendimento da Federal Capitalização S/A, segunda ré, verificou que não havia título em seu nome e CPF. Assim, resta caracterizada a falha no serviço.

2. É caso de inadimplemento contratual, e responsabilidade das rés pela inexecução do ajuste. A abrangência do artigo 403 do CC não autoriza a reparação do dano remoto, o que ocorreria se levado em conta o valor do prêmio que poderia ser obtido. A chamada teoria da perda de uma chance, em caso como o dos autos, deve ser equacionada dentro da reparação do dano moral, e sua carga lateral punitiva.

3. Admitido que a ré pudesse sair livre da situação, apenas devolvendo o valor aplicado, seria ofensa à dignidade de todos os consumidores que, como o autor, fazem a sua fé na sorte. Dano moral em grau mínimo, apenas para evitar a repetição de condutas, e ora fixado com parcimônia, à luz de precedentes idênticos, inclusive desta própria Turma.

4. Sentença reformada. Apelação do autor provida em parte. Apelação da CEF desprovida.57

O arbitramento dos danos extrapatrimoniais obedece a critérios menos rígidos do que aqueles respeitados na quantificação de danos patrimoniais. Assim, pela dificuldade encontrada para quantificar danos patrimoniais relativos à perda de uma chance, alguns tribunais preferem considerar as chances exauridas como meros danos morais, devido ao subjetivismo mais acentuado na sua quantificação.58

Entretanto, há casos em que o julgador não poderá indenizar o dano material decorrente da chance perdida, por não se tratar de uma chance séria e real, mas que, ainda assim, poderá considerar a perda de mera expectativa como sendo apta a gerar dano moral. Como exemplo podemos citar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação Cível nº 179.6754/6:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. Pleito fundado na alegação de conduta culposa do advogado no curso de outra demanda judicial, culminando com o não recebimento de recurso de apelação, em razão da extemporânea devolução ao cartório dos autos do respectivo processo. Configuração de dano moral, mercê da frustração de legítima expectativa quanto à possibilidade de acolhimento do recurso. Caracterização da perda de chance. Inocorrência, todavia, de dano material indenizável, posto que o suposto prejuízo econômico da autora resultou de decisão judicial, cuja hipotética possibilidade de reforma não enseja a caracterização de dano material certo e diretamente decorrente da conduta do réu. Reconhecimento da sucumbência recíproca - Recurso provido em parte.59

Na lição de Jacques Boré, nota-se que a vítima, pela perda de uma chance, não requer qualquer tipo de dano que tenha elementos diferenciadores do prejuízo final. Desse modo, se a perda da vantagem esperada representa um dano moral, a perda da chance também será um prejuízo extrapatrimonial, o mesmo ocorrendo com o dano material, se este for a categoria na qual se encaixe o prejuízo derradeiro.60

Pelo exposto, é indubitável que, em determinados casos, a quebra de expectativa, além de representar um dano material, poderá também ser considerada uma nuança do dano moral. O que não se pode admitir é considerar o dano da perda de uma chance como sendo um dano exclusivamente moral, tendo em vista que a chance em si possui evidente valor de mercado e, portanto, de natureza patrimonial.

 

13.6. Posicionamento de Fernando Noronha

 

O professor Fernando Noronha propõe uma análise peculiar acerca da matéria. Denomina a perda de uma chance clássica como a “frustração da chance de obter uma vantagem futura”.61 Nesta hipótese encontram-se os casos em que o processo aleatório foi interrompido e a vantagem esperada não se concretizou, ou foi impossível evitar que um prejuízo ocorresse. Assim, no fundo, esta primeira classificação não apresenta consequências diferentes da ideia de perda de uma chance clássica desenvolvida pela doutrina francesa.

A segunda classificação refere-se a “frustração de evitar um dano que aconteceu”, desmembrando-se em duas outras modalidades, a saber; a “perda de uma chance de evitar que outrem sofresse um prejuízo” e a “perda de uma chance por falta de informação”. Trata-se de casos em que o processo aleatório continua, porém com uma margem de incerteza quanto ao que poderia acontecer se houvesse sido praticado algum ato passível de interromper o evento danoso presente.62

Percebe-se que o autor expressamente vincula os “casos clássicos” à modalidade de danos futuros e a “frustração da chance de evitar um dano que aconteceu” aos danos presentes. Cumpre registrar que os danos presentes ou atuais são aqueles efetivamente ocorridos até o momento de sua apreciação pelo magistrado. Por outro lado, são ditos de futuros, aqueles danos que só ocorrerão depois da valoração do juiz da causa, embora ainda como consequência adequada e necessária do fato lesivo.63

Noronha, então, propõe a utilização dos conceitos de causalidade parcial e alternativa, porém com a quantificação do prejuízo sempre parcial, relacionada às chances subtraídas e nunca de forma a reparar integralmente o dano final. Logo, seria analisado o grau de probabilidade com que cada fator pode ter contribuído para o prejuízo final na medida de sua relevância no eventus damni.64

