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Compatibilidade entre os fins da pena e os substitutos penais

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O escopo do presente trabalho é a análise prática da relevância do estudo das penas buscando identificar e analisar a fundamentação da aplicação da pena pelo Estado e alternativas penais cabíveis no direito penal brasileiro.

1. Introdução: A importância do estudo das penas

O escopo do presente trabalho é a análise prática da relevância do estudo das penas, ou seja, o debate acadêmico que cerca o assunto será revestido de um caráter prático, buscando identificar e analisar a fundamentação da aplicação da pena pelo Estado, as teorias da finalidade penal, as teorias sob a ótica do direito penal brasileiro e, por fim, alternativas penais cabíveis no direito penal brasileiro.

Ademais, objetiva o estudo aprofundado das perspectivas do sistema penal brasileiro de acordo com as teorias que lhe consubstanciam em detrimento da realidade observada nos casos concretos, de modo a estabelecer algumas alternativas penais adotadas ou que podem ser adotadas pelo direito penal brasileiro a fim de amenizar o enorme descompasso entre a teoria e a realidade penal brasileira.

Por fim, visa compreender a importância do estudo das penas, o qual se consubstancia no eixo o qual gira em torno da legitimidade do Estado para punir, bem como da utilidade social da pena.


2. A pena no Estado Democrático de Direito

2.1. Formação do Estado

Inúmeras são as teorias que explicam a formação do Estado, bem como o campo de estudo da formação do Estado. Embora não seja este o objeto principal de estudo do presente trabalho, será esclarecido, a partir do Estado como fenômeno de integração, o fundamento do poder punitivo, de modo a caracteriza-lo.

Johann Kaspar Bluntschli expôs brilhantemente a ideia de que é impossível deduzir um conceito de Estado sem distinguir o Estado no plano sociológico-histórico e o Estado como instituição (SAHID, 2006, p. 20). Em outras palavras, inexiste um único conceito de Estado que seja acolhido e adotado de forma geral, pois este varia de acordo com a doutrina utilizada por cada teórico.

Para Kelsen, o Estado deve ser encarado somente do ponto de vista jurídico, ignorando, pois, o aspecto social. Em conclusão de sua análise, Kelsen (2000, p. 277) afirma o seguinte:

“O resultado de nossa análise é que não existe um conceito sociológico de Estado diferente do conceito de ordem jurídica; e isso significa que podemos descrever a realidade social sem usar o termo „Estado‟”.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Duguit afirma ser o Estado uma construção jurídica, e tão somente jurídica, representando a organização da força a serviço do direito. (SAHID, 2006, p. 20)

Em contrapartida a Kelsen e Duguit, Jellinek afirma a existência da dupla personalidade do Estado, qual seja sociológica e jurídica.

Muito usual e aceita é também a teoria de que o Estado forma-se a partir de um contrato, um pacto social. A esta teoria dá-se o nome de contrato-social e possui como um de seus expoentes máximos Rosseau. Para este pensador, o contrato social deve ser firmado a partir do consenso geral e pautado basicamente na igualdade entre os homens, sendo que o homem, como um todo, nasce livre e adere ao contrato social a fim de garantir a paz e o convívio social, de modo a deixar o estado de natureza.

Por outro lado, Smend defende que o constante processo de integração, responsável pela formação do Estado:

O Estado é, pois, um vir a ser incessante, uma realidade espiritual que permanentemente se renova com a participação e a adesão de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum e em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções. (REALE, 2003, p. 46)

Destaca-se, também, a teoria formulada por Hauriou, que nada mais é do que uma complementação à teoria de Smend, dando-lhe um caráter mais sociológico. Para Smend, o Estado é o resultado de um processo de integração, enquanto para Hauriou é uma integração consubstanciada na ideia objetiva de coisa pública, visando um ideal comum.

Influenciado pela teoria de Spencer, Icilio Vanni (1908, apud Reale, 2003, p.61) desenvolve o conceito de integração e diferenciação, chegando a apresenta-la como lei fundamental e inerente ao processo de formação do Estado: “toda a evolução histórica do Direito se realiza no sentido de um processo de diferenciação e integração”; e prossegue: “por diferenciação se entende uma crescente complexidade, um acréscimo de formas definidas, de órgãos e de funções especiais. Por seu turno, integração significa redução à unidade, coordenação, sistematização”.

2.2. Fundamento do poder punitivo do Estado, o jus puniendi

Dadas algumas teorias acerca da formação do Estado, analisar-se-á a necessidade de um poder legitimado para a aplicação de normas e leis, e, por conseguinte, suas sanções, de modo a compreender a fundamentação do poder punitivo do Estado.

Para uma completa compreensão da fundamentação do poder punitivo do Estado é necessário entender a transformação a qual sofre o poder, e por fim a ideia de soberania estatal.

A jurisfação do poder é o melhor método para compreender a transformação do poder decorrente do momento e transformação histórica.

O temo jurisfação é um neologismo criado por Edmond Picard, e dizer que o poder, ao longo da história, sofre um processo de jurisfação significa dizer que o poder passou do plano da força bruta para o plano do direito da Ética (REALE, 2003, p. 84), ou seja, é mudança de foco da resolução dos conflitos sociais, os quais outrora eram solucionados através da força bruta, e, atualmente, tendem a serem solucionados através dos meios éticos e jurídicos.

