RESUMO
O presente trabalho trata, de um modo geral, da Eutanásia no Brasil e no mundo, apontando o seu conceito, suas espécies e a forma como é tratada na legislação nacional e internacional. Ao falar de eutanásia, vale lembrar a polêmica que o tema gera, desde a antiguidade até os dias de hoje, devido às suas implicações jurídicas, religiosas, éticas, morais e sociais. O objetivo deste trabalho é expor como este instituto é tratado no Brasil e no Direito Comparado, especificando, no caso do Brasil, a legislação que trata (ou não) deste tema. Outro objetivo, além dos elencados anteriormente, é trazer os argumentos favoráveis e os contrários a prática da eutanásia.
Palavras-chave: Eutanásia; Ortotanásia; Vida; Morte Digna; Direito.
ABSTRACT
This paper aims the euthanasia in Brazil and in the world, showing the concept, the types and how it is treated in brazilian legislation and world wide. When talking about euthanasia is worth to remember the polemic around the theme, from antiquity to nowadays, due to its legal, religious, ethical, moral and social implications. The goal of this papel is expose how this subject is treated in Brazil and Compared Law, specifying the brazilian legislation that treats it (or not). Other goal, beyond the ones already pointed previously, is to show favorable and adverse arguments about the euthanasia.
KEY-WORDS: Euthanasia; Orthotanasia; Life; Dignified Death; Right
INTRODUÇÃO
Historicamente muitas discussões sobre a eutanásia foram estabelecidas, tanto pela polêmica da prática, quanto pela banalidade que esta é realizada, por mais que seja proibida pelo ordenamento jurídico.
A discussão que versa sobre um enfermo em estado terminal e sem probabilidade de reversibilidade clínica poder reivindicar o direito a uma morte digna sempre dividiu a civilização em dois grupos que, ou são favoráveis ou contra a eutanásia.
O debate sobre a eutanásia compreende alguns valores, tais como: valores jurídicos, religiosos, médicos, éticos, sociais e morais, o que só faz aumentar a polêmica do assunto.
No entanto, estudando os casos ocorridos ao longo da história, outros quesitos são considerados, quais sejam a inevitabilidade da morte, a compaixão, o sofrimento humano, o custo elevado em se conservar uma vida vegetativa em um leito que importa em custo exagerado e a impossibilidade de salvação do doente.
A vida, direito fundamental garantido pela Constituição Federal, é posta em debate no que fere à sua disponibilidade. Um doente que se acha em agonia, sem expectativa de tratamento, já atestada pelo médico, e perto da morte, está vivo, mas não vive, não goza de um mínimo de condição de vida.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Com o passar do tempo o homem foi buscando, cada vez mais, controlar a vida e a morte, desmistificando a morte e a vida como um poder divino, eliminando os indivíduos que eram considerados nocivos à vida em sociedade.
Para os gregos a morte está associada ao sono, como os irmãos gêmeos na mitologia grega, a morte aparece juntamente com o sono (Thanatos e Hípnos), como irmãos gêmeos da noite, tendo dito Shakespeare: “É o sono teu repouso mais doce, o invocas com frequência, e logo és bastante estúpido para temer diante da morte, que não é nada mais” (MENEZES, 1977, p. 45)
A terminologia eutanásia surgiu há mais ou menos um século, mas existem relatos sobre a sua prática já no inicio da humanidade. No velho testamento, a luta entre Filisteus e Israelitas, na morte do rei Saul, aparece o primeiro relato de eutanásia (BÍBLIA SAGRADA, SAMUEL, CAPÍTULO 31).
A problemática em torno da eutanásia surge na Grécia, sendo Platão um dos primeiros pensadores a discorrer sobre o assunto. Nessa época já eram discutidos os aspectos religiosos, éticos e morais que envolvem a situação.
A medicina passou a ser vista como algo digno. Por conseguinte, todo ato médico passou a ser norteado por preceitos éticos e morais. Hipócrates (460 - 377 a.C.) já juramentava o seguinte: “A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal, nem um conselho que induza a perda”[1]. E, desta forma, já posicionando a medicina contra a prática da eutanásia.
Na Grécia, pessoas com mais de 60 anos recebiam doses letais de veneno ou eram aconselhadas a ingerir. Já no Direito Romano, o suicídio era tido como uma afronta aos deveres do cidadão com o Estado e com os outros cidadãos. Quando o suicídio era praticado por escravo havia a lesão patrimonial de seu dono, já no caso do soldado quem sofria a lesão era o Estado.
Em Esparta, a preocupação de produzir homens aptos para guerrear também era presente, e para garantir tal resultado, eliminavam os pobres, desnutridos e quaisquer outros sem valor vital, arremessando-os de cima do Monte Taigeto (MENEZES, 1977, p. 46).
No Direito Romano, o corpo do indivíduo era considerado seu patrimônio o qual era protegido contra agressões externas. Na Índia os portadores de doenças graves eram jogados no rio sagrado Ganges, onde eram purificados pela morte.
Na Idade Média os guerreiros medievais portavam lanças, com as quais matavam os seus companheiros que eram feridos na batalha.
