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Coisa julgada e ação anulatória

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Agenda 13/09/2003 às 00:00

Coisa julgada é a entrega final, pelo Judiciário, da tutela jurisdicional ao litigante, resolvendo as questões colocadas em discussão, da qual não existe mais recurso, tornando, assim, em tese, imutável a decisão judicialmente expedida.

Sumário:1. Coisa julgada: conceito – 2. Coisa julgada: aspectos históricos – 3. Tutela constitucional da coisa julgada – 4. Direito Comparado – 5. Coisa julgada formal – 6. Coisa julgada material – 7. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada – 8. Ação anulatória: conceito – 9. Ação de conhecimento declaratória – 10. Atos rescindíveis por meio da ação anulatória – 11. Ação anulatória: aspectos históricos – 12. Nulidades materiais como supedâneo para ajuizamento da ação anulatória – 13. Atos inexistentes – 14. Atos nulos – 15. Atos anuláveis – 16. Atos Ineficazes – 17. Efeitos da ação anulatória – 17.1. Efeito incidental – 17.2. Efeito perante a sentença meramente homologatória – 17.3. Efeitos da desconstituição de ato no processo de execução – 18. Alcance e extensão da decretação da nulidade – 19. Nulidade e preclusão – 20. Diferenças entre ação anulatória e ação rescisória – 21. Fungibilidade entre ação anulatória e ação rescisória – 22. Ação anulatória na justiça do trabalho.


1. Coisa julgada: conceito

Coisa julgada, literalmente, significa: "Coisa Julgada – Diz-se da sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do vencido, ou de outrem que se sub-rogue em suas pretensões." [1]

Prevista e tutelada pela Constituição federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, a coisa julgada é um instituto decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado, das quais não existem mais recursos. Assim prescreve o artigo 5º, em seu Inciso XXXVI: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;"

Nelson Nery Junior assim identifica a formação da coisa julgada: "Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isto se dá a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável." [2]

Segundo Celso Bastos, "Coisa julgada é a decisão do juiz de recebimento ou de rejeição da demanda da qual não caiba mais recurso." "É a decisão judicial transitada em julgado". [3]

Vicente Greco Filho assim define coisa julgada: "A coisa julgada, portanto, é a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis." [4]

A LiCC, em seu art. 6º, § 3º, define coisa julgada como: "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso".

Antonio Gidi, ao discorrer acerca do fundamento jurídico da coisa julgada menciona que "A coisa julgada, como instituto jurídico, é também, em última análise, criação do homem para facilitar e ordenar a vida em sociedade. Exatamente por isso, assim como a dogmática jurídica, à qual pertence, deve ser entendida como meio para obtenção de fins, e não como fim em si mesmo". [5]

Nosso diploma processual civil (a definição processual é a que mais nos interessa no presente trabalho) define, de maneira mais específica, a coisa julgada material, expondo toda uma seção acerca do assunto. [6]

Podemos dizer, portanto, que a coisa julgada é a entrega final, pelo Judiciário, da tutela jurisdicional ao litigante; é o pronunciamento final do julgador no caso colocado ao seu crivo, pondo fim ao litígio e resolvendo as questões colocadas em discussão, da qual não existe mais recurso, devido à incidência do trânsito em julgado ou devido à extenuação, ao esgotamento de todo e qualquer recurso cabível, tornando, assim, em tese, imutável a decisão judicialmente expedida. Imutabilidade esta que é o principal objeto de discussão neste trabalho, o que será adiante apresentado.


2. Coisa julgada: aspectos históricos

A coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, está inserida em nossa Constituição no artigo 5º, no Título II (dos direitos e garantias fundamentais), Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), no inciso XXXVI. Ao analisarmos os aspectos históricos dos direitos e garantias fundamentais (e entre os quais a coisa julgada), devemos analisar o início do próprio constitucionalismo no planeta, uma vez que a Constituição surgiu para assegurar as garantias básicas ao cidadão.