 

13.7. Perda de uma chance na justiça do trabalho

 

A doutrina e jurisprudência admitem a aplicação da teoria na seara juslaboral. Após o alargamento da competência da justiça do trabalho engendrada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, as possibilidades de reparação de danos pela perda de uma oportunidade encontra um campo fértil nas indenizações por dano moral latu sensu e decorrentes de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.65

Embora incipiente, a jurisprudência trabalhista apresenta alguns julgados sobre a matéria que merecem certo destaque:

PERDA DE CHANCE. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. No campo da responsabilidade civil existe uma construção doutrinária segundo a qual a lesão ao patrimônio jurídico de alguém pode consistir na perda de uma oportunidade, de uma chance de se beneficiar de uma situação favorável ou de evitar um acontecimento desfavorável. Há, aí, um prejuízo específico, desvinculado do resultado final. Como se trata de uma chance, existe, ao lado do prognóstico negativo, também a previsão da ocorrência de um resultado positivo, embora a conduta do agente obste que se conheça o desfecho do caso. Não se podendo garantir o resultado favorável, tampouco se pode vaticinar a obtenção do resultado desfavorável. O dano se evidencia pela perda da chance, sendo tanto mais grave quanto maiores forem as probabilidades em relação a um certo resultado. Exemplos típicos são o do estudante que não consegue fazer uma prova; o da pessoa de carreira promissora, que vem a ser vítima de um acidente; o do cliente cujo advogado não ajuíza uma determinada ação, etc. Nesse caso, não há propriamente dano material, pois se trata de uma hipótese. Se, porém, a conduta do agente lesa os direitos da parte, privando-a da oportunidade de obter os benefícios de uma dada situação, ou de evitar os malefícios de uma outra, essa perda da chance dá lugar a uma compensação, proporcional ao valor da chance perdida.66

APELO OBREIRO. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. A reparação civil pela perda de uma chance é devida quando provados os seguintes requisitos: conduta (ação ou omissão); dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo; e nexo de causalidade entre a conduta e o dano. No caso dos autos, o mencionado dano não se verificou, muito embora o Obreiro tenha se submetido a concorrido concurso público, porquanto houve apenas a extinção do contrato de experiência, que atendeu uma de suas finalidades, qual seja, avaliar as aptidões do Reclamante. Como o Obreiro, por sua própria culpa, não atendeu às expectativas patronais, por óbvio, não tem qualquer direito à reparação civil no particular. Apelo obreiro improvido.67

Os casos mais emblemáticos da aplicação da teoria da perda de uma chance dizem respeito à seara trabalhista. Considerando que o meio ambiente de trabalho mescla o fator de produção com as chances aleatórias de cada trabalhador, muitas vezes a vítima encontra-se em uma situação vulnerável diante do poderio econômico do empregador sem ter elementos que possibilitem a comprovação do dano sofrido.

Assim, com o intuito de sopesar o desnível dessa relação, admite-se a aplicação desta teoria com o fito de indenizar integralmente o empregado, principalmente em hipóteses de acidente de trabalho nos quais há uma gama imensurável de chances perdidas.

 

13.8. Perda de uma chance na seara médica

 

Embora este trabalho não tenha como desiderato esboçar um estudo acerca da responsabilidade civil do médico, justamente pelo fato do tema demandar um estudo mais apropriado e específico, alguns julgados brasileiros têm utilizado a teoria da perda de uma chance na seara médica.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. PRONTO SOCORRO MUNICIPAL. MORTE DE PACIENTE. ATENDIMENTO INADEQUADO. CULPA COMPROVADA. PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS DEVIDOS. O Município é responsável pelo ressarcimento dos danos morais perpetrados por médico que, na qualidade de agente público de Pronto Socorro Municipal, não fornece atendimento adequado à paciente que apresenta fortes dores no peito, e logo depois vem a falecer por infarto agudo do miocárdio. Para o caso, revela-se manifesta a culpa do médico que, agindo negligente e imprudentemente, contribui para a perda da chance de sobrevivência da paciente. Recurso não provido. Sentença mantida. 68

INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. Falecimento do filho da Autora decorrente de acidente de trânsito, após várias internações no Hospital Réu. Alegação de erro médico. R. Decisão declarando a perda da vinculação da Ilustre Juíza que presidiu a audiência de instrução e julgamento, frente a sua promoção. Aludido R. Julgado que não foi objeto de Recurso em ocasião oportuna. Matéria que se encontra preclusa. Se assim não o fosse e, pior, aplicar-se-ia o artigo 132 do CPC. Preliminar de nulidade da R. Sentença que não merece prestígio. Prova pericial revela a desídia dos prepostos da Suplicada nos procedimentos cirúrgicos necessários, mormente a intervenção craniotomia exploradora. Perda da chance em curar o paciente e, quiçá, evitar o seu óbito. Teoria francesa: perte d´une chance. Vários precedentes deste Colendo Sodalício como transcritos na fundamentação. Responsabilidade de indenizar que se mostra evidenciada. De cujus que era menor à época do sinistro. Pensionamento de meio salário mínimo que se mostra correto, até a idade que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco ) anos. Honorários advocatícios fixados na forma do § 3° do artigo 20 do Estatuto Processual Civil. Autora enfatiza expressamente que o seu filho laborava e recebia mensalmente a quantia correspondente a meio salário mínimo. Preliminar Rejeitada e Negado Provimento a ambos os Recursos.69