Em suma, nas palavras de Reale (2003, p. 88):

Podemos dizer, pois, que o poder tende a se tornar cada vez mais jurídico, cada vez mais imperceptível, por ser cada vez mais exercido sem violência às vontades e de conformidade e em harmonia com as exigências naturais de uma convivência humana que se ordena para realizar, pacificamente, os seus fins comuns, muito embora haja períodos que parecem desmentir tal assertiva.

Através do fenômeno da jurisfação, percebe-se, nitidamente, que a forma mais adequada de alcançar a supremacia absoluta do Direito é pelo poder, ou seja, o poder traduziu-se, no decorrer do processo evolutivo da sociedade, através do Direito, de modo a tornar a sociedade cada vez mais organizada. Não é nenhum equívoco dizer, também, que a supremacia do Direito, bem como a resolução de conflitos sociais para este é a expressão máxima de desenvolvimento social.

Em termos sintéticos, podemos resumir a jurisfação do poder à soma dos seguintes elementos: integração, desenvolvimento da consciência jurídica e necessidade de qualificação jurídica, para ser exercido o direito por órgãos também juridicamente constituídos.

Entretanto, deve-se ressaltar que a integração, e a consequente formação do Estado, pressupõe a discriminação de direitos fundamentais individuais, de modo que tais direitos constituem limitações ao próprio poder do Estado, não podendo este agir de forma meramente arbitrária.

Atentemo-nos para importante observação neste momento do presente estudo: o poder do Estado e o Direito escrito são termos que se confundem em sua natureza, ou seja, a jurisfação do poder atinge seu ápice no dado momento em que há positivação do direito, o qual por sua vez representa o poder intrínseco e inerente ao Estado. Tal poder estatal tem o nome de soberania e é este o qual fundamenta o poder do Estado de utilizar o direito como forma de preservar os interesses sociais e coletivos, sempre de modo a atuar consoante com as garantias e direitos individuais fundamentais e visando o ideário da justiça. Em outras palavras, o Direito positivado é fruto da soberania e esta é fruto deste; ambos coexistem.

Na brilhante definição de soberania de Reale (2003, p.140): “soberania é o poder que tem uma nação de organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões para a realização do bem comum”. A partir dessa definição, há um desmembramento da soberania nos âmbitos histórico-social, jurídico e político.

E é através da soberania estatal, que será fundamentado o poder punitivo do Estado, pois é a soberania que atribui ao estado o jus puniendi, ou seja, o direito de punir.

Nas palavras de Tourinho Filho (2012, p. 46-47):

O jus puniendi pertence, pois, ao Estado, como uma das expressões mais características da sua soberania. Observe-se, contudo, que o jus puniendi existe in abstracto e in concreto. Quando o Estado, por meio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal, surge para ele o jus puniendi num plano abstrato e, para o particular, surge o dever de abster-se de realizar a conduta punível. Todavia, no instante em que alguém realiza a conduta proibida pela norma penal, aquele jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida. Surge, assim, com a prática da infração penal, a “pretensão punitiva”. (2012, p. 46-47)

Quanto à aplicação do direito penal, existem duas teorias que explicam a razão do Estado possuir o direito da aplicação de penas. A primeira, a qual possui maior aceitação, crê que a aplicação do direito penal pressupõe assegurar a não violação de bens jurídicos de alta relevância, enquanto a segunda defende que o Estado possui o jus puniendi para garantir a vigência da norma. A primeira teoria revela com maior ênfase a importância da tutela do bem jurídico, enquanto a segunda fundamenta-se através da proteção do ordenamento jurídico.

2.3. A aplicação da pena no Estado Democrático de Direito e as limitações impostas à aplicação do Direito Penal.

A Constituição brasileira de 1988, em seu primeiro artigo, consagrou o Estado Democrático de Direito, o qual, através de uma concepção sintética, indica o resultado da união das características de um Estado Social e Liberal. (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 53)

O intuito de unir em um único conceito as ideias de Estado de Direito e Estado Democrático objetiva transparecer que o primeiro tem como escopo a democracia, sendo que, por sua vez, o segundo necessita do direito, este como forma moderna de soberania estatal, para consolidá-lo.

Ademais a isto, a fusão do Estado Liberal e do Estado Social mescla, de um lado a proteção do indivíduo perante as arbitrariedades que possam ser cometidas pelo Estado, de modo a consagrar o princípio corolário da legalidade, característico do Estado Liberal e, de outro lado a proteção dos interesses sociais, visando uma maior igualdade social e, por conseguinte, bem estar social, escopo do Estado Social.

Ao fundir os ideais contidos no Estado Social e no Estado Liberal, nota-se a limitação dos interesses individuais em detrimento dos sociais e vice-versa. Ou seja: a fusão conceito de ambos Estados cria a ideia de interesses individuais protegidos sob a égide do bem-estar social.

Em suma, o raciocínio consoante com o tema é que o Estado Democrático de Direito proporciona um direito penal consubstanciado na liberdade individual e nas garantias fundamentais do homem.

