SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................7
1 ÔNUS DA PROVA.............................................................................................8
1.1 CONCEITO........................................................................................................8
1.2 FINALIDADE DA PROVA E PRINCÍPIO DA VERDADE REAL ........................11
1.3 OBJETO DE PROVA.......................................................................................13
1.4 CUSTEIO.............................................................................. ..........................15
2 APLICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CPC ATUAL (1973)........................17
2.1 CARGA ESTÁTICA............................. ............................................................17
2.2 CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO..............................................................18
2.3 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PREVISÃO DO CDC.............................20
3 CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA....................................................24
3.1 CONCEITO......................................................................................................24
3.2 PROVA DIABÓLICA........................................................................................25
3.3 DISTRIBUIÇÃO X INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA....................................26
3.4 REDAÇÃO DO NOVO CPC.............................................................................27
3.5 NORMA DO CDC – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA..................................28
3.6 MOMENTO DE DISTRIBUIÇÃO E DEVER DE ALERTA.................................31
CONCLUSÃO..................................................................................................35
REFERÊNCIAS...............................................................................................37
INTRODUÇÃO
Com o advento do novo Código de Processo Civil sancionado pela presidência da república, foram implementadas mudanças nas regras processuais, dentre as quais se insere mudança no ônus da prova.
Será necessária uma detida delimitação do ônus da prova, para que então sejam analisadas as modalidades de distribuição de ônus, que são a modalidade estática do ônus da prova, que atualmente é aplicada, como a modalidade dinâmica do ônus da prova.
A partir desta análise será possível verificar a nova previsão processual que inova com a inserção de uma regra mista no art. 373 do novo CPC, na qual os fundamentos de distribuição estática e dinâmica convivem simultaneamente em um dispositivo que contém peculiares características.
Diante disso, o presente trabalho pretende analisar as características e possíveis dificuldades na aplicação do vindouro Código de Processo Civil.
Como se verá, a criação de uma nova regra de ônus da prova no novo Código Processual Civil não representa uma grande mudança ou avanço em relação ao sistema estático atualmente vigente, uma vez que a nova disposição legal acerca da produção de provas somente inseriu uma possibilidade excepcional de mudança no paradigma que já é aplicado desde o surgimento do Código Processual de 1973.
Ademais, a aplicação da nova regra também contém mandamentos acerca do momento da inversão do ônus da prova que parecem não estimular a cooperação e a proatividade das partes na produção das provas, o que, apesar de ser um efeito indesejado vigente no sistema atual, não foi extirpado com a nova regra do ônus da prova.
1 ÔNUS DA PROVA
Com a sanção pela Presidência da República do novo Código de Processo Civil, o tema necessitará maior discussão e análise sobre sua aplicação, efeitos e, em especial, seus aspectos mais polêmicos.
Com isso são postas questões acerca do mais adequado e eficiente sistema de distribuição do ônus da prova, que se subdivide em duas importantes categorias: a carga estática e a carga dinâmica.
Destarte, importante a realização de um estudo, na qual será possível identificar os institutos, desdobramentos, princípios e demais derivações do ônus da prova, para que, a partir disso, sejam analisadas suas modalidades.
É a partir dessa análise, que serão identificados os pontos favoráveis e contrários da aplicação de cada uma das regras, a fim de que seja feita um posterior exame crítico da redação dada pelo novo Código de Processo Civil cuja aplicação é iminente.
Partir-se-á de conceitos gerais e aspectos polêmicos acerca do ônus da prova, após o que serão analisadas as suas modalidades dinâmica e estática, sob o prisma de suas aplicações tanto pela redação do Código de Processo Civil atualmente vigente como daquele que está para vigorar.
Em especial, o enfoque será na nova norma, pois antes mesmo de sua vigência, o texto do novo Código de Processo Civil já aponta para divergências e conflitos de posições acerca de sua validade e eficácia, o que, certamente acrescentará ao debate e à aplicação da nova dogmática.
1.1 CONCEITO
Inicialmente, é importante dizer que o ônus da prova consiste, em termos práticos, na adoção de regras para a determinação de quem será responsável pela produção de determinada prova e sobre quem recairão as consequências sobre o seu não cumprimento.
Neste sentido, válida a lição de Ada Pelegrini Grinover[1], ao asseverar que:
O ônus da prova consiste na necessidade de provar, em que se encontra cada uma das partes, para possivelmente vencer a causa. Objetivamente, contudo, uma vez produzida a prova, torna-se irrelevante indagar quem a produziu, sendo importante apenas verificar se os fatos relevantes foram cumpridamente comprovados (princípio da aquisição).
Caso não restem provadas as alegações, Fredie Didier Jr[2] aponta que:
Ônus é o encargo cuja inobservância pode colocar o sujeito numa situação de desvantagem. Não é um dever e, por isso mesmo, não se pode exigir o seu cumprimento. Normalmente, o sujeito a quem se impõe o ônus tem interesse em observá-lo, justamente para evitar essa situação de desvantagem que pode advir de sua inobservância.
Ônus da prova é, pois, encargo que se atribui a um sujeito para demonstração de determinadas alegações de fato.
Trata-se, pois, daquilo que se denomina doutrinariamente como regra de julgamento, na qual sua utilização pelo juiz se dá no momento da cognição do lastro probatório que fora efetivamente produzido ou não pelas partes, recaindo-se os efeitos, sejam positivos ou negativos, para a parte que detinha tal ônus.
É este o ensinamento trazido por Barbosa Moreira[3]:
A circunstância de que, ainda assim, o litígio deva ser decidido torna imperioso que alguma das partes suporte o risco inerente ao mau êxito da prova. Cuida então a lei, em geral, de proceder a uma distribuição dos riscos: traça critérios destinados a indicar, conforme o caso, qual dos litigantes terá de suportá-los, arcando com as consequências desfavoráveis de não se haver provado o fato que lhe aproveitava.