Já na Idade Moderna, Napoleão mandou matar os soldados contaminados com a peste, usando ópio. No entanto, o médico chefe, Dr. Degenettes, se recusou a administrar o ópio para mata-los, alegando que é dever médico preservar a vida. (MENEZES, 1977, p. 47).
Com o surgimento do movimento humanista e da teoria iluminista no século XVIII, o suicídio passa a não ser mais definido como crime. Como mencionado na obra “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria (1996, p.79):
O suicídio é um delito que parece não poder estar submetido a qualquer tipo de pena; pois esse castigo recairia apenas sobre o corpo sem sensibilidade, ou sobre pessoas inocentes. Ora, o castigo que fosse aplicado contra os restos sem vida do culpado não produziria nenhuma impressão sobre os espectadores senão a que eles sentiriam vendo fustigar uma estátua.
Se o castigo é aplicado sobra a família inocente, ele se torna despótico e odioso, pois já não existe liberdade quando os castigos não são essencialmente pessoais.
Para Kant, ética é a conduta considerada universalmente como boa, ou seja, todos devem considerar aquela ação como benéfica. Segundo o dogma kantiano, se a conduta não for universalmente boa será moralmente incorreta (COTRIM, 2006, p. 254). A eutanásia, por exemplo, poderia ser considerada moralmente justa desde que reconhecida como tal por todos.
Em determinado momento histórico, a eugenia foi confundida com a eutanásia. No entanto, a eutanásia é uma prática diversa da eugenia. Enquanto aquela é um ato de piedade humano, com intuito de aliviar a dor e o sofrimento, esta tem como fundamento apenas a exterminação dos indivíduos considerados inaptos à vida em sociedade.
Para o antropólogo brasileiro Roberto da Matta, a maneira como os mortos são tratados durantes os funerais é outro aspecto que demostra a forma com que os indivíduos lidam com a morte hodiernamente, sendo que os caixões os quais acomodam o morto para a cerimônia fúnebre são confeccionados em cetim e espuma, assemelhando-se aos tecidos usados em colchões. O autor ainda comenta que “O que seria tudo isto, senão um modo radical de livrar-se do morto, transformando-o em alguém que realmente dá a impressão de repousar?” (MATTA, 1985 apud ARANHA, 1993, p. 334).
Mesmo tendo sido admitida na Antiguidade, a eutanásia foi considerada totalmente amoral segundo os preceitos do cristianismo e do judaísmo. Crenças estas que tem a vida como algo sagrado que em hipótese alguma pode ser interrompida ou abreviada.
O homem, ao longo da história sempre buscou a vida eterna. E, com isso, aceitar a própria destruição parece algo improvável. Desde o início da civilização o culto aos mortos era comum, já que as incertezas em relação à morte eram motivos de grande angústia para os indivíduos desde os primórdios da vida humana. Durante séculos a crença na vida após a morte tem feito com que o temor da morte seja atenuado. Desta forma, o homem aceita a morte e busca viver na terra conforme preceitos religiosos em busca do melhor destino para a sua alma.
A eutanásia foi dita como crime pelo ordenamento jurídico por violar o direito a vida, consagrado pela Constituição Federal como fundamental, sendo que a civilização moderna não está preparada para aperfeiçoar esta prática às demandas atuais.
2. CONCEITO
O termo eutanásia surgiu na Grécia, onde “eu” significa “bom” e “thanatos” significa “morte”. Expressão usada para definir uma morte tranquila, fácil, sem dor.
O primeiro vocábulo que equivocadamente tem sido adotado como sinônimo de eutanásia é “eugenia”. A palavra eugenia foi criada em 1883, por Francis Galton, que a conceituou como: “o estudo dos meios que sob o controle social podem melhorar ou deteriorar física ou intelectualmente a qualidade da raça nas gerações futuras” (MENEZES, 1977, p. 35).
Conclui-se que a eugenia visa a purificação, a melhoria da raça humana, exterminando todo aquele que se demonstra inútil para o Estado ou para a sociedade, não podendo ser confundida com a eutanásia.
A eutanásia, em sua origem etimológica (“boa morte”) e em sua intenção, quer ser um ato de misericórdia, quer propiciar ao doente que está sofrendo uma morte boa, suave e indolor (PESSINI, 2004, p. 210).
Marcello Ovídio Lopes Guimarães (2011, p. 91) traz, em sua obra, um conceito simples de eutanásia:
... a provocação de morte piedosa, por ação ou inação de terceiro, de que se determine encurtamento da vida, em caso de doença incurável que acometa paciente terminal a padecer de profundo sofrimento. Abarca ela, portanto, a provocação da morte por ação (eutanásia própria em sentido estrito, ou eutanásia ativa) ou por inação (eutanásia passiva).
Existem diversas espécies de Eutanásia, podendo ser classificada como ativa ou passiva, sendo aquela a prática em que é necessário ministrar agentes capazes de levar ao resultado morte, já esta é a antecipação da morte pela inação do médico.
No Direito Penal brasileiro não existe a menção explícita sobre a proibição da prática de eutanásia, sua prática pode ser enquadrada no Código Penal Brasileiro como homicídio simples, ou privilegiado dependendo do caso[2].