Nos dizeres de Shecaira e Corrêa Junior (2002, p.53), consubstanciado em Bustos Ramírez e Malarée:

Surge, portanto, como consequência da política criminal de um Estado Democrático de Direito, um sistema penal de garantias que posiciona a pessoa humana e a liberdade como centro de sua perspectiva. A lição é de Bustos Ramírez e Malarée: O sistema penal em uma ordem democrática deve partir de um pressuposto básico: a dicotomia entre a liberdade e o poder. Desta perspectiva o sistema penal surge como um sistema de trincheiras garantistas cujo objetivo é a exclusão da arbitrariedade. Se constitui desta forma, como a Carta Magna da pessoa, e não do delinquente como afirmou em certo momento Von Liszt. O castigo penal apenas pode surgir da aplicação de um modelo que exclua a arbitrariedade tanto do legislador no processo de criação da norma, como a do juiz em sua aplicação. Por isso os processos de criminalização, isto é, de criação e aplicação da norma penal, devem cumprir condições de validade democrática. É necessário que nas leis que formalizam os processos de criminalização se precipitem princípios materiais inerentes ao Estado social e democrático de direito para que sejam também materialmente válidas.

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Ainda neste sentido, Bitencourt (2008, p. 9), ponderando a função do Direito Penal no Estado Democrático de Direito assevera:

A onipotência jurídico-penal do Estado deve contar, necessariamente, com freios ou limites que resguardem os invioláveis direitos do cidadão. Este seria o sinal que caracterizaria o Direito Penal de um Estado pluralista e democrático. A pena, sob este sistema estatal, teria reconhecida, como finalidade, a prevenção geral especial, devendo respeitar aqueles limites, além dos quais há a negação de um Estado de Direito social e democrático.


3. Teorias acerca das finalidades da pena

3.1. Considerações Iniciais - Importância do estudo dos fins penais

Neste primeiro momento, é importante fazer algumas distinções a cerca do tema para uma melhor compreensão.

Primeiramente, cabe ressaltar a diferença entre „pena‟ e „finalidade penal‟. A pena não é outra coisa senão “a privação de bens jurídicos fundamentais, que está prevista em lei e se aplica ao responsável de um fato criminoso” (OLIVÉ; PAZ; OLIVEIRA; BRITO, 2011, p. 191), tendo como característica a retribuição de um mal com outro mal. Entretanto, não se confunde pena com sua finalidade, sendo esta definida como o escopo estatal pelo qual busca executa-lo através do sistema penal.

Sabiamente Mir Puig (apud Bitencourt, 2012, p. 116), citando doutrinadores de elevado prestígio, define:

Convém antes de mais nada, para evitar graves e frequentes equívocos, distinguir a função do conceito de pena, como hoje insistem Rodriguez Devesa e Schimidhauser, a partir do Direito penal; e Alf Ross, a partir da Teoria Geral do Direito, ainda que com terminologia distinta da que aqui empregamos. Segundo o conceito que adotam, a pena é um mal que se impõe por causa da prática de um delito: conceitualmente, a pena é um castigo. Porém, admitir isso não implica, como consequência inevitável, que a função, isto é, fim essencial da pena, seja retribuição.

Além disso, ressalta-se que as teorias dos fins penais são criadas e introduzidas através de um conjunto histórico, social e político. Nos dizeres de Antonio Luis Chaves Camargo (2001, apud dos Anjos, 2009):

muitas foram as funções atribuídas ao direito penal, de acordo com a missão relacionada ao pensamento filosófico-jurídico que o inspirou, com vista a atingir a legitimidade de atuação do Estado e, via de consequência, a efetividade que procura demonstrar como instrumento de controle social. Assim, correspondendo ao momento histórico, a ciência do direito penal reflete, na formulação de seus institutos, a orientação filosófica-jurídica e a ideologia política vigente, relacionada com a forma de Estado adotada na organização social.

Ainda baseando-se no contexto histórico, Shecaira e Alceu Corrêa Junior relembram, citando Anabela Miranda Rodrigues , que as teorias da pena, bem como o seu estudo, surgiram para definir a legitimação ou justificação da intervenção penal. Nesta toada, destaca:

se quisermos continuar a usar a bipartição usual, devemos então fazê-lo – hoje, repete-se – com a consciência de que estamos a dar resposta a perguntas diferente, com valor em planos diferente. Em suma: de que ela constitui uma arrumação não para um, mas para dois problemas distintos. Se com as teorias preventivas (também) solução para a questão das finalidades da pena, já com a teoria retributiva estamos a lidar com o problema da justificação. (RODRIGUES,1995, apud SHECAIRA E CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 129)

Por fim, o debate acerca dos fins da pena possui relevância teórica e prática. Pois bem, definir os fins da pena significa compreender a legitimação do direito penal, bem como a utilidade social de sua aplicação.

Desta feita, passamos para uma análise mais detalhada das teorias dos fins penais, quais sejam: teorias absolutas, relativas e mistas.

3.2. Teorias absolutas ou retributivas.

Tal teoria talvez seja a mais simples e direta de todas as que serão apresentadas neste capítulo, porém, apesar de tal aspecto, teve importante papel para a evolução das teorias penais e do próprio Direito Penal.

A teoria absoluta, ou retributiva, caracteriza-se pela simples aplicação da sanção como forma punitiva ao infrator, para que o direito violado seja restaurado através da pena. A finalidade desta teoria, portanto, é assegurar a restauração da ordem jurídica que fora outrora violada. Não há o que se dizer a respeito de correção, ensinamento através da pena, conscientização, ou qualquer menção socioeducativa. Há, apenas, a simples aplicação da norma penal para “retribuir” ao réu o mal que causou e, através disso, restaurar o status quo ante. A aplicação da pena objetiva apenas a soberania e alegação da justiça e do Estado Soberano.

