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A aplicação do princípio da proporcionalidade às matérias processuais penais

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A aplicação do princípio da proporcionalidade às matérias de Processo Penal deve respeitar o procedimento de aplicação em seus três subprincípios, e não funciona meramente como argumento retórico que permita ao julgador decidir de forma solipsista.

Introdução

No mundo do Direito, sempre existiu uma celeuma doutrinária acerca daquele que seria, de fato, o núcleo central, o princípio do mundo jurídico, o princípio dos princípios ou princípio máximo, ao qual todos os demais deveriam curvar-se em sua compreensão e aplicação.

Tratar-se-ia de indicar o princípio que intervém na solução dos casos de conflitos entre princípios ou direitos.

Com base nesse pressuposto, o artigo tem como objeto a análise do Princípio da Proporcionalidade e sua aplicação às matérias Processuais Penais. O seu objetivo é verificar a constitucionalidade e necessidade da aplicação do Princípio da proporcionalidade às matérias que envolvem o Processo Penal.

Inicialmente, foi realizada uma incursão nos aspectos gerais da ideia de princípio. Em seguida, procurou-se demonstrar a consistência e funcionalidade do Princípio da proporcionalidade para então exemplificar situações práticas em que sua aplicação é realizada a um processo penal em curso. Finalmente expõe-se o contraponto de alguns autores da área ao uso do referido princípio.

Quanto à Metodologia, utilizou-se a base lógica indutiva para o desenvolvimento do trabalho (PASOLD, 2011).


1. Considerações preliminares sobre princípios

A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios. Canotilho (1995, p. 166-167) rejeita essa distinção e propõe em sua substituição a seguinte: “as regras e princípios são duas espécies de normas; a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas”.

Para distinguir, no âmbito do “superconceito” norma, entre regras e princípios, Canotilho (1995, p. 166-167) se utiliza de cinco critérios: “Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida; Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta; Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico; Proximidade da idéia de direito: os princípios são Standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça ou na idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”.

Ante a complexidade em torno da distinção entre regras e princípios, surgem duas questões fundamentais que envolvem o tema: “saber qual a função dos princípios: têm uma função retórica ou argumentativa ou são normas de conduta?” e “saber se entre princípios e regras existe um denominador comum, pertencendo à mesma família e havendo apenas uma diferença do grau, ou se, pelo contrário, os princípios e as regras são suscetíveis de uma diferenciação qualitativa”. (CANOTILHO, 1995, p. 166-167).

Canotilho (1995, p. 166-167) prossegue referindo que princípios são multifuncionais, portanto podem desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.

1.1. Princípios como mandamentos de otimização

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que estes são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas, sendo o âmbito das possibilidades jurídicas determinado pelos princípios e regras colidentes.

As regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas, considerando que, uma vez que ela valha, deve fazer-se exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. As regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.

A distinção entre regras e princípios é então, uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau, em sendo assim, toda norma é ou uma regra ou um princípio (ALEXY, 2011, p. 90-91; FERRACIOLI e GIRARDI, 2005, p. 399-416).


2. A ponderação no campo de aplicação da Constituição

A noção de ponderação é utilizada sempre que surge a necessidade de encontrar o direito para resolver casos de tensão entre bens juridicamente protegidos, situação que é frequente, especialmente quando há a necessidade de exercer-se o controle de constitucionalidade. Atrelada à colisão de direitos fundamentais, a técnica da ponderação de bens surge a partir da insuficiência da subsunção como técnica de aplicação do Direito quando da resolução de determinados problemas jurídico-constitucionais, em especial de casos concretos.

A ponderação nem sempre se faz necessária e deve mesmo ser utilizada de modo comedido e mediante o atendimento a determinados critérios. Trata-se de operação que reclama particular atenção em termos de uma adequada fundamentação (SARLET, 2012, p. 210-211).


3. Princípio da Proporcionalidade

Há duas noções de proporcionalidade, uma lata outra estrita.

Em sentido amplo, o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder.

Numa dimensão estrita, o princípio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo.

Nesta última acepção, há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.

A questão da finalidade domina cada ordem jurídica, de sorte que todos os sistemas de direito obedecem a um mandamento finalístico.

