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Coisa julgada e ação anulatória

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Agenda 13/09/2003 às 00:00

18. Alcance e extensão da decretação da nulidade

Como vimos, existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Esses atos estão previstos no artigo 166 do Código Civil que determina: "É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por imperativo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."

Existe, ainda, o ato inexistente. Tratam-se de atos que carecem de elemento essencial indispensável à sua existência (consentimento, objeto, causa). O ato considerado inexistente nada mais é do que uma modalidade de nulidade; o ato, não tendo chegado a se completar, não tendo eficácia, nenhum efeito pode produzir.

Tratam-se de atos que não estão previstos na legislação por serem juridicamente inidôneos, incapazes de gerar qualquer tipo de conseqüência jurídica. Não é necessária a declaração judicial da ineficácia desses atos porque os mesmos jamais chegam a existir.

Assim, existem os atos nulos (viciados com a nulidade absoluta, previstos no artigo 166 citado do Código Civil) e os atos anuláveis (viciados com a nulidade relativa, previstos no artigo 171 do mesmo diploma legal). A nulidade absoluta é muito mais grave, contem maior atentado à ordem jurídica, tendo, pelo legislador, aplicação de sanção mais severa; ao contrário da nulidade relativa, onde a falta cometida é mais leve, sendo, diferentemente da nulidade absoluta, passiva de anulabilidade. [95]

Alguns caracteres inconfundíveis distinguem a nulidade da anulabilidade: A anulabilidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada, ou no de um grupo de pessoas determinadas; a nulidade é de ordem pública, de alcance geral e decretada no interesse da própria coletividade; A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz a requerimento das partes, ou sanada, expressa ou tacitamente, pela ratificação (art. 172); [96] a nulidade não pode ser suprida pelo juiz, embora a pedido de todos os interessados (art. 168, parágrafo único). A anulabilidade há de ser pronunciada mediante provocação da parte, não podendo ser decretada ex officio pelo juiz (art. 177); a nulidade pode e deve ser decretada de ofício (art. 168, parágrafo único).

A anulabilidade pode ser alegada e promovida pelos prejudicados com o ato, ou por seus legítimos representantes (art. 177); a nulidade pode ser decretada não só a pedido dos interessados, como também do órgão do Ministério Público, quando lhe caiba intervir (art. 168). A anulabilidade é prescritível, em prazos mais ou menos exíguos; a nulidade não prescreve (quod initio vitiosum est non potest tractu temporis convalescere), ou, se prescreve, será no maior prazo previsto em lei. [97] A anulação deve ser sempre pleiteada através de ação judicial; a nulidade, quase sempre, opera pleno jure, ressalvada a hipótese em que se suscite dúvida sobre a existência da própria nulidade, caso em que se tornará imprescritível a propositura de ação para o reconhecimento de sua ocorrência, pois a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos.

O ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro (art. 172); o ato nulo é irreparável, insuscetível de ratificação, expressa ou tácita; não podem as partes escoimá-lo da mácula que o inutiliza. A nulidade, absoluta ou relativa, uma vez proclamada, aniquila o ato jurídico. A relativa, embora de menor gravidade que a absoluta, depois de reconhecida por decisão judicial, tem a mesma força exterminadora; num e noutro caso, o ato fica inteiramente invalidado. O efeito principal do reconhecimento da nulidade é a recondução das partes ao estado anterior; o reconhecimento da nulidade opera retroativamente, voltando os interessados ao "statu quo ante", como se o ato nunca tivesse existido, restabelecendo-se o estado em que antes dele estavam as partes. Se não for possível a restituição do statu quo ante, serão as partes indenizadas com o equivalente, conforme se arbitrar. [98]

Dentro do processo, a nulidade é um vício, um mal, um estigma que contamina a validade da relação processual. Esta deverá caminhar incólume, desde o seu nascimento, até final, quando se prolatará a sentença compositiva do litígio.

Qualquer nulidade deverá ser extirpada do processo. O Código de Processo Civil arma o juiz de poderes os mais amplos, para que ele vele pela validade formal do processo, ou seja, para que sejam observados, integralmente, as regras, as normas, os princípios do devido processo legal.

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Todo momento o juiz exerce essa função saneadora, buscando convalescer os atos e termos processuais. Se a petição inicial não contiver os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC, que são essenciais, o juiz determinará que o autor a emende ou a complemente (art. 284). A cada ato processual que se pratica, o órgão que preside a relação processual exara atos ordinatórios, procurando que as partes respeitem, o quanto possível, os modelos formais estabelecidos pelo legislador. A essa tarefa se chama função saneadora do juiz. Tal missão é exercida com mais rigor, por ele, em fase própria, que recebeu o nome de fase do ordenamento processual (arts. 323, 326 e 327 do estatuto processual).