O fundamento da aplicação da pena e da teoria em tela está na alegação de que o homem é provido de livre-arbítrio e tem a capacidade para distinguir o certo do errado, o justo do injusto e, sendo assim, é responsável pela vontade e pela prática do ato ilícito, sendo, portanto, digno da pena que é estipulada pelo Estado para o ato reprovável que fora praticado.

Dois pensadores se destacam como principais representantes da teoria absoluta: Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

3.2.1. Teoria Absoluta de Kant

O pensamento de Kant baseia-se na ideia de que as normas do Estado são imperativas e qualquer desvio em relação a elas descaracteriza o homem de seu direito à cidadania, devendo, portanto, ser punido “impiedosamente”. Kant ainda explica a sociedade como sendo ligada pelo arbítrio entre os cidadãos e em relação ao disposto pelo Estado, desta forma, a liberdade do indivíduo não deve transgredir à do próximo e nenhuma deve afetar, também, as regras e obrigações impostas pelo Estado.

Em relação à sua ideia de Direito Penal e o motivo de aplicação da pena, afirma Kant:

“A pena jurídica, poena forensis, não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver delinquido (...)” (KANT apud BITENCOURT, 2008, p. 85).

Do trecho retro transcrito, retira-se a principal defesa de Kant em relação à Teoria Absoluta, qual seja a punição pelo ato praticado.

Ainda, Kant utiliza e defende, como forma de medida da pena, o ius talionis, pois alega que a pena mais justa a ser cominada ao seu caso seria o próprio mal que tenha causado ao outro, pois quando o fere, fere a si mesmo, quando o mata, mata a si mesmo, e assim por diante.

3.2.2. Teoria Absoluta de Hegel

Hegel, em contrapartida, apesar de também ser um representante da teoria absoluta, aufere à pena a finalidade de restabelecer a ordem jurídica quebrada. Segundo seu pensamento, o ordenamento jurídico representa uma vontade geral, a qual deve ser obedecida e seguida por todos os que convivem naquela sociedade e optaram por “aderir ao contrato”.

Desta forma, quando um delinquente pratica um ato que fere tal vontade geral, ele acaba por impor sua vontade e seus interesses em relação aos de toda sociedade, quebrando o vínculo existente entre eles. A pena, portanto, seria aplicada para restabelecer a vontade geral, que é a de punir aquele que infringir a vontade geral “originária”, voltando, assim, os interesses de toda a sociedade a prevalecer em relação aos interesses do delinquente. Deste modo, deixa a pena de ser apenas uma retribuição do mal praticado pelo desviante e passa a ter um caráter restaurador, elevando, novamente, o patamar do ordenamento jurídico acima de qualquer interesse ou vontade individual e reprovável.

Tal pensador desenvolveu, também, um método dialético, no qual procurava demonstrar sua teoria:

Por um lado, em primeiro lugar, encontra-se o direito, isto é, o ordenamento jurídico (tese); dito ordenamento jurídico é negado pelo delito, que procura suprimi-lo (antítese); por último, o direito reage impondo uma pena, que procura a restauração da ordem violada (síntese). (OLIVÉ; PAZ; OLIVEIRA; BRITO, 2011, p. 193-194).

Ainda neste sentido:

Na ideia hegeliana de Direito Penal, é evidente a aplicação de seu método dialético, tanto que podemos dizer, neste caso, que a 'tese' está representada pela vontade geral, ou, se se preferir, pela ordem jurídica; a 'antítese' resume-se no delito como a negação do mencionado ordenamento jurídico, e, por último, a 'síntese' vem a ser a negação da negação, ou seja, a pena como castigo do delito. (BITENCOURT, 2011, p. 87)

Ainda, Hegel também atribui um certo teor talional à pena, porém, não no quesito de aplicar o mesmo mal que foi cometido, mas apenas aplicar a pena na mesma medida e gravidade do ato desviante praticado.

Muitas críticas foram feitas a essa teoria por ser, aparentemente, arcaica, bárbara. A simples privação de direito ou de liberdade de uma pessoa, por mais que seja um desviante, pode parecer severa demais e sem muita função correcionalista, tendo-se em vista que tal punição não tem outra função a não ser causar mal àquele que lesou o bem jurídico de outrem. Não distante, tal teoria aparenta apenas confirmar a soberania do Estado e o seu poder punitivo sobre aqueles que prejudicarem o convívio em sociedade ou ousarem impor-se contra as normas legais.

Em contrapartida, tal teoria também apresentava um lado menos severo, mais brando.

A principal virtude da chamada “concepção retributiva” era a ideia da medição da pena, do princípio da proporcionalidade. Tal princípio reforça a ideia de que cada caso é um caso e merece ser analisado de maneira diversa dos casos alheios, atribuindo-lhe singularidade e resultando em uma maior segurança jurídica. Desta forma, o crime previsto em lei teria uma pena estipulada e esta ainda seria dosada de acordo com o delito, quanto mais grave fosse, mais se aproximaria da pena máxima prevista, e assim por diante.

3.3. Teorias relativas ou preventivas

A chamada Teoria Preventiva, também denominada de Relativa, surgiu em oposição à Teoria Retributiva. Estudiosos caracterizam-na como tendo um caráter mais humanista, isto se comparado com as teorias absolutas.

Fernando Vernice dos Anjos (2009, p. 14), lembrando Mir Puig (2003) relata:

Por não considerar a pena como um fim em si mesmo, a teoria preventiva é também chamada de utilitária ou relativa. As teorias relativas recebem esse nome porque, diferentemente da justiça que é absoluta, as necessidades de prevenção são relativas e circunstanciais.

