RESUMO
O presente artigo apresenta a questão da menoridade penal no país e suas influencias internacionais, apresentando o conceito e o movimento histórico do tema no Brasil, a fim de apontar a situação de crianças e jovens que a décadas são protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Desde a chegada do Imperador no pais foram notados esforços jurídicos para criarem leis especificas no tratamento de crianças menores e indefesas, culminando no ECA como um estatuto reconhecido mundialmente por sua imensa destreza no tratamento com jovens em situação irregular. São inúmeras as formas apresentadas no estatuto para reeducar o jovem infrator ou em situação irregular para que o mesmo se adéqüe a sociedade que o cerca, propiciando condições dignas para sua formação psicológica e social. Nesse parâmetro o estudo levantou a questão da redução da menoridade penal do pais como fato agravante a condição do menor e atentado aos direitos individuais garantidos como imutáveis pela constituição de 88. No primeiro capitulo foi levantada a síntese histórica da menoridade do pais. Já no segundo foram apontadas as políticas sociais do menor e as medidas socioeducativas que o jovem infrator é encaminhado. Por fim, o terceiro capítulo apresenta os aspectos legais, com enfoque jurídico que torna inviável a redução da menoridade penal.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Menoridade Penal. Medidas Socioeducativas.
ABSTRACT
This article presents the question of criminal minority in the country and its international influence, introducing the concept and the historical movement theme in Brazil in order to point out the situation of children and young people who for decades are protected by the Statute of Children and Adolescents . Since the arrival of the Emperor in the country were noted legal efforts to create specific laws to treat smaller and helpless children, culminating in the ACE status as a world-renowned for his immense skill in treating with young undocumented. There are innumerable ways presented in status to re-educate the young offender or undocumented, so that it fits the society that surrounds it, providing decent conditions for their psychological and social training. In this parameter the study raised the question of reducing the criminal minority of parents as fact aggravating the child's condition and violation of individual rights guaranteed by the constitution as immutable 88. In the first chapter was lifted historical overview of the minority of parents. In the second were they point the social policies of the smallest and educational measures that the young offender is forwarded. Finally, the third chapter presents the legal aspects, legal approach that makes it impossible to reduce the criminal minority.
Keywords: Statute of Children and Adolescents. Criminal minority. Socio-Educational Measures.
1 INTRODUÇÃO
Assunto de debate no mundo todo, a menoridade penal apresenta opiniões distintas em todas as vertentes da sociedade, dividindo juristas, políticos, religiosos e sociedade civil como um todo, muito em decorrência de fatos isolados e evidenciados na mídia como corriqueiros, trazendo a tona um clamor popular por medidas imediatistas.
No Brasil o cuidado com jovens em situação irregular é histórico e amplamente discutido com ações concisas e importantes, servindo de parâmetro internacional. Todas as particularidades estão presentes num conjunto de normas e diretrizes elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que rege as ações jurídicas e cíveis sobre menores de 18 anos em todo âmbito nacional.
Esse estudo visa apresentar a relevância do trabalho feito com base no ECA no pais e mostrar elementos que garantam a condição constitucional presente no pais hoje. Tal assunto é relevante pela intensa massificação de reportagens, matérias, artigos que discorrem sobre a redução da menoridade como medida afirmativa de redução da violência praticada esporadicamente por jovens e que, caso tal arbitrariedade fosse realidade, teriam tratamento igual a adultos no sistema criminal brasileiro.
O estudo que se divide em três partes projeta em primeiro momento a síntese histórica da menoridade no pais desde a chegada do Imperador até a criação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo); apresenta de forma sistemática as medidas socioeducativas que os jovens infratores são submetidos sobre cobertura do ECA e, por fim; apresenta argumentos legais baseados na Carta Magna que apontam a contrariedade ao acontecimento de tal ato em território nacional.
2 SINTESE HISTÓRICA DA MENORIDADE NO BRASIL
Quando Dom João VI chega ao Brasil, estavam em vigência as Ordenações Filipinas ,que vigoraram até 1830. Nesse período, jovens e adolescentes eram punidos severamente, tendo diferenças e atenuantes somente entre as idades, sendo possível que um jovem de 17 anos fosse punido com sua morte. (COSTA, 2004)
A partir de 1830, com o código penal do império, fora atribuída a primeira regulamentação quanto a atividades correlatas ao menor, baseando-se primordialmente na premissa do critério de discernimento, em que todas as pessoas eram tidas como aptas a penas e sanções da eventualidade de seus ator e comportamentos. Aos menores de quatorze anos só era destituída a responsabilidade penal do ato se não houvesse provas suficientes para inocentá-los no entendimento do ente julgador. (CURY, 2002)
Sem uma legislação própria, algumas normas conciliavam a menoridade e a punição, criando o entendimento claro de que o menor só tinha relevância diante de ato infracional. Isso fica claro no relato de Rizzini (2002, p.14):
Interessante é que a primeira referência aparece na forma de um Aviso (N.190),em 1852, através do qual o Ministério dos Negócios da Justiça do Rio de Janeiro declara ao Presidente da Província de São Paulo, em resposta a uma solicitação sua, que as disposições do Código Criminal são “também aplicáveis aos escravos menores”.
A partir desses relatos fica evidenciado que o único entendimento jurídico a época quanto a questão da criança e do adolescente se facultava ao ato infracional, devido a inexistência de leis para relativo publico ou a prevenção de crimes pelos supracitados. Em tal cenário era de decisão do Juiz decidir as medidas aplicáveis, e em caso de punição ao menor, o mesmo era levado a cárcere, não havendo separação dos adultos, devido a falta de lei referente a distinção de tratamento entre os mesmos. Aos menores com idade entre quatorze e dezessete anos estabelecia a pena de cumplicidade com equivalência de dois terços da pena total de um adulto. Aos maiores de dezessete e menores que vinte e um anos eram beneficiados com atenuante pela menoridade. (COSTA, 2004)
A normativa menor começa a ser usada de forma freqüente e corriqueira a partir do final do século XIX, mas apresenta sentido distinto do que apresenta hoje, onde era apresentado com sentido referente a indicativo de situação de abandono e marginalidade das crianças e adolescentes da época, sendo incorporado ao vocabulário jurídico brasileiro de forma informal. (LONDOÑO, 1991)
Em termos históricos, esta lei pode ser considerada como um grande avanço, pois até então vigoravam as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas punitivas foram abolidas por serem consideradas bárbaras. Antes de 1830, crianças e jovens eram severamente punidos, sem maior discriminação em relação aos delinqüentes adultos... (RIZZINI, 2002 p. 9 ).
O artigo 10 do referido Código estabelecia responsabilidade penal para o maior de 14 anos, nos seguintes termos:
[...] se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos às Casas de Correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de dezessete anos (Lei de 16 de dezembro de 1830) (RIZZINI, 2002, p. 11).
Em uma leitura própria das circunstâncias que tomavam o pais, juristas brasileiros identificam o termo menor nas crianças pobres das cidades e que ainda sobre o agravante de estarem sem tutela de seus pais eram adjetivadas como abandonadas. Desse modo o termo menor abandonado era atribuído as crianças que freqüentavam as áreas centrais das cidades. No decorrer desse povoamento e diante da extrema pobreza, os menores em questão são induzidos a cometer crimes como pequenos saques, vindo a serem presos e levados as cadeias da época, sendo presos como adultos. Segundo Liberati (2003, p.50), “Duas eram as categorias de menores: os abandonados (vadios, mendigos e libertinos) e os delinqüentes, independente da idade que tinham desde que fosse inferior a 18 anos”.