Quando o paciente opta pela eutanásia não se trata apenas de uma opção, mas uma valoração, de quando viver não é mais a melhor escolha, já que não é possível fazê-lo com dignidade. Desta forma, a eutanásia precisa ser analisada concretamente e não abstratamente. Já que esta não é apenas a interrupção da vida, mas, também, o alívio para o sofrimento do paciente.
3. ORTOTANÁSIA E DISTANÁSIA
A ortotanásia é a morte natural, sem interferências tecnológicas ou científicas. Para Luciano de Freitas Santoro (2010, p. 155), a ortotanásia:
(...) é o comportamento médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade.
Para Nogueira (1995, p. 45) “Trata-se de não empregar os meios artificiais de prolongamento inútil da vida humana”.
Mesmo que se assemelhe à omissão de socorro[3] não é possível o enquadramento da ortotanásia neste tipo penal, sendo que a eutanásia e outras práticas semelhantes sempre foram tratadas como homicídio. No crime de omissão de socorro qualquer pessoa pode ser o autor, já na ortotanásia, aquele que por dever profissional deveria agir para evitar que o evento danoso não ocorresse, no caso a morte, não age. Na omissão de socorro o agente deixa de socorrer, mas em nenhum momento deseja a morte do sujeito. Já no caso da ortotanásia o médico visando a morte do paciente, mesmo que por motivo nobre, deixa de praticar determinado ato, o qual é vital para a sobrevivência do sujeito. Além disso, a ortotanásia, diferente da omissão de socorro, é praticada por quem tem o dever profissional e legal de zelar pela vida.
Existe uma discussão sobre o termo “ortotanásia” ser sinônimo de “eutanásia passiva”. O entendimento que parece ter mais coerência é o de que não se trata de sinônimos, mas sim de institutos diferentes, como ensina Guimarães (2011, p. 130):
Anote-se, de qualquer modo que parece mesmo ser mais conveniente, sobre tudo para fins de apreciação de cada uma das condutas no seu aspecto jurídico, o posicionamento de que a ortotanásia, como alhures indicado, a despeito de comumente ser tida como termo sinônimo da expressão eutanásia passiva, com ela não pode confundir-se, já que enquanto esta significa a deliberada suspensão ou omissão de medidas indicadas no caso concreto, antecipando-se a morte, aquele consiste na omissão ou suspensão de medidas cuja indicação, por se mostrarem inúteis na situação, já se mostraram perdidas, não se abreviando o período vital.
Assim, na ortotanásia, o evento morte está em iminência, enquanto na eutanásia passiva a omissão causa a antecipação da morte.
Não há, no direito Brasileiro, impedimento legal para a prática da ortotanásia. Logo, tendo em vista o estabelecido no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal[4], entende-se que a ortotanásia é permitida. Nesse sentido:
Não há, na ortotanásia, a ação de ofender a vida, como há na eutanásia, portanto não se fala do homicídio previsto no artigo 121, do Código Penal, e também não se fala em omissão de socorros, não tange a omissão prevista no artigo 4°, do Código Penal, pois aqui se trata de paciente em estado irreversível, já tendo recebido os cuidados necessários para sua recuperação hipotética, mas sem sucesso. Tampouco fere o princípio da dignidade humana, prevista no artigo 1º, III, da Constituição Federal[5].
A ortotanásia não pressupõe antecipação da morte (o paciente não tem sua morte provocada). O fim da vida ocorre no tempo que seria o correto naturalmente, uma vez que a morte decorre de um processo natural, inexorável, e que alcançará todos os seres humanos.
A distanásia é o oposto da ortotanásia, pois se trata de um prolongamento artificial da vida com sofrimento para o paciente, utilizando todos os meios disponíveis para tanto. Trata-se de um tratamento desumano que provoca uma morte lenta e dolorosa.
É realmente prolongar a vida por processo artificial em que o paciente espera curar-se da doença, o que na verdade, em muitos casos, serve apenas para prolongar o seu sofrimento. Não se destina a prolongar a vida, mas o processo de morte.
A manutenção artificial da vida com práticas que são capazes de manter, momentaneamente, a vitalidade de organismo desfalecido, não pode ser confundida com a “vida” resguardada pela Constituição Federal (para a qual está assegurada a dignidade da pessoa humana). Este procedimento ofende a dignidade da pessoa humana por prolongar a vida em termo quantitativo e não qualitativo.
4. SITUAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL
4.1 Aspectos Constitucionais
4.1.1 Dignidade da Pessoa Humana
O elemento primitivo de questão eutanásia é a vida digna direta, e todo o significado por trás da frase, portanto, é de suma importância entrar em questões relevantes para o tema, tal como o princípio da dignidade da pessoa humana.
Quando se fala em dignidade da pessoa humana, não se trata apenas de um princípio ou garantia, mas sim de um fundamento da República Brasileira:
Art. 1° da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988);
Sobre a dignidade da pessoa humana, José Afonso da Silva (1998, p. 91) ensina:
A dignidade da pessoa humana não é criação constitucional, pois ela é um desses conceito a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A constituição, reconhecendo sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica.