Mesmo entre as mais antigas civilizações, foi constatada a existência de manifestações de uma idéia de controle das relações internacionais através de uma Constituição. Celso A. Mello, discorrendo acerca do Direito Constitucional Internacional menciona: "Nas mais antigas civilizações, como na Suméria, parece já existir manifestações de uma idéia de controle das relações internacionais, como no caso em que o rei de Erech antes de partir para uma guerra contra Kish consultou as assembléias de anciãos e dos guerreiros." [7]

Já na Grécia Antiga também encontramos a existência de um constitucionalismo, presente no século V nas Cidades-Estado. Basta analisarmos a própria Cidade-Estado para que possamos concluir ser constitucional a forma de governo que encontrava-se presente nesta civilização, onde o poder político era distribuído entre todos os cidadãos ativos, existindo uma devoção pelo princípio do Estado de direito de uma ordem. Celso A. Mello, ao mencionar o constitucionalismo existente na Grécia antiga comenta: "O importante é mostrar que sempre houve um controle da vida internacional do estado em maior ou menor grau. O constitucionalismo, a vida internacional do estado são muito mais antigas do que pretende a maioria dos autores. E mais, talvez o que nos falta seja o respeito que os gregos tinham à "Lei" que a sociedade moderna à custa de tanto analisar acabou por destruir." [8]

Em Roma, podemos identificar um controle da política externa muito maior do que na Grécia. O direito público tinha um programa mais acentuado; a idéia da Constituição de Roma era apontada como tão importante para o mundo Antigo como a Constituição Britânica no mundo moderno. [9] No sistema judicial romano antigo, o direito era concebido unicamente como sistema de actiones, que acabava sendo entendido como sistema de direitos cujo gozo, somente, devia o processo garantir; a partir de então, vem-se solidamente firmando o princípio do caráter essencialmente declarativo da sentença. [10]

Aqui podemos identificar, já com relação à existência da coisa julgada, que permanecia o hábito de ver na coisa julgada o efeito próprio e específico da decisão judicial. Concluía-se que a coisa julgada consistia na imposição da verdade da declaração do direito, contida na sentença, juntava-se o instituto da coisa julgada ao elemento lógico do processo.

No direito romano, portanto, existia a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido. [11]

Imaginava-se a coisa julgada como ficção de verdade, verdade formal, ou presunção de verdade. Estas formas, defendidas por escritores como Savigny e Pothier, tiveram grandíssima difusão, penetrando no Código de Napoleão, no Código Civil Italiano, sendo mais tarde combatidas e repelidas da linguagem científica devido à sua imprecisão. [12]

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No entanto, essa idéia de coisa julgada tenazmente presa à sentença como a decisão de uma questão duvidosa, acabou sendo superada pela concepção de que a sentença contém uma declaração irrevogável, imutável portanto, resultando na aplicação do direito.

Desenvolve-se, a partir dessas concepções, duas linhas de pensamento: uma que entende a coisa julgada como o efeito da sentença que a completa, tornando-se imutável e plenamente eficaz, e outra que entende a coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da sentença ou qualidade da própria sentença, a imutabilidade, que não é um efeito da sentença nem uma complementação da própria sentença, mas apenas um atributo dos efeitos originais do julgado.

Como se verá adiante, com o desenvolvimento das ordenações jurídicas nacionais, outras teorias acabaram sendo desenvolvidas e aqui serão apresentadas; teorias acerca dos efeitos da sentença e da coisa julgada formal, material, dos seus limites objetivos e subjetivos.


3. Tutela constitucional da coisa julgada

O ordenamento jurídico é ávido de segurança e estabilidade. A coisa julgada, ao por fim aos litígios, reveste-se da característica da indiscutibilidade, precisamente para concretizar o anseio de segurança presente na essência do ordenamento jurídico. [13]

É-lhe inerente a imutabilidade, que não pode ser infringida nem pelos juizes nem pelo legislador, está elevada à condição de garantia constitucional (Constituição Federal, art. 5.º, XXXVI). [14]

A coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, uma vez inserida em nossa Constituição no artigo 5º, no Título II (dos direitos e garantias fundamentais), Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), no inciso XXXVI, tem tutela constitucional que se confunde com aquela originária dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, com relação aos direitos e garantias fundamentais devemos ter uma idéia básica a respeito de onde nasceu a necessidade de se pleitearem direitos. Lembra-nos o constitucionalista José Afonso da Silva [15] que, em épocas remotas, quando a sociedade dividiu-se entre proprietários e não-proprietários e paralelamente instalou-se a dominação de uns sobre outros e a conseqüente subordinação de muitos, a opressão econômica inicial (em seguida expandida para as searas social e política) nulificou, destruiu ou pelo menos abafou aquele sentimento de comunhão democrática de interesses que vigia nas sociedades mais primitivas, gentílicas, que tinham uma comunhão democrática de bens e interesses.