Assim, pode-se afirmar que o termo menor, primeiramente era atribuído a um aspecto diminuto, ou seja, servia de comparação entre crianças pobres e/ou da rua e mais expostas a vulnerabilidade social em relação as crianças e adolescentes de famílias consideradas economicamente estáveis. Já em 1985 era consenso entre juristas, mídia e população em geral que a falta de educação para aprimoramento técnico e cientifico das crianças, alem da carência de afeto, poderia se tornar fator preponderante para criar uma personalidade perigosa e nociva aos menores abandonados.
A primeira lei que tentava estabelecer uma idade mínima para o trabalho infantil foi cruelmente abolida por ser um ferimento aos interesses burgueses, o que impediu até mesmo sua regulamentação. O texto da lei, de 1891 geria até mesmo o numero máximo que o menor poderia se dedicar ao trabalho. A ideologia central da época tinha um cunho paternalista e apostava na caridade como resposta aos problemas sociais. (LONDOÑO, 1991)
Em meio a um cenário de instabilidade política e de veemente critica a oposição a legislação social, os primeiro 20 anos de república no Brasil foram marcados por escassez de legislação que visasse problemas pontuais como a mortalidade infantil e a falta de instrumentação legal de proteção a infância. Mas foi a partir de iniciativas pioneiras e por meio de pressão de higienistas, corpo jurídico, moralistas e baixo clero que fora articulada uma ação sistêmica público-privada, regrada pelo Oficio Geral de Assistência, que embora fosse de cunho clientelista com diversas ajudas ao setor privado, estabelece várias medidas a questão do menor, como uma ala especifica a higiene infantil dentro do departamento nacional de saúde publico; explicitamente impulsionada pela a ação dos higienistas, e o juizado de menores; medida jurista, que instituía leis específicas, ações distintas do restante da população e tribunal própria, criando o legado da primeira aparição do Estado na questão reguladora dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. (FALEIROS, 1995)
Também parti da ação dos higienistas ações de controle de raça e manutenção da raça, que se estabelece principalmente a partir de 1903, com a fundação da Escola Correcional 15 de novembro, que tinha como objetivo a educação para o trabalho enfatizando o trabalho doméstico, numa clara e notória medida opressora de domínio dos entes dissidentes a espontaneidade do trabalho. O Estado angaria apoio graças a sua ação de repressão a desordem, sendo apoiado pelo policiamento do Rio de Janeiro. Em 1908 é fundado o Patronato de Menores para acolhimento e atendimento ao menor em abandono, num conjunto de seis prédios, sendo quatro administrados por clérigos. O patronato é outra ação do esforço conjunto de juristas, advogados, desembargadores e das iniciativas públicos e privadas. (FALEIROS, 1995)
As mudanças sociais começam a se intensificar decorrente da conjuntura de guerra e pós-guerra (1914 a 1928), como também em decorrência da grave crise econômica que se alastrava pelo mundo em 1912, criando um fervor social efusivo. O avanço a “passos largos” da Coluna Prestes, o surgimento do Partido Comunista (1922) e do Partido Democrático de São Paulo (1926) tornam-se as principais vertentes da ideologia heróica do inicio do século na busca de melhorias sociais conjuntas. Nesse mesmo período o Tratado de Versailles estabelece a discussão mundial da relação entre capital e legislação trabalhista. (FALEIROS, 1995; COSTA, 2004)
Embora o movimento social sofresse forte repressão por parte do Estado na tentativa escancarada de proteger os interesses da classe dominante, se vê forçado a ceder gradativamente, e, num primeiro instante, introduz medidas mínimas a legislação social, sendo as principais a lei de acidentes de trabalho em 1919 e projetos de uma caixa de previdência social para os ferroviários. (RIZZINI, 2002)
Embora a época os adolescentes fossem fortemente utilizados nas indústrias e comércios os mesmos, que cumpriam jornadas similares aos adultos, recebiam menores salários. Mas é nesse panorama que em 1920 realiza-se o primeiro congresso brasileiro de proteção a infância, instituindo de forma sistêmica a agenda de proteção social, integrando a lei orçamentária 4.242 de 1921, que fica a cargo do professor, juiz e ex-deputado José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, em um cominado de medidas de assistência e repressão através de um serviço de proteção aos menores. Já em 1923 o decreto presidencial 16.272 aprova e regulamenta a assistência aos menores abandonados e deliquentes, que evidencia a tentativa do Estado de proteger não só o menor como a sociedade do mal que vinha a se criar por parte do menor abandonado e do deliquente. (FALEIROS, 1995; RIZZINI, 2002)
A lei só tem sua aplicação definitiva por meio do Código de Menores, no decreto 17.934-a, de 12 de outubro de 1927. O presidente a época, Washington Luís promulga a lei que estabelece proteção legal aos menores de 18 anos e insere a criança na esfera de direito e tutela do Estado.
Segundo Faleiros (1995, p. 63):
O Código de 1927 incorpora tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo como a visão jurídica repressiva e moralista. Prevê a vigilância da saúde da criança, dos lactantes, das nutrizes, e estabelece a inspeção médica da higiene. No sentido de intervir no abandono físico e moral das crianças, o pátrio poder pode ser suspenso ou perdido por faltas dos pais. Os abandonados têm a possibilidade (não o direito formal) de guarda, de serem entregues sob a forma de “soldada”, de vigilância e educação, determinadas por parte das autoridades, que velarão também por sua moral. O encaminhamento pode ser feito à família, as instituições públicas ou particulares que poderão receber a delegação do pátrio poder. A família é, ainda que parcialmente, valorizada.
