Sumário: I. Proêmio.I. Introdução. 1. Princípios. Aspectos Gerais. 2. O Caráter Normativo dos Princípios. 3. Princípio da Juridicidade. III. A Moralidade Administrativa e sua Densificação. 4. Princípio da Moralidade Administrativa. Intróito. 5. A Moral no Direito Privado. 6. Moral no Direito Administrativo e seu Alicerce Dogmático. 6.1. Delimitação da Moralidade Administrativa. 6.2. Essência da Moralidade Administrativa. 6.3. Previsão Normativa. 6.4. A Moralidade e os Elementos do Ato Administrativo. 6.5. A Moralidade Administrativa na Jurisprudência Pátria. 7. Códigos de Ética. IV. Síntese Conclusiva.
I. PROÊMIO
Qualquer que seja a ideologia seguida, é tarefa assaz difícil combater a idéia de que o elemento moral é um componente indissociável da coexistência humana. Identificar seu alcance e sua esfera de interpenetração com o direito é tarefa extremamente delicada e envolta em atmosfera de grande risco. A justificativa, por sua vez, é tão simples quanto a conclusão: a noção de moral veicula conceito dotado de grande fluidez e imprecisão, exigindo a convergência de múltiplos fatores exógenos para a sua densificação. Dificuldade à parte, a identificação do real alcance da regra moral nos permitirá uma contínua valoração e adequação dos valores subjacentes a determinado grupamento, contribuindo para a preservação da harmonia nas relações intersubjetivas.
O presente escrito, que percorre caminhos já trilhados por penas ilustres e induvidosamente mais talentosas, busca explorar a grande potencialidade do princípio da moralidade para a efetivação do ideal democrático, o que se dará a partir da demonstração de que a densificação de seu conteúdo nada mais é do que o resultado da extração do sumo de toda a normatização regente da atividade estatal. Com isto, confere-se-lhe uma expressão multifacetária que melhor se adequará aos constantes influxos sociais, permitindo uma contínua aferição da legitimidade dos atos daqueles que administram o patrimônio alheio, pois não cabe ao administrador público outra postura senão satisfazer os interesses do verdadeiro detentor do poder: o povo.
Exposto o objetivo, resta-nos indicar os meios que serão utilizados para a sua consecução.
Situando-se a perspectiva de estudo sob uma ótica principiológica, é imperativo que sejam tecidas breves considerações sobre o método a ser utilizado para a individualização dos princípios, prosseguindo-se com a demonstração de seu caráter normativo, o que é reflexo do aperfeiçoamento do positivismo de outrora, época em que norma e regra eram designativos de objetos idênticos e que preenchiam todo o espaço deixado para a atividade de criação do direito. Hodiernamente, a norma é identificada como o gênero do qual defluem duas espécies: a regra e o princípio - ambos dotados de conteúdo axiológico similar e que diferem a partir de seus graus de abstração e generalidade.
Concebido o princípio como norma, torna-se cogente que o administrador público a ele renda obediência. Estabelecida esta premissa, buscamos densificar o conteúdo do princípio da moralidade administrativa, o qual é um standard de conduta informado pelos valores retirados das demais normas regentes da atividade estatal.
II. INTRODUÇÃO
1. PRINCÍPIOS. ASPECTOS GERAIS. Tradicionalmente, os princípios vêm sendo estudados pela Teoria Geral do Direito, seara em que assumem grande importância na atividade de aplicação da norma, atuando como verdadeiros mecanismos de interpretação e integração desta. Em sua acepção clássica, de alicerce jusnaturalista, os princípios seriam proposições supremas, de natureza universal e necessária, próprios da razão humana e cuja observância independe do poder de coerção próprio da criação legislativa. Para o direito natural, os princípios são extraídos da natureza humana, sendo informados por elementos racionais, de consciência e pela interação do homem com o ambiente.