A Declaração da UNESCO (1997) reconheceu explicitamente a dignidade humana como um princípio fundamental do homem. Ressaltando que todas as leis deveriam ser norteadas por esse princípio[6].
Neste princípio está a base piramidal dos princípios, sendo que todos os demais devem estar em sintonia com ele, garantindo, assim, a tutela da pessoa humana, desta e das gerações futuras.
Ao violar o direito a dignidade de um individuo, este estaria autorizado a violar os demais. Por este motivo, tutelar a dignidade da pessoa humana é um objetivo constante do Estado.
Ao conceituar a expressão “dignidade da pessoa humana” não é possível separá-la da noção do termo vida digna, mesmo que estes conceitos não sejam considerados idênticos pela sociedade, devido a diversos preceitos religiosos e culturais.
Conceituar a dignidade da pessoa humana de rígida não corrobora com um Estado Democrático de direito. Em uma sociedade democrática é preciso vislumbrar que o conceito de dignidade muda conforme mudam os preceitos éticos e culturais. O que é considerado digno em determinado momento histórico, com passar do tempo pode ter outro entendimento. Os anseios sociais mudam conforme o momento histórico, por isso cabe às regras e princípios se adaptarem a estas mudanças (SARLET, 1988 apud GAMA, 2003, p. 132).
O termo dignidade da pessoa humana não surgiu após a sua constitucionalização, sendo que é algo intrínseco ao ser humano. Desta forma, não foi criado pelo direito, mas é algo próprio do ser humano.
Em sua obra, SARLET (2007, p. 62) traz um conceito interessante de dignidade da pessoa humana:
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Hodiernamente, a dignidade da pessoa humana é reconhecida como o centro de todo o direito.
As discussões em torno da dignidade da pessoa humana não tem encontrado unanimidade entre os juristas que discorrem sobre a mesma, devido a sua falta de objetividade. No entanto, ainda é possível encontrar diversas opiniões não conflitantes.
Para a efetivação desse princípio cabe ao Estado, não apenas a obrigação de não violar tal preceito, mas garantir que o mesmo não seja violado.
4.1.2 Direito à Vida
Do ponto de vista jurídico, a vida é um direito natural, universal, intrínseco a todo ser humano e, assim sendo, merece proteção. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, traz o direito à vida como um direito e garantia fundamental[7]. Trata-se do elemento basilar de todos os outros bens jurídicos. Sem esse direito de nada serviria qualquer outra proteção.
Sobre tal direito, Alexandre de Moraes (2006, p. 79):
O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.
A Constituição também elenca, no rol de seu artigo 5°, outros dispositivos que resguardam o direito à vida:
Art. 5° .............................................................................................................
(...)
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLVII – não haverá penas:
- de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX;
O texto constitucional, ao assegurar o direito à vida, impede a prática de qualquer ação que tenha o objetivo de findar o processo vital, salvo em caso de guerra declarada nos termos da lei.
Destarte, conclui-se que, pela Carta Magna, a eutanásia é proibida, uma vez que o direito humano fundamental à vida, assim como os outros direitos fundamentais, é dotado de irrevogabilidade e irrenunciabilidade. O indivíduo (ou outro agindo por ele), mesmo que esteja em fase terminal, não pode por fim à sua vida.
4.1.3 Direito à Morte Digna
Dentre as incertezas da vida, a morte é a única certeza. A religião proporciona, para muitos, um conforto a respeito da morte, tratando esta como um renascimento. Porém, o sofrimento e a dor sempre preocuparam o homem, não é à toa que a medicina evoluiu tanto com o passar dos anos, criando procedimentos e medicamentos com o objetivo de mitigar a dor sofrida pelos seres humanos.
É verdade que muitas pessoas não temem a morte em si, o maior temor é o momento de passagem desta vida para outra, quando, em alguns casos, chegam a experimentar dores terríveis. Essa passagem, que gera tanto receio, se dá pelo fato da morte não ser um momento, mas sim um fato progressivo, como ensina Horta:
Se é inconteste que os avanços tecnológicos na área da saúde contribuíram e continuam a contribuir para salvar muitas vidas e minorar-lhes o sofrimento, trouxeram-nos, todavia, inúmeros problemas éticos a enfrentar, entre eles o que diz respeito à definição ou conceito de morte. Sua tradicional definição como o instante do cessamento dos batimentos cardíacos tornou-se obsoleta. Hoje, ela é vista como um processo, como um fenômeno progressivo e não mais como um momento, ou evento. Morrem primeiro os tecidos mais dependentes do oxigênio em falta, sendo o tecido nervoso o mais sensível de todos. Três minutos de ausência de oxigenação são suficientes para a falência encefálica que levaria à morte encefálica ou, no mínimo, ao estado permanente de coma, em vida vegetativa[8].
O avanço da tecnologia terapêutica permitiu prolongar a vida de um paciente de forma extraordinária. Contudo, é preciso pensar até quando isso vai beneficiar o enfermo, ou qual é a hora de suspender um tratamento e deixar o indivíduo aceitar que chegou a hora de sua morte, em virtude de um término de vida mais digno e sem dor.