Dentre os principais avanços quanto a questão da menoridade, o Código de 1927 institui a inimputabilidade penal dos menores de 13 anos, 11 meses e 29 dias. Entre os de 14 a 18 fora mantida a repreensão e internação decorrente da presença de vadiagem, todavia o mesmo, agora, era submetido a um processo especial e sem ligação com o processo penal comum. Outro avanço diz respeito a instituição da liberdade assistida, assim como a proibição do trabalho aos menores de 12 anos, a condicionalidade do trabalho aos menores de 14 e a proibição de atividade noturna ou perigosa aos menores de 18 anos. (FALEIROS, 1995; RIZZINI, 2002; COSTA, 2004)
Com a criação do Juízo Privativo de Menores e Conselho de Assistência e Proteção a Menores fica evidenciado o aspecto paternalista das leis da época, onde o Juiz tomará suas decisões de julgo baseadas na boa índole ou não da criança, compactuando para decisões subjuntivas e unilateralistas, ferindo princípios de equidade da justiça, garantindo assim a preservação dos interesses das classes dominantes, categorizando aspectos excludentes no julgamento e criando benefícios claros aos interesses do Estado e da burguesia sem condicionalidades prescritas e imutáveis. (FALEIROS, 1995)
Em 1932, já no governo de Getulio Vargas, mediante pressão da indústria há alteração da idade mínima para que a criança possa trabalhar de 14 para 13 anos e a regulamentação da jornada de trabalho em oito horas por dia com a possibilidade de mais duas horas extras mediante pagamento extra. Todavia, em 1934, a constituição brasileira determina 14 anos como idade mínima para o trabalho. Como medida legal do governo, é instituído em 1942 o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), para aprimorar e qualificar a mão de obra infantil e possibilitando inseri-lo de forma condizente as atividades do mercado. (FALEIROS, 1995; RIZZINI, 2002)
O Governo Federal estabelece um sistema nacional de atenção aos “menores” através do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, o Departamento Nacional da Criança em 1940, o Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM) em 1941 e a Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1942. Com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, fica instituída a liberação do trabalho livre de carteira assinada aos menores por até um ano, diante de autorização do juiz. Aproximadamente um ano depois do estabelecimento do Código Penal, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), através do Decreto Lei nº 3.799. Tratava-se de um órgão do Ministério da Justiça que funcionava como um equivalente do Sistema Penitenciário, mas para a população menor de idade. O SAM foi o embrião do que mais tarde seria a FUNABEM, berço de todas as FEBEMs. (FALEIROS, 1995; OLIVEIRA & SÁ, 2008)
Ainda emboçado na figura paternalista e patriarcal do Estado, a personificação jurídica do menor fica a cabo do Juiz. Adiante, com a criação da Delegacia de Menores com forte ação e enfrentamento de jovens perambulantes condicionados ou considerados suspeitos era feito sem regra especifica, sendo o julgo de valor do agente em operação como ordem final, marcando a personalidade da política assistencial da época. O abandono era a principal vertente atendida no juizado, totalizando um total de cinqüenta e nove casos em cada cem atendidos. Ainda no governo Vargas fora criado o Departamento Nacional da Criança (DNCr) que era enraizado no ideal higienista e de preservação da raça, fornecendo remédios e atentando-se a higiene e ao trabalho doméstico. (FALEIROS, 1995)
No período de 1955 a 1964, conhecido como período democrático-populista, ou também período pós-Vargas, que compreendeu os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, ficou caracterizada a manutenção das estratégias de controle e instituição da ordem através do Juizado de Menores e pela pratica de internação dos menores a fim de sanar questões que envolvam o menor em abandono ou miséria. Na constituição de 1946 continua salientado que o trabalho para menores de quatorze anos é expressamente proibido. (LIBERATTI, 2003)
Envolto de criticas de todos os âmbitos da sociedade, do qual se incluem a igreja católica, por meio da ASA (Ação Social Arquidiocesana), a imprensa e o parlamento, o SAM fica conhecido como fabrica de marginais e escola do crime, sendo considerado incapaz de readaptar ou reeducar o jovem internado para que o mesmo volte à sociedade de forma digna, o que força o presidente Juscelino Kubitschek a redigir texto para criação do Conselho Nacional de Menores que, consequentemente extinguiria o SAM. A idéia co-elaborada pelo SAM tinha forte apego da igreja católica, todavia o mesmo acaba não sendo regulamentado e o SAM só se extingue após o golpe militar de 1964. (FALEIROS, 1995)
A partir de 1964, com a queda de João Goulart e o golpe militar por parte das forças armadas, o congresso nacional institui em 01 de novembro de 1964 a instituição do FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, órgão substituidor do SAM e que visa promover a integração do menor na sociedade, integralizando família ao menor de cunho natural ou substitutiva na falta da primeira. As mudanças com o Regime Militar buscam o controle social e redução gradativa das ameaças do publico alvo da FUNABEM e também promovia a reciprocidade do Estado para com entidades privadas que mais atendessem menores atendidos em troca de maior volume de verbas publicas. (AZAMBUJA, 2007)
O sistema, denominação da política e do conjunto de ações de repressão, caracterizados por terror e tortura, começa a fazer parte de todas as ações do governo, não excludente, então, as crianças, que passam a ser controladas e vigiadas para que sua reintegração seja em acordo com o plano nacional elaborado pelos tecnocratas. (AZAMBUJA, 2007)
A Constituição de 1967 estabelece para 12 anos a idade mínima para o trabalho precoce. As empresas são obrigadas a ministrarem aprendizagem aos trabalhadores, e “as leis garantem ao aprendiz um salário nunca inferior a maio salário mínimo regional na primeira metade da jornada e apenas 2/3 de salário mínimo se faz jornada inteira” (FALEIROS, 1995, p. 82).
Em 10 de outubro de 1979 foi promulgado o novo Código de Menores no Brasil; que se constituiu numa revisão do Código de Menores de 1927, não rompendo, no entanto, com sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil, quando surge a doutrina da situação irregular. Nesse pensamento, é compreendida a privação dos direitos fundamentai básicos essenciais a subsistência. A ideologia reconhece o menor como sujeito de direito quando em estado de patologia social, denominada legalmente. O novo Código se caracteriza por não fazer distinção ou separação entre o menor abandonado e o menor delinquente, pois abriga a ideia de que, na condição de menor em situação irregular, enquadra-se tanto os infratores quanto os carentes, questão não prevista no Código de Menores anterior (AZAMBUJA, 2007)
O código estabeleceu que o menor de dezoito anos e maior que quatorze praticante de ato infracional seria submetido a apuração de sua prática, mais uma vez condicionada ao arbítrio do juiz determinado em acordo com a medida prevista no código de menores. O menor de quatorze anos não responderia sobre nenhuma hipótese as medidas referidas, todavia seria encaminhada a internação por se enquadrar na denominada “situação irregular”. Tantos os infratores menores de quatorze anos quanto os vitimas da sociedade ou da família eram internados, sem determinação de tempo, nos institutos fundados pela ditadura. (SARAIVA, 2005)
Sobre a doutrina de situação irregular e ao tratamento dado ao menor no novo código, Saraiva (2005, p.48) elenca algumas características:
1. As crianças e os adolescentes são considerados “incapazes”, objetos de proteção, da tutela do Estado e não sujeitos de direitos;
2. Estabelece-se uma nítida distinção entre crianças e os adolescentes das classes ricas e os que se encontram em situação considerada “irregular”, “em perigo moral ou material”;
3. Aparece a ideia de proteção da lei aos menores, vistos como “incapazes”, sendo que no mais das vezes esta proteção viola direitos;
4. O menor é considerado incapaz, por isso sua opinião é irrelevante;
5. O juiz de menores deve ocupar-se não só das questões jurisdicionais, mas também de questões relacionadas à falta de políticas públicas. Há uma centralização do atendimento;
6. Não se distinguem entre infratores e pessoas necessitadas de proteção, surgindo a categoria de “menor abandonado e delinquente juvenil”.
7. As crianças e os adolescentes são privados de sua liberdade no sistema da FEBEM, por tempo indeterminado, sem nenhuma garantia processual.
Esse período caracteriza por atenuante das discrepâncias sociais entre crianças pobres e ricas, no que os menores acolhidos são inseridos em cenário de horror e abandono da infância pela falta de reeducação e a presença do terror psicológico como arma educadora, não separando infratores dos órfãos a abandonados socialmente.