No Brasil, Gerson Luiz Carlos Branco defende a aplicação clássica da perda de uma chance na seara médica, contudo, não desenvolve raciocínio acerca da vinculação necessária ao aparecimento de um dano final.70

Merece certo destaque a obra do jurista Kfouri Neto, para quem, não obstante a álea de incerteza que envolve a responsabilidade civil pela perda de uma chance, “a simples negação da teoria atribuiria ao médico o privilégio injustificado de poder utilizar, sempre, a dúvida científica para escapar a sua responsabilidade”.71

 

13.9. Perda de uma chance e a responsabilidade civil do advogado

 

Desde o Código de Justiniano, passando pelas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas até os dias atuais, têm-se responsabilizado veementemente a conduta desidiosa do causídico.

A responsabilidade do advogado pode ser apurada sob três aspectos distintos: a) a responsabilidade disciplinar, que é verificada pelo Estatuto, Regulamento e Código de Ética; b) a responsabilidade penal, decorrente da prática de ilícitos de natureza criminal e; c)
a responsabilidade civil, decorrente de contrato, da culpa, dos atos ilícitos.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, o advogado é um fornecedor de serviços, e seu cliente um consumidor desses serviços. Assim, o advogado pode ser responsabilizado tanto pela via civilista aplicável como pela legislação consumerista.

Não é qualquer erro que irá gerar o dever de indenizar, pois este há de ser inescusável, ou seja, é o chamado erro grosseiro, de fato ou de direito, fruto da ignorância do texto expresso de lei ou em virtude de patente imperícia.

Sérgio Novais Dias admite a aplicação da teoria da perda de uma chance nos casos em que a conduta negligente do advogado (não interposição de recurso) resulte na perda da chance de ver a matéria processual rediscutida.72

Muitos são os julgados que responsabilizam o advogado desidioso pela perda de chances. Como já foram citados alguns acórdãos referentes à matéria, apenas a título de curiosidade, colaciono estes dois julgados:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ADVOGADO. RECURSO INTERPOSTO INTEMPESTIVAMENTE. PERDA DE UMA CHANCE. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. MONTANTE. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE. AUSÊNCIA. DESERÇÃO.

1 – Responsabilidade civil do advogado que interpõe recurso fora do prazo legal. Alegação da ocorrência de greve por parte dos juízes federais, e conseqüente dedução de que houve a suspensão dos prazos processuais. Negativa de matrícula em disciplina na faculdade de Medicina. Mandado de segurança denegado. Hipótese de perda de uma chance a configurar o nexo causal ensejador de reparação do dano moral sofrido pela impetrante.

2 - Valor fixado na sentença a título de ressarcimento por danos morais (10 salários mínimos) que permanece inalterado já que consentâneo com as circunstâncias do caso concreto e com os parâmetros adotados pela Câmara.

3 – Em não havendo pedido anterior, e tampouco concessão do benefício da gratuidade, faz-se indispensável o pagamento das custas, juntamente com a interposição da apelação. Segundo a regra do art. 511 do CPC, o preparo deve ser comprovado no momento da interposição do recurso, sob pena de ser este considerado deserto. Ausência da comprovação da necessidade. Deserção verificada. Improveram os apelos da autora e do co-réu Luiz Carlos, e não conheceram do recurso do co-réu Guaraci.73

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - ADVOGADO - DESÍDIA - APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE - RECURSO PROVIDO.
Caracteriza conduta culposa do procurador pela formulação de pedido genérico, ainda mais se intimado a suprir tal vício e não o fizer, ensejando a extinção do feito sem julgamento de mérito e, posteriormente, o reconhecimento da prescrição noutro feito pela demora no novo ajuizamento da ação. Demonstrados, assim, os prejuízos da parte pela conduta culposa de seu procurador, em uma causa que ela teria mais que simples expectativa do direito, é evidente o dever de indenizar, notadamente frente à Teoria da Perda de Uma Chance.74

O advogado como qualquer outro profissional está sujeito a sanções caso não cumpra adequadamente o seu mister. Mesmo que não alcance a tutela jurisdicional pretendida pelo cliente, deve o causídico agir com ética e desvelo em seu ofício, utilizando de todos os meios legais que estejam ao seu alcance para o êxito da demanda.

 

14. TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

O Superior Tribunal de Justiça não faz uso explícito da teoria da perda de uma chance. Contudo, com a utilização do sistema de responsabilidade civil encontrado em nosso ordenamento e justamente por ser a mais alta corte infraconstitucional de nosso país, vê-se obrigado a julgar espécies que se enquadrariam entre os exemplos mais clássicos de reparação por chances perdidas.