A partir daí, a história do homem passou a ser a história das lutas para libertar-se dessas opressões, a começar pela escravidão sistemática, diretamente relacionada com a aquisição de bens. Buscou-se, então, recuperar, em forma mais elevada, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade das antigas gentes. [16]

Com esta busca, entrou-se em um processo de reconquista destes antigos valores. Dessa forma, o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem nas Declarações de Direitos, ou antes, a própria idéia de se ter direitos é muito recente, é uma invenção moderna, coisa de aproximadamente 200 anos, o que representa muito pouco na história cronológica da humanidade.

Mas tratam-se de duzentos anos, é bem verdade, em que praticamente se conquistaram todos os direitos que hoje ostentamos enquanto titulares, o que comprova uma mudança radical de paradigma no campo mais amplo do Direito a partir do século XVIII. Durante séculos, os seres humanos apenas possuíam deveres e eram alvos de severas e muitas vezes irracionais punições, caso não realizassem suas obrigações a contento. Isso pode ser verificado com a mínima análise dos textos legais mais antigos de que temos notícia. [17]

Os grandes textos legais, os monumentos legislativos da Antigüidade, estabeleciam apenas deveres e não direitos. Do mesmo modo, para os romanos, v. g., não existiam propriamente direitos, ou pelo menos não direitos "subjetivos" (que é uma construção teórica moderna e de cunho bem mais individualista), mas somente alguns direitos enunciados de forma genérica (em que se definia a coisa, e não a titularidade do possuidor de direitos, o que fica bem claro em relação à propriedade) ou algumas ações, dizendo-se por isso que possuíam um "Direito Judicial".

Em seguida, verificamos algo similar (e talvez um retrocesso mesmo em relação à Antigüidade Clássica) na Idade Média e na Idade Moderna, em que tanto no regime feudal quanto no Absolutismo Monárquico não havia um Estado de Direito; o que existiu foi, no máximo, alguns documentos que antecederam historicamente as modernas Declarações de Direitos, e que reconheciam algumas franquias ou concessões dos reis a alguns súditos, mas nunca direitos e muito menos para todos. [18]

O caráter universalizante dos direitos, agora conquistados e não mais concedidos pelos senhores feudais ou pelos monarcas, passou a aparecer a partir das revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), no século XVIII, portanto, marcando o triunfo do individualismo sobre o absolutismo divinizado dos reis, trocando a justificativa do poder de ex parte principis para ex parte populi, isto é, substituiu-se, na fundamentação do poder político, a Soberania Divina dos Reis pela Soberania Popular. [19]

Foi esta uma grande troca de perspectiva, invertendo-se o ponto de vista. E se hoje esse individualismo é tão criticado, o é porque acabou se traduzindo, muitas vezes, por egoísmo, mas à época em comento representou grande avanço em relação à conquista de direitos e à afirmação da idéia de que o indivíduo antecede o Estado e, portanto, o funda, o cria, através de uma Constituição (escrita). Foi aí que se deu a passagem dos deveres aos direitos, deixando-se de privilegiar os deveres, como era a prática até então, para valorizarem-se os direitos dos indivíduos.

Finalmente, além de serem os direitos aquisições muito recentes dos seres humanos, é importante frisar que longe se está de verem esgotadas suas possibilidades, justamente porque a evolução da humanidade importa a conquista de novos direitos, e, assim, o direito procura acompanhar (embora quase sempre nesta tarefa vá de reboque aos fatos sociais) se não a evolução, pelo menos a mudança dos costumes e dos valores que dinamicamente se dá em qualquer sociedade, umas em maior, outras em menor velocidade. Por exemplo: quem ousaria, há algumas poucas décadas, falar ou ainda reivindicar direitos relativos à Bioética? À reprodução assistida (a popular "barriga de aluguel", as fertilizações in vitro)? À Informática? [20]

Para que o Direito possa contemplar o dinamismo e o movimento dialético da sociedade, as próprias Constituições habitualmente deixam uma porta aberta para a entrada de novos direitos sem ser necessária uma mudança em seus textos.