Sobre o direito a uma morte digna:
O verdadeiro direito de morrer se caracteriza pelo suicídio e neste caso não há punição, eis que o sujeito ativo deixou de existir. O suicídio é reprovável, atentando que sua prática contraria os princípios constitucionais e religiosos [...] A eutanásia não atenta contra a vida pois num corpo mórbido e sem forças, não existe vida [...] A eutanásia não pode ser confundida com homicídio, nem com induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Sua finalidade é altruísta, tendo conotação com os princípios de direitos humanos, pois, morrer bem é um direito da pessoa humana (BIZZATO, 2003, p. 25-28).
Daí surge a ideia da Eutanásia (boa morte, morte doce, suave, sem dor e sem sofrimento), que vem para atenuar o sofrimento do moribundo. É preciso compreender que a morte digna é procedida da dignidade da pessoa humana. Não há que se falar em adiar a morte utilizando todos os meios possíveis para aliviar a dor (distanásia), isso sim seria uma afronta à dignidade da pessoa humana, configurando, em alguns casos, uma espécie de tortura para o indivíduo.
Não há justificativa de se viver sem vida. Um moribundo abalado psicologicamente, sem esperanças de sobreviver, dependente em sua totalidade de máquinas e de outras pessoas, com sofrimento agudo e agonia constante, não pode desejar outra coisa senão a morte.
A lei concebe a vida como bem indisponível, mas o que ocorre nesses casos é a imposição da vida. Se a dignidade da pessoa acompanhou o enfermo durante toda sua vida, não pode esta, nos momentos cruciais do homem, ser inobservada.
4.2 Legislação
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida...”. Não há dúvida de que a vida é o mais importante de todos os direitos, uma vez que sem vida não há existência do homem, logo não se pode renunciá-la.
O Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, diz em seu artigo 4º que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento de sua concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” [9].
A exposição de motivos do Código Penal Brasileiro elenca, dentre os exemplos de homicídio privilegiado, a prática da eutanásia:
39. Ao lado do homicídio com pena especialmente agravada, cuida o projeto do homicídio com pena especialmente atenuada, isto é, o homicídio praticado “por motivo de relevante valor social, ou moral”, ou “sob o domínio de emoção violenta, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Por motiva de “relevante valor social ou moral”, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso de homicídio eutanásico), a indignação contra um traidor da pátria[10].
Deste modo, a prática da Eutanásia no Brasil é considerada como homicídio simples, podendo a pena ser atenuada caso entenda-se presente o “relevante valor moral”.
O senador Gilvam Borges é autor do projeto de Lei n° 125/96, que tramita pelo Congresso Nacional. Ele sugere que a eutanásia seja permitida, desde que uma junta de cinco médicos ateste a ineficácia do tratamento em relação ao sofrimento físico ou mental do doente. O paciente deve pedir a eutanásia. Se ele não está ciente, a decisão caberá a seus parentes próximos.
Trata-se da única iniciativa sobre o tema da legalização da eutanásia no Brasil. Porém, nunca foi posto em votação e encontra-se arquivado desde 2003[11].
O Projeto de Lei 6.715/2009, de autoria do Senador Gerson Camata, visa alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro), para excluir de ilicitude a Ortotanásia.
Eis a redação do aludido projeto:
Art. 1º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 136-A:
“Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos.
§ 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial[12].
Atualmente, tal projeto encontra-se em tramitação no Congresso Nacional[13].
Entende-se, contudo, que a legislação brasileira não admite a prática da eutanásia. A única maneira não abarcada como crime pela legislação brasileira é a hipótese do enfermo, totalmente sozinho, por fim a sua vida, por vontade própria e sem ajuda de ninguém.
4.3 Resolução n° 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina
O Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução n° 1.805/2006 com o fim de esclarecer a controvérsia sobre este tema tão polêmico.
A ortotanásia é tratada logo no preâmbulo desta resolução da seguinte maneira:
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (Res. 1.805/2006 CFM).
Em seu artigo 1° diz:
É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
O parágrafo 1° da referida resolução traz a obrigação do médico de informar ao paciente ou seu representante legal sobre os tratamentos adequados para o caso concreto[14].
O artigo 2° garante ao paciente o direito de receber todos os cuidados necessários para aliviar o sofrimento[15].
Esta resolução não foi aceita por parte da sociedade. O Ministério Público Federal moveu uma ação civil pública (n.° 2007.34.00.014809-3) contra o Conselho Federal de Medicina e, em 2010, o juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal julgou improcedente a referida ação, entendendo que esta prática não fere a Constituição Federal[16].
Quanto ao Código de Ética Médica, em seu artigo 6º, diz que:
O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade[17].
O artigo 66, do mesmo código, traz a seguinte vedação ao médico: “utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”.
Veja que o código de Ética Médica proíbe o médico de abreviar a vida do paciente. Logo, tendo em vista que a ortotanásia permite a morte natural do ser humano, entende-se que tal dispositivo veda apenas a eutanásia.
4.4 Caso Virgínia Helena Soares de Souza
Trata-se de um caso que teve grande repercussão nacional, quando a médica Virgínia Soares de Souza (diretora médica da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Evangélico de Curitiba – PR), em uma operação que investigava a prática da eutanásia, foi detida em fevereiro de 2013 em Curitiba. Virgínia foi acusada de acelerar a morte de sete pacientes[18]
A polícia civil do Paraná revelou gravações telefônicas entre a médica e outros colegas de trabalho, onde dizia:
- Esse foi caprichado, né?