Assume então, o papel de ferramenta para o julgamento segundo imputação que cada uma das partes possui de provar determinado fato, o que faz com que o descumprimento de alguma dessas imputações acarrete a sua sujeição às respectivas consequências.
Este é também o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier[4], que ensina que:
Assim, mediante a distribuição do ônus da prova, estabelecem-se regras destinadas a nortear a atividade do julgador e sistematiza-se o procedimento probatório, evitando-se diligências desnecessárias e indesejáveis. Então, as normas sobre ônus probatório, por um lado são ‘regras de julgamento’, isso é, são dirigidas ao julgador, no momento de sentenciar. Por outro, são parâmetros para as partes previamente estabelecerem sua estratégia probatória: autor e réu primeiramente se concentrarão em provar os fatos sobre os quais recaem os seus respectivos ônus da prova.
Tal instituto deve ser utilizado para a formação de um posicionamento jurisdicional, até mesmo pela vedação ao non liquet, que consiste no princípio que impõe ao juiz a necessidade de que se julgue o pleito das partes, sem que se alegue qualquer desconhecimento ou dúvida para que não haja julgamento.
Este princípio encontra-se positivado no Código de Processo Civil no art. 126[5], que dispõe que:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Em outras palavras, o juiz deve se valer de todas as ferramentas para inferir o seu julgamento, dentre as quais se insere com grande relevância a regra de julgamento do ônus da prova.
É comum na rotina dos magistrados, no momento de proferir suas decisões, hipóteses em que não há seu convencimento pelo direito de nenhuma das partes, mas à ele não é permitido simplesmente se abster de julgar, até mesmo por determinação constitucional (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).
Daí se percebe a grande relevância da regra do ônus da prova.
Isso porque, é nesta situação que a técnica do ônus da prova se mostra relevante, pois permite ao juiz que não está convencido proferir um julgamento sobre a causa, atendendo-se às expectativas, ainda que alguma das partes se sinta prejudicada.
Busca o ônus da prova, então, garantir a vedação legal e constitucional ao non liquet, permitindo ao julgador que, mesmo sem ter o convencimento, seja possível proferir um julgamento pelo não cumprimento de uma das partes de seus ônus.
Define-se o ônus da prova como sendo a última saída para o juiz, e que somente serão utilizados como exceção, caso não haja o convencimento para proferir seu decisum.
É exatamente este a definição dada por José Roberto dos Santos Bedaque apud Fredie Didier Jr.[6], que ensina que:
As regras sobre ônus da prova constituem a última saída para o juiz, que não pode deixar de decidir. São necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratam a realidade, não meras ficções.
Deste modo, relevante destacar que ônus da prova consiste, em verdade, numa regra de julgamento que deve ser aplicada tão somente se verificada a insuficiência na produção probatória, a ser utilizado como última saída para o magistrado que, por não poder se abster de decidir, profira um comando decisório para tutela daquele direito pleiteado em juízo, pacificando socialmente o conflito.
1.2 FINALIDADE DA PROVA E O PRINCÍPIO DA VERDADE REAL
Como dito, no âmbito da finalidade tem-se por tradição se afirmar que a prova busca, na sua acepção, a busca pela verdade real do contexto fático narrado pelas partes que envolve o direito a ser tutelado.
Na verdade, a própria concepção de verdade real consiste na determinação objetiva e precisa acerca de um fato ocorrido e que se busca delinear de maneira exata, o que, na maioria das vezes no âmbito processual é inconcebível.
Neste sentido relevante destacar o que destaca Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[7], quando afirma que:
A prova, portanto, dificilmente servirá para reconstituir um evento pretérito; não se pode voltar no tempo. Com base nessas premissas costuma dizer que o processo não se presta à busca da verdade, sobretudo porque a verdade real é meta inatingível, que está além da justiça, bem como porque há outros valores que presidem o processo, como a segurança e a efetividade: o processo precisa acabar. [...] O mais correto, mesmo, seria entender a verdade buscada no processo como aquela mais próxima possível da real, própria da condição humana.
Sendo assim, o que se busca no processo não é a verdade real em sua acepção tradicional que se traduz em uma realidade utópica, mas na verdade pretende-se alcançar por todos os sujeitos do processo, dentre os quais também se insere numa perspectiva moderna a figura do juiz, que juntamente com as partes, devem almejar a produção probatória que possibilite de maneira satisfatória a cognição exauriente do direito que se postula em juízo.
Este é o entendimento exarado por Vicente Greco Filho[8] que assevera que “no processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja: convencer o juiz. ”
Nesse sentido, a figura do ônus da prova atua exatamente no momento do julgamento da causa, uma vez que a determinação da incumbência de cada uma das partes acerca da produção probatória visa, numa perspectiva prática, permitir que o magistrado possa inferir se a quem recaía o ônus de determinada prova foi ou não cumprido caso recaia dúvidas acerca do direito postulado.
É partir desta perspectiva que se poderá definir se algo restou ou não comprovado e, por conseguinte, se decidir sobre quem recairão seus efeitos, alcançando-se, de um jeito ou de outro à finalidade da prova.
1.3 OBJETO DE PROVA
Assim como é relevante se definir quem deverá provar determinado fato, também é imprescindível se determinar o que deverá ser objeto de prova.
Isso importa dizer que, ao ajuizar uma demanda, se faz necessário identificar o que é relevante e objeto de controvérsia que mereça ser objeto de prova, a fim de que seja determinado a quem será assistido o direito tutelado.
É certo que não são todos os fatos postos em uma demanda que serão objeto de prova.
Em um primeiro momento, importante se ressalvar que determinados fatos não serão objetos de prova e merecem, por sua vez, serem excluídos das regras de ônus de prova que se pretende estudar, conforme se verifica do disposto no art. 334 do Código de Processo Civil[9]:
Art. 334. Não dependem de prova os fatos:
I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos, no processo, como incontroversos;
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.