A Constituição Brasileira de 1988 o fez no Parágrafo Segundo do seu Artigo 5º, nestes termos: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Logo, esta é a regra da própria Constituição que diz que os direitos fundamentais petrificados em seu texto não são numerus clausus, isto é, não são fechados; não apresenta ela um rol completo, acabado, mas uma relação que permite extensões, que admite interpretações extensivas.

Ao tratarmos, assim, da coisa julgada, tratamos de Instituto acolhido constitucionalmente dentre os direitos e garantias fundamentais, isso por ser onde a coisa julgada encontra-se inserida no texto constitucional e de onde podemos identificar, por conseguinte, a tutela constitucional extremamente importante que a acolhe.

Assim, a coisa julgada não é, como outrora se pensava, um efeito da sentença; o que hoje se reconhece e proclama como fundamental ao processo é a autoridade da coisa julgada, o que, como bem esclarece Liebman, não pode ser havido como um efeito propriamente da sentença, "mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias das sentenças". Lembrando a importância do pensamento de Chiovenda, Liebman conclui que uma verdade se deve entender em toda a sua extensão como aquela que põe "toda a importância da coisa julgada na expressão da vontade concreta do direito". [21]

A eficácia de uma sentença se manifesta, via de regra, antes da coisa julgada, e dela, como é óbvio, independe. Mas, o comando de uma sentença, sem o plus da res iudicata, não impediria que outro juiz, em processo futuro, viesse a reexaminar o caso já decidido e a proferir novo julgamento, em sentido diverso do primeiro.

Somente uma razão de utilidade política e social intervém para evitar esta possibilidade, tornando o comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a preclusão dos recursos contra a sentença nele pronunciada. Isto porque sem o plus da autoridade da coisa julgada, a eficácia natural da sentença, que é o escopo da jurisdição, seria imperfeitamente alcançada. [22]

A coisa julgada, então, faz imutável o comando da sentença, quando se verifica a preclusão dos recursos cabíveis contra ela.

Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença.

Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos quaisquer que sejam, do próprio ato. [23]

A vontade do Estado de regular concretamente o caso decidido se afirma como "única" e "imutável", e essa característica da sentença não se restringe ao disciplinamento particular da relação jurídica entre os litigantes. [24] Vincula, sobretudo, o Estado, no exercício do Poder Jurisdicional e do Poder Legislativo. [25]

Não apenas os juizes jamais poderão alterar o comando sentencial passado em julgado, como também o legislador não poderá mudar a normação concreta da relação a qual vem a ser estabelecida para sempre pela autoridade da coisa julgada. [26]

Portanto, o instituto da coisa julgada pertence ao direito público e mais precisamente ao direito constitucional. A natureza publicística da autoridade da coisa julgada justifica que o juiz deva levar em conta, também ex officio, a existência de uma sentença precedente passada em julgado. Afinal, é a paz social, o equilíbrio e a segurança das relações jurídicas como um todo que justificam o antiqüíssimo instituto, sabidamente de ordem pública.

Pouco importa que o juiz, em novo processo, se convença da injustiça da sentença transitada em julgado. Ela continuará sendo indiscutível e imutável.


4. Direito comparado

A coisa julgada se encontra presente em muitas Constituições atuais; arriscaríamos dizer que, direta ou indiretamente prescrita, a coisa julgada existe em todo ordenamento jurídico constitucional, de qualquer Estado, desde que este seja constitucionalmente definido; esta presença se dá tanto expressamente mencionada, em determinados artigos na Constituição como, em alguns casos, certos dispositivos garantem flagrantemente sua existência no ordenamento jurídico infraconstitucional; é o que passaremos a analisar a seguir, ou seja, a presença da coisa julgada em várias Constituições, de vários Estados, soberanos e organizados juridicamente, com base em uma Constituição escrita e suas diferenças e semelhanças com a nossa Carta Magna.