Dentre os julgados, podemos destacar o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CONDENAÇÃO A RESSARCIR DANO INCERTO. PROCEDÊNCIA. Os arts. 1.059 e 1.060 exigem dano “efetivo” como pressuposto do dever de indenizar. O dano deve, por isso, ser certo, atual e subsistente. Incerto é dano hipotético, eventual, que pode vir a ocorrer, ou não. A atualidade exige que o dano já tenha se verificado. Subsistente é o dano que ainda não foi ressarcido. Se o dano pode revelar-se inexistente, ele também não é certo e, portanto, não há indenização possível.

A teoria da perda da chance, caso aplicável à hipótese, deveria reconhecer o dever de indenizar um valor positivo, não podendo a liquidação apontá-lo como igual a zero.

Viola literal disposição de lei o acórdão que não reconhece a certeza do dano, sujeitando-se, portanto, ao juízo rescisório em conformidade com o art. 485, V, CPC.

Recurso Especial provido.75

O acórdão mais emblemático do Superior Tribunal de Justiça que se tem notícia foi proferido no invulgar caso do “Show do Milhão”76, que pode ser assim resumido: A autora da ação havia participado do programa televisivo “Show do Milhão”, comandado pelo apresentador Silvio Santos e veiculado no SBT. Trata-se de um concurso de perguntas e respostas cujo prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro é oferecido ao participante que responder corretamente a uma série de questões versando sobre conhecimentos gerais. De acordo com o regulamento do programa, a cada pergunta respondida de forma correta, o participante perceberia gradativamente parte do prêmio em barras de ouro, de forma que, caso acertasse a penúltima pergunta, o participante acumularia R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Nesse caso, o apresentador do programa projeta na tela a última pergunta, a chamada “a pergunta do milhão”. Após ler a pergunta, o participante tem alguns segundos para optar por responder a pergunta ou parar. Optando por responder, caso responda de maneira correta o participante recebe outros R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), completando um milhão de reais em prêmios. Por outro lado, se errar, perde os R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) acumulados ao longo de sua participação, recebendo apenas um prêmio simbólico de trezentos reais (trezentos reais). Se, no entanto, o participante prefere não responder a pergunta, recebe os R$500.000,00 (quinhentos mil reais) em barras de ouro acumulados ao longo de sua participação no programa.

A autora da ação tinha logrado êxito nas respostas a todas as perguntas formuladas, tendo chegado à “pergunta do milhão”, acumulando, assim, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Apresentada a “pergunta do milhão”, a autora dessa ação optou por não respondê-la, por entender que a pergunta da forma em que fora formulada não havia como ser respondida. Assim, para não perder os quinhentos mil reais que já havia acumulado, a autora optou por parar. Todavia, por entender que a produção do programa teria agido de má-fé formulando uma “pergunta do milhão” que não tinha resposta, ajuizou ação requerendo o pagamento de indenização por danos materiais e morais.

O Juízo a quo proferiu sentença julgando procedente em parte os pedidos autorais, rejeitando, apenas, o pedido de indenização por danos morais. Conforme se verifica da parte dispositiva da sentença, não obstante ter deixado claro na fundamentação que a hipótese em análise era a de prejuízos relativos à perda de uma chance, o Juízo da 1ª Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador julgou procedente o pedido de indenização por danos materiais, condenando a ré ao pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quantia essa que a autora receberia se uma pergunta passível de resposta tivesse sido apresentada e ela tivesse acertado a resposta.

Após a manutenção da r. sentença pelo Tribunal de Justiça da Bahia, o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, tendo o Ministro Relator Fernando Gonçalves defendido a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Assim, por entender que a conduta da ré fez com que a autora perdesse a oportunidade de ganhar o prêmio máximo, fixou a indenização com base no percentual das chances que ela teria de acertar a resposta à “pergunta do milhão”, se corretamente formulada. Assim, acolheu o recurso especial para reduzir a indenização a 25% do que a vítima receberia caso acertasse a resposta, já que diante da pergunta ela teria quatro opções de resposta.

Embora, Sérgio Savi conclua que o acórdão tenha extrapolado os limites da reparação da chance, isto é, tenha indenizado uma expectativa inferior a 50% de certeza, 77 o julgado está revestido de todos os parâmetros fixados pela teoria, com a utilização implícita da causalidade parcial, anteriormente discutida.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula 491, mostrou-se favorável à aplicação da referida teoria, in verbis:

“É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.”