Para os positivistas, que encontram na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen [1] a sua pedra fundamental, os princípios, em essência, são proposições básicas, verdadeiros alicerces do sistema jurídico, sendo utilizados para limitar e direcionar sua aplicação. Podem ser explícitos ou implícitos, conforme estejam expressamente previstos no direito positivo ou dele sejam extraídos com a utilização de um processo hermenêutico, o que permitirá que sejam aclarados e declarados pelo intérprete. A identificação dos princípios não prescinde da norma, antes se apresentam como o alicerce fundamental que a sustenta e que deflui de sua estrutura. É neste sentido que se fala em princípios gerais de Direito [2], ou, como preferem os italianos [3], em princípios gerais do ordenamento jurídico, nomenclatura esta que torna mais clara sua origem, associando-os aos princípios implícitos.
O instrumento utilizado para a identificação dos princípios que integram o alicerce de um sistema jurídico é o processo lógico-indutivo, o qual possibilita que o estudo de preceptivos específicos conduza à densificação dos princípios gerais que os informam. Assim, parte-se do particular para o geral, com a conseqüente formação de círculos concêntricos - em nítida progressão dos graus de generalidade e abstração – que conduzirão à identificação da esfera principiológica em que se encontram inseridos os institutos e, no grau máximo de generalidade, o próprio sistema jurídico. A própria compreensão das regras específicas encontra-se condicionada à identificação e análise dos princípios extraídos do sistema em que estão inseridas, o que garantirá a harmonia entre este e as partes que o integram [4]. A partir desse método de generalização crescente, o operador do direito será conduzido à identificação dos princípios específicos norteadores de determinado instituto, bem como aos princípios que informam certo ramo da ciência jurídica e, ulteriormente, àqueles que alicerçam o sistema jurídico em sua integridade. Como se vê, esse prisma de análise se distingue daquele que é encampado pelos léxicos, onde o princípio é concebido como uma "proposição que se põe, no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável." [5] Aqui, o princípio é o elemento deflagrador de todo o sistema, enquanto lá o princípio é extraído do sistema.
À luz do exposto, vê-se que os princípios podem ter sua origem no ordenamento jurídico, sendo explícitos ou implícitos, conforme encontrem previsão expressa no direito positivo ou, apesar de não terem sido expressamente previstos, defluam do sistema - neste último caso, tem-se os denominados princípios gerais de direito.
Extra-sistêmicos, por sua vez, são os princípios associados à concepção de direito justo, própria do jusnaturalismo, não possuindo grande aceitação ante a sua extrema volatilidade. Apesar disto, deve-se frisar que essa assertiva não deve ser confundida com uma plena aceitação da concepção positivista, que veda ao intérprete qualquer consideração de ordem axiológica e limita sua atividade a uma operação de subsunção do fato à norma. A própria incompletude do ordenamento jurídico, de tendência crescente ante a impossibilidade de imediata adequação da norma aos influxos sociais, torna inevitável que o operador do direito venha a sopesar os valores comuns a determinado grupamento com o fim de integrar as lacunas normativas, o que maximiza o papel dos princípios.
2. O CARÁTER NORMATIVO DOS PRINCÍPIOS.
Em sua gênese, conforme a doutrina tradicional, as normas se confundiam com as regras de conduta que veiculavam, sendo os princípios utilizados, primordialmente, como instrumentos de interpretação e integração daquelas. Hodiernamente, tem-se um período pós-positivista, em que os princípios deixaram de ser meros complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da própria norma, a qual é subdividida em regras e princípios. Na lição de Jorge Miranda [6], "os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles - numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais - fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições."