Um médico responde:
- Esse foi. Quadro clínico bonito, caprichou. Bem na hora que nós estamos tranquilos.
A médica então diz:
- Nós estamos com a cabeça bem tranquila para assassinar, para tudo, né?[19]
A médica é ré na ação penal n° 0005217-13.2013.8.16.0013, que tramita em segredo de justiça na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba - PR[20].
5. SITUAÇÃO JURÍDICA NO DIREITO COMPARADO
5.1 Uruguai
O Uruguai foi um dos primeiros países a descriminalizar a eutanásia, em 1934, quando introduziu ao Código Penal o “homicídio piedoso” no artigo 37 do capítulo lll, que aborda a questão das causas de impunidade. De acordo com esta legislação é facultado ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este procedimento, desde que presentes três condições básicas:
- ter antecedentes honráveis;
- ser realizado por motivo piedoso;
- a vítima ter feito reiteradas súplicas.
Percebe-se que não há uma autorização para a prática da eutanásia, mas sim uma possibilidade de impunidade do indivíduo que praticar tal ato, desde que cumpridas as três condições mencionadas.
O artigo 315 do Código Penal Uruguaio diz que isto não se aplica ao suicídio assistido.
5.2 Holanda
Em 2002 foi legalizada a eutanásia na Holanda. Criou-se um criterioso procedimento para a sua realização. Referida legislação admite que inclusive menores solicitem a eutanásia, com a anuência de seus representantes legais.
Marcello Ovidio Lopes Guimarães (2011, p. 252) fala, sobre a eutanásia na Holanda:
O Código Penal holandês prevê como crime a conduta de matar alguém (arts. 287 e 289), ainda que haja expresso pedido do interessado (art. 293), assim como determina ser infração penal auxiliar alguém ao suicídio (art. 294). Em seguida, no entanto, a lei dispõe que tais condutas não mais constituem crime “se realizadas por um médico que tenha cumprido os critérios de adequação previstos no art. 2 da lei de Interrupção da Vida a Pedido e do Suicídio Assistido (procedimento de controle)”, além de haver observado determinados vínculos procedimentais de autodenúncia.
Leo Pessini (2004, p. 116) elenca as condições exigidas para o médico não ser punido pela prática da eutanásia na Holanda, para isso o médico:
- tem a convicção de que o pedido do paciente é voluntário e bem avaliado;
- tem a convicção de que o sofrimento do paciente era intolerável e sem perspectiva de alívio;
- informa ao paciente a respeito de sua situação, bem como sobre suas perspectivas;
- junto com o paciente devem chegar a uma conclusão comum de que não havia outra solução alternativa razoável para a situação do paciente;
- consulta ao menos um outro médico, independente, que examina o paciente e dá seu parecer por escrito acerca dos requisitos de cuidados adequados mencionados nas partes a-d; e
- abrevia a vida ou assiste a um suicídio com os cuidados adequados.
Percebe-se que não é qualquer caso que aceitará a prática da eutanásia, ou do suicídio assistido, sem que o médico seja punido.
5.3 Bélgica
Assim como a Holanda, a Bélgica também legalizou a eutanásia no ano de 2002. Porém, a legislação belga é mais restritiva que a holandesa.
A lei que autoriza a eutanásia na Bélgica, em seu artigo 6°, criou a Comissão Federal de Controle e Avaliação, composta por 16 membros, cuja função é fiscalizar todos os casos de eutanásia no país.
Em 13 de fevereiro de 2014 o Parlamento Belga aprovou uma lei que permite a eutanásia para menores, não fixando limite mínimo de idade.
5.4 Estados Unidos
A eutanásia não é legalizada nos Estado Unidos.
Ronald Dworkin (2003, p. 252) fala sobre o interessante método utilizado nos Estados Unidos:
Hoje, todos os estados americanos reconhecem alguma forma de diretriz antecipada: ou os “testamentos de vida” (documentos nos quais se estipula que certos procedimentos médicos não devem ser utilizados para manter o signatário vivo em circunstâncias específicas) ou as “procurações para a tomada de decisões em questões médicas” (documentos que indicam outras pessoas para tomar decisões de morte em nome do signatário quando este já não tiver condições de toma-las).