Destacam-se algumas ementas de julgados do Supremo Tribunal Federal:

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE EM ESTRADA DE FERRO. SÚMULA 491. DISSIDIO CONFIGURADO. A pensão indenizatória não se deve limitar a idade que a vítima poderia, legalmente, exercer o trabalho remunerado, incidindo a partir da data do acidente. Precedentes do STF. Recurso conhecido e provido.78

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE MENOR, COM SEIS ANOS DE IDADE. SÚMULA 491. O pensionamento deve dar-se a partir do evento. Recurso extraordinário conhecido e provido.79

Ora, sempre que se adota um raciocínio desse nível, há elementos de certeza e de probabilidade no julgamento. A ideia do entendimento contido na referida Súmula visa não só a perda da ajuda (chance) futura que o menor poderia vir a proporcionar, mas também a indenização de um dano moral pela perda de satisfações fraternais lícitas e não apenas alimentares.

 

15. PRINCÍPIO IURA NOVIT CURIA

 

Uma questão bastante interessante diz respeito ao pedido equivocado ou inadequado da pretensão reparatória da perda de uma chance. Assim, mesmo que o juiz esteja diante de um pedido certo de indenização por lucros cessante e chegar à conclusão de que o caso é de perda de uma oportunidade, poderá ele conceder uma indenização a tal título.80

O princípio iura novit curia traduz-se no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la por sua própria autoridade. Ao magistrado cabe conhecer o nomen iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da demanda e respectivo direito subjetivo de demandar.

Nada obstante a adequação jurídica empreendida pelo órgão judicial nessa matéria, as partes devem traçar os limites em que a lide será debatida, evitando a investigação exclusiva do magistrado. Portanto, lançando mão de um pedido indenizatório correto, a defesa e a decisão final serão equivalentes e com uma margem de erro bem estreita, além de proporcionar a formulação, pelos Tribunais, de jurisprudências com a correta valoração jurídica das chances perdidas.

 

16. QUANTIFICAÇÃO DA CHANCE PERDIDA E O AN DEBEATUR

 

A apuração do valor da indenização baseada na perda de uma oportunidade é questão ainda bastante controvertida em nosso ordenamento jurídico. Não existem parâmetros taxativos para esta apuração e o juiz deve fixar o valor de forma equitativa e justa, auscultando as características do caso concreto.

Assim, levando-se em conta o novo paradigma da responsabilidade civil, em que os requisitos estão bastante atenuados, preciosa é a lição de Aguiar Dias ao afirmar que “a condição de impossibilidade matematicamente exata da avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e não em seu prejuízo”.81

A fixação da indenização deve ser realizada através de arbitramento em sentença, utilizando-se sempre a “regra de granito” que limita a quantificação das chances perdidas a um valor obrigatoriamente menor do que a vantagem final esperada pela vítima, segundo dados técnicos e periciais.82

Aguiar Dias, ao criticar uma sentença proferida por um magistrado carioca em 1929, traça um importante requisito para a quantificação das chances perdidas; o an debeatur:

“Magistrado bisonho, confortado por acórdão do 1º Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, como votos vencidos que lhe salvaram a eminente reputação, decidiu que o advogado não é responsável pela perda de prazo, em recurso de reclamação trabalhista, porque esse fato não constituía dano, só verificável se o resultado do recurso fosse certo. Confundiram-se o an debeatur e o quantum debeatur, por má informação sobre o conceito de dano. Sem dúvida que este deve ser certo e provado desde logo na ação. Mas o dano, na espécie, era a perda de um direito, o de ver a causa julgada na instância superior. Se a vitória não podia ser afirmada, também o insucesso não o podia. E este, ainda que ocorresse, correspondia ao quantum debeatur, o que sucede mais vezes do que supõem os que desconhecem a distinção, pois, ainda que ganha uma causa, a liquidação pode ser negativa, isto é, não representar valor pecuniário.”83

Desse modo, a relativa indeterminação da chance é restrita ao aspecto quantitativo do pedido (quantum debeatur), sendo inaceitável qualquer indeterminação no tocante ao ser do pedido (an debeatur).

Ocorre que a jurisprudência brasileira ainda é bastante vacilante nesse quesito. Sem uma menção expressa à metodologia empregada para se chegar ao valor conferido à vítima, percebe-se uma quantificação realizada sem qualquer critério técnico, apenas por mero sentimentalismo.

Tal situação é empiorada pelo grande número de decisões judiciais que decide pela quantificação do dano em procedimento de liquidação de sentença. A respeito disso, cita-se o seguinte aresto:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E APELAÇÕES INTERPOSTAS FORA DO PRAZO LEGAL. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE DILIGÊNCIA. PERDA DE PRAZOS. NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS. DANO. EXISTÊNCIA. FORMA DE LIQUIDAÇÃO. AÇÃO PROCEDENTE. O advogado tem o dever de manifestar recurso ordinário "oportuno tempore", respondendo por sua interposição intempestiva. A perda de prazo, como ensina Jose Aguiar Dias, "constitui erro grave, a respeito do qual não e possível escusa, uma vez que os prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado o ignore" ("Da Responsabilidade Civil", vol. 1, p. 348, Forense - 1987 - 8a. edição). O prejuízo da parte consiste na perda da possibilidade de ver apreciado o mérito da causa na instancia superior. Não se configurando qualquer causa de exclusão de responsabilidade civil do advogado, impõe-se a procedência do pedido indenizatório, com fixação da indenização através de arbitramento em liquidação de sentença, levando-se em conta que o dano corresponde apenas a perda de uma chance.84