Por outro lado, existem aqueles fatos que devem ser objetos da produção probatória e que são denominados controvertidos, segundo a própria denominação do Código de Processo Civil[10], no art. 331:
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
[...]
§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.
Vê-se, portanto, que é no momento da audiência preliminar que serão determinados os fatos que serão objeto de prova, ao qual o ordenamento denomina de controvertido e que pode ser entendido como aquele fato que se recaia discordância ou dúvida.
É nesta oportunidade que, na visão de Candido Rangel Dinamarco[11]:
É dever do juiz, na audiência preliminar (art. 331), informar as partes do ônus que cada uma tem e adverti-las da consequência de eventual omissão [...]. Por isso, a locução ‘determinará as provas a serem produzidas’ (art. 331, §2º) inclui a exigência de esclarecer as partes sobre seus ônus probatórios. Esse mero esclarecimento que não deve ser prestado em forma de decisão, vale como advertência e convite a participar ativamente da instrução probatória, na medida do interesse de cada uma e com a consciência dos efeitos negativos que poderá suportar em caso de omitir-se.
Também há de se verificar, para a fixação de tais pontos controvertidos, a sua relevância para o deslinde do feito, delimitando-se objetivamente sua extensão para que seja possível e útil o cumprimento de tal ônus.
Não faria sentido imputar às partes o ônus de produzir prova de um fato sobre o qual não haja controvérsia, não seja relevante ou que não tenha limitações objetivas, já que, em regra, não acrescentariam em nada ao convencimento acerca do direito das partes.
A demanda deve tramitar com a atenção dos esforços para a produção de provas segundo um parâmetro de economia e de utilidade, a fim de que os sujeitos processuais se envolvam apenas nos interesses hábeis a dirimir as questões postas na lide.
Não há motivo para que se invista tempo, esforços e despesas dos sujeitos processuais em questões irrelevantes ou incontroversas, posto que em nada contribuiriam para a formação de um convencimento.
Destarte, a partir de uma interpretação dos dispositivos legais supra mencionados, conclui-se que os denominados “pontos controvertidos” nada mais são do que os fatos que serão objeto de produção probatória pelas partes, ou seja, aqueles fatos que possuem relevância para a solução da causa e sobre os quais recai controvérsia entre as partes.
1.4 CUSTEIO
Por fim, também é relevante destacar tema que guarda conteúdo substancialmente polêmico em relação à produção de provas: o custeio.
Não se pode confundir as concepções de ônus da prova com os ônus do custeio da prova, já que totalmente distintas.
Em termos objetivos, a regra do ônus da prova define quem deve provar o quê, enquanto que o custeio da prova determina que, quem requer a produção de uma prova deve pagar por ela.
Não há portanto, nenhuma relação entre os institutos.
Ao autor, pela regra processual vigente, caberá a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito. Por isso, será ele quem irá requerer, geralmente, a produção das provas a serem produzidas e assim sendo, terá tanto o ônus da prova quanto o ônus do custeio da prova.
Sendo assim, para fins de custeio não importa identificar qual parte tem, ou teria, o ônus de produzir determinada prova, mas somente se verificar quem a requereu e à este será imputado o seu custeio.
O ônus da prova é tão somente a regra processual que auxilia o juiz quando não houver o convencimento, enquanto que a obrigação de custeio de uma prova deve recair sobre quem a tenha requerido.
Esta é a regra que se extrai do Código de Processo Civil[12], que distingue os ônus do custeio da prova, imputando este último somente à parte que requereu a sua produção, independente se era ele ou não quem incumbia provar.
Por derradeiro, interessante ressalvar o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça (Resp. 1.063.639/MS, rel. Min. Castro Meira, 2ªT, DJ 04/11/09) que, reafirmando a tal separação entre tais conceitos, tem entendido que a inversão do ônus da prova, com base no CDC, não gera a obrigação de custear as despesas com a perícia, de modo que somente o que se alteraria seriam as consequências decorrentes da sua não produção.
Por este motivo, percebem-se absolutamente distintas as figuras do ônus da prova e do custeio da prova, na medida em que os custos pela produção de determinada prova devem recair sobre aquele que a requer, sendo irrelevante, para tanto, quem tem o ônus de produzir.
2 APLICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ATUAL (1973)
2.1 CARGA ESTÁTICA
Tangenciada a matéria em questão, importante que se defina inicialmente o sistema de ônus da prova aplicado no Código de Processo Civil vigente desde 1973, o ônus da prova na sua modalidade estática.
No Código de Processo Civil atualmente em vigor, imputa-se o ônus de provar determinado fato pela expressa determinação legal. Ou seja, o critério para definição da parte que sofrerá com as consequências da não produção de uma prova que estava obrigada a produzir é estabelecido pela lei.
Pode se dizer, então, que ônus da prova na carga estática consiste em critério ope legis, na qual se conhece por definição legal e de antemão, quem terá a incumbência de provar determinado fato.
Isso importa dizer que todos os sujeitos do processo saberão, antes mesmo da formação da relação processual, qual parte terá de cumprir seu ônus e, consequentemente, sofrerá com as consequências com a não produção.
Para tanto, o legislador consignou expressamente no art. 333 do CPC[13] vigente, que:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Descreve o texto legal, a parte sobre a qual recairá o ônus de provar determinados fatos, segundo a sua posição no processo, de modo que ao autor caberá provar o fato constitutivo de seu direito, enquanto que, ao réu, somente quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos do autor.