Aqueles que se opõem ao caráter normativo dos princípios normalmente acenam com sua maior abstração e com a ausência de indicação dos pressupostos fáticos que delimitarão a sua aplicação, o que denota uma diferença substancial em relação às normas, as quais veiculam prescrições dotadas de maior determinabilidade, permitindo a imediata identificação das situações, fáticas ou jurídicas, por elas reguladas [7]. Em nosso entender, tais elementos não são aptos a estabelecer uma distinção profunda o suficiente para dissolver a relação de continência existente entre normas e princípios, figurando estes como espécies daquelas. Inicialmente, deve-se dizer que o maior ou o menor grau de generalidade existente em duas normas, a exemplo do maior ou do menor campo de aplicação, é parâmetro incapaz de estabelecer diferenças de ordem ontológica entre as mesmas. Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo. Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, conseqüência esta que representa a sanção para a inobservância de um padrão normativo cuja observância é obrigatória. Em razão de seu maior grau de generalidade, os princípios veiculam diretivas comportamentais que devem ser aplicadas em conjunto com as regras sempre que for identificada uma hipótese que o exija, o que, a um só tempo, acarreta um dever positivo para o agente - o qual deve ter seu atuar direcionado à consecução dos valores que integram o princípio - e um dever negativo, consistente na interdição da prática de qualquer ato que se afaste de tais valores.
Discorrendo sobre o tema, Norberto Bobbio [8] afirma que "os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?".
De forma correlata à evolução dogmática que terminou por delinear a relação de continência existente entre as normas e os princípios, resta identificar os elementos que os distinguem das regras. Trata-se de conseqüência lógica dos argumentos expostos no item precedente, pois, fossem regras e princípios designativos de objetos idênticos, certamente dispensável seria uma classificação dicotômica, bastando falar em normas jurídicas.
Não obstante a evolução, ainda não se chegou a um consenso quanto à identificação da linha limítrofe que separa as regras dos princípios, vale dizer, quando determinada disposição consubstanciará uma regra ou quando deve ser concebida como um princípio.
As concepções doutrinárias podem ser subdivididas, basicamente, em duas posições: de acordo com a primeira, denominada de concepção débil dos princípios, a distinção para com as regras é quantitativa, ou de grau; enquanto a segunda, intitulada de concepção forte dos princípios, sustenta que a diferença é qualitativa.
A concepção débil de princípios está vinculada a uma visão positivista do Direito, não visualizando uma distinção substancial em relação às regras, mas, unicamente, uma maior generalidade e abstração, o que conduz os princípios à condição de normas fundamentais do sistema [9] e lhes confere um grande valor hermenêutico, sem aptidão, contudo, para fornecer uma unidade de solução no caso concreto.
A concepção forte de princípios identifica distinções sob os aspectos lógico e qualitativo, o que individualiza os princípios como normas jurídicas que se diferenciam das regras em razão de sua composição estrutural. A imperatividade da ordem jurídica não se esgotaria na previsão explícita das regras jurídicas, estendendo-se aos valores consubstanciados nos princípios [10]. Ante o prestígio auferido por esta concepção, para a qual converge a grande maioria dos estudos contemporâneos, teceremos breves considerações a respeito de dois de seus maiores expoentes.
Para Dworkin [11], um dos maiores cultores da metodologia jurídica contemporânea, os princípios se distanciam das regras na medida em que permitem uma maior aproximação entre o direito e os valores sociais, não expressando conseqüências jurídicas que se implementam automaticamente com a simples ocorrência de determinadas condições, o que impede que sejam previstas, a priori, todas as suas formas de aplicação. A efetividade dos princípios não é resultado de uma operação meramente formal e alheia a considerações de ordem moral. Os princípios terminam por indicar determinada direção, mas não impõem uma solução em particular.
A distinção lógica entre regras e princípios é evidenciada por Dworkin ao dizer que "ambos estabelecem standards que apontam para decisões particulares sobre obrigações jurídicas em circunstâncias determinadas, mas distinguem-se quanto ao caráter de direção que estabelecem. Regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada. Se ocorrem os fatos estipulados pela regra, então ou a regra é válida, caso em que a reposta que fornece deve ser aceita, ou não é, caso em que em nada contribui para a decisão". Dessa distinção deflui que os princípios possuem uma dimensão de peso, o que influirá na solução dos conflitos, permitindo a identificação daquele que irá preponderar. Quanto às regras, por não apresentarem uma dimensão de peso, a colisão entre elas será resolvida pelo prisma da validade, operação que será direcionada pelos critérios fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico - critério hierárquico (lex superior derogat inferiori), critério cronológico (lex posterior derogat priori) e critério da especialidade (lex specialis derogat generali).