Do caráter teleológico do Direito infere ele também a questão instrumental; de modo que fim e meio, em razão da regra jurídica, se acham numa conexão normativa e também numa relação sistemática, determinada pelo conjunto do Direito e da Sociedade. Só a reflexão filosófica fundamenta a proporcionalidade na relação fim e meio em ordem a que se possa determinar se tal exigência conduzirá a um princípio geral do direito cristalizado na máxima na proporcionalidade (BONAVIDES, 2011, p. 392-398).

3.1. O princípio da proporcionalidade e seus subprincípios

Existem três elementos que governam a composição do princípio da proporcionalidade.

O primeiro é a pertinência, que nos deve dizer se determinada medida representa o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público, conforme a linguagem constitucional dos tribunais. Examina-se aí a adequação, a conformidade ou a validade do fim. Logo se percebe que esse princípio confina ou até mesmo se confunde com o da vedação do arbítrio, que por vezes é utilizado com o mesmo significado do princípio geral da proporcionalidade. Com o desígnio de adequar o meio ao fim se intenta alcançar, portanto, que a medida seja suscetível de atingir o objetivo escolhido, ou, que mediante seu auxílio se possa alcançar o fim desejado (BONAVIDES, 2011, p. 392-398).

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O segundo elemento da proporcionalidade é a necessidade, ao qual também se costuma dar tratamento autônomo e frequentemente identificá-lo com a proporcionalidade propriamente dita. Pelo subprincípio da necessidade, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária. De todas as medidas que igualmente servem à obtenção de um fim, cumpre eleger aquela menos nociva aos interesses do cidadão, podendo assim o princípio da necessidade ser também chamado de princípio da escolha do meio mais suave (BONAVIDES, 2011, p. 392-398).

O terceiro critério de concretização do princípio da proporcionalidade consiste na proporcionalidade mesma, tomada stricto sensu. A escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo. Quem utiliza esse princípio se defronta a um só tempo com uma obrigação e uma interdição; obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados (BONAVIDES, 2011, p. 392-398).

3.2. A fórmula Radbruch

É neste ponto que aparece a articulação da chamada fórmula Radbruch. Em grande síntese, essa fórmula prescreve que a extrema injustiça não é direito. A fórmula Radbruch encontra precedentes de sua utilização no Tribunal Constitucional Alemão. Entretanto tal fórmula não teve maior repercussão em virtude do que a rondava, ou seja, a possiblidade de um rompimento institucional com o ideal de segurança jurídica. Desse modo, procura-se utilizar a fórmula, dando-lhe novos contornos de modo que o problema da insegurança jurídica se mostre solucionado. Assim, estabelece-se um limite para a aplicação da fórmula. Não é em qualquer caso de grave injustiça que a fórmula se aplica, mas apenas naquelas em que haja uma extrema injustiça, sendo que por extrema injustiça se define substancialmente através de um descumprimento do núcleo dos direitos humanos. Portanto, a institucionalização da Justiça, dá-se através das Constituições que prevejam em seu bojo Direitos Humanos. Nessa medida, toda e qualquer violação a um direito humano fundamental, será, em contrapartida, uma violação ao ideal de Justiça, ensejando, em útlima análise a possibilidade de aplicação da fórmula Radbruch (STRECK, 2013, p. 343,367).


4. O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Processual Penal

Morais (2013) em sua tese de doutorado apresenta decisões na jurisprudência do STF que fazem relação entre o princípio da proporcionalidade e o Direito Processual Penal.

4.1. Da ilicitude da prova produzida por quebra ilegal do sigilo telefônico ou bancário

As decisões que relacionam a aplicação do princípio da proporcionalidade com a ilicitude das provas produzidas consideram três questões específicas: a violação da privacidade de domicílio, a quebra do sigilo mediante interceptações telefônicas e mediante informações bancárias.

O HC 90.376-2/RJ foi apresentado para restabelecer a sentença absolutória diante do reconhecimento da ilicitude das provas. O objeto da controvérsia seria a validade de provas obtidas mediante apreensão efetuada em quarto de hotel, sem autorização judicial. Isso porque havia mandado de prisão contra o acusado, que foi preso antes de adentrar o quarto do hotel. Após a prisão e com o porte das chaves do quarto, os policiais obtiveram as provas que dariam sustentáculo à ação penal. Entendeu o Min. Celso de Mello que nas circunstâncias verificadas, o quarto do hotel se revestia das características do conceito de casa, tida como inviolável a priori, pela Constituição Federal.

