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Coisa julgada e ação anulatória

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Agenda 13/09/2003 às 00:00

9. Ação de conhecimento declaratória

A ação anulatória é uma ação de conhecimento declaratória. As ações podem ser declaratórias, condenatórias ou constitutivas, sendo que só a segunda dá ensejo à exeqüibilidade da sentença, vale dizer, à instauração do processo de execução, se o vencido não satisfizer, espontaneamente, o direito nela reconhecido.

Devemos distinguir se uma ação é de conhecimento, cautelar ou de execução, a fim de se saber qual o tipo de tutela jurisdicional pleiteada ao Poder Judiciário. [64]

Os processos especificam-se de acordo com a natureza jurídica da tutela jurisdicional invocada, em processo de conhecimento, de execução e cautelar. [65]

O processo de conhecimento, que se instaura pela propositura da ação de conhecimento, é aquele cuja finalidade do autor é obter uma sentença que solucione o litígio. Esta sentença poderá ser meramente declaratória, condenatória ou constitutiva.

O processo de execução é aquele em que o vencedor, já munido de uma sentença condenatória, que reconheceu o seu direito, postula a tutela jurisdicional de execução, para compelir o vencido a solver a prestação obrigacional a que foi condenado na sentença. Tal é o processo de execução por título judicial. Todavia, a própria lei criou alguns títulos, a que deu o nome de extrajudiciais, com eficácia executiva. Isto é, tais títulos, que gozam da presunção legal de liquidez e certeza, têm força, também, para fazer instaurar o processo de execução. Este é cognominado de processo de execução por títulos executivos extrajudiciais (art. 585 do CPC).

O processo cautelar é o que visa à obtenção de uma medida acautelatória, a fim de preservar direitos ou interesses para serem exercitados futuramente, no processo de conhecimento ou no processo de execução. Ele está disciplinado no Livro III do CPC (arts. 796 a 889).

Quanto aos tipos de procedimento, os processos se classificam em: a) comuns, que se subdividem em processos de rito ordinário, que é o rito-padrão, para a generalidade das causas, e processos de rito sumário, que se caracterizam pela supressão de vários atos processuais do rito ordinário e pela celeridade na decisão da causa (art. 275 do CPC); b) especiais que se subclassificam em procedimentos de jurisdição contenciosa, previstos nos arts. 890 a 1.102 do CPC, e procedimentos de jurisdição voluntária, que estão disciplinados nos arts. 1.103 a 1.210 do Estatuto Processual; c) remanescentes, que são aqueles constantes do elenco do art. 1.218 do CPC.; são alguns tipos de procedimentos especiais do Código de 1939 que foram revigorados pelo citado art. 1.218; d) extravagantes, que são os disciplinados em leis especiais que tratam de matéria processual. São assim chamados de extravagantes porque eles são tratados em leis extravagantes, ou seja, leis que disciplinam o processo, mas que não estão encartadas dentro do corpo do Código de Processo Civil. Exemplos: mandado de segurança (Lei nº 1.533/51); ação popular (Lei nº 4.717/65); ação de despejo (Lei nº 6.649/795); ação de acidente do trabalho (Lei 6.367/76); ação discriminatória de terras públicas (Lei nº 6.383/76); ação de alimentos (Lei nº 5.478/68); etc.

A ação anulatória se enquadra, portanto, como já afirmado, como ação de conhecimento declaratória e condenatória que segue o rito ordinário. De conhecimento é o processo a ser ajuizado, o pedido contido na proemial; rito ordinário é o procedimento a ser seguido, a forma como os atos devem ser praticados. Trata-se de uma ação onde se cumula pedido declaratório com condenatório. Deve-se, portanto, pleitear a declaração da nulidade do ato e a condenação das partes ao estado anterior aquele da prática do ato.


10. Atos rescindíveis por meio da ação anulatória

Os atos rescindíveis por meio da ação anulatória são aqueles previstos no artigo 486 do CPC, conforme já exposto. Ocorre que, devido à complexidade com que o processo se apresenta em determinados momentos, a confusão, na maioria das vezes, é muito grande.

É preciso distinguir sentença de mérito de sentença meramente homologatória, pois, a sentença de mérito rescinde-se via ação rescisória, enquanto que a sentença meramente homologatória, como os demais atos jurídicos processuais, assim como os atos jurídicos em geral, rescinde-se via ação anulatória.

Essas distinções são basilares para que se possa ajuizar esta ou aquela ação, motivo este que forçou-nos, ao elaborar este trabalho, discorrermos acerca da coisa julgada e, como conseqüência inevitável, da sentença e seus efeitos, para, feito isso, podermos analisar com mais propriedade os momentos em que são cabíveis a ação anulatória e não a ação rescisória.