A este respeito, ensina Marcelo Abelha Rodrigues[14], que:
[...]não quer dizer que o réu não tenha interesse em fazer a contraprova do fato constitutivo do autor, ou que o autor não tenha interesse em contraprovar as exceções materiais alegadas pelo réu. Bem pelo contrário, pelo princípio do contraditório, as partes terão oportunidade de se manifestarem por meio de via processual adequada: contestação e réplica, respectivamente. O que merece ser lembrado é que, ao final, se diante de todo o conjunto probatório ainda houver falta ou insuficiência de prova, a decisão do magistrado será desfavorável àquele que possuía o ônus da prova, segundo a regra do art. 333 do CPC.
Imputa, dessa maneira, às partes predefinidas por lei as consequências da eventual não produção das provas.
Neste azo, ainda acerca de tal dispositivo, aponta Marcelo Machado Pacheco[15], que:
Tem como peculiaridade a fixação de um critério rígido de distribuição; o ordenamento positivo, desde logo, diz qual sujeito deverá sofrer sentença desfavorável na hipótese de ausência de provas.
Diante disso, nota-se que a sua aplicação, apesar de vigente há mais de 30 anos, deve ser também objeto de crítica, já que a rigidez na imputação de um ônus probatório, apesar de significar previsibilidade às incumbências das partes, não observa todas as nuances e peculiaridades que os casos práticos apresentam, o que permite concluir por não ser esta a modalidade mais justa e eficiente a ser aplicada.
2.2 CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO
A aplicação da carga estática do ônus da prova gera o conhecimento das partes acerca de suas incumbências e dos efeitos causados pelo seu não cumprimento.
A regra que está atualmente em vigor, e cujo conceito se consolidou com os muitos anos de sua aplicação, aparenta dar às partes uma sensação de segurança jurídica, na qual as partes não seriam tomadas de surpresa com a imposição de certos ônus.
Porém, ao que se vê, em que pese ser possível se verificar que sua aplicação garante segurança jurídica às partes, não se pode dizer que proporcione confiabilidade e justiça às decisões produzidas a partir deste sistema.
Diz-se isto, pois, vislumbra-se que a aplicação de um sistema estático de ônus da prova não se considera, observadas as características de cada caso, as dificuldades e as condições de cada uma das partes para a produção de determinada prova.
É certo que a fixação estanque da regra de ônus às partes, sem que se avalie as possibilidades de cada um dos sujeitos processuais produzirem tal prova, não atende à eficácia que se espera de um procedimento judicial.
Isso significa dizer que as provas produzidas pertencem ao processo e não às partes, na medida em que a identificação da parte que deveria tê-la produzido somente se tornaria relevante no momento do julgamento da causa.
Ao deixar de analisar as circunstâncias casuísticas para a definição do ônus probatório, abre-se um indesejado precedente às partes que, mesmo possuindo as melhores condições para a produção de certa prova, ficam inertes para se beneficiarem de um provimento judicial favorável.
Fala-se, em regra, da parte ré, que mesmo sem produzir nenhuma prova por expressa anuência legal, poderá se beneficiar com um julgamento favorável. Ou seja, abre-se um permissivo legal para a inércia da parte.
Certo é, que este modelo não pode ser considerado o mais justo ou adequado à um sistema processual que vise julgar de maneira mais justa.
Este também é o entendimento de Alexandre Freitas Câmara[16], que afirma que:
[...] Fica fácil verificar que a lei processual brasileira opta por uma distribuição estática do ônus da prova. Não parece, porém, ser essa a melhor forma de sempre distribuir o ônus probatório. Moderna doutrina tem afirmado a possibilidade de uma distribuição dinâmica do ônus da prova à parte que, no caso concreto, revele ter melhores condições de a produzir.
Na verdade, torna-se cada vez mais relevante que todos os aspectos para a produção de uma prova sejam considerados para a imputação de um ônus, tais quais a capacidade financeira, técnica ou qualquer outro que acarrete maior facilidade ou possiblidade na produção probatória.
Sendo assim, é fácil concluir que o sistema estático de distribuição de ônus da prova vigente desde 1973 no Código de Processo Civil não representa aquele mais adequado para os sujeitos processuais ou ao menos, para a promoção de um julgamento mais justo.
2.3 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PREVISÃO DO CDC
Uma vez determinada a regra do ônus da prova na modalidade estática, também é importante destacar que o ordenamento jurídico atual traz a possibilidade de que tal paradigma seja invertido.
O Código de Defesa do Consumidor introduziu na dinâmica processual a possibilidade de que o consumidor, em determinados casos e se preenchidos os requisitos, poderá ser liberado do ônus de produção de determinada prova.
É este o comando do art. 6º, VIII do CDC[17], que determina que:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Veja-se que o dispositivo consumerista permite que o a regra processual seja modificada em favor do consumidor em casos em que se verifique a verossimilhança das suas alegações ou quando ele for hipossuficiente.
Basta, então, que seja identificada a presença de um destes requisitos para que seja determinada a inversão do ônus da prova.
Isso significa dizer que é sobre a parte com maiores condições nas demandas consumeristas que deve recair o ônus da produção da prova e, por conseguinte, sobre quem deverão recair os efeitos da sua não produção.
Trata-se de um critério ope judicis que busca, de maneira evidente, equilibrar as forças em demandas consumeristas, já que nas ações desta natureza, as partes litigantes são, em sua imensa maioria, amplamente desiguais.
Busca-se a aplicação do princípio constitucional da igualdade, aplicando tratamento desigual àqueles que são reconhecidamente mais frágeis processualmente.
É este o entendimento de Marcelo Abelha Rodrigues[18], que assevera que “[...] a inversão do ônus da prova é regra que se coaduna com o princípio da isonomia real, de índole constitucional. ”
A inversão do ônus da prova consiste em exceção legal à norma geral de distribuição do ônus da prova estabelecida atualmente no art. 333 do Código Processual Civil.