No RHC 88.371-1/SP, a validade da escuta telefônica deferida em período de 30 dias foi colocada em causa, arguindo-se acerca de sua desatenção legal presente a Lei nº 9.296/96. Isso porque haveria previsão legal da possibilidade de escuta telefônica pelo prazo de 15 dias, podendo ser renovada de acordo com decisão que fundamentasse a necessidade de prosseguimento para as investigações. O Min. Gilmar Mendes endossou a análise de proporcionalidade feita pelo TJSP no caso em que os direitos à segurança, proteção à vida, patrimônio não poderiam ser restringidos pelo direito à intimidade como forma de desculpar ou garantir liberdade daqueles que praticam condutas ilícitas. Considerou, para tanto, estar provado nos autos o tráfico de grande quantidade de entorpecentes. Haveria, ainda, necessidade de interceptações telefônicas e gravações clandestinas, o que poderia ser admitido juridicamente já que a intimidade ou inviolabilidade seria um princípio de menor relevância ou valor social. Decidiu-se, portanto, pelo desprovimento do recurso.

No MS 22.801/DF obstou-se obstar ato considerado ilegal que determinou ao Banco Central do Brasil que franqueasse acesso aos servidores credenciados pelo Presidente do Tribunal de Contas da União às transações do Sistema de Informações do Banco Central – SISBACEN, de potencial interesse ao controle externo. O princípio da proporcionalidade foi para dizer que a quebra de sigilo somente seria admitida quando medida essencial e indispensável à investigação estatal, não existindo outro meio menos gravoso. Assim, somente em caso de provável ocorrência de fato a ser apurado é que o interesse público justificaria a quebra do sigilo bancário (MORAIS, 2013).

4.2. Vedação ao advogado de acesso ao inquérito policial

Nas decisões do STF, a proporcionalidade serviu para apreciar a impossibilidade de restrição ao advogado na consulta do inquérito policial. A decisão proferida no HC 82.354-8/PR decorreu da impetração de habeas corpus contra decisão do STJ que negou ordem pleiteada pelo Mandado de Segurança, visando garantir aos advogados do paciente vistas ao inquérito policial. A decisão foi por unanimidade conhecer e deferir o habeas corpus. O princípio da proporcionalidade foi utilizado pelo Min. Carlos Ayres de Britto como referência à possibilidade de se conciliar questões antagônicas, cujos reclames de satisfação serial absolutos, motivo pelo qual teria ocorrido a opção pela liberdade do múnus advocatício. Enfatiza o ministro que, no plano axiológico, no plano valorativo, sente-se confortável em optar por essa solução, e não pela outra (MORAIS, 2013).

4.3. Prisão cautelar

Guimarães (2010) analisa julgados do Supremo Tribunal Federal que colocam em causa a constitucionalidade da regra contida no art. 44 da Lei 11.343/2006, que determina a inafiançabilidade e a vedação da liberdade provisória para quem estiver incurso numa das modalidades de tráfico de drogas e de crimes equiparados (arts. 33, caput, § 1º e 34 a 37), a partir de uma lógica de argumentação jurídica que põe em confronto princípios constitucionais e a mencionada regra legal. Melhor explicando, joga-se, nesse discurso jurídico, com a contraposição dos princípios que favorecem a liberdade física (dignidade da pessoa humana, presunção da inocência e devido processo legal) à regra definidora da prisão cautelar.

O exame da constitucionalidade da regra contida no art. 44 não pode radicar-se pura e simplesmente na interpretação daqueles princípios, como se houvesse flagrante desequilíbrio na situação jurídico-legal. Isto porque há suporte constitucional – caracterizado por regras e princípios – não só para uma política criminal mais severa em relação ao crime de tráfico de drogas, mas, também, para a prisão cautelar (GUIMARÃES, 2010).

4.3.1. A liberdade provisória como regra

A decisão sobre habeas corpus, com pedido de medida cautelar (HC 100.959 – TO), em que o Min. Celso de Mello, ao escrutinar o decreto judicial que manteve a segregação, arrimado na gravidade do crime e na possibilidade de o paciente voltar a delinquir, traz à sua argumentação entendimentos jurisprudenciais já consolidados em nossa Corte Constitucional. De antemão, o relator salienta que “[...] a gravidade em abstrato do crime não basta para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do paciente”, e ajunta com a afirmação de que “O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do status libertatis daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.” Há, nesse sentido, inúmeros julgados: RTJ 172/184, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence; RHC 71.954/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (GUIMARÃES, 2010).