Destaca-se que foram elas que trouxeram à baila a ideia de aplicação da pena baseada em resultados futuros, objetivando prevenir o cometimento de novos crimes, de modo a evitar aplicação de penas baseadas nos conceitos morais, metafísicos ou meramente vingativos.

As teorias relativas têm como fundo teórico o utilitarismo e, por assim serem, buscam o bem comum, ainda que ajam em detrimento de determinados indivíduos. Agem com caráter intimidatório perante à sociedade (prevenção geral), bem como possibilitam a reinserção do indivíduo ao convívio social, reeducando-o. De fato, são teorias que se encontram em sentido diametralmente oposto às teorias absolutas.

Por fim, dividem em prevenção geral e especial. As primeiras subdividem em negativa e positiva e, estas, ainda, desdobram-se em positiva fundamentadora e positiva limitadora. Já a prevenção especial subdivide-se em negativa e positiva.

3.3.1. Prevenção Geral

A teoria da prevenção geral pode ser fundamentada em duas ideias básicas. Ela prevê os efeitos intimidatórios da pena sobre toda a sociedade, de maneira generalizada, para que, desta forma, todo e qualquer possível infrator da normatização seja coagido a não agir em desacordo com as leis, evitando que os crimes sejam cometidos, sendo essa a primeira das duas ideias básicas desta teoria. A segunda ideia básica, diz respeito à racionalidade do homem que tem o livre-arbítrio a seu dispor para que opte entre praticar o ato ou não, sendo capaz de ponderar a possibilidade do Estado aplicar uma pena ao agente que decidir delinquir. (BITENCOURT, 2011, p. 90)

A teoria preventiva geral divide-se em positiva e negativa e estas serão explicadas com maior riqueza de detalhes no subitens a seguir.

3.3.1.1. Prevenção Geral Negativa

A prevenção geral negativa justifica a pena por ser produtora de efeitos de intimidação. Ou seja, a pena é aplicada para que sirva de exemplo aos demais possíveis infratores, criando, assim, um clima temerário. A pena é aplicada, então, não no sentido de reprimir o ato praticado pelo desviante, mas sim com o intuito de impor a força do Estado sobre os demais cidadãos e que estes tenham receio quanto à prática de delitos, tendo em vista a pena que fora aplicada ao infrator.

Como expoente máximo desta corrente, podemos citar Anselm von R. Feuerbach, tendo desenvolvido a “teoria da coação psicológica”. De acordo com tal teoria, o Direito Penal é o instrumento pelo qual o problema da criminalidade será solucionado. Isso é alcançado pela “ameaça” à sociedade de que os atos irregulares serão punidos baseados no jus puniendi do Estado e, por outro lado, pela efetiva punição feita àqueles que enfrentarem a soberania estatal e de fato praticarem o ato ilícito, deixando claro que o Estado cumprirá com suas “ameaças”. Sendo assim, a pena, segundo Feuerbach, é uma verdadeira “coação psicológica” que fará com que o homem médio e racional calcule os prejuízos de praticar o ato ilícito e, diante de tal análise, deixe de praticar o desvio, anulando ou diminuindo a criminalidade.

Em suma, resume-se a teoria relativa geral negativa ao seguinte: a pena possui como escopo intimidar os criminosos em potencial, entretanto agindo sempre dentro dos parâmetros legais e consonante com o princípio da legalidade, sendo que a recuperação do agente que cometesse o crime era tida como mera causalidade da aplicação da sanção penal.

De acordo com Mir Puig (apud BITENCOURT, 2012, p. 134):

O homem racional e calculista encontra-se sob uma coação, que não atua fisicamente, como uma cadeia a que deveria prender-se para evitar com segurança o delito, mas fisicamente, levando-o a pensar que não vale a pena praticar o delito que se castiga. (BITENCOURT, 2012, p. 134)

Muitas foram as críticas lançadas a esta teoria.

A primeira crítica acerca da prevenção geral negativa diz respeito à comprovação de seus efeitos. Esclarece-se: existem certos crimes e criminosos que parecem ser imunes aos temores que buscam tais penas causar. Claus Roxin (OLIVÉ; PAZ; OLIVEIRA; BRITO, p. 203, 2011), adepto da corrente funcionalista, adentrando no âmago do assunto, considera ainda que cada crime praticado após o suposto temor produzido seria prova mais cabal da ineficiência desta teoria, haja vista que o Estado, ao tentar implementar uma pena cujo escopo é o temor a fim de evitar novos delitos, estaria contradizendo-se ao ter que punir outro indivíduo para reafirmar a sensação de intimidação. Conclui-se, desta forma, os destinatários desta teoria seriam somente os delinquentes eventuais, já que alguns criminosos jamais se sentiriam amedrontados, fato qual gera uma limitação no campo de sua efetividade. Consubstanciando a primeira crítica, podemos citar Francisco de Assis Toledo:

é possível que a grande maioria dos criminosos potenciais não deixe de levar a cabo os seus intentos ilícitos ou de dar vazão a seus impulsos, diante da simples previsão legal da pena. Não menos provável, porém, é que um bom número deles deixe de concretizar o projeto criminoso, ou se iniba, diante de um guarda ou de um policiamento ostensivo em local próximo ao daquele que seria cometido o crime (...) não deixa de ser consequência da previsão legal de pena (TOLEDO, 2001, p. 4)

Da primeira crítica exsurge outra. Após o cometimento sucessivo de crimes ou pior, por mera arbitrariedade, o Estado, como forma de reafirmação, aumentaria o caráter amedrontador da pena, seja pelo aspecto quantitativo ou, então, tornando-a mais aflitiva em seus meios. Nesta toada, estar-se-ia diante de uma verdadeira negação ao Estado Democrático de Direito.