O momento de tal inversão, contudo, gera divergências na doutrina pátria, uma vez que, por um lado, parte define-a como regra de julgamento, o que possibilita sua ocorrência no momento da sentença, vide exemplo Cecília Matos[19]:
A regra de distribuição do ônus da prova é regra de juízo e a oportunidade de sua aplicação é o momento da sentença, após o magistrado analisar a qualidade da prova colhida, constatando se há falhas na atividade probatória das partes que conduzem à incerteza.
[...]
Por ser norma de julgamento, qualquer conclusão sobre ônus da prova não pode ser emitida antes de encerrada a fase instrutória, sob o risco de ser um pré-julgamento, parcial e prematuro. Se o demandado, fiando-se na suposição de que o juiz não inverterá as regras do ônus da prova em favor do demandante, é surpreendido com uma sentença desfavorável, deve creditar seu insucesso mais a um excesso de otimismo do que à hipotética desobediência ao princípio da ampla defesa.
Por outro lado, entende Fredie Didier Jr[20] que a inversão deve ser entendida como regra de processo, entendendo pela necessidade que se dê antes do momento da sentença, ao asseverar que:
Reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório. Não se pode apenar a parte que não provou a veracidade ou inveracidade de uma determinada alegação sem que tenha se conferido a ela a oportunidade de fazê-lo.
Analisando-se as correntes, parece mais razoável concluir pela definição da inversão do ônus da prova como regra de processo, na medida em que a alteração da dinâmica processual definida em lei sem a prévia notificação às partes configuraria uma violação ao contraditório e à segurança jurídica de todas as lides desta natureza, principalmente se considerado que não haveria oportunização à parte não incumbida pelo ônus legal de produzir a prova.
É o que entendem também Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart[21], quando apontam que:
Em princípio, a inversão do ônus da prova somente é admitida como regra dirigida às partes, pois deve dar à parte que originariamente não possui o ônus da prova a possibilidade de produzi-la. Quando se inverte o ônus é preciso supor que que aquele que vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus. Nessa perspectiva a inversão do ônus da prova somente deve ocorrer quando o réu tem a possibilidade de demonstrar a não existência do fato constitutivo.
Destarte, conclui-se que a regra do CDC que prevê a inversão do ônus da prova, almeja instituir regra mais isonômica às demandas consumeristas, a fim de que possa recair sobre aquele com maior capacidade os eventuais ônus da não produção de uma prova, regra esta que também é utilizada, em parte, na ideia dinâmica da distribuição do ônus da prova, como se verá a seguir.
3 CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA
3.1 CONCEITO
Como visto, apesar do modelo de ônus da prova aplicado no Código de Processo Civil ser o modelo estático de distribuição do ônus da prova, é quase que consenso entre os doutrinadores e aplicadores do direito, que este não é o sistema mais justo e eficiente a ser aplicado em todos os casos.
Diz-se isto, pois hodiernamente tem-se entendido o ônus da prova como uma ferramenta que deve compreender melhor as particularidades de cada caso concreto, em especial em relação à capacidade das partes em produzir determinada prova.
Esta modalidade denomina-se a carga dinâmica do ônus da prova, já que em cada caso prático serão avaliadas as possibilidades e dificuldades das partes na produção da prova, a fim de se evitar a imputação de um ônus muito difícil ou impossível de se desincumbir.
Neste sistema, será atribuído ao juiz da causa, portanto, a análise das circunstâncias da produção de cada prova, que deverá identificar qual parte tem maior facilidade em produzir tal prova e sobre ela recairão os efeitos da sua não produção.
À respeito deste papel mais ativo do juiz no processamento da causa, na clássica lição de João Batista Lopes[22] aduz que:
Com efeito, não é suficiente a garantia do devido processo legal: é preciso que a prestação jurisdicional seja efetiva, adequada, justa.
Nem se há de confundir direito à tutela jurisdicional plena com direito à tutela favorável.
Como se sabe no estágio em que se encontra o direito processual, não se pode falar em direito à tutela favorável, mas apenas em direito à tutela pura e simples, em melhor, à tutela jurisdicional qualificada.
[...] os poderes do juiz, em verdade, constituem verdadeiras garantias dos jurisdicionados, pois estes só lograrão a efetiva prestação jurisdicional se o Poder Judiciário e a Magistratura forem fortalecidos e prestigiados.
É com fundamento nesta premissa que, diversamente do ônus estático da prova, na distribuição do ônus da prova na modalidade dinâmica, o critério definidor do ônus da prova é ope judicis, vez que será imputada ao juiz a obrigação do juiz verificar e imputar o ônus à parte com maior facilidade em produzi-la.
Neste sentido, importante destacar o que aponta Humberto Theodoro Júnior[23], que afirma que:
Fala-se em distribuição dinâmica do ônus probatório, por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído ao juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos constituídos na causa, ou simplesmente tivesse maior facilidade na sua demonstração. Com isso, a parte encarregada de esclarecer os fatos controvertidos poderia não ser aquela que, de regra, teria de fazê-lo.
Tal ideia é plenamente aceita pelos processualistas brasileiros, na medida em que este sistema, se aplicado corretamente, pode representar maior justiça na imputação dos ônus às partes o que significa, por conseguinte, na maior justiça na atribuição dos efeitos pela sua não produção.
3.2 PROVA DIABÓLICA
O sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova foi concebido, dentre outras razões, para evitar que uma das partes tenha de produzir uma prova diabólica.
Esta consiste na prova de muito difícil ou impossível produção e que, no sistema de distribuição estática do ônus da prova não é levada em consideração, ainda que se saiba, de antemão, que esta recairá sobre a parte legalmente incumbida de produzi-la.
Acerca da prova diabólica, Cândido Rangel Dinamarco[24] já se pronunciou no sentido de que:
Eis o ponto central. Impor a uma das partes o encargo de uma probatio diabolica significaria fadar a insucesso muito provável a pretensão que no processo ela alimenta e defende. Em nome de uma proteção em si mesma legítima, mas que desse modo seria exagerada, aniquilar-se-ia a superior garantia constitucional da ampla defesa, além de desigualar substancialmente as partes no tocante a suas oportunidades e perspectivas no processo.
O sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova almeja evitar exatamente que seja imputada às partes a produção de prova diabólica, ao passo que somente a parte que tenha maior facilidade em produzir é quem será responsável e possivelmente arcará com seus efeitos.
Relevante destacar que a identificação de uma prova diabólica é sim importante para atribuição de um ônus probatório às partes, já que, além de representar maior eficácia ao processo também acarreta maior justiça nas decisões proferidas.
3.3 DISTRIBUIÇÃO X INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Após delinear os limites de cada um dos institutos, a inversão do ônus da prova e a distribuição do ônus da prova não podem ser confundidos.
É razoável a assertiva de que ambos institutos almejam atribuir à parte com maior capacidade de produzir a prova, o ônus de seu cumprimento, de modo que será esta parte que sofrerá os efeitos de uma falha na concretização deste ônus.
Pode-se dizer então que tem em comum o fato de buscarem, com maior efetividade, a justiça na prestação jurisdicional.
Contudo, as similitudes param por aí. Enquanto a distribuição dinâmica do ônus da prova consiste em uma regra a ser utilizada em todos os casos para possibilitar uma análise casuística e particularizada sobre a capacidade de produção da prova por cada parte, a inversão do ônus da prova, por sua vez, consiste em uma exceção à regra geral, na qual somente se verificada a presença dos requisitos legais é que, a parte que não tinha originariamente o ônus, passará a sofrer os efeitos da sua não produção.
A inversão do ônus da prova é utilizada somente nos casos de expressa previsão, o que, conforme já visto, no sistema atual é admitido nas demandas em que se aplica o Código de Defesa do Consumidor.
Parece mais justo, no entanto, que as particularidades do caso e as dificuldades práticas eventualmente existentes sejam levadas em consideração em todos os casos, julgando-os mais justamente, daí porque surge com tanta força e razoabilidade a regra de distribuição dinâmica do ônus da prova
Além disso, por fim, resta dizer que no sistema de distribuição dinâmica de ônus da prova, por analisar as circunstâncias do caso concreto e atribuir o ônus à parte que mais tem condições de produzir a prova, neste sistema não cabe a inversão do ônus da prova, já que inverter o ônus de uma regra que seria a mais justa possível, seria o mesmo que autorizar a injustiça, o que seria uma total incongruência com a finalidade desta modalidade de distribuição do ônus da prova.
3.4 REDAÇÃO DO NOVO CPC
Visando modificar a visão ultrapassada do Código Processual Civil em vigor, o novo CPC trouxe no art. 373[25] uma nova previsão acerca do ônus da prova, senão veja-se:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2o A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Inseriu-se na lei processual brasileira a figura da carga dinâmica do ônus da prova, em claro sinal de que a regra estática de ônus da prova não é suficiente para conferir justiça e efetividade à prestação jurisdicional em todos os casos.
Enxergou-se, ao que parece, que a regra de ônus estático não pode ser excepcionada somente pela previsão do Código de Defesa do Consumidor. Da mesma forma, o §2º inseriu a conceituação de prova diabólica anteriormente estudada bem como que esta não pode existir no momento de se atribuir o ônus probatório a qualquer das partes.
Da leitura expressa do citado dispositivo processual, vê-se que não se retirou ainda a figura estática do ônus da prova.
A previsão do caput do art. 373 e os incisos I e II, é uma exata cópia da redação do art. 333 do Código de Processo Civil atualmente em vigor, o que significa que a mudança da regra de ônus da prova não foi tão significativa.
Como se verá a seguir, a nova redação acaba por perpetuar a regra geral de ônus estático da prova, na qual a distribuição na forma dinâmica ocorrerá de forma excepcional, o que não parece adequado.
3.5 REGRA OU EXCEÇÃO
O novo Código de Processo Civil inseriu no art. 373 a nova regra de ônus da prova, onde consta no seu caput uma reprodução do art. 333 do CPC vigente atualmente, que corresponde à regra da carga estática.
Em seguida, no §1º do mesmo dispositivo legal, inseriu a ideia de ônus dinâmico da prova.
Sendo assim, pela simples leitura do referido dispositivo não há dúvidas de que a regra geral continuará a ser a distribuição estática do ônus da prova, enquanto que a possibilidade de distribuição dinâmica é tão somente uma exceção.
Percebeu o legislador que a regra de distribuição dinâmica do ônus da prova teria grande eficiência na justiça e no julgamento dos casos concretos, mas equivocou-se ao inseri-la como hipótese excepcional.
Ao que parece, buscou o legislador não alterar por completo a regra processual do ônus da prova, mas somente adicionar uma alternativa de uso extraordinário, sob o pretexto de preservar uma segurança jurídica às relações processuais.
Para tanto, criou, com a redação do art. 373 do novo CPC, uma regra distinta de todas aquelas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, já que trouxe a hipótese de distribuição dinâmica da prova em hipótese que se aproxima bastante da regra de inversão do ônus prevista no Código de Defesa do Consumidor anteriormente estudada.
Isso porque, da leitura do art. 373 da nova lei processual, ainda se aplicará a regra estática do ônus da prova, ao passo que ainda será do autor o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito, enquanto que ao réu incumbirá a comprovação dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.
Ou seja, a regra instituída no novo Código de Processo Civil instituiu uma inversão ao ônus da prova em características similares da regra prevista no código consumerista.
Diz-se isto, pois a hipótese prevista no §1º representa uma exceção à regra estática, ao passo que se preenchidos os requisitos previstos em lei será possível a modificação do ônus probatório.