A norte-americana Nancy Cruzan, em 1983, sofreu um acidente automobilístico quando trafegava pelo estado do Missouri. Após o acidente, Nancy foi encontrada sem sinal de respiração e batimento cardíaco. A equipe de emergência conseguiu recuperar sua respiração e seu batimento cardíaco, levando-a para um hospital. Após três semanas em coma, seu quadro evoluiu para uma condição de inconsciência. Recebendo alimentação por uma sonda e após as experiências fracassadas de tentativa de recuperação, os pais de Nancy, juntamente com seu esposo, requereram ao hospital a suspensão dos processos de hidratação e nutrição. Tal pedido foi negado pelo hospital e pelos médicos. Em 1989 os pais de Nancy recorreram à justiça para conseguir a autorização requerida ao hospital. O tribunal do Missouri, em 1990, determinou que o hospital acatasse o pedido da família. A referida decisão teve como base os seguintes argumentos: o diagnóstico (confirmado dano cerebral irreversível e permanente); a previsão legal (a legislação do estado do Missouri admite que um indivíduo, no estado de Nancy, pode abdicar ou requerer a retirada de procedimentos que prolonguem a morte); manifestação prévia de vontade do paciente (Nancy, aos vinte anos, conversando seriamente com uma amiga, tinha manifestado o desejo de que não gostaria de ser mantida viva caso estivesse muito doente). A família de Nancy Cruzan escreveu em sua lápide: “Nascida em 20 de julho de 1957. Partiu em 11 de janeiro de 1983. Em paz desde 26 de dezembro de 1990”[21].
A Suprema Corte dos Estados Unidos entende que o tema deve ser disciplinado em âmbito estadual, sendo Oregon o único estado que permite o suicídio assistido.
5.5 Espanha
A Espanha não permite a eutanásia ou o suicídio assistido (artigo 143.4 do código penal espanhol).
Em 2010, o Parlamento da Andaluzia, em Sevilla, aprovou uma lei permitindo que o paciente em estado terminal possa recusar sujeitar-se a um tratamento que prolongue, artificialmente, sua vida[22]. Percebe-se que não se trata da legalização da eutanásia, mas sim da ortotanásia (morte natural).
Um caso mundialmente conhecido é o do espanhol Ramón Sampedro. Tetraplégico desde seus 26 anos de idade, requereu durante cinco anos à justiça espanhola o direito de morrer, sendo negado seu pedido, pois caracterizaria o crime de homicídio. Com ajuda de seus amigos, Ramón planejou sua morte e, em 15 de janeiro de 1998, foi encontrado morto. Nos últimos minutos de vida, gravou um vídeo no qual aparece ao lado de um copo com um canudo a seu alcance. A morte veio após a ingestão do conteúdo do copo, onde havia cianeto de potássio. O caso teve uma repercussão mundial e, em 2003, foi lançado o filme Mar Adentro relatando a vida e morte de Ramón Sampedro[23].
6. POSICIONAMENTOS SOBRE A EUTANÁSIA
6.1 Posicionamentos Favoráveis
Os que defendem a eutanásia pregam que esta seja um caminho para aliviar a dor e o sofrimento de um paciente em estado terminal. Os argumentos mais utilizados para a sua defesa são:
- Constituição Federal: Artigo 1º, inciso III[24]; artigo 5º, inciso III[25];
- Código Civil: artigo 15[26];
- Pacto de San José da Costa Rica: artigo 4°[27];
- Direito a uma morte digna como desdobramento da dignidade da pessoa humana;
- A ineficácia dos tratamentos realizados;
- A liberdade e a autodeterminação;
- Vontade do enfermo;
- Doença incurável;
- Sofrimento insuportável.
Marcio Sampaio Mesquita Martins discorre sobre a eutanásia:
A morte digna elimina a dimensão material-normativa do tipo (tipicidade material), pois a morte, neste caso, não é desarrazoada ou reprovável. Não existe, como dito, resultado jurídico negativo. O bem jurídico vida é ponderado em face de outros valores constitucionais igualmente básicos, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição), a liberdade e a autodeterminação (art. 5º). É certo que o próprio artigo 5º da Constituição assegura a inviolabilidade da vida, mas não existem direitos absolutos. A própria Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) diz que: ninguém pode ser privado da vida “arbitrariamente” (art. 4º). O que se quer dizer é que a morte deve ser punida se for arbitrária, abusiva, desarrazoada. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em resultado jurídico negativo. Ao contrário, trata-se de resultado aceitável.[28]
Evandro Correia de Menezes, favorável à eutanásia, diz que “não nos basta o perdão judicial: queremos que a lei declare expressamente a admissão da eutanásia, que não seria um crime, mas, pelo contrário, um dever da humanidade” (1977, p. 118). Ainda nesse pensamento favorável, ensina Menezes (1977, p. 128-9):
A dor humana deve ser suportada, estoicamente, até um certo limite e quando ainda restar um leve raio de luz, que seja, da esperança e valer a pena ser combatida. Mas quando a morte já se avizinha e domina, vitoriosamente, o campo da batalha, e as forças de resistência começam a fraquejar, inevitavelmente, para que prolongar-se sem utilidade, mais, o suplício, quando as tenazes ferozes apertam as suas vítimas, que não podem conter seus gritos ou uivos de extremo desespero?... É aí que deve apresentar-se como o anjo salvador, a mão caridosa da medicina, prescrevendo o remédio sublime que fulmina a dor, proporcionando, como a sua última cura, a morte, suavemente, docemente, felizmente.
“Viver é um direito, não uma obrigação” (Ramón Sampedro, no filme Mar Adentro).
Muitos falam do direito a uma morte digna, que seria um desdobramento da dignidade da pessoa humana. O direito de morrer de forma digna tem como fundamento a manutenção da dignidade humana, uma vez que a vida já não proporciona tal dignidade, caso em que seria possível a prática da eutanásia.