Tirante a vertente doutrinária sobre causalidade alternativa, o Tribunal de Justiça do Paraná somente poderia ter remetido para a liquidação de sentença o cálculo da quantificação da indenização da chance perdida (quantum debeatur) se tivesse aferido antes a existência do an debeatur, isto é, que as chances de reforma do julgado eram superiores a 50%.85

Então, para a fixação do valor, o juiz deve partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. A avaliação da intensidade da chance perdida é essencial para esta quantificação. Desta forma, o juiz fixará o valor conforme a probabilidade da chance de se alcançar o resultado útil esperado.

Por fim, quando for impossível atribuir um conteúdo patrimonial à possibilidade de se obter uma determinada vantagem, o juiz deve considerar a chance perdida como um agregador extrapatrimonial, ou seja, uma forma de majorar a indenização por danos morais.

 

17. CONCLUSÃO

 

Ao longo do tempo, modificou-se o padrão de indenização em relação aos danos civis. Antes a utilização do instituto voltava-se mais à punição do infrator, período no qual não era possível diferenciar a responsabilidade civil da penal.

Com a objetivação da responsabilidade e a coletivização dos direitos fundamentais, buscou-se um maior amparo à vitima do dano pelo ordenamento jurídico. Assim, a reparação civil passou a ter por escopo a satisfação integral do dano causado, visando compensar o lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente do ato ilícito, sem gerar um enriquecimento sem causa ao prejudicado.

Vive-se numa era de incertezas, onde os danos sofridos muitas vezes não são passíveis de uma comprovação robusta pela vítima. A vulnerabilidade de algumas relações sociais tem ocasionado uma procura minuciosa de institutos que supram a falibilidade dos instrumentos jurídicos existentes.

Nesse contexto, a teoria da perda de uma chance constitui-se justamente num modo de possibilitar à vítima o recebimento de alguma reparação, quando, de acordo com a teoria tradicional, este indivíduo ficaria desamparado.

Esta teoria encontrou pouca repercussão no direito brasileiro. Os doutrinadores tradicionais desenvolveram o tema de forma sucinta, limitando-se a esboçar seu conceito e exemplificar alguns casos em que seria possível sua aplicação, por exemplo, na responsabilidade civil do advogado. Entretanto, ao se analisar a teoria à luz do direito comparado, observa-se que a doutrina e jurisprudência estrangeira apresentam grande desenvolvimento na aplicação da perda de uma chance, sobretudo no direito francês, norte-americano e italiano.

As expectativas são fatores de comoção social. Algumas vezes, uma chance, pela influência psicológica que exerce sobre o indivíduo, pode representar uma gama de sonhos e esperanças na consecução de um futuro melhor, ou até mesmo possuir um valor sensorial maior do que a vantagem final esperada.

A chance pode ser caracterizada como o patrimônio ínsito de cada indivíduo consubstanciado na obtenção de uma vantagem futura ou de se evitar um prejuízo remoto. O próprio fato de viver ou sobreviver induz necessariamente a ideia de riscos e, por consequência, a perda de chances de escolhas feitas ao longo da vida. Assim, nunca se saberá o resultado do processo aleatório no qual a vítima está inserida, isto é, se a chance restaria infrutífera, apenas como mera expectativa incerta; ou se a chance resultaria na vantagem final almejada.

Resta averiguar, no caso concreto, se as chances perdidas são passíveis de reparação jurídica. Dois são os critérios apontados pela doutrina e jurisprudência para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance. O primeiro diz respeito à seriedade das chances ultrajadas; para que a demanda seja digna de procedência, a chance deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. O segundo, prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem final.

A natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance é dúplice, pois pode ser compreendida dentro de um conceito diferenciado de dano, ou ser um conceito mais alargado do nexo de causalidade. Assim, divide-se a teoria da perda de uma chance em duas vertentes: a perda de uma chance clássica, na qual é possível visualizar um dano autônomo, caracterizado na própria chance perdida e plenamente independente da vantagem esperada (dano final); a perda de uma chance vinculada ao nexo de causalidade, nas causas em que se deve recorrer a um conceito menos ortodoxo de causalidade.

A perda de uma chance clássica ocorre sempre que o processo aleatório é interrompido antes do seu final e seja possível, assim, isolar a perda da chance como um dano autônomo. Não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela possibilidade real e séria de consegui-la. Para tanto, a teoria faz uma distinção entre resultado perdido e as chances vituperadas, relativizando o conceito de dano.

Muito embora não haja uma previsão expressa quanto à usurpação de chances, o Código Civil brasileiro possui uma cláusula geral de conceitos abertos (art. 186) que permite a valoração, pelo julgador, de danos outros que não estejam tipificados em nosso ordenamento.