É neste sentido, o ensinamento de Daniel Amorim Assumpção Neves[26], que destaca que:
Apesar do art. 370, §1º do (atual art. 373, §1º) Novo CPC prever a possibilidade de o juiz atribuir o ônus da prova ‘de modo diverso’, naturalmente a regra trata da inversão do ônus da prova, até porque, sendo esta distribuída entre autor e réu, o modo diverso só pode significar a inversão da regra legal.
Isso significa dizer que, se verificado no caso concreto, diante de suas peculiaridades, a impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprimento do encargo pela parte incumbida pela regra geral, ou mesmo se identificada maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, é que poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso.
Assemelha-se, então, àquela norma prevista no Código de Defesa do Consumidor, na qual, somente se preenchidos os requisitos é que será possível a inversão do ônus probatório.
Buscou o legislador, adicionar a regra de distribuição dinâmica somente em casos excepcionais, deixando como regra geral uma distribuição que não se atenta às peculiaridades do caso.
Em outras palavras, o novo Código de Processo Civil não adotou a regra de distribuição dinâmica do ônus da prova, mas somente trouxe a previsão de uma inversão de ônus da prova com a ideia da carga dinâmica do ônus da prova.
Tudo isso, acredita-se, para manter a segurança jurídica e a previsibilidade que o sistema tradicional proporcionam.
Contudo, perde-se uma grande oportunidade ao não se efetivar como regra para todos os casos o sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova, na medida em que sua implementação extensiva à toda a instrução processual representaria maior adequação das funções e responsabilidades de todos os sujeitos processuais aos preceitos mais modernos de efetividade na prestação jurisdicional.
Ou seja, se por um lado, este sistema garante maiores poderes ao magistrado na imputação de um ônus, por outro, este ônus somente será assumido pela parte que puder e tiver mais capacidade de se desincumbir deste ônus, sem deixar que a outra parte mantenha-se acomodado, aguardando o seu eventual não cumprimento.
Busca-se com esse sistema atribuir aos sujeitos processuais maior ativismo e participação nos atos processuais, a fim de que seja maior a possibilidade de um julgamento de mérito acerca do direito postulado em juízo.
Além disso, a implementação de tais regras permitiria uma maior cooperação entre as partes e exigiria um papel mais ativo das partes na comprovação de seu direito, permitindo-se uma cognição realmente exauriente dos fatos e do direito postulado em juízo.
Conclui-se que o novo Código de Processo Civil não realizou uma efetiva alteração em relação ao ônus da prova, sobretudo pelo fato de não ter concretizado a mudança no papel dos sujeitos processuais, que continuarão a não ter a cooperação como um dever e poderão continuar a exercer posição passiva e inerte na produção probatória.
3.6 MOMENTO DE DISTRIBUIÇÃO E DEVER DE ALERTA
O Código de Processo Civil já sancionado pela Presidência da República, como visto, previu no art. 373 uma nova inversão do ônus da prova, que, apesar de ser uma exceção, introduzirá uma nova regra na dinâmica processual.
Esta regra de distribuição levanta a discussão acerca do momento mais adequado para que sejam distribuídos os ônus probatórios, se esta deve ocorrer no momento da instrução processual ou se somente no momento de proferir a sentença.
A regra disposta no art. 373 do novo Código de Processo Civil, por sua vez, não deixa dúvidas acerca do seu momento de aplicação. Isso se confirma com uma mera leitura do seu §1º[27], que determina que:
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
O texto legal é taxativo ao asseverar que a inversão do ônus deverá ser feita por decisão fundamentada, bem como que deverá ser concedida à parte a oportunidade de se desincumbir deste ônus.
Isso significa dizer que o dispositivo processual entendeu por enquadrar o momento de aplicação da regra do que se pode denominar de “inversão dinâmica do ônus da prova” como sendo a instrução processual, devendo pronunciar as incumbências das partes no saneamento do processo.
Sendo assim, a distribuição do ônus da prova de maneira diversa daquela que naturalmente seria aplicada deve ser, segundo o texto legal, pronunciada judicialmente por meio de decisão.
Além disso, além de ser necessário que tal ônus seja possível de ser desincumbido, também é obrigatório que as partes sejam alertadas das consequências do seu não cumprimento.
Em outras palavras, se o magistrado entender pela aplicação da regra do §1º, invertendo-se o ônus da prova, alterando-se a regra do caput, deve fazê-lo por meio de decisão fundamentada, pronunciando as alterações feitas nos ônus das partes.
Exatamente à este respeito, Daniel Amorim Assumpção Neves[28] aponta que:
Conforme já verificado, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, sendo o ônus da prova regra de instrução, sua inversão deve preceder a fase probatória, sendo realizada de preferência no saneamento do processo ou, quando excepcionalmente realizada após esse momento procedimental, deverá ser reaberta a instrução para a parte que recebe o ônus da prova caso pretenda produzir provas.
Esse entendimento, que sempre pareceu mais adequado, prevaleceu no Novo Código de Processo Civil, mais precisamente no art. 370, §1º, que exige do juiz, sempre que inverter o ônus da prova, que dê oportunidade à parte para s desincumbir do ônus que lhe tenha sido atribuído. Significa que, em respeito ao contraditório, a parte terá amplo direito à produção da prova, de modo que não parece interessante que essa inversão ocorra somente no momento da prolação de sentença, sob pena de ofensa ao princípio da economia processual.
Veja-se que, apesar de tal entendimento não ser pacífico na doutrina, pode-se dizer que o momento de inversão mais adequado é o do saneamento do processo.
Na audiência preliminar é quando são fixados os pontos controvertidos, o que se denomina de saneamento do processo, momento em que as partes saberão o que será objeto de prova, sendo este momento também, o momento que deverão saber se os ônus serão invertidos, a fim de que possam se desincumbir durante a instrução probatória.