Enquanto o Brasil se vangloriava da Doutrina da Situação Irregular, no mundo a ONU (Organização das Nações Unidas) estabelecia que 1979 seria o Ano Internacional da Criança. Esses foram os passos norteadores do que se tornaria anos mais tarde na Doutrina de Proteção Integral. (VOLPI, 2006)
Em 1984, no chamado período de redemocratização do Brasil, em que o povo brasileiro vai as ruas para lutar contra a ditadura militar, é aprovada a Lei nº 7.209, datada de 11 de julho, que reforma o código penal de 1940, em que a grande mudança diz respeito a dignidade da criança, que tem o termo menor irresponsável transferido para menor inimputável. (LONDOÑO, 1991; FALEIROS, 1995)
Em meio às reivindicações que tomavam conta do Brasil por liberdade, saúde, educação, segurança e uma nova constituição, os direitos das crianças e dos adolescentes não foram esquecidos. As mais importantes organizações a época eram o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, criado em 1983 por intermédio da iniciativa de um grupo vinculado à Pastoral do Menor, que reunia as igrejas Metodista, Presbiteriana Independente e Católica Romana; a Pastoral do Menor; criada em 1977 a partir da “preocupação pela situação das crianças e adolescentes em situação de risco consistiu em intuições proféticas espalhadas pelo Brasil; entidades de direitos humanos e ONGs que apresentavam emendas para a defesa dos direitos dos mesmos. Desta forma, mediante forte clamor popular, a constituição de 1988 trás em seu texto, nos artigos 227 e 228 resoluções quanto aos direitos das crianças e adolescentes, como a inimputabilidade definida como 18 anos e a proibição do trabalho infantil para menores de 14 anos, condicionando a doze para as atividades em que se caracterize atividade como aprendiz, mediante avaliação judicial. (FALEIROS, 1995)
Sendo assim, dez anos após o Ano Internacional da Criança, foi realizada a Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, aprovada pelo Decreto Legislativo nº28, de 14 de setembro de 1990. O Brasil, mediante situação calorosa e fervor político diante da democracia novamente instaurada, passa a ser o primeiro pais a adequar-se a legislação ás normas da convenção, unindo o texto da mesma a sua constituição. (SOUZA, 2010) A convenção supra enraizou na política brasileira da criança e do adolescente a Doutrina da Proteção Integral, adotada por completo na Constituição Federal de 1988, principalmente no texto dos artigos seguintes:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Alterado pela EC-000.065-2010)
Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. (BRASIL, 1988)
O aceitamento das esferas políticas da Doutrina da Proteção Integral trouxe para o Brasil um panorama único e inovador, que estabelece a criança e o jovem como sujeitos de direito e garantias fundamentais, com prioridade absoluta e cuidados e proteção especiais. Nessa perspectiva, esse direito garantido passa a ser uma questão global, de responsabilidade conjunta da família, comunidade e do estado. (SARAIVA, 1999)
É importante realçar que a referida convenção da ONU sobre os direitos da criança e do adolescente visa reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, como também na dignidade e valor do ser humano, fazendo uma analogia ao texto redigido na declaração universal dos direitos humanos que proclamam a infância como possuidora de direito e cuidados e assistência especial. Nesse âmbito, ressalta-se a família como grupo essencial a condição de crescimento e desenvolvimento digno do menor. E atribui ao Estado a responsabilidade de proteção e assistência para que o menor cresça e integre a sociedade como ente responsável, digno e justo. Norteiam esse âmbito familiar como um berço de compreensão, felicidade e amor. (MOTTA, 2004)
Desta forma, para poder consolidar as diretrizes da Carta Magna no que tange aos direitos fundamentais na infância e juventude, foi promulgado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, os menores de 18 anos de idade, considerados penalmente inimputáveis, ganharam seu próprio documento legal, que regulamentou todos os seus direitos, seguindo as teorias da Proteção Integral, buscando dar efetividade à norma constitucional. (SARAIVA, 2005)
Embora a legislação própria traga mais legalidade ao período posterior a promulgação, seu caráter punitivo não foi esquecido e sim reformado. A questão que quaisquer que sejam os meios de legislação pertinente a infância e juventude, seu caráter será sempre punitivo ao invés de sócio-educativo, atendo os apelos midiáticos e plenamente explicados pelo comportamento tipicamente da sociedade capitalista que exerce o controle das classes via repressão, evidenciando características de exclusão e desigualdade entre as classes. Em uma sociedade conservadora e enraizada em atitudes opressoras, tanto aqueles que oprimem quanto os oprimidos carregam com si essa herança histórica, exigindo punição a qualquer custo com resolução imediata de todos os problemas. Isso exime de culpa a violência urbana, a falta de estrutura, segurança, educação, não responsabilizando o governo de políticas mais rígidas de prevenção ao crime. (MOREIRA, 2011)
Sendo assim, o próximo capitulo terá o intuito de apresentar às medidas socioeducativas diretamente ligadas a infância e juventude brasileira e que servem como resposta direta a ideologia de redução da maioridade penal.
3 POLÍTICAS E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL
A medida socieducativa é vista com responsabilidade do Estado e deve ser adepta da política pedagógica do ECA, que enxerga o adolescente como o mesmo é, sujeito em desenvolvimento de caráter, corpo, moral e mente. Serve como fator de prevenção, determinando o futuro do jovem criminoso, evidenciando um antes e um depois na vida do individuo e impedindo um futuro caótico ao mesmo. A individualização da medida se faz necessária para que atinja o grau de complicação que o jovem se encontra com a sociedade e com ele mesmo. Deve atingir todo o entorno de sua dimensão como ser humano, inserindo família, escola, comunidade ao processo socioeducativo. Em linhas gerais, deve fortalecer os elos familiares, inserir o mesmo na vida escolar de forma realizadora, o despertando para cidadania e criando uma postura solidaria, afetuosa, honesta e com preceitos baseados no respeito ao próximo. Todos os órgãos da sociedade devem estar inseridos nessas medidas, tanto a comunidade quanto o Estado devem se empenhar para evitar que esse jovem tenha um futuro caótico como tantos outros. Todo aquele que se preocupa com o eminente movimento de deliquência juvenil deve se esforçar para que essas alternativas a lei funcionem.
Sobre a questão da inclusão de todos os esforços na busca da ressocialização do jovem, Junior e Grau (2006) comentam:
O ECA permite, ainda, uma ampla participação da sociedade civil na reeducação dos jovens em conflito com a lei. Experiências bem-sucedidas realizadas em diversos pontos do país demonstram claramente que uma aplicação correta das medidas sócio-educativas, feita em conjunto com os familiares do menor, com a comunidade e com organizações não-governamentais, resulta em redução significativa da criminalidade juvenil. Tanto é assim que o índice de reincidência dos adolescentes submetidos a medidas sócio-educativas (incluindo a internação em estabelecimento como a FEBEM) perfaz 7,5 (sete e meio por cento), enquanto no sistema carcerário, 47% (quarenta e sete por cento) de todos os egressos voltam a delinqüir.