Segundo Robert Alexy [12], enquanto as regras impõem determinado padrão de conduta, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, ordenando que algo seja realizado na melhor medida possível, podendo ser cumpridos em diferentes graus [13], sendo que a medida de seu cumprimento dependerá tanto das possibilidades reais como também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. Além de encerrarem comandos de otimização que variarão consoante as circunstâncias fáticas e jurídicas presentes por ocasião de sua aplicação, os princípios apresentam peculiaridades em relação às regras.
Para o jurista alemão, os princípios convivem harmonicamente, o que permite a sua coexistência e que, em caso de conflito, um deles seja preponderantemente aplicado ao caso concreto, a partir da identificação de seu peso e da ponderação de outros princípios, conforme as circunstâncias em que esteja envolto [14]. O conflito entre regras, por sua vez, será solucionado com a introdução de critérios de especialidade entre elas ou com o reconhecimento da invalidade de uma ou de algumas das regras confrontadas, permitindo que seja identificada aquela que regulará a situação concreta. Aqui, diferentemente do que ocorre com os princípios, não se tem um exercício de ponderação, mas uma forma de exclusão, sendo cogente a aplicação da regra ao caso. Enquanto os conflitos entre regras são dirimidos na dimensão da validade, os conflitos entre princípios o são na dimensão do peso [15]. Portanto, as regras contém determinações no âmbito do fático e juridicamente possível, o que significa que a diferença entre regras e princípios, espécies do gênero norma jurídica, é qualitativa e não de grau.
Após essa sintética abordagem das doutrinas de Dworkin e de Alexy, constata-se que a distinção existente entre regras e princípios é melhor identificada a partir da visualização da espécie de solução exigida para os casos de colisão, o que nos leva a encampar a concepção forte dos princípios.
É de se notar, ainda, que a regra é um tipo de norma que, presentes ou pressupostos autorizadores de sua aplicação, regerá determinada situação fática ou jurídica, de forma incontestável e definitiva. Princípio, por sua vez, é um tipo de norma cujos pressupostos autorizadores de sua aplicação não assumem contornos precisos, o que lhe confere maior imprecisão e menor determinabilidade, fazendo com que atue como meio de otimização de certo comportamento, impregnando-o com os valores extraídos das possibilidades fáticas e jurídicas do caso.
Na dogmática contemporânea, os princípios podem assumir diversas funções. No que diz respeito ao objetivo específico deste escrito, podem assumir uma função explicativa, permitindo a identificação da mens legis e sua contínua adequação aos valores sócio-culturais existentes por ocasião de sua aplicação, ou uma função normativa, tornando cogente que os fatos, simultaneamente, sejam valorados em conformidade com as regras e os princípios que lhes são subjacentes.
A adoção dos princípios tornará a norma mais fluida e indeterminada, pois revestem-se de um grau de abstração e generalidade mais acentuado do que as regras; por outro lado, a menor determinabilidade do campo de aplicação da norma será compensada com uma adequação mais célere aos valores que disciplina, o que também exige maior responsabilidade do operador do direito ao sopesar sua axiologia e densificar seu conteúdo. De forma sintética, pode-se dizer que a aplicação das regras se esgota em uma operação de subsunção, enquanto que os princípios possibilitam um exercício de ponderação, permitindo que sejam sopesados os valores que informam determinada situação fática, culminando com a identificação da solução justa para o caso concreto.