Diz-se isso, pois quando se trata de regra como a do art. 373 do novo CPC, a partir do momento que se altera a regra e o ônus legalmente instituído é imprescindível que a parte não seja surpresada com a assunção dos efeitos de um ônus que não teria.
Situação diferente é aquela que seria imposta caso a regra geral fosse a da distribuição dinâmica do ônus da prova, já que nessa situação todas as partes têm o dever de participarem e contribuírem para a formação do lastro processual dentro das suas possibilidades, evitando-se a acomodação e buscando de maneira mais efetiva a cognição da lide.
Contudo, com a adoção da regra estática de distribuição do ônus da prova, os ônus são expressamente definidos, razão pela qual a mudança no paradigma deve ser comunicada às partes para que não seja violado o contraditório e para que seja possível o cumprimento deste ônus.
Ocorre que, a redação do art. 373 do novo CPC ainda apresenta aspectos negativos, já que expressa determinação de que a inversão seja feita por meio de decisão judicial, acarretaria na mesma acomodação gerada pela situação causada pela carga estática do ônus da prova, na qual a parte que não possui o ônus fica inerte na esperança de que a parte incumbida sofra os efeitos do não cumprimento de seu encargo.
A adoção do pronunciamento judicial acerca da mudança nos ônus da prova desestimula a cooperação e o ativismo dos sujeitos processuais, o que não se compactua com os preceitos processuais modernos e não garante maior justiça no pronunciamento de decisões.
Na forma como está redigida, os papeis das partes e a necessidade de que estas atuem do processo de maneira mais participativa e decisiva não sofrerão mudança. Ainda não estarão todas as partes obrigadas a diligenciar todas as provas que poderiam produzir.
Este também é o entendimento de Marcelo Pacheco Machado[29] que afirma que:
Tudo isso resultaria em maior retardamento do processo e não atendendo a finalidade, imposta pelo princípio da cooperação, de que as partes participem com todos os seus esforços na produção de provas, de modo que seja valorizado o escopo jurídico do processo.
Certamente a redação do citado dispositivo legal acarreta a possibilidade de acomodação e inércia da parte, o que vai de encontro com a necessidade da processual moderna de maior cooperação entre as partes na produção da prova e, por conseguinte, em relação à justiça nos provimentos jurisdicionais.
A redação do novo CPC acaba por não extirpar do meio processual a possibilidade de inércia e comodismo das partes beneficiadas pela ausência de ônus, acabando por não estimular a maior proatividade, na busca mais eficaz pela verdade real e, por conseguinte, por um julgamento mais justo.
O papel das partes e sujeitos processuais tem de ser mais estimulado e a não adoção de postulados mais compatíveis com tal ideia, acaba por negar a implantação de um sistema mais justo e eficaz.
Ao menos em tese, é fácil dizer que a análise do mérito de modo mais exauriente é mais favorecida num sistema em que todos os sujeitos processuais estejam empenhados em obter um provimento jurisdicional favorável de maneira ativa, o que parece não será o caso da regra disposta no art. 373 do novo CPC.
CONCLUSÃO
Com o estudo do instituto do ônus da prova, objeto, finalidade e custeio da prova percebe-se que existem modalidades distintas de distribuição dos ônus da prova.
A modalidade de distribuição estática do ônus da prova, há muitos anos vigente no sistema processual, apesar de apresentar segurança jurídica à partes, apresenta, ao mesmo tempo, uma inércia e comodismo dos sujeitos processuais indesejável ao processo, já que por muitas vezes se mostra impossível ou muito difícil uma satisfatória e exauriente cognição processual.
Existe ainda a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor que apresenta uma possibilidade de atribuir à parte que tem maiores condições o ônus de produzir a prova, o que se mostra razoável.
Já a modalidade de distribuição dinâmica do ônus da prova, que é defendida pela maioria dos doutrinadores modernos, certamente mostra-se mais adequada para a busca por maior efetividade e justiça nos provimentos judiciais.
Tal afirmativa é feita com base no fato de que este sistema considera as peculiaridades que os casos concretos oferecem, sobretudo a possibilidade e a dificuldade de cada parte para produção de determinada prova, mostrando-se mais justa em todos os casos.
Este não é o caso da modalidade estática da distribuição do ônus da prova, que atribui o encargo de produção de prova somente em virtude da posição da parte, possibilitando a inércia e a acomodação da parte beneficiada pela ausência de ônus.
Não é difícil concluir que o sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova é o mais apropriado para as soluções dos pleitos judiciais.
Contudo, o novo Código de Processo Civil, com a criação do art. 373, não adotou esta modalidade como regra geral, mas somente como uma exceção. É, pois, uma hipótese de inversão da regra geral tal como aquela prevista no Código de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, a regra geral a ser aplicada na nova lei processual continua a ser aquela já atualmente aplicada, sendo possível a aplicação da distribuição dinâmica somente em casos excepcionais, quando preenchidos os requisitos legais, quais sejam, a verificação de impossibilidade ou extrema dificuldade na produção da prova ou a maior facilidade da outra parte em se desincumbir deste ônus.
Ou seja, o novo CPC não instituiu a regra de distribuição dinâmica do ônus da prova, mas tão somente uma situação de exceção à regra geral que continua a ser a da carga estática.
Além disso, a previsão legal, aqui denominada de “inversão dinâmica dos ônus da prova”, seja pronunciada por meio de decisão que alerta as partes também gera a mesma situação de acomodação e desnecessidade de cooperação entre as partes gerada pela atual regra geral da distribuição estática probatória.
Tudo isso leva a conclusão de que a nova regra de ônus da prova prevista no art. 373 do já sancionado novo Código de Processo Civil não signifique um grande avanço em relação à dinâmica processual e a maior efetividade das decisões judiciais, tendo sido perdida uma grande oportunidade de se alterar para melhor o papel dos sujeitos processuais e proporcionar maior justiça às decisões judiciais.
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