A terceira crítica está perfeitamente explanada por Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002, p. 131). Entendem estes pensadores que esta teoria não pode vigorar em um Estado Democrático de Direito. Seria uma renúncia ao caráter humanista de tal sistema, criar o terror na sociedade para que não haja mais atos desviantes, além de a pena ser aplicada de modo arbitrário, pois quanto maior a pena, maior seria o receio de praticar algum ato ilícito, restando, assim, pouca segurança jurídica no momento de dosar a pena ao ato concreto. Ainda ressaltam que tal teoria é incapaz de justificar a cominação penal porque o art. 59. do Código Penal prevê a aplicação da pena baseada na “culpabilidade” do agente, e por ser assim, esta deverá constituir um limite a tal cominação.

Por fim, cabe destacar a grande virtude (e talvez única) da prevenção geral negativa, qual seja preocupar-se quanto ao processo educativo da sociedade, ainda que de forma intimidatória e, quiçá, tirânica.

3.3.1.2. Prevenção Geral Positiva

Ainda dispondo a respeito da teoria da prevenção geral, passamos agora ao sentido positivo desta, ou o sentido de integração, que busca apresentar a punição como um incentivo para assimilar valores, formação do povo, etc. A aplicação da pena, para esta corrente, objetiva a promoção da educação da população, bem como da reinserção do delinquente na sociedade, de tal forma que este demonstre estar arrependido e não mais cometa novos delitos.

Nesta perspectiva, a pena atuaria como aspecto sociológico, aliado com a substância jurídica. Ou seja, a aplicação da pena teria como finalidade o reestabelecimento da ordem, o qual fora perturbada pela desordem do delito, de modo a manter a coesão social.

Importante observação deve ser feita: a prevenção geral positiva altera os destinatários para a qual se dirige a aplicação da pena. Explica-se. Enquanto a teoria preventiva geral negativa preconiza a aplicação da pena como forma de reafirmar o poderio estatal em detrimento dos seus súditos, a fim de implementar o terror e desta forma inibir o cometimento de um crime, o enfoque da teoria preventiva geral positiva é outro, qual seja todos os cidadãos, sem exceção, haja vista que que têm como escopo afirmar a confiança no ordenamento jurídico.

De todo o exposto, no tocante à existência de outros fins ou não, além da afirmação do ordenamento jurídico vigente, exsurge uma subdivisão na teoria preventiva geral positiva em limitadora e fundamentadora.

3.3.1.2.1. Prevenção Geral Positiva Fundamentadora

Em apertada síntese, esta posição adequa a finalidade da pena tão somente à vigência da norma. Possui como expoentes máximos Hans Welzel e Günther Jakobs.

Para Welzel, a pena deve assumir um caráter ético-social, o qual pressupõe a real vigência de valores, bem como a consciência jurídica. Destaca este pensador que a proteção de bens juridicamente tutelados pelo Direito Penal dá-se de forma incidental, isto porque quando há a intervenção deste ramo da ciência jurídica já houve a lesão ao referido bem. Portanto, o Direito Penal tem como função primeira assegurar a vigência dos valores éticosociais.

Esclarece-se o pensamento do pai da teoria finalista no trecho a seguir:

Mais essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar a real vigência dos valores de ato da consciência jurídica; isso constitui o fundamento mais sólido que sustenta o Estado e a sociedade. Contrariamente, a missão mais profunda do Direito Penal é a natureza ético-social de caráter positivo (FABRETTI, 2008, p. 53)

De forma um pouco diversa, Jakobs aprimora as ideias expostas por Welzel e, socorrendo-se às ideias de Niklas Luhmann, dá enfoque distinto daquele dado por Welzel.

A concepção jakobsiana rechaça a proteção de bens jurídicos. Explica-se. Luhmann importa das ciências naturais o estudo acerca do neologismo autopoiese (auto= a si mesmo) e (poiesis = criação), aplicando-o às ciências sociais, de modo a autorregular as camadas sociais. Dessa forma, os sistemas sociais possuem mecanismos funcionais e disfuncionais, sendo o direito um mecanismo funcional, ao passo que o delito é um mecanismo disfuncional.

Brilhante é a explicação de Alexis, William Terra, Ferré Olivé e Miguel Ángel (2011, p. 206):

Os sistemas sociais possuem elementos funcionais e elementos disfuncionais. O direito é um instrumento funcional, porque cumpre a função de estabilizar a sociedade, orientar as ações e institucionalizar as expectativas. Ao se fechar autopoieticamente, o Direito se torna autônomo, distingue-se do entorno, fica reduzido à função se sua mera aplicação e está sempre justificado, seja qual for o regime político no qual se empregue. Ao contrário, o delito é disfuncional para a sociedade, mas não porque lesione ou coloque em perigo bens jurídicos, senão porque questiona o próprio direito e faz diminuir a confiança institucional dos cidadãos. É muito importante deixar claro onde fica o ser humano nesta fundamentação funcionalista-sistêmica. O sujeito fica fora do sistema, no entorno. A autopoiese desenvolve-se com independência dos sujeitos, prescinde do destinatário individual da norma.