Porém, da leitura dos artigos 402 e 403 do Código Civil, denota-se a intenção clara do legislador em admitir somente os prejuízos efetivos e os lucros cessantes como formas de perdas e danos devidos à vítima. Assim, quaisquer outras espécies de danos materiais que não estes devem estar previstos em lei, não cabendo uma interpretação ampliativa para uma terceira fattispecie.

Nega-se o enquadramento destas chances como lucros cessantes, posto que a conduta do réu não é condição necessária para o aparecimento do dano final, mas apenas para a perda da chance imediata e presente de auferir a vantagem esperada. Assim, as chances conspurcadas seriam mais bem classificadas como danos emergentes, já que, por constituírem o patrimônio da vítima no momento da ação danosa, equivalem ao prejuízo efetivamente sofrido.

Por sua vez, a perda de uma chance ligada ao nexo de causalidade é bastante comum no campo da medicina, muito embora não se restrinja a esta. Ocorre quando a conduta do ofensor subtrai chances da vítima, mas o processo aleatório continua a correr e chega a seu fim. Nestes casos, a doutrina estrangeira entende que é impossível isolar o dano consubstanciado na chance perdida, pois se no final do processo aleatório não houvesse o resultado danoso, seria impossível visualizar alguma possibilidade subtraída. Desta forma, recorre-se à causalidade parcial ou a uma atenuação do ônus probatório da causalidade, a fim de indenizar as chances subtraídas da vítima.

Novamente, ao se analisar o artigo 403 do Código Civil, a condição adequada e imediata (conditio sine qua non) do nexo causal diz respeito não à intensidade da conduta danosa, mas à potencialidade negativa desta no patrimônio jurídico da vítima.

O próprio parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, de forma indireta, admite a reparação de condutas mínimas e, consequentemente, abre espaço para uma interpretação mitigada em relação ao nexo causal. Ora, o liame de causalidade penal é diferente do liame de causalidade civil, enquanto que o primeiro exige um grau de certeza quase absoluto entre a conduta e o dano, o segundo configura-se apenas com a simples propensão danosa da conduta na formação do ilícito.

Dessume-se, então, que a causalidade parcial poderá ser utilizada, mesmo que de forma principal, para atenuar o fardo da vítima em relação à comprovação do liame causal. Agindo dessa maneira, o julgador atenderá aos princípios norteadores da responsabilidade civil, além de indenizar integralmente a vítima, punirá o ofensor e desestimulará a conduta prejudicial.

A adoção da teoria pelos tribunais brasileiros analisados neste trabalho é ainda incipiente. Contudo, da análise de alguns julgados, denota-se que os tribunais mensuram a indenização de perda de chances de maneira equivocada, confundindo conceitos e demonstrando desconhecimento acerca da matéria.

A jurisprudência não assentou um parâmetro fixo para avaliar a seriedade das chances perdidas. Por vezes, ocorre a reparação de danos extremamente hipotéticos, em total desapego aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Outras vezes, indenizam-se equivocadamente as chances conspurcadas, sendo estas enquadradas como danos morais ou lucros cessantes. Porém, o que mais se nota é o conservadorismo ainda arraigado quando alguns magistrados se deparam com o tema, por incúria deixam de prestar a devida tutela jurisdicional para as verdadeiras vítimas.

Por fim, em que pese os reiterados erros cometidos, é possível vislumbrar um gradativo aperfeiçoamento na aplicação da teoria da perda de uma chance no Brasil. O grande aumento do número de demandas que envolvem este tema nos últimos anos é reflexo da repercussão desta teoria entre os operadores jurídicos. Assim, utilizando-se do modelo estrangeiro como fonte direta para a produção de soluções domésticas, as chances perdidas são reparáveis, desde que considerados os critérios fixados e probabilidades de cada caso concreto.

 

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1 Juiz do Trabalho Substituto da 14ª Região; Pós-graduado em Direito do Trabalho pela UCDB e Pós-graduado em Direito Constitucional pela UFG.

2 José de AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, 1997, p. 11.

3 Fernando NORONHA, Direito das Obrigações, 2003, p. 540.

4 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 06.

5 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 75.

6 Ibidem, p. 76.

7 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 35.

8 Idem.

9 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 48.

10 Ibidem, p. 49.

11 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 50.

12 Ibidem, p. 60.

13 Ibidem, p. 63.

14 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 33.

15 Ibidem, p. 68.

16 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 70.

17 Ibidem, p. 83.

18 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 97.

19 Ibidem, p. 98.

20 Ibidem, p. 112.

21 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 113.

22 Ibidem, p. 116-33.

23 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 07.

24 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 07.

25 Ibidem, p. 10.

26 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 11.

27 Ibidem, p. 12-3.

28 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 25-6.

29 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 149.

30 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 151.

31 Ibidem, p. 161.

32 Ibidem, p. 157.

33 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 165.