Podemos analisar a Constituição da República da Coréia, em seu Capítulo II (que prevê os direitos e deveres dos cidadãos), artigo 13 (1), in verbis: "Nenhum cidadão será processado por ato que não constitua crime de acordo com a legislação em vigor à época de sua realização, e nem será julgado duas vezes pelo mesmo crime." [27] É óbvio que, não sendo possível o julgamento por duas vezes pelo mesmo crime, será garantida a soberania do primeiro julgado, sendo, assim, garantida a prevalência da coisa julgada. Essa proteção encontra-se no texto constitucional sob comento de forma não tão direta como em nossa carta, que, como fora demonstrado, menciona diretamente a expressão coisa julgada.

A Constitucion Politica De La Republica De Costa Rica, em seu Título IV (Derechos e Garantias Individuales), Capítulo unico, articulos 34 e 42, também apresenta a coisa julgada, in verbis: "Articulo 34. A ninguna ley se le dará efecto retroactivo en perjuicio de persona alguna, o de sus derechos patrimoniales adquiridos o de situaciones juridicas consolidadas." Continua, esta Constituição, em seu artigo 42: "Articulo 42. Un mismo juez no puede serlo en diversas instancias para la decisión de un mismo punto. Nadie podrá ser juzgado más de una vez por del mismo hecho punible. Se prohibe reabrir causas penales fenecidas y juicios fallados con autoridad de cosa juzgada, salvo cuando proceda el recurso de revisión." [28]. Esta Magna Carta, como se pode verificar, já menciona textualmente o Instituto quase que essencialmente processual da coisa julgada, garantindo-a de forma mais ampla, diferentemente da Constituição da Coréia, analisada anteriormente, que não tem esta preocupação ortográfica, limitando-se a mencionar a garantia da não repetição do julgado, e, limitando a garantia à esfera criminal ao referir-se textualmente "mesmo crime".

A Constitucion Politica De La Republica De El Salvador, em seu Título II (Los Derechos y Garantias Fundamentales de la Persona), Capitulo I (Derechos Individuales y su Régimen de Excepción), Seccion Primera (Derechos Individuales y su Régimen de Escepción), em seu articulo 11 garante o direito à coisa julgada, assim expondo: "Art. 11 – Ninguna persona puede ser privada del derecho a la vida, a la liberdad, a la propriedad y posesión, ni de cualquier otro de sus derechos sin ser previamente oída y vencida en juicio con arreglo a las leyes; ni puede ser enjuiciada dos veces por la misma causa." [29] Nesta Constituição, a coisa julgada é equiparada a outros Institutos de proteção aos direitos individuais da pessoa humana, como o direito a vida, a liberdade, entre outros, não ficando limitada à esfera criminal, mas, em contrapartida, também não refere-se textualmente à coisa julgada.

A Constituição dos Estados Unidos da América, na Emenda V, também garante, entre outros direitos do cidadão, o direito à coisa julgada, in verbis:

EMENDA V: Ninguém será detido para responder por crime capital ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Juri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização. [30]

Neste caso, apesar de tratar-se de Emenda, não de artigo inserido no próprio corpo do texto constitucional estadunidense, também temos a presença da coisa julgada nesta Carta, juntamente, também, com outros Institutos de proteção aos direitos do cidadão e, também, não existe a referência direta à expressão coisa julgada.

A Constituição da República das Filipinas, em seu artigo III (declaração de direitos), seção 21, apresenta a coisa julgada, in verbis: "Ninguém correrá o perigo de sofrer punição duas vezes pelo mesmo crime. Se uma ação for punida por uma lei e um decreto, a condenação ou absolvição de acordo com qualquer dos dois constituirá impedimento para que se inicie outro processo pela mesma ação." [31] Trata-se de disposição legal muito clara, garantindo a estabilidade da coisa julgada desde que não exista outra forma legislativa (lei ou decreto), ou seja, se existir outro tipo de dispositivo legal que não lei e decreto, e, havendo condenação uma vez apreciado o fato sob a égide deste dispositivo, não se falará em aplicabilidade da coisa julgada nestes casos, ao mesmo de acordo com a Constituição.