Nesta perspectiva, Jakobs entende que a pena busca a estabilização social. Atente-se que o sujeito desviante neste momento não será o alvo primeiro da sanção penal, isto porque o ser humano encontra-se no entorno do sistema, cabendo a aplicação desta sanção, primeiramente, para declarar vigência à norma violada.

Diante de toda esta exposição, passamos às críticas feitas a esta teoria.

A primeira e mais importante crítica feita diz respeito à expansão da utilização do Direito Penal, isto porque inexiste qualquer parâmetro de limitação da imposição da sanção estatal, fato qual remontaria à ilegitimidade em um Estado Democrático de Direito traçada nas teorias preventivas gerais negativas. Por esta perspectiva, esta teoria afastaria as garantias individuais conquistadas, bem como colocaria em xeque os avanços trazidos pelo Direito Penal moderno.

Outra importante crítica tecida é quanto à imposição de valores sociais e éticos de conduta. Inconcebível em um Estado Democrático de Direito a imposição de valores e padrões morais, até mesmo porque, ao fazê-lo, agir-se-ia de forma autoritária, contrariando os princípios democráticos. Neste aspecto, ressalta-se o pensamento de Ferrajoli (2006, apud FABRETTI, 2008, p. 56), para o qual há confusão de preceitos jurídicos com os morais.

3.3.1.2.2. Prevenção Geral Positiva Limitadora

Em contrapartida aquilo que fora preceituado pela corrente fundamentadora, a prevenção geral positiva limitadora exsurge baseada na limitação do poder punitivo estatal.

A maior preocupação desta teoria é adaptar-se aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, tendendo a criar um Direito Penal mínimo, em sentido diametralmente oposto àquele suplantado pela teoria preventiva geral positiva fundamentadora. Nesta teoria a prevenção não está direcionada à sociedade, mas sim ao Estado, fato qual corrobora para a consonância desta teoria aos modernos institutos do Direito Penal.

Nesse sentido, Hassemer (apud OLIVÉ; PAZ; OLIVEIRA; BRITO, 2011, p. 205) entende que o Direito Penal deve apenas tutelar aquilo que seja considerado indispensável. Isto porque o Direito Penal, sendo uma forma de controle social formal, deverá sempre atuar de acordo e limitado pelos institutos próprio do Estado Democrático de Direito, esbarrando a aplicação penal aos princípios próprios deste ramo do direito, qual sejam a ressocialização, culpabilidade, proporcionalidade, ofensividade, intervenção mínima e humanidade.

Nas palavras de Hassemer (apud BITENCOURT, 2008, p.100), a prevenção geral é:

A reação estatal perante fatos puníveis, protegendo, ao mesmo tempo, a consciência social da norma. Proteção efetiva deve significar atualmente duas coisas: a ajuda que obrigatoriamente se dá ao delinquente, dentro do possível, e a limitação desta ajuda imposta por critérios de proporcionalidade e consideração à vítima. A ressocialização e a retribuição pelo fato são apenas instrumentos de realização do fim geral da pena: a prevenção geral positiva. No fim secundário da ressocialização fica destacado que a sociedade co-responsável e atenta aos fins da pena não tem nenhuma legitimidade para a simples imposição de um mal. No conceito limitador da responsabilidade pelo fato, destaca-se que a persecução de um fim preventivo tem um limite intransponível nos direitos do condenado.

Por fim, outro ponto importante a se destacar quanto à teoria preventiva de cunho limitador diz respeito à manifesta harmonia encontrada entre o agente que comete o crime, bem como à prevenção direcionada à sociedade.

3.3.2. Prevenção Especial

O enfoque da prevenção especial é o agente do fato criminoso, diferentemente do enfoque da prevenção geral. Ademais tem como objetivo primeiro evitar o cometimento de novos crimes praticados por este mesmo autor.

Destaca-se que a prevenção especial possui duas subdivisões, quais sejam prevenção especial negativa e prevenção especial positiva. A primeira busca a neutralização do delinquente, enquanto a segunda busca a reinserção social deste.

3.3.2.1. Prevenção Especial Negativa

No tocante a esta teoria, insta salientar o pensamento de Von Liszt. Para este importante doutrinador, a pena é necessária e aplicada para que o desviante seja recuperado e reinserido na sociedade, desde que seja possível alcançar tal objetivo. Diante da sociedade e dos cidadãos que não necessitam de ressocialização ou tratamentos, por não serem ou terem tendências desviantes, o delinquente deve ser corrigido para que haja a intimidação dos primeiros e, somente assim, poderá este voltar a conviver e interagir com a sociedade. A tese de Liszt pode ser resumida em três palavras: intimidação, correção e inocuização. (BITENCOURT, 2012, p. 139)

Tendo em vista as características da teoria, o agente e as circunstâncias do ato são analisadas a fim de se chegar a uma conclusão a respeito da possível recuperação do desviante. Caso a recuperação seja possível e este tenha condições de retornar ao convívio em sociedade, ele será recuperado e liberado, acreditando-se de que não voltará a delinquir. Entretanto, caso seja constatado que este reincidirá no ato ilegal, ele será neutralizado pela prisão e ao término de sua pena reinserido na sociedade, sem, porém, a certeza de que não voltará a delinquir. Em certos casos, Liszt defende, inclusive, a pena perpétua.