Tais medidas têm por objetivo inibir a reincidência de atos infracionais entre os menores, com cunho pedagógico e educativo, e são discorridas no artigo 112 do ECA. A natureza das medidas são puramente institucionais ou corretivas, variando entre a advertência; obrigação de reparar o dano, prestação de serviços a comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional. Não é facultativo ao menor escolher o tipo de medida ou condicionado a sua escolha, pois a sanção possui caráter impositivo. Se recusada ou não cumprida, por meio de ação ou omissão do menor, será punido mediante aplicação de medida cabível ou necessária. A responsabilidade da União, Estados e Municípios estão dispostas no Quadro 1.
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS |
UNIÃO |
ESTADOS |
MUNICIPIOS |
ADVERTÊNCIA |
Legisla e Normatiza |
Legisla supletivamente, normatiza e executa por meio do poder judiciário |
Normatiza |
OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO |
|||
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE |
Legisla, normatiza e financia |
Legisla supletivamente, normatiza, executa subsidiariamente ao Município e; fiscaliza por meio do poder judiciário. |
Normatiza, financia e executa, podendo haver participação de ONG's |
LIBERDADE ASSISTIDA |
|||
SEMILIBERDADE |
Legisla supletivamente, normatiza, executa subsidiariamente ao Município e; fiscaliza por meio do poder judiciário. |
Normatiza e executa em co-gestão com o Estado |
|
INTERNAÇÃO |
QUADRO 1 - Demonstrativo ideal das atribuições dos órgãos e esferas do Poder Público com referência às medidas socioeducativas
FONTE: BRASIL (2006), adaptado
Embora inseridas nos padrões legais de nossa legislação e suas responsabilidades distribuídas entre as esferas do poder, não há comprometimento real dos três poderes em maximizar e aperfeiçoar a aplicação das medidas de forma que sanem realmente o problema da delinqüência juvenil.
As medidas socioeducativas podem ser descritas como um conjunto de ações integradas de proteção a criança e ao adolescente, prevista no ECA e explicada abaixo:
Deve-se sempre ter presente que as políticas públicas destinadas à infância e adolescência podem ser agrupadas em três segmentos distintos:
1. Políticas Sociais Básicas, definidas no artigo 4º do ECA (saúde, alimentação, habitação, educação, esporte, lazer, profissionalização e cultura);
2. Políticas de Proteção Especial, conforme os artigos 101, 129, 23 - parágrafo único e artigo 34 do ECA (orientação, apoio e acompanhamento temporários, regresso escolar, apoio sócio-familiar e manutenção de vínculo, necessidades especiais de saúde, atendimento a vítimas de maus tratos, tratamento de drogadição, renda mínima familiar, guarda subsidiada e abrigo);
3. Políticas Socioeducativas [...], descritas a partir do artigo 112 do Estatuto (Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Semiliberdade e Internação). (BRASIL, 2006)
Entende-se que as medidas socioeducativas consistem em ação subsidiária as demais políticas previstas no ECA, já que objetivam diminuir a vulnerabilidade do meliante, evitando que o mesmo volte a praticar tal ato infracional, legitimando as ações do poder público.
Todavia, nota-se que somente após a aprovação do SINASE em 2006 que se estabeleceu um desenho real da política publica destinada a área da infância e juventude, e seus crimes contra a lei. Segalin (2008, p.127) por sua vez pondera e critica a questão da inexistência de estrutura operacional: “Se não há recursos, programas, se os profissionais não estão capacitados, como esperar que o adolescente autor de ato infracional tenha assegura atendimento que coadune responsabilização e garantia de direitos?”. Ainda sobre o SINASE, Rizzini (2008, p.14) salienta:
O SINASE, Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo, (SEDH/CONNDA, 2006) foi o instrumento pensado para resgatar certas diretrizes “esquecidas” do ECA, soterradas em séculos de uma cultura de internação e de tendências atuais inspiradas em modelos de “Tolerância Zero”. O SINASE prioriza o meio-aberto em detrimento do aprisionamento, a garantia da educação para os adolescentes nas unidades, o compromisso com os direitos humanos, estabelece uma maior coordenação entre União, estados e municípios – enfim, reafirma o Estatuto.
Embora muitas sejam as saídas e alternativas para ambientalização ressocialização do jovem infrator, o Brasil insiste em trazer a tona sua personalidade punitiva e de reclusão, que infla os presídios comuns do pais, com superlotação extrema e problemas estruturais graves, não se redimindo quanto a questão dos jovens, como mostra o quadro 2, a seguir.
Modalidade de atendimento | Capacidade | N° de Adolescentes | Déficit de vagas* |
Internação provisória | 1.319 | 2.807 | -1.488 |
Internação | 8.092 | 9.591 | -1.499 |
Semiliberalidade | 1.788 | 1.091 | 697 |
QUADRO 2 - Número de adolescentes no Sistema Socioeducativo – por modalidade de atendimento, capacidade.
FONTE – BRASIL (2006)
Sobre o quadro acima, enquanto as medidas privativas de liberdade apresentam déficits de vagas significativos a semiliberdade apresenta um excedente de vagas. Mesmo sabendo que na aplicação da medida são considerados fatores primordiais para o bom cumprimento da pena, se analisarmos o dado referente a capacidade do sistema, boa parte do déficit de vagas poderia ser sanado com as vagas excedentes nas unidades de semiliberdade. (FUCHS, 2004)
Sobre a espécie da medida alternativa, as mesmas serão dispostas abaixo e elencadas quanto a seu tipo, baseada na obra de Bandeira (2006).
3.1 Advertência
Com caráter sinalizador, a advertência é dada como forma de intimidação ao menor praticante de ato infracional leve mas potencialmente ofensivo, sendo atribuído ao mesmo uma ação mais branda. Visa mostrar a presença e observação da lei, por meio de convencê-lo que atos de maiores intensidade serão punidos também com maior intensidade. É inerente a aplicação da advertência que o magistrado não a banalize ou minimize a sanção quanto a seu efeito educativo, sob pena de condicionar a não produção dos efeitos almejados, sendo que a mesma geralmente se faz o primeiro contato do adolescente com o poder judiciário. Atitudes hostis, agressivas e vexatórias podem não produzir os resultados desejados com tal medida. Essa simplificação ou banalização da advertência e de seus efeitos será um equívoco tanto mais grave quanto mais frágil e sensível for à estrutura psicológica e quanto mais problemática for a situação vivenciada pelo adolescente. (BANDEIRA, 2006)
Conforme o parágrafo único do art. 114 do ECA, a medida socieducativa, nesse caso a advertência, só deve ser aplicada quando houver indícios suficientes que comprovem a autoria e materialidade do ato infracional. Nogueira (1991, p. 145) diz que “A advertência é a primeira medida prevista a ser aplicada ao adolescente que pratique ato infracional, mas independe de prova de autoria e da materialidade para ser imposta” sendo distinta a opinião da visão de Bandeira (2006) que dispõe que qualquer que seja a sanção só pode acontecer haja visto justa causa, ou seja, sem que seja certificado que o menor é o responsável a sanção de advertência se faz injusta e ineficaz, baseando-se nos preceitos estabelecidos no ECA, ferindo os princípios da presunção da inocência e ampla defesa, se fazendo uma ação contraditória.