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Theotonio Negrão apresenta um resumo de jurisprudência onde se destaca a grande controvérsia que existe em torno da regra do art. 486: [66]

"É cabível a ação ordinária de nulidade ou de anulação da sentença homologatória. - de separação consensual (RT 499/109; RJTJESP 98/397; RP 6/308, em. 63); de cláusula da separação consensual (RJTJESP 25/77); de partilha na separação consensual (RTJ 83/977; RT 496/79; RJTJESP 43/50, 46/209); - de adjudicação (RTJ 79/500; RT 500/185; JTA 46/58; contra: STF-RTJ 82/505 e RT 508/262); - de arrematação (RTJ 113/1.085, 114/246; STF-RT 590/258, maioria; RT 472/128, 508/130, RJTJESP 92/33, JTA 39/119, 91/181; TFR-2ª Seção, AR 964-MG, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 11.12.84, maioria, apud Bol. do TFR 83, p. 20; contra, sustentando ser cabível a ação rescisória: RTFR 116/6 (TFR-2ª Seção, j. 21.9.82, 3 votos vencidos), 116/21 (TFR- 2ª Seção, j. 19.6.83, 4 votos vencidos), RT 505/141 e JTA 47/125; - de remissão (RT 476/224), - proferida em processo de jurisdição voluntária (RP 4/397, em. 137), como é o pedido de alvará para venda de bem de menor (RF 284/314)."

Estes entendimentos jurisprudenciais vêm de encontro com nossas afirmações no sentido de que a ação anulatória é cabível sempre que a sentença for meramente homologatória, como, v. g., em regra, nos procedimentos de jurisdição voluntária, nos casos de homologação de separação judicial ou de partilha.


11. Ação anulatória: aspectos históricos

A decisão final das lides, a imutabilidade desses julgados e a rápida solução das causas, para que não se eternizem os litígios, é regra de ordem pública, como já ensinava Alfredo de Araújo Lopes da Costa sobre a ação rescisória. [67] Contudo, essa regra não é ilimitada ou absoluta, sendo de há muito excepcionada nas legislações e nos pretórios. E assim também ocorre com certos atos processuais.

O art. 486 do CPC de 1.973 – Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1.973 – dispõe: "Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

A redação do art. 486 do CPC de 1.973 é igual à do Anteprojeto e à do Projeto do mencionado código vigente, o que já fora anteriormente observado por Luís Eulálio de Bueno Vidigal. [68] Pode ser verificado que o dispositivo em estudo reproduz quase que literalmente o parágrafo único do art. 800 do diploma de 1.939, que dispunha: "Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória. Parágrafo único. Os atos judiciais que não dependerem de sentença, ou em que esta for simplesmente homologatória, poderão ser rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

Como se pode constatar, o parágrafo único do art. 800 do CPC de 1.939 era o dispositivo processual que tratava da ação anulatória e, assim como o atual art. 486 do CPC, estava inserido no título III, relativo à ação rescisória: "Da ação rescisória da sentença".

Não se trata de bis in idem a ação rescisória e a ação anulatória. Exatamente como o Estatuto Processual de 1.973 em vigor, o Código de 1.939 considerava a ação anulatória apenas destinada a impugnar o ato eivado de vício de nulidade praticado em juízo ou fora dele (dependente ou não de sentença "meramente homologatória") e não a sentença propriamente, de mérito, como é o caso da ação rescisória.

José Carlos Barbosa Moreira ensina: "O Código de 1.939 tinha o remédio da ação anulatória (art. 800, parágrafo único) mas não considerava o vício do ato homologado como pressuposto bastante da ‘rescisão da sentença’, de modo que inexistia bis in idem", [69] cabendo, neste caso, não a ação rescisória, mas a ação anulatória.

O antecedente mais remoto na legislação nacional da ação anulatória de "ato judicial" encontra-se no art. 255 do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1.850, que falava em "ação rescisória do contrato": "Art. 255. A proposição da ação rescisória do contrato não induz litispendência para a ação de dez dias, proveniente do mesmo contrato. Todavia, havendo já alguma sentença pronunciado a nulidade do contrato, o autor não poderá levantar a importância da execução sem prestar fiança".

No entanto, Luís Eulálio de Bueno Vidigal não considera que o Regulamento 737 continha algum texto correspondente ao atual art. 486 do CPC de 1.973, assim como "o Decreto 3.084 e a Consolidação das Leis de Ribas também não tinham disposição correspondente". Afirma esse autor que, "dos Códigos estaduais, só o de São Paulo, no parágrafo único do art. 359, dispôs sobre o assunto em termos substancialmente iguais aos do texto do art. 486 do CPC em vigor". [70]

Na busca da origem da ação anulatória de ato judicial, José Carlos Barbosa Moreira, cita, no direito comparado, como dispositivo semelhante ao art. 486 do CPCB, o artigo 301.º, do CPC de Portugal, que determina:

"(Nulidade e anulabilidade da confissão, desistência e a transacção) 1) A confissão, a desistência e a transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n. 2 do art. 359.º do CC. 2). O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas". [71]

Assim, o ordenamento português, vigente até os dias atuais, no art. 301.º, permite a declaração de nulidade ou a anulação da confissão, da desistência e da transação. O trânsito em julgado da sentença baseada em qualquer desses atos não obsta o exercício de ação em que se pretenda vê-los declarados nulos ou anulados.