3.3.2.2. Prevenção Especial Positiva

Esta teoria eclodiu nas décadas de sessenta e setenta, sendo utilizada como fundamento do jus puniendi pelas legislações italiana, alemã, espanhola etc.

Trata-se de uma teoria extremamente humanista, cujo aspecto fundamentador é a ressocialização e reinserção social do delinquente, possuindo, ainda, como fundo teórico o utilitarismo.

De fato o apelo humanista muito colaborou para a solidificação desta teoria. Foi com o surgimento das penas privativas de liberdade que se notou a necessidade de ocupar o tempo ocioso a qual se submetia o condenado. A partir desta nova perspectiva, começou a surgir a ideia de aliar o tempo ocioso do delinquente que estivesse detido com atividades capazes de reinseri-lo e reeduca-lo.

Neste sentido, Hassemer (1993, apud DOS ANJOS, 2009, p. 44) relata que o “direito penal voltado para as consequências tem necessariamente que ser um direito penal da recuperação e do tratamento, um direito penal da ressocialização.”

Em suma, busca esta teoria agir de acordo com as individualidades de cada particular, de modo a trazê-lo de volta ao convívio social.

A teoria em tela tem pontos positivos e negativos extremamente relevantes. Primeiramente analisaremos os aspectos negativos e as indagações a ela propostas para depois adentrar em suas qualidades.

Primeiramente, cabe ressaltar as indagações feitas por Claus Roxin (apud SHECAIRA;CORRÊA JUNIOR, p. 133):

O que legitima a maioria da população a obrigar a maioria a adaptar-se aos modos de vida que lhe são gratos? De onde vem o direito de poder educar e submeter a tratamento contra a sua vontade pessoas adultas? Por que não hão - de poder viver conforme desejam os que o fazem à margem da sociedade – quer se pense em mendigos, prostitutas ou homossexuais? Será a circunstância de serem incómodos ou indesejáveis para muitos de seus concidadãos, causa suficiente para contra eles proceder com penas discriminatórias?

Ademais a estas ponderações feitas por Roxin, cabe indagar, também, a respeito dos criminosos que não necessitam de reinserção ou ressocialização. Caberia a eles qualquer aplicação de sanção? Deve-se ponderar que há casos em que o quadro de reincidência é muito questionável. De fato são casos que questionam a aplicabilidade desta teoria e, por vezes, colocam-na em xeque.

Por outro lado, destaca-se as qualidades desta teoria. Como já destacado, trata-se de uma teoria muito humanista, baseada na individualização da pena e da execução desta, objetivando, desta feita, a reinserção do delinquente.

Além disso, a teoria em tela muito contribui para a fundamentação do poder punitivo no Estado Democrático de Direito, isto porque a fundamentação partiria como atribuição ressocializadora. Nesta esteira, a pena seria aplicada para beneficiar a sociedade e o delinquente, de modo a incidir o utilitarismo.

3.4. Teorias mistas ou ecléticas ou unificadoras

A teoria em menção pode ser considerada como sendo uma teoria resultante daquelas vistas anteriormente, juntando, assim, elementos de escolas e correntes já existentes a fim de se encontrar um meio termo. Devido a isso, muitas são as críticas colocadas contra tal pensamento, pois é impossível conciliar ideias opostas em uma única, coletando pontos divergentes e que teriam base em outras finalidades e meios para se obter o desejado.

De acordo com os adeptos e defensores da teoria unificadora, as teorias monistas se mostram frágeis e incompletas, incapazes de abranger e garantir a segurança da aplicação das normas penais, tendo-se em mente que se trata de um universo muito maior do que a cobertura que tais teorias podem prever.

Analisando-se o fundamento da pena, de acordo com a teoria mista, a pena a ser cominada deve abranger apenas o fato praticado, deixando de lado o caráter preventivo da pena que procura acrescentar a esta um teor de proteção à sociedade e que, também, procura inibir futuros delitos e atos desviantes. Sendo assim, a teoria unificadora faz prevalecer o princípio da retribuição e da culpabilidade, sob a alegação de que a pena será mais justa se for aplicada em função daquilo que fora praticado.

Insta salientar, ainda, que a ideia inicial das teorias mistas, ou unificadoras, era a de justapor as teorias retributivas e preventivas, procurando, através de tal processo, originar uma nova teoria que fosse capaz de abranger todas as penas a serem cominadas. Com os problemas e divergências entre tais teorias prevalecendo, surge a ideia de que tais correntes teóricas deveriam ser aplicadas juntamente, mas em momentos distintos (cominação da pena, aplicação e execução), buscando, dessa forma, uma melhor adaptação e unificação de teorias tão desiguais e divergentes.

Outra crítica feita acerca do agrupamento de teorias já existentes em uma única abrange a ideia de que a pena, dessa forma, poderia ser aplicada em um maior número de hipóteses e casos, aumentando, assim, as possibilidades de o Estado punir o infrator, até mesmo em casos onde a pena seria desnecessária, prejudicando a ideia de que o Direito Penal deve ser utilizado apenas em ultima ratio, o que resultaria em uma menor segurança jurídica.

Portanto, a ideia da criação de uma teoria mista, que converge pontos de escolas distintas, parece ser absurda, pois a escola poderia se contradizer, ter uma justificativa para a aplicação da pena que fosse falha, já que as teorias que serviram de base para esta são conflitantes e contraditórias entre si.

Sobre os autores
Rafael Contreras Bochi

Estudante de direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

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