6.2 Posicionamentos Contrários
Os que são contra a eutanásia utilizam vários argumentos: religiosos, éticos, políticos e sociais. Noronha entende que “não existe nem o direito de matar nem o de morrer, pois a vida tem função social” (1998, p. 23), segundo ele:
Bem sabemos que leis, como o Código uruguaio e o colombiano (arts. 37 e 364), admitem o perdão judicial para o homicídio compassivo. Não são exemplo a serem seguidos. Além do mais, se o móvel piedoso é excludente da pena no homicídio, por que não o será especificamente em todos os outros delitos, cujo objetivo jurídico não tem o valor da vida? (1998, p. 23).
Um dos argumentos contra a legalização da eutanásia é o que discorre sobre a possibilidade do abuso em tal prática, que poderia acarretar mortes precoces; sem consentimento; com objetivos financeiros (herança); por vinganças pessoais.
Luiz Flávio Borges D’urso afirma:
A vida é nosso bem maior, dádiva de Deus. Não pode ser suprimida por decisão de um médico ou de um familiar, qualquer que seja a circunstância, pois o que é incurável hoje, amanhã poderá não sê-lo e uma anomalia irreversível poderá ser reversível na próxima semana. Afinal, se a sociedade brasileira não aceita a pena de morte, é óbvio que esta mesma sociedade não aceita que se disponha da vida de um inocente, para poupar o sofrimento ou as despesas de seus parentes. Enquanto for crime a eutanásia, sua prática deve ser punida exemplarmente [29].
São inúmeros os argumentos contra a prática da eutanásia, os mais discutidos são:
a) existem tratamentos paliativos para alívio do sofrimento e da dor humana;
b) uma vez legalizada a eutanásia, poderia ocorrer uma forma abusiva de sua prática;
c) possibilidade de erro médico, o que levaria a mortes desnecessárias;
d) iria contra o juramento que o médico faz de não provocar danos no paciente;
e) a evolução constante da medicina;
f) os herdeiros do enfermo poderiam incentivar, com interesses financeiros, a prática da eutanásia;
g) enormes problemas com as diversas religiões que são contrárias à eutanásia.
CONCLUSÃO
Atualmente, a eutanásia consiste em viabilizar o resultado morte a um enfermo que sofra de doença incurável ou moléstia grave que lhe cause longo e penoso sofrimento. Por inspirar-se na compaixão pelo doente e pelo altruísmo de quem a pratica, não se propõe estritamente a causar a morte, mas amenizar e abreviar o sofrimento do moribundo.
Neste sentido, aceitar a morte é um processo que envolve acreditar que se pode morrer dignamente. É preciso que o indivíduo possa discernir sobre qual o momento em que já não é possível viver dignamente e a morte é o caminho mais digno a seguir.
Compreende-se que na verdade ocorre um conflito de princípios, onde a dignidade da pessoa humana, aliada à autonomia privada, sobrepõe-se à vida sem qualidade, fundada em tratamentos desumanos e degradantes, os quais são vedados pelo texto constitucional.
No âmbito da saúde, há um crescente desenvolvimento de estudos, pesquisas e instrumentos que auxiliam o profissional a promover o aperfeiçoamento de suas habilidades e capacitação no atendimento ao paciente fora de possibilidades terapêuticas. Esta produção científica torna-se uma ferramenta valorosa para a prática assistencial, beneficiando tanto os profissionais, quanto os pacientes e seus familiares. O enfermeiro que agrega os conhecimentos técnico-científicos de cuidado, a esse tipo de paciente, possibilita a viabilização da ortotanásia (o morrer na hora certa) e evita a eutanásia e a distanásia, que se tornam uma agressão à dignidade humana.
No caso da ortotanásia, não há dolo de lesão ou perigo à vida, ao contrário, pretende-se preservar a dignidade humana de quem está em estado precário de saúde, sem perspectivas de cura e tomado pelo sofrimento.
Em tese, não haveria necessidade de qualquer alteração na legislação, pois os direitos à liberdade e à dignidade humana estão previstos na Constituição Federal e devem ser aplicados na interpretação do Código Penal. No entanto, a previsão expressa em lei considerando a ortotanásia como fato atípico colocaria fim nas discussões a respeito de sua permissão.
É fundamental dar aos doentes incuráveis uma morte digna.
É imperativo que a pessoa disponha de uma qualidade de vida, tanto na saúde, como no leito de um hospital, podendo recusar-se à tratamentos que só fazem prolongar seu sofrimento e suas agonias, levando-o a existir indignamente.
Morrer é universal e a morte deveria ser um tempo de paz. Os cuidados ao final da vida têm como princípio privilegiar a vida e contemplar a morte como processo natural, sem tentar precipitar nem atrasar o seu momento.
Pela a legislação brasileira a eutanásia (ativa ou passiva) é enquadrada no crime de homicídio privilegiado (caso seja reconhecido o relevante valor moral). São vários os argumentos favoráveis à sua prática, contudo, os argumentos que a repudiam prevalecem.
A realidade fática que circunda a criminalidade, e o aumento da mesma, tem demonstrado que o advento da eutanásia poderia ser mais um subterfúgio para a prática de crime.
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