A Constituição do Japão, em seu Capítulo III (direitos e deveres do povo), artigo 39, prevê o Instituto da coisa julgada, in verbis: "Ninguém será responsabilizado criminalmente por um ato que era legal na época em que foi praticado, ou do qual foi absolvido, nem tampouco será sujeito à dupla ameaça." [32] Trata-se, também, de proteção constitucional limitada apenas à esfera criminal, que se encontra neste dispositivo, presente na Constituição japonesa.

A Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos, em seu Titulo Primero, Capitulo I, (de las Garantias Individuales), articulo 23, também apresenta a coisa julgada, in verbis: "Ningún juicio criminal deberá tener más de tres instancias. Nadie puede ser juzgado dos veces por el mismo delito, ya sea que en el juicio se le absuelva o se le condene. Queda prohibida la práctica de absolver de la instancia." [33] Trata-se, neste caso também, de proteção apenas penal presente no dispositivo constitucional mexicano.

A Constituição da Nicarágua, em seu Título IV, Capítulo I (derechos individuales), artigo 34, item 9, assim determina: "Articulo 34. Todo procesado tiene derecho, en igualdad de condiciones, a las siguientes garantias mínimas:.. . 9. A recurrir ante un tribunal superior a fin de que su caso sea revisado cuando hubiere sido condenado por cualquier delito; y a no ser procesado nuevamente por el delito por el cual fue condenado o absuelto mediante sentencia firme." [34] Trata-se, neste caso, também de proteção exclusivamente penal.

A Constituição do Paraguai, em seu capítulo V, artigo 64, estabelece: "Nadie puede ser sometido a juicio por los mismos hechos en virtud de los quales hubiera sido juzgado anteriormente, ni privado de su libertad por obligaciones cuyo incumplimiento no haya sido definido por la ley como delito o falta. No se admite la prisión por deuda." [35] Trata-se de uma constituição de origem também latina, muito próxima de nossa cultura, muito parecida com a nossa também. A proteção dada à coisa julgada nesta Constituição não se refere, como na nossa, apenas à esfera penal, mas à coisa julgada como um todo, como Instituto. Trata-se, a nosso ver, de texto muito mais completo, assim como o inserido em nossa Constituição, que garante a ascensão de dogma constitucional à coisa julgada como Instituto processual, não somente como garantia de direito criminal.

A Constituição de Portugal, em seu artigo 29 (ao tratar da aplicação da lei criminal), item 5, prevê a coisa julgada, in verbis: "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime." [36] A Constituição de Portugal, portanto, não oferece a mesma acolhida que a nossa Constituição concedeu à coisa julgada, limitando-se a prevê-la e tutelá-la apenas na esfera criminal, como a maioria das Constituições do planeta.

A Constituição da Venezuela, em seu artigo 60, 8.º prevê: "Ninguém poderá se submetido a julgamento pelos mesmos fatos em virtude dos quais já tenha sido julgado;". [37] Trata-se de proteção que não se limita, como fazem a maioria das Constituições, à esfera criminal, ou seja, ao mencionar a impossibilidade de que o cidadão possa ser submetido a julgamento pelo mesmo fato que já tenha sido julgado, nada mencionando ser este fato criminoso ou não, a Constituição venezuelana também oferece uma maior proteção à coisa julgada como Instituto processual, não apenas de direito penal, mas de todo e qualquer ramo do direito.

Podemos perceber, ao analisarmos estas Constituições estrangeiras, que a nossa Magna Carta não tem uma redação mal elaborada; nosso texto constitucional nada deixa a desejar em comparação com os demais, muito pelo contrário, trata-se de um dos melhores textos ao apresentar a coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, intocável perante o legislador ao realizar o processo legislativo, mas não perante a justiça quando não completa, quando não existindo como um ato juridicamente perfeito, permitindo, nossa Carta maior, o julgamento do mesmo fato através da garantia do amplo acesso ao judiciário, sempre que houver legítimo fundamento para que isso possa ser realizado.

Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 22 dez. 2024.

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