3.2 Obrigação de Reparar o Dano
Quando o ato praticado causa prejuízo a vitima, seja ela individuo ou patrimônio público, o juiz poderá aplicar a reparação do dano. Deve-se exigir a restituição do objeto, o ressarcimento do dano ou outro meio que compense o prejuízo por ele causado. Na inexistência de possibilidade do mesmo, outra pena, considerada adequada, deverá ser imposta. (BANDEIRA, 2006; CURY, 2006)
A medida, todavia, não será destinada a maioria dos infratores, muitas vezes oriundos de lares pobres e sem condições de arcar com prejuízos por eles praticados. Embora seja comum entre os juristas brasileiros a imposição da pena de reparação do dano aos pais ou responsáveis (culpa in vigilando), essa aplicação fere por morte o principio da intranscedência, que atribui somente ao jovem à responsabilidade de tal ato. (BANDEIRA, 2006)
Quando se tratar de atos similares a furto, apropriação ou objeto do ato infracional já se faz necessária a aplicação da medida de reparação de danos.
3.3 Prestação de Serviços à Comunidade
Prevista no artigo 112, III e explicitada no artigo 117 do ECA, a medida consiste retribuir a sociedade com prestação de serviço o ato infracional praticado pelo jovem. Os serviços podem ser exercidos em entidades hospitalares, assistências, educacionais e congêneres, por período igual ou inferior a seis meses corridos. Sua concepção pedagógica visa aferir o senso de responsabilidade ao jovem e sua aptidão em continuar inserido a comunidade, sob supervisão direta de entidade responsável designada em juízo. A medida não tem prazo determinado, sendo condicionado somente o seu limite de seis meses, e deve-se auferir o alcance da meta almejada, por meio da equipe interdisciplinar responsável pela aplicação da pena, podendo se optar pelo desligamento do adolescente antes do período máximo, haja vista que o mesmo já possua ação corretiva suficiente para que o mesmo entenda sua falta com a sociedade e volte disposto a não realizar mais atos de natureza infracional. Tal desligamento deve ter anuência do ministério publico na figura de seu representante de acordo com o cumprimento efetivo do objetivo da medida.
Tais atividades e serviços devem levar em conta fatores como aptidão, grau de instrução ou formação, de sorte a não perder o caráter pedagógico e se transformar em mera expiação, não submetendo em hipótese alguma o jovem, ainda em formação psicológica, física e social, a situação constrangedora. Baseada na corrente minimalista, que prevê a intervenção mínima do Estado na esfera individual do adolescente que comete ao infracional, buscando evitar o encarceramento e agravamento da potencialidade criminal do jovem, criando condições de reflexão sobre atos criminosos, instituindo valores e o levando para o exercício da solidariedade humana. Nesse contexto Silva (2006 p. 361) e Bandeira (2006 p. 150), respectivamente, enfocam:
Já estamos assistindo a implantação das chamadas penas alternativas, outras formas de manifestar a reprovação social contra o crime que não seja o encarceramento do acusado: as interdições de direitos; o ressarcimento do dano ocasionado pelo crime; a multa; a prisão de fi m de semana; a prestação de serviços à comunidade [...].
A medida possibilita o alargamento da própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto deve estar inserido numa verdadeira práxis, onde os valores de dignidade, cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para alguns, mas para todos, sejam cultivados durante sua aplicação.
Bandeira (2006, p. 150-151) ainda esclarece sobre o sentido educativo da medida de prestação de serviços a comunidade:
[...] Nesse caso, a submissão de um adolescente à prestação de serviços à comunidade tem um sentido altamente educativo, particularmente orientado a obrigar o adolescente a tomar consciência dos valores que supõe a solidariedade social praticada em seus níveis mais expressivos. Assistir aos desvalidos, aos enfermos, aos educandos (atividades que devem ser prestadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres) é tarefa que impõe a confrontação com o alter coletivo, de modo que possa demonstrar-se uma confiança recíproca que, por sua vez, está presente em todos os códigos de ética comuntária [...].
Sendo assim e como elencado no inicio a medida fica condicionada a existência de uma entidade de execução de medidas em meio aberto que possua equipe interdisciplinar e estrutura para receber o jovem e possa inseri-lo de acordo com suas aptidões, acompanhá-lo e fiscalizá-lo para o bom cumprimento das tarefas socioeducativas determinadas, relatando ao poder publico relatórios circunstanciados periodicamente sobre a evolução ou não do menor inserido sob tal medida. Com forte trabalho a auto-estima do jovem que, submetido a regras mínimas de convívio social, tem uma chance de recuperação notória, possibilitando estreitamento dos vínculos afetivos e familiares, propiciando assim redirecionar seu caminho para exercício direto da cidadania e boas ações.
3.4 Liberdade Assistida
Prevista nos artigos 118 e 119 do ECA, constitui a principal medida pedagógica dentre todas as medidas, pois submete o adolescente a um projeto de vida contornado de liberdade, voluntariedade e senso de responsabilidade, sem que o mesmo perca sua liberdade, sendo assistido diretamente pelo poder público. A medida compulsória é decorrente da gravidade do fato, as circunstancias e as aptidões do jovem para aplicação de tal medida, exigindo voluntariedade do adolescente e de seus familiares, no sentido que estabeleça vinculo entre o executor e o jovem submetido a liberdade assistida. Sendo assim, mediante estudo preliminar é primordial que o orientador permita ao adolescente contribuição para a formatação final do seu projeto, ouvindo suas necessidades, angustias, metas e os entornos de sua família e sociedade, sempre baseado em um conhecimento prévio da historia do jovem. Tal medida projeta um futuro livre de condicionalidades do crime, estreitando relações familiares e minimizando condições conflituosas no âmbito da comunidade.
A liberdade assistida pode ser aplicada pelo juiz a qualquer natureza de ato infracional praticando pelo jovem em juízo, não levando em conta o potencial ofensivo de tal ato. O objetivo da sanção não é meramente expiação, uma vez que internamento ou semiliberdade, privando o jovem de viver ao lado de sua família não seja a medida mais apropriada para que o mesmo se recupere em sua volta a sociedade. (BANDEIRA, 2006)
Nesse sentido, salienta Toledo (2003, p. 123)
[...] a interação do adolescente com o meio social na sua condição de normalidade do relacionamento humano (o que não se dá no cárcere) também potencializa a possibilidade de o adolescente modificar seu comportamento anterior, para ajustá-lo às regras do convívio social.
A aplicação da medida socioeducativa da liberdade assistida passa, necessariamente, pela existência de uma entidade responsável pela sua execução que possua uma estrutura física e humana capaz de promover, socialmente, o adolescente e sua família, fortalecendo os laços de afetividade, orientando-o e inserindo-o em programas de auxílio, como bolsa-escola, dentre outros, bem como auxiliando a família do jovem, incluindo-a em programa de auxílio, como programa de emprego e renda, casas populares etc., supervisionando a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, inclusive matriculando-o na rede pública de ensino. (BANDEIRA, 2006)
Mesmo que condicionada a um prazo limite de seis meses, a justiça admite a prorrogação da medida de liberdade assistida, sugerindo assim um prazo indeterminado para a mesma. Nesse contexto, Toledo (2003, p. 352-353) nos explica:
[...] O Juiz deve simplesmente fixar qual sanção incide no caso concreto, escolhendo, por exemplo, entre a liberdade assistida, a semi-liberdade ou a internação. Mas a lei não impõe que ele concretize, delimite, na sentença, a duração da sanção escolhida. Ao contrário, a lei estabelece que esta sanção “não comporta prazo determinado” [...] o que a lei faz é impor o prazo máximo de duração de cada sanção cominada e impor a reavaliação da necessidade de manutenção da sanção periodicamente. O prazo máximo cominado em lei é de três anos, em relação a todas essas três sanções. Em relação à internação e à semi-liberdade por norma expressa: artigo 121, § 3º, quanto à primeira, esse dispositivo combinado ao parágrafo 2º do artigo 120, quanto à segunda. Já em relação à liberdade assistida, por aplicação analógica do mesmo dispositivo, já que não há norma específica e a CF, por força da reserva legal, impede a existência de pena completamente indeterminada, para considerar o mínimo do conteúdo da reserva legal, e a sanção socioeducativa não deixa de contemplar, em boa medida, esse caráter de pena [...].