5. Os Reflexos da Relação entre Direito e Moral na Presunção de Inocência: para além da ponderação

Exemplificaremos a partir da questão envolvendo o princípio da presunção de inocência e a lei da ficha limpa. Trata-se de discussão que fora pauta do Supremo Tribunal Federal desde 2008, quando foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros uma ADPF, pedindo para que fossem levados em conta como critérios para a aferição de elegibilidade dos candidatos a cargos eletivos os antecedentes criminais e possíveis ações de improbidade administrativa em curso. Na oportunidade, o STF decidiu que o pedido não poderia ser procedente, uma vez que era contrário à presunção de inocência garantida pela Constituição.

Em 2010, foi promulgada a lei de moralização do processo político, com a chancela democrática de ter sido criada mediante proposta de Iniciativa Popular. A Lei Complementar n. 135/2010, conhecida como lei da ficha limpa, instituiu novas regras para o processo eleitoral, que retiravam dos cidadãos brasileiros a possibilidade de serem eleitos, caso houvesse contra eles decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda lhes restasse recurso para os tribunais superiores.

A Constituição exige, para efeitos da presunção de inocência, que só pode ser considerado culpado aquele que teve sua condenação determinada por decisão da qual não caiba mais recurso, os candidatos que, atendidos os requisitos, consigam levar seus processos até esses tribunais superiores, ainda não podem ser considerados condenados.

Para os adeptos do Neoconstitucionalismo[1] que acreditam na fórmula ponderação, caberia sempre apostar na saída de afirmar que, no caso apresentado existe uma colisão entre o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) com o princípio da moralidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). De toda sorte a ponderação não oferece uma resposta adequada ao problema posto.

Se não há a possibilidade de se recorrer a essa estratégia para solução do problema, a solução dessa questão passa pela afirmação de que é preciso avaliar os argumentos que são apresentados pela comunidade política, submetê-los a crítica e se posicionar diante daquele que reflete a reposta mais adequada à Constituição.

É preciso construir o argumento que mostre a Constituição em sua melhor luz (STRECK e OLIVEIRA, 2012, p. 81-84; VANDRESEN e JACOMOSSI, 2012).


6. Críticas à Ponderação e ao Princípio da Proporcionalidade

Para Morais da Rosa (2014, p. 25-53) a ponderação de princípios se trata de mero recurso retórico e a outra face da moeda é o lado do decisionismo. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem justiça, passaram a negligenciar seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta euforia com os princípios abriu um espaço muito maior para o decicionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso de seus jargões grandiloquentes e com sua retórica inflamada, mas sempre um decicionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdadeiras varinhas de condão: com eles, o julgador consegue fazer quase tudo o que quiser. Assim é que a utilização da proporcionalidade, na via do devido processo legal substancial, não pode acontecer contra o sujeito.

O autor menciona também a dupla face dos Direitos Fundamentais, ou seja, a possibilidade de se analisar, no contexto do devido processo legal substancial, tanto o excesso de proibição, como a proteção deficiente.

Ferrajoli (2010), ao explicar a distinção entre constitucionalismo garantista e neoconstitucionalismo alega que: “Em síntese, bem mais que no modelo neoconstitucionalista – que confia a solução das aporias e dos conflitos entre direitos à ponderação judicial, inevitavelmente discricionária mesmo quando argumentada, enfraquecendo, assim, a normatividade das Constituições e a fonte de legitimação da jurisdição -, o paradigma do constitucionalismo rígido limita e vincula de modo bem mais forte o Poder Judiciário, em conformidade com o princípio da separação de poderes e com a natureza tanto mais legítima quanto mais cognitiva – e não discricionária - da jurisdição. Os juízes, com base em tal paradigma, não podem criar normas, o que implicaria uma invasão no campo da legislação, mas somente censurar a sua invalidade por violação à Constituição, anulando-as no âmbito da jurisdição constitucional, ou, então, desaplicando-as no âmbito da jurisdição ordinária; em ambos os casos, intervindo, assim, não na esfera legítima, mas na esfera ilegítima da política. A legitimidade da jurisdição se funda, na verdade, a meu ver, sobre o caráter mais cognitivo possível da subsunção e da aplicação da lei, dependente por sua vez – bem mais do que pela formulação como regra – do grau de taxatividade e de determinação da linguagem legal; enquanto a indeterminação normativa e a consequente discricionariedade judicial são um fator de deslegitimação da atividade do juiz. O cognitivismo judiciário (veritas non autorictas facit iudicio), mesmo como ideal regulativo, é, na verdade, a outra face do princípio da legalidade (autorictas non veritas facit legem)”.