34 Ibidem, p. 152.

35 Ibidem, p. 168.

36 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 170-1.

37 Ibidem, p. 174.

38 Ibidem, p. 177.

39 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 178.

40 Ibidem, p. 179.

41 Ibidem, p. 180.

42 Raimundo Simão de MELO, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, 2006, p. 325.

43 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 102.

44 TRT23, Recurso Ordinário nº 00831.2005.056.23.00-3, 2ª Turma, Rel. Des. Luiz Alcântara, j. em 02/05/2007.

45 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 103.

46 Maria Helena DINIZ, Responsabilidade Civil, 2006, p. 73.

47 TJDFT, Apelação Cível nº 20040111230184, 6ª Turma Cível, Rel. Des. James Eduardo Oliveira, j. em 16/05/2007.

48 TJRJ, Apelação Cível nº 2007.001.47396, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia, j. em 26/09/2007.

49 Silvio de Salvo VENOSA, Direito Civil, Vol. IV, 2007, p. 32.

50 TJMS, Apelação Cível nº 2006.000199-0/0000-00, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan, j. em 28/03/2006.

51 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 228.

52 TJRJ, Apelação Cível nº 2007.001.45512, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Odete Knaack de Souza, j. em 19/12/2007.

53 Antônio Jeová SANTOS, Dano Moral Indenizável, 1999, p. 110.

54 TACSP, Apelação Cível n.º 648.037-00/9, 5ª Câmara Cível, Rel. Juiz Luís de Carvalho, j. em 31/10/2001.

55 TACSP, Apelação Cível n.º 620.806-00/0, 3ª Câmara Cível, Rel. Juiz Ferraz Felisardo, j. em 25/06/2002.

56 TJRS, Apelação Cível nº 70003568888, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, j. em 27/10/2002.

57 TRF2, Apelação Cível nº 368475, 5ª Turma Especial, Rel. Juiz Guilherme Couto, j. em 26/04/2006.

58 Maria Celina Bodin de MORAES, Danos à Pessoa Humana, 2003, p. 37.

59 TJSP, Apelação Cível nº 179.675-4/6, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia, j. em 16/09/2004.

60 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 199.

61 Fernando NORONHA, Direito das Obrigações, 2003, p. 668-9.

62 Ibidem, p. 668-82.

63 Fernando NORONHA, Direito das Obrigações, 2003, p. 578.

64 Ibidem, p. 682-4.

65 Raimundo Simão de MELO, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, 2006, p. 334.

66 TRT3, Recurso Ordinário nº 01518.2003.029.03.00.7, 3ª Turma, Rel. Des. Sebastiao Geraldo de Oliveira, j. em 26/11/2003.

67 TRT23, Recurso Ordinário nº 01196.2007.001.23.00, 2ª Turma, Rel. Des. Luiz Alcântara, j. em 04/06/2008.

68 TJPR, Apelação Cível e Reexame Necessário nº 163.061-5, Rel. Juiz Péricles Bellusci de Batista Pereira, j. em 30/11/2004.

69 TJRJ, Apelação Cível nº 2007.001.56301, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho, j. em 23/10/2007.

70 Gerson Luiz Carlos BRANCO, Responsabilidade civil por erro médico, 2000, p. 53-7.

71 Miguel KFOURI NETO, Responsabilidade Civil do Médico, 1998, p. 127.

72 Sérgio Novais DIAS, Responsabilidade Civil do Advogado na Perda de Uma Chance, 1999, p. 67.

73 TJRS, Apelação Cível nº 70006606487, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann, j. em 06/11/2003.

74 TJMS, Apelação Cível nº 2006.012757-9/0000-00, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Divoncir Schreiner Maran, j. em 26/09/2006.

75 STJ, Recurso Especial nº 965758/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 03.09.2008.

76 STJ, Recurso Especial nº 788.549/BA, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 08/11/2005.

77 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 79.

78 STF, Recurso Extraordinário nº 115814/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Célio Borja, j. em 11/10/1988.

79 STF, Recurso Extraordinário nº 115015/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Oscar Correa, j. em 22/03/1988.

80 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 71.

81 José de AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, 1997, p. 737.

82 Rafael PETEFFI DA SILVA, Responsabilidade Civil Pela Perda de Uma Chance, 2007, p. 205.

83 José de AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, 1997, p. 297.

84 TJPR, Apelação Cível nº 45.988-1, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Hoffmann, j. em 19/03/1996.

85 Sérgio SAVI, Responsabilidade Civil Por Perda de Uma Chance, 2006, p. 60.

Sobre o autor
Wagson Lindolfo José Filho

Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-assistente de Gabinete de Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-Professor da Escola Superior de Advocacia do Estado de Rondônia. Professor de cursos de Pós-graduação. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Católica Dom Bosco-MS. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI-SC. Máster Universitario en Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidad de Alicante-España. Autor de artigos científicos e obras jurídicas. Criador do Blog Magistrado Trabalhista (www.magistradotrabalhista.com.br).

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