Dessa forma, institui-se a liberdade assistida como medida pedagógica principal do ECA, quando aplica criteriosamente e por entidade estruturada e interdisciplinar, realocando o jovem na sociedade e evitando que o mesmo volte a entrar em conflito com a lei, formando um cidadão de bem.
3.5 Semiliberdade
Prevista no artigo 120 do ECA e similar ao modelo semi-aberto do código penal brasileiro, visa propiciar atividades escolares e profissionalizantes externas sob supervisão durante o dia e regresso a noite para estabelecimento de regime semi-aberto. Constitui em uma medida socioeducativa de transição entre o regime fechado e a reinserção a sociedade.
A semiliberdade é uma alternativa ao regime de internamento que priva, parcialmente, a liberdade do adolescente, colocando-o em contato com a comunidade. O SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – que define os princípios e parâmetros da ação e gestão pedagógicas das medidas socioeducativas configura a semiliberdade como uma medida restritiva de liberdade, mas que admite a coexistência do adolescente com o meio externo e institucional, estabelecendo a obrigatoriedade da escolarização e de atividades profissionalizantes, numa interação constante entre a entidade responsável pela aplicação da medida de semiliberdade e a comunidade, utilizando-se, preferencialmente, recursos da própria comunidade. Com efeito, a medida da semiliberdade avulta de importância, pois contribui para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, bem como estimula o desenvolvimento do senso de responsabilidade pessoal do adolescente. A sua principal característica e que a difere do sistema de internamento é que admite a existência de atividades externas e a vigilância é a mínima possível, não havendo aparato físico para evitar a fuga, pois a medida funda-se, precipuamente, no senso de responsabilidade do adolescente e em sua aptidão para ser reinserido na comunidade. (BANDEIRA, 2006)
Segundo o ECA a medida de semiliberdade não pode exceder 3 anos. O jovem deve-se submeter a avaliações periódicas de cunho psicológico pela equipe executora a cada seis meses, no máximo, que pode inclusive sugerir a progressão para o cumprimento em liberdade assistida ou prestação de serviços a comunidade ou mesmo seu desligamento das medidas devido ao grau satisfatório de todas as fases da semiliberdade, sendo o jovem considerado apto a voltar a sociedade e exercer sua cidadania. Do mesmo modo, a equipe pode sugerir regressão ao jovem por atitudes contrarias ou não condizentes com as condições de progressão. (CURY, 2006)
Bandeira (2006) diz que o juiz poderá aplicar a medida socioeducativa de semiliberdade como resposta a qualquer ato infracional praticado pelo adolescente, principalmente aqueles similares aos crimes de médio potencial ofensivo, como lesões corporais graves, homicídio, estupro, roubos etc., desde que, analisando as circunstâncias, a gravidade e as condições pessoais do adolescente, seja a medida considerada como a mais adequada para aquele caso concreto. Evidentemente, em se tratando de medida restritiva de liberdade, não se pode deixar de observar os comandos constitucionais de brevidade e excepcionalidade da medida, e a necessidade de trabalhar a reintegração do adolescente ao seu meio social. Ciente das particularidades, Baratta (apud Bandeira, 2006 p. 167) explica:
[...] isto indica muito claramente que a vontade da lei está dirigida, também no caso de restrição da liberdade do menor, para o favorecimento, na medida do possível, da integração em sua comunidade e, através dela, na sociedade. A integração na comunidade e na sociedade é o fulcro da nova disciplina do adolescente infrator, que deve permitir reverter, finalmente, a injusta praxe da criminalização da pobreza e da falta de meios...a institucionalização, quer na forma da internação, quer naquela de semiliberdade, deve ser considerada uma resposta em tudo excepcional, mesmo nos casos de graves infrações do adolescente, e normal deve ser considerada, em todos os casos, a aplicação de outras medidas sócio-educativas, e, principalmente, de proteção, aptas a favorecer a integração social do adolescente infrator e a compensação de gravíssimos déficits econômicos e de atenção familiar e social, dos quais ele é normalmente vítima...
Em sua visão constitucional, Toledo (2003 apud Bandeira, 2006, p. 167-168), preconiza:
[...] outros dois direitos fundamentais especiais de crianças e adolescentes relacionados com a prática de crimes reconhecidos na Constituição Federal são a excepcionalidade e a brevidade na privação da liberdade, como assegurado no inciso V do parágrafo 3º do Art. 227. O termo “excepcionalidade” da medida de privação de liberdade, num sentido lato, comporta duas acepções: excepcionalidade de incidência da medida e excepcionalidade temporal, de duração, da medida. Com a primeira acepção diz a excepcionalidade referida no dispositivo constitucional; com a segunda, diz a brevidade.
A simples gravidade do delito por parte do jovem não constitui motivo para aplicação de determinada pena. A medida deve se basear em outras circunstancias e analisar se o jovem não apresenta mínimas condições de cumprir outras medidas de meio aberto. Essa ilação é feita pela interpretação analógica do disposto no § 2º do Art. 120 do ECA, que permite a aplicação, “no que couber”, das disposições relativas à internação, não havendo, portanto, qualquer vedação legal, pelo contrário, o objetivo é que se aplique a medida mais branda ao adolescente buscando a sua reintegração social, o que se verificará com a aplicação da semiliberdade provisória.
Como fundamentação básica o SINASE estabelece 18 princípios para que as medidas socioeducativas sejam efetivas, servindo assim como ideologia principal e orientadora dos regimes abertos e semi-abertos, como apresentado por Bandeira (2006, p. 172-174):
I – Todas as ações desenvolvidas no Programa são de caráter educativo, fundamentadas nos preceitos e diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente e do SINASE, complementadas por normas estaduais editadas para organização e funcionamento da medida;
II – o projeto Pedagógico aparece como ordenador da ação e gestão do atendimento sócio-educativo;
III – protagonismo Juvenil na construção, monitoramento e avaliação das ações socioeducativas;
IV – o educador é percebido como agente de mudanças, com posturas e atitudes fundamentadas na visão integral e crença na capacidade de transformação da pessoa e do adolescente, em sua condição peculiar de desenvolvimento.