Lopes Junior (2014, p. 30-32) explica que os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado, e pertencem, por conseguinte, à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado. O processo penal constitui um ramo do Direito Público, e como tal, implica autolimitação do Estado, uma soberania mitigada.

Nessa questão entre liberdade individual e poder de intervenção do Estado não se pode esquecer que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face de sua evidência.

Para o autor, o que necessita ser legitimado e justificado é o poder de punir, é a intervenção estatal, e não a liberdade individual. A liberdade individual, por decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa humana, está amplamente consagrada no texto constitucional e nos tratados internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de Direito em que vivemos.

O autor critica o discurso da prevalência do interesse público atrelado ao Princípio da Proporcionalidade, acusando-o de fazer uma viragem discursiva para aplicá-lo onde não tem legítimo cabimento.

A título de conclusão, o renomado processualista argumenta que nesse contexto político-processual, estão superadas considerações como a supremacia do interesse público sobre o privado. As regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas, muito além dessa dimensão reducionista de público/privado. Trata-se de direitos fundamentais – obviamente de natureza pública, se quisermos utilizar essa categoria – limitadores da intervenção estatal.

6.1. A crítica de Streck à ponderação

Para Streck (2011, p. 9-27) o problema principal da ponderação é a sua filiação ao esquema sujeito-objeto e a sua dependência da discricionariedade, ratio final. Desse modo, se a discricionariedade é o elemento que sustenta o positivismo jurídico nos casos difíceis e nas vaguezas e ambiguidades da linguagem dos textos jurídicos, não parece que a ponderação seja o mecanismo que livre o direito dos braços do positivismo. Pode até arrancá-lo dos braços do positivismo primitivo; mas o atira nos braços de outra forma de positivismo – axiologista, normativista ou pragmaticista.

A ponderação, no Brasil, foi transformada em um enunciado performativo, pelo qual o mesmo princípio é utilizado para sustentação de teses antitéticas. Vejamos a explicação de Streck (2013, p. 50) para tal fenômeno: “Como se sabe, uma expressão performativa não se refere a algo existente e nem a uma ideia qualquer. A sua simples enunciação já faz “emergir” a sua significação. Portanto, já “não pode ser contestado”; não pode sofrer críticas; consta como “algo desde sempre”. A sua mera evocação já é um “em si-mesmo”. O uso performativo de um enunciado objetiva a “colar” texto e sentido do texto, não havendo espaço para pensar a diferença”.

Por esta razão, o autor propala que expressões como ponderação de valores, mandados de otimização, proporcionalidade, razoabilidade, justa medida e “decido conforme minha consciência”, no momento em que são utilizadas ou pronunciadas, tem “poder de violência simbólica que produz o sentido próprio e o próprio sentido”.

Assim encontram-se decisões que buscam justificações no plano de uma racionalidade argumentativa, em especial os juristas adeptos das teorias da argumentação jurídica, mormente a matriz alexyana[2]. Nestas estará presente o “problema paradigmático”, uma vez que as teorias da argumentação são dependentes da discricionariedade (STRECK, 2013, p. 24).

Sobre os autores
Eduardo Silva de Freitas

Bolsista de Iniciação científica desde 2013, pesquisa nos seguintes temas: princípios constitucionais, direito à educação e dignidade da pessoa humana.

Isaac Newton Belota Sabbá Guimarães

Doutor em Ciência Jurídica pela Univali. Doutor em Direito pela Università Degli Studi di Perugia. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Promotor de Justiça em Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Eduardo Silva; GUIMARÃES, Isaac Newton Belota Sabbá. A aplicação do princípio da proporcionalidade às matérias processuais penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4431, 19 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41898. Acesso em: 22 dez. 2024.

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