3. Ligeiras reflexões
Como se vê, têm sido constantes as investidas e mudanças legislativas benevolentes com o crime de tráfico de entorpecentes, a permitir, juridicamente, interpretações contrárias aos interesses de toda a sociedade ordeira, quando o necessário seria enrijecer o tratamento penal dispensado ao comércio espúrio de substâncias entorpecentes e drogas afins.
Para agravar a punição em relação ao debatido crime nenhuma mudança legislativa se fez ao longo de todos estes anos.
De outro vértice, o que se discute; o que se tenta, e o que se tem possibilitado com as práticas legislativas acima apontadas são interpretações que só beneficiam traficantes.
Pende agora de tramitação o Projeto de Lei n.º 115/02, aprovado no Senado, conforme acima anotado, acenando para a majoração da reprimenda do crime de tráfico em patamar que achamos adequado (pena mínima de oito anos de reclusão).
4. Conclusão
Conforme a lição de Beccaria 24: "O interesse geral não se funda apenas em que sejam praticados poucos crimes, porém ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para obstar os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais freqüente. Deve, portanto, haver proporção entre os crimes e os castigos".
No direito penal brasileiro, além da desproporção punitiva existente entre o mal social produzido direta e indiretamente pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, não se cogitou no passado recente, em termos legislativos, do necessário aumento quantitativo das penas. Não se acenou, com firmeza, para o recrudescimento penal.
Não bastasse, as válvulas geradoras de discussões que soam benéficas aos traficantes foram constantes.
Do conjunto, resulta evidente a necessidade de se rever tais práticas legislativas, para que, em homenagem à democracia representativa e ao verdadeiro espírito e fundamento da Lei seja possível, um dia, impor penas mais severas aos traficantes.
Resta aguardar.
Notas
1 ANTOLISEI, Francesco. Manual de derecho penal. Bogotá – Colômbia: Temis, 1988, p. 1.
2 Ob., cit., p. 1.
3 MAURACH, Reinhart, ZIPF, Heinz. Derecho penal, Parte general, trad. da 7ª edição alemã por Jorge Bofill Genzsch y Enrique Aimone Gibson, Buenos Aires: Astrea, vol. 1, 1994, p. 4.
4 HASSEMER, Winfried, e MUÑOZ CONDE, Francisco. Introdución a alCcriminologia y al Derecho penal. Valencia: Tirant lo blanch, 1989, 37.
5 Principios de Derecho Penal – La ley y el delito. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 92.
6 FEUERBACH, Anselm V. Tratado de derecho penal, Buenos Aires: Hammurabi. Trad. de Eugenio R. Zaffaroni e Irma Hagemeier, 1989, p. 93.
7 WESSELS, Johannes. Direito Penal – Parte geral, tradução do original alemão e notas por Juarez Tavares, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1976, p. 2-3.
8 WESSELS, Johannes. Idem.
9 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 274.
10 No mesmo sentido: JTJ 156/317; RTJ 147/598; RT 737/551.
11 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 274-275.
12 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 278.
13 No mesmo sentido: STF, HC nº 76.371, j. em 25.03.98; STF, HC nº 76.543-SP, in DJU de 17.04.98, Seção I, p. 6; STF, HC nº 77.023-5/SP, 2ª Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 12.05.98, m.v. DJU de 14.08.98, p. 6; STF, HC n.º 77.562-3-MS, 2ª Turma, rel., Min. Maurício Corrêa, j. em 09.02.99, DJU de 09.04.99, RT 766/535; STJ, RHC n.º 7.603-PI, 5ª Turma, rel. Min. Félix Fischer, DJU de 13.10.98; TJSP, RvCr n.º 246.023-3/0, 1º Grupo de Câmaras, rel. Des. Egydio de Carvalho, j. em 08.03.99, v.u., RT 764/545. Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 279.
14 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 245.
15 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 244.
16 Damásio E. de Jesus, em seu artigo intitulado: Nova Lei Antitóxicos (Lei 10.409/02) – Mais confusão Legislativa, disponível em: <www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>, expôs entender que a Lei entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2002. Do mesmo entendimento comunga Renato de Oliveira Furtado, conforme escreveu em seu artigo: Nova Lei de Tóxicos – anotações ao art. 38. e parágrafos, disponível em: https://www.ibccrim.org.br, 22.02.2002. Jorge Vicente Silva comunga do mesmo pensamento nosso, conforme anotou em sua obra: Tóxicos, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2002, p. 13.
17 Razões do veto Presidencial: "Em face da permanência em vigor da Lei nº 6.368/76, assim como de avanços legislativos ocorridos durante o período em que tramitava o projeto, o art. 3º corresponderia a um retrocesso em relação aos esforços empregados no aperfeiçoamento da regulamentação da matéria. É contrário, portanto, ao interesse público que a definição de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, que determinem dependência física ou psíquica, e afins, sofra restrições pela interpretação da lei. A expressão ´para os fins desta Lei´ é, portanto, potencialmente lesiva à modernização e à complexidade da legislação penal brasileira".
18 A definição encontra-se em "Portaria", e não em "Lei".
19 FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado, 2ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1958, vol. II, p. 72.
20 FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado, 2ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1958, vol. II, p. 74.
21 Subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
22 Publicada no DOU de 26 de dezembro de 1996 e retificada no DOU de 15 de janeiro de 1997.
23 Caderno informativo do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, setembro de 2002, p. 4.
24 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães, São Paulo: Humus, 1983, p. 61.