Os princípios incidirão diretamente sobre a esfera de determinado bem jurídico, permitindo a integração da regra, aclarando o seu significado lingüístico e delimitando o seu objeto. É nesse sentido que avulta a importância dos princípios para o desenvolvimento deste estudo, pois, como será visto, o Poder Público deve sempre atuar em conformidade com a norma, e esta é integrada por regras e princípios, o que permite dizer que a imperatividade destes elementos, cada qual com seu grau de determinabilidade, haverá de ser observada pelo agente. Além dessa função normativa, a concreção da regra, delineada e limitada pelos princípios, terminará por indicar a otimização, e conseqüente correção, do comportamento do agente público. Em uma palavra, sua probidade.
Segundo Canotilho [16], que sintetiza as teorias existentes, vários são os critérios sugeridos para a distinção entre regras e princípios, destacando-se os seguintes:
"Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto; os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? Do juiz?), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa.
Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).
Proximidade da idéia de direito: os princípios são ''standards'' juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ''justiça'' (Dworkin) ou na ''idéia de direito'' (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante."
3. PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE.
Pouco a pouco, os princípios regentes da atividade estatal foram erguidos aos estamentos mais elevados do ordenamento jurídico, sempre buscando manter o Estado adstrito às suas finalidades institucionais e garantir a estrita observância das liberdades públicas, com o conseqüente aumento da segurança dos administrados.
Ao atingirem o ápice da pirâmide normativa, foi inevitável a constatação de que o princípio da legalidade deixou de ser o único elemento de legitimação e limitação da atividade estatal, isto porque dele não mais defluíam a totalidade das regras e princípios que a norteavam; pelo contrário, passaram a coexistir lado a lado. Com a constitucionalização dos princípios, a concepção de legalidade cedeu lugar à noção de juridicidade [17], segundo a qual a atuação do Estado deve estar em harmonia com o Direito, afastando a noção de legalidade estrita - com contornos superpostos à regra - passando a compreender regras e princípios.
Essa evolução dogmática está estritamente vinculada à própria concepção de Estado de Direito, o qual, segundo Canotilho [18], "visa conformar as estruturas do poder político e a organização da sociedade segundo a medida do direito", acrescendo que "o direito compreende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas, prescreve formas e procedimentos e cria instituições". O princípio da legalidade passou a ser visto como integrante de um princípio maior: o princípio da juridicidade. Com isto, consagra-se a inevitável tendência de substituição do princípio da legalidade pelo princípio da constitucionalidade, do "direito por regras" pelo "direito por princípios".
Como observou Germana de Oliveira Moraes [19], "a noção de legalidade reduz-se ao seu sentido estrito de conformidade dos atos com as leis, ou seja, com as regras - normas em sentido estrito. A noção de juridicidade, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe - não contrarie - os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição". Como exemplo desta tendência, pode ser citada a declaração constitucional da Lei Fundamental de Bonn, cujo art. 20 estatui que tanto o Poder Executivo como os Tribunais estão vinculados an Gesetz und Recht (à Lei e ao Direito). Em que pese o fato de o princípio da moralidade ser um dos vetores básicos da probidade administrativa, afigura-se evidente que tal princípio está abrangido por uma epígrafe mais ampla, sob a qual se encontram aglutinados todos os princípios regentes da atividade estatal, papel que é desempenhado pelo princípio da juridicidade.
No caso específico do Direito Administrativo, objeto principal deste escrito, afora os princípios que defluem do sistema (implícitos), preocupou-se o Constituinte em estatuir, de forma expressa, aqueles que deveriam ser necessariamente observados pelos agentes públicos. Nesta linha, dispõe o art. 37, caput, da Constituição da República: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, também, ao seguinte:... " Como se constata pela leitura do texto constitucional, os princípios enumerados no art. 37 devem ser observados pelos agentes de todos os Poderes, não estando sua aplicação adstrita ao Poder Executivo, o qual desempenha funções de natureza eminentemente administrativa.
Não obstante o extenso rol de princípios, expressos ou implícitos, que norteiam a atividade do agente público, entendemos que merece maior realce o princípio da moralidade, o qual aglutina as características do bom administrador, do agente probo cuja atividade se encontra sempre direcionada à consecução do interesse público.