Exemplaridade, presença educativa e respeito à singularidade do adolescente como condições necessárias na ação socioeducativa;
VI- a disciplina como meio para a realização da ação sócio-educativa, construindo, coletivamente, regras claras de convivência cidadã;
VII – exigência e compreensão enquanto elementos primordiais de reconhecimento e respeito ao adolescente durante o processo socioeducativo, pautado na troca acolhedora (Educador- Educando), criando condições objetivas permanentes ao desenvolvimento pessoal e social do educando;
VIII – dinâmica institucional, favorecendo a horizontalidade na socialização das informações e dos saberes entre os componentes da equipe multiprofissional.
IX – organização espacial e funcional dos programas de atendimento socioeducativo como possibilidades de desenvolvimento pessoal e social do adolescente;
X – respeito à diversidade étnica, religiosa, cultural, de gênero e sexual como eixo da prática pedagógica;
XI – família e comunidade participando, ativamente, da experiência sócio-educativa;
XII - participação efetiva da família, na dinâmica do atendimento educativo e no desenvolvimento do educando;
XIII - fortalecimento do núcleo familiar, visando às relações de afeto, às questões de sobrevivência e de exercício da cidadania;
XIV - processo sócio-pedagógico voltado para a ressignificação de valores, no qual o adolescente deve romper com a prática delituosa em um processo de ação-reflexão-ação, por meio da releitura de sua capacidade de interagir, recriar e construir a sua nova história de cidadania;
XV - prática educativa voltada para um atendimento personalizado, individual e em pequenos grupos;
XVI - trabalho pautado pelo princípio da incompletude institucional, visando à complementação de saberes e competências de natureza pública e privada, que deve ser viabilizado por articulações permanentes; XVII – formação continuada dos educadores que tenham por base uma educação dialógica com as seguintes características: participativa, democrática, crítica, criativa, contextualizada, voltada para o desenvolvimento das competências pessoais, sociais, produtivas e cognitivas do adolescente;
XVIII - ambiente físico acolhedor em modelo residencial, organizado, estruturado pedagogicamente e de forma compartilhada, cuidado e mantido pelo educador e pelo educando.
3.6 Internação
É sem dúvida a forma mais drástica de intervenção estatal na esfera individual do cidadão, pois o poder sancionatório do Estado alcança o jus libertatis do adolescente, o maior bem que se possui, depois da vida. Evidentemente que essa intervenção deve ser excepcional e marcada pela brevidade – normas-garantias -, pois o direito de punir do Estado, no âmbito da corrente minimalista, deve ser a ultima ratio, devendo-se, pois, observar o devido processo legal, assegurando-se aos adolescentes todas as garantias constantes da Constituição e do ECA, principalmente o direito à ampla defesa e ao contraditório. Como se infere da leitura do Art. 122 do ECA, o adolescente só poderá sofrer a privação de sua liberdade – internamento – nos casos taxativamente previstos no referido dispositivo legal, ou seja, quando cometer ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa; quando houver reiteração no cometimento de outras infrações graves e, finalmente, quando descumprir medida socioeducativa anteriormente imposta.
4 ENFOQUE JURÍDICO COM RELAÇÃO A CONTRARIEDADE À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
Com o as cadeias superlotadas, sem estrutura e sem condições dignas de tratamento e ressocialização de um detento, levar um menor, ainda em formação psicológica seria um atentado a esperança de recuperar o mesmo para a sociedade. A redução da maioridade penal, não resolveria o problema da criminalidade, só se iriam colocar indivíduos de tenra idade em contato com infratores de complexa periculosidade, criando-se assim uma escola do crime, tendo em vista a inexistência de política voltada à individualização da pena. Juridicamente há de se estabelecer parâmetros entre a questão política voltada aos problemas atuais e oriundos de noticiários policiais e a possibilidade jurídico-legal de se reduzir a maioridade penal, ou seja, tornar o menor de 18 anos imputável, capaz de ser penalizado de acordo com nossa legislação criminal. (OLIVEIRA & SÁ, 2008)
Mesmo em meio a um clamor popular que gira em torno da redução da maioridade penal no Brasil de dezoito para dezesseis anos, juristas do país sabem que existem vários entraveis legais e/ou compromissos assumidos pelo Brasil que devem ser levados em consideração em possíveis discussões decorrentes do tema supracitado e serão citados a seguir.
4.1 Incompatibilidade com a Doutrina da Proteção Integral
Entende-se por Doutrina da Proteção Integral um conjunto de ações jurídicas lavradas no Direito Brasileiro quanto às crianças e adolescentes, sendo essas ações de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes, fundamentalizada em texto constitucional e tratados internacionais, visando assim garantir que os direitos dos mesmos sejam respeitados de forma integral e integrada, mediante realização de políticas universais, de proteção e socioeducativas. Entende-se por adolescente o individuo entre 12 e 17 anos 12 meses e 30 dias, e lhe é garantido um complexo sistema de justiça com ações especializadas e destinadas ao mesmo, sendo fornecido a ele um sistema diferente do direito penal brasileiro, sendo tratadas como medidas socioeducativas. Tais medidas incidem sobre o adolescente que pratica ato infracional e não se relacionam com penas criminais e sim com ações de cunho pedagógico, e visando a ressocialização do adolescente com a sociedade e parte do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento social que se encontra o jovem.
A pretensão de integração sistemática da teoria e da pragmática pertinentes ao direito da criança e do adolescente certamente se constitui num dos objetivos primordiais a serem perseguidos pela teoria jurídica infanto-juvenil. Até porque uma das principais funções instrumentais oferecidas pela proposta da formatação daquela teoria jurídico-protetiva é precisamente oferecer procedimentos e medidas distintas por suas necessidades e especificidades no tratamento de novas emergências humanas e sociais, procurando-se, desta maneira, estabelecer outras estratégias e metodologias para proteção dos valores sociais democraticamente estabelecidos – como, por exemplo, direitos e garantias individuais fundamentais – pertinentes à infância e à juventude. (RAMIDOFF, 2007, p.202)
Alinhada a essa teoria acrescenta-se o fato de que o Brasil é pioneiro no desenvolvimento humanitário no que tange pessoas em condição peculiar de desenvolvimento de personalidade, sendo que a inserção da doutrina de proteção integral na constituição de 1988, fato anterior a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, marco de suma importância no mundo todo e que ditou os nortes do tratamento de jovens em situações criticas no mundo. Demonstrando o movimento popular e jurídico do país em torno de condições distintas a crianças e adolescentes no âmbito criminal, propiciando condições distintas do falido sistema prisional convencional, demonstrando forte apelo pela melhoria nas condições de vida dos jovens brasileiros. (RAMIDOFF, 2007)
4.2 Inconciliável com o SINASE
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo baseia-se integralmente nas diretrizes internacionais e do ECA, englobando ações administrativas, didáticas, de atendimento e orientação pedagógica complexas e voltadas diretamente ao jovem em situação de risco social e físico, orientado ações corretivas sejam em meio aberto ou fechado, tendo por objetivo devolver o adolescente infrator a sociedade em plena condição de direito e sem oferecer risco a mesma e a ele próprio. Desse modo, existe uma condição inconciliável das ações do SINASE com a execução em estabelecimentos criminais comuns, destinados a maiores de 18 anos, como sugerem algumas propostas de alteração a constituição. (ONU, 20150
4.3 Inconstitucionalidade e violação de cláusula pétrea
O ato se faz inconstitucional em decorrência da Constituição Brasileira determinar no artigo 228 que