Há uma preocupação constante do legislador, atento aos princípios da economia processual e da celeridade processual, de ordenar o processo de tal modo que ele não apresente qualquer nulidade. E mais: se esta existir, deverá o Juiz, por todas as maneiras, buscar a recuperação do aspecto formal do processo, vale dizer, disciplinar no sentido de que os atos contaminados sejam convalescidos. Por via de conseqüência, as nulidades processuais só serão decretadas ou declaradas, quando impossível, por qualquer meio processual válido, conseguir a recuperação ou convalescimento do ato processual.

Nosso estatuto processual, em vários preceitos, dita inúmeras regras neste sentido:

O art. 244, que trata de atos processuais com forma determinada, sem cominação de nulidade, como se enfatizou acima, enuncia o princípio da instrumentalidade dos atos processuais, segundo o qual, mesmo que inserido na relação processual por forma diversa daquela preconizada na lei, o ato será considerado valido se a finalidade por ele objetivada for alcançada. O que tem a ver, na prática do ato processual, é o escopo por ele perseguido. Se este for atingido, despicienda será a forma processual adotada. O objetivo alcançado com a prática do ato processual torna desnecessária a declaração ou decretação da nulidade e a conseqüente repetição do ato.

Outra norma proclama, também, a desnecessidade da anulação do ato, quando ele não causar prejuízo à parte (pas de nullité sens grief – não há nulidade sem prejuízo). Com efeito, soa o art. 249, § 1º, que "o ato não se repetirá, nem se lhe suprirá a falta, quando não prejudicar a parte". No mesmo sentido é o disposto no art. 250, parágrafo único, in verbis: "Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa".

Outro dispositivo processual preceitua: "Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta" (art. 249, § 2º).

Com relação a este dispositivo, é flagrante a inoperância do decreto de nulidade em certos momentos. Neste caso, ao proceder ao julgamento, o juiz pode aperceber-se de que decidirá o litígio, no seu merecimento, a favor da parte a quem, em tese, aproveitaria a declaração de nulidade, com a conseqüente repetição do ato processual. Se o fizesse, de nenhum efeito processual seria a decretação da nulidade e a determinação do refazimento do ato contaminado. Tal viria encarecer mais o processo, a par de retardar, ainda mais, a entrega da prestação jurisdicional.

Podemos expor um exemplo que bem elucida o tema: suponha-se que um menor, relativamente incapaz, fosse citado para os termos de uma ação de indenização por ato ilícito. Inadvertidamente, ele outorga mandato, sem a assistência de seu pai ou representante legal, a um advogado. Ninguém se apercebe de tal nulidade, consistente em defeito de representação processual, e, afinal, o Juiz, no momento de julgar, descobre tal nulidade. Contudo, examinando os autos, conscientiza-se de que a ação deve ser julgada improcedente, vale dizer, ela será decidida em favor do menor. Em tal circunstância, depreende-se que a decretação da nulidade não terá qualquer efeito. Então, o Juiz, em vez de proclamar a nulidade, mandando repetir o ato, providências estas que seriam inócuas, faz aplicar o enfocado art. 249, § 2º, do Estatuto Processual e decide a lide, julgando improcedente a ação.

Assim, nem sempre a nulidade afeta a validade do ato processual. O processo é o conjunto de atos processuais que se coordenam e se sucedem, dentro do procedimento, para que alcançado seja o instante da solução do litígio. Portanto, embora os atos processuais tenham vida própria, eles são interdependentes, vale dizer, uns geram outros, uns dependem dos outros, uns vinculam a prática de outros, e assim sucessivamente.

Dessa forma, é possível que a nulidade de um ato processual traga reflexos no ulterior, do qual aquele é precedente lógico.

Exemplificando: a petição inicial acarreta a instauração da relação processual e, pois, a necessidade da prática do ato processual citatório. Este, por sua vez, faz iniciar o prazo para o oferecimento da contestação. Nesta, alegam-se a falta de pressupostos processuais, a ausência das condições da ação, a existência de nulidades ou irregularidades, circunstâncias estas que sugerem a prática de outro ato processual, que é a réplica, e assim, sucessivamente, a relação processual vai fluindo.

Assim, decretada a nulidade de um ato, por certo que afetado restará o subseqüente, que é dependente daquele, no que concerne aos seus efeitos.