Portanto, o CPC português, no art. 301.º, apresenta certos mandamentos que se assemelham ao art. 486 do CPC brasileiro. Da mesma forma que o art. 486 do CPC, o ordenamento luso, no art. 301º, possibilita a nulidade ou anulação de atos praticados pelas partes em juízo, como a confissão, anulação nos termos da lei civil (stricto sensu). [72]

Pode ser constatado que o art. 359.º do CC luso, mencionado no art. 301.º do CPC, também de Portugal, dispõe sobre a nulidade ou anulabilidade da confissão: "Art. 359.º (Nulidade e anulabilidade da confissão) 1) A confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação. 2) O erro, desde que seja essencial, não tem de satisfazer aos requisitos exigidos para a anulação dos negócios jurídicos". [73]

Existem semelhanças e diferenças entre o art. 301 do CPC português e o art. 486 do CPC brasileiro. Os dois dispositivos permitem o ajuizamento da ação anulatória contra atos praticados pelas partes em juízo, eivados de nulidade ou anulabilidade oriundos da falta de vontade ou de vícios do consentimento. Todavia, é evidente que o art. 486 do CPC é mais amplo do que o art. 301 do ordenamento luso, pois os fundamentos para ajuizamento da ação anulatória do art. 486 do CPC não se esgotam na falta de vontade ou nos vícios do consentimento, sendo também possível a sua propositura nos casos de nulidade.

Nossa legislação, nos artigos 485 e 486 permite a anulação de atos jurídicos ou não, desde que viciados nos termos descritos, sendo que, nossa jurisprudência, acertadamente, se posicionou no sentido de ser possível, após ocorrida a preclusão máxima (coisa julgada formal), o ajuizamento de ação anulatória para desconstituir o ato praticado em juízo. Pela sistemática do CPC brasileiro vigente, após o trânsito em julgado da sentença, entendemos que se essa sentença for meramente homologatória, não julgar o mérito da causa, portanto, cabível a ação anulatória, nos termos similares ao nº 2 do art. 301 do Código português.

A grande maioria das legislações estrangeiras é desprovida de norma que corresponda, mesmo parcialmente, ao atual art. 486 do CPC, o que não quer dizer que a actio nullitatis não exista nos sistemas processuais brasileiro e estrangeiro, como a ação de procedimento ordinário, comum, sem específica disciplina.

Nossa doutrina tende a negar a possibilidade de invalidação dos atos das partes, após o trânsito em julgado da sentença, por vício da vontade, salvo mediante ação rescisória, quando for o caso. Posição esta que discordamos. Argumenta-se que no processo deve haver a certeza da segurança que lhe é inerente, e que, possibilitando a livre discussão da validade dos atos processuais, tal segurança vir-se-ia abalada, entendendo por isso que, no silêncio dos textos, nega-se a possibilidade de invalidação dos atos das partes, por vício da vontade após o trânsito em julgado da sentença (coisa julgada material). Os doutrinadores afirmam, de uma maneira geral, que o interesse do prejudicado no desfazimento do ato, na maioria das hipóteses, pode ser satisfeito mediante a faculdade dada pelo direito material de revogação do ato praticado. [74]

Ocorre que, não vemos como um ato praticado em juízo e "ratificado" com o advento da sentença final, possa ser revogado senão via ação rescisória ou anulatória, pois, a sentença judicial, uma vez prolatada, passa a integrar o patrimônio do vencedor, fazendo coisa julgada entre as partes e até perante terceiros. Assim, apenas com a declaração da nulidade de referida decisão poder-se-á reverter a relação jurídica ao statu quo ante (estado anterior) ao ato viciado coberto, no caso, pela imutabilidade da coisa julgada.

No direito comparado, onde os códigos não estejam a admitir expressamente a ação anulatória, como consta no art. 486 do CPC brasileiro, permite-se, na maioria dos casos, a impugnação do ato no próprio processo em que foi praticado, possibilitando até invalidá-lo por meio de ação autônoma. Exemplo disso é a "revogabilidade" da confissão obtida por error di fatto ou violenza, contemplada no art. 2.732 do CC italiano. [75]

Os doutrinadores estrangeiros, em sua maioria, ao comentarem o art. 2.732 do CC italiano, trazem analogia entre a revogabilidade e a anulabilidade do negócio jurídico, ressaltando a diferença dos meios que, numa ou noutra hipótese, ficam à disposição do interessado ao desfazimento. [76]

Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 22 dez. 2024.

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