A este título, o Código de Processo traça algumas normas. Com efeito, reza o art. 248 que, "anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes". E o art. 249 expressa que "o juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados". Finalmente, ainda neste campo, o art. 250 estatui que "o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais". E o parágrafo único deste soa que "dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa".

Estas normas, em especial as dos arts. 248, in fine, e 250, inspiraram-se no princípio da economia processual, e, por via reflexa, no da celeridade processual.


19. Nulidade e preclusão

Estando nulo um ato, por não ter sido obedecida a forma que a lei estabeleceu, com a sanção de nulidade, insta que ele seja anulado e, pois, repetido, para que a relação processual retome o seu fluxo normal. Mas o juiz vai proceder à anulação, dentro das regras estabelecidas nos arts. 243, 245, 247, 248, 249, §§ 1º e 2º, 250 e seu parágrafo único.

Há atos, no entanto, que a desatenção à forma acarreta, apenas, uma nulidade relativa. Em tal ocorrendo, é dever da parte alegar a nulidade na primeira oportunidade em que falar nos autos, consoante a norma inserta no parágrafo único do art. 245 do CPC.

Ao não fazer isso a parte, o ato restará convalescido. Isto porque, quanto às nulidades relativas, o direito legislado dá, à parte, o direito ou faculdade processual de investir contra elas e pedir a sua proclamação, sob pena de preclusão.

Preclusão é a perda de um direito ou faculdade processual de praticar um ato processual; a preclusão pode ser temporal, lógica ou consumativa. Neste caso, trata-se de preclusão temporal, posto que a parte não impugnou a validade do ato processual relativamente nulo, no prazo prescrito em lei. A conclusão, ou conseqüência, em última análise, é a validade do ato, ou melhor dizendo, o seu convalescimento, por força da inércia da parte interessada na decretação da nulidade.

A decretação da nulidade do ato processual, coberto com o manto da preclusão, somente pode ser argüida tratando-se de ato nulo (eivado com a nulidade absoluta); o ato anulável (eivado com a nulidade relativa), uma vez precluso, não pode ser objeto de ação anulatória ou sequer de decretação posterior de nulidade, mesmo no próprio processo.


20. Diferenças entre ação anulatória e ação rescisória

Como vimos ao longo deste trabalho, a ação anulatória é uma ação prevista no artigo 486 do CPC, a ser ajuizada em primeira instância, contra a sentença meramente homologatória, atos processualizados nulos nos termos do direito material e atos jurídicos em geral.

Seu ajuizamento pode ser incidental ou autônomo, podendo ser ajuizada seguindo-se o procedimento ordinário, se autônoma, ou outro procedimento desde que seja ajuizada incidentalmente, dependendo da ação principal.

Os efeitos do decreto de procedência da ação anulatória atingem somente o ato impugnado, anulando os atos subseqüentes como efeito conseguinte, não atinge, jamais, diretamente ao menos, a sentença, mas sim o ato eivado de nulidade que foi anterior à prolação da sentença.

A ação anulatória é cabível para rescindir qualquer ato processual, decisão meramente homologatória (mesmo que, em tese, coberta com o manto da coisa julgada) de ato eivado de nulidade, e, sempre que houver um ato jurídico nulo, nos termos do direito material, o mesmo pode ser rescindido via ação anulatória.

O prazo prescricional para ajuizamento da ação anulatória é aquele concernente ao direito invocado, ao direito da parte sub judice a ser apreciado, dependendo, assim, do caso em questão, podendo atingir os prazos máximos de prescrição previstos em lei, tendo extrema variação conforme o caso.

Já a ação rescisória tem procedimento especial previsto nos artigos 485 e seguintes do CPC (excluindo-se o artigo 486), devendo ser ajuizada em Segunda Instância, contra sentença de mérito eivada das nulidades previstas na lei processual (Incisos do art. 485) e seguindo-se um procedimento especial também previsto minuciosamente em lei processual. [99]

Os efeitos da decisão de procedência da ação rescisória atingem diretamente a sentença atacada, rescindindo-a por completo, tornando-a nula; atingindo, assim, diferentemente da ação anulatória, diretamente a sentença, aniquilando seus efeitos como decisão judicial, mesmo transitada em julgado e não padecendo, o processo (necessariamente), de qualquer ato nulo ante o direito material (sendo nula, no caso, a sentença, nos termos do artigo 485 citado).

A ação rescisória somente pode ser ajuizada até dois anos após o trânsito em julgado da sentença de mérito, sendo vedado seu ajuizamento após este prazo, [100] no que difere, portanto, da ação anulatória, que, conforme afirmado acima, não tem prazo prescricional determinado.

Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 23 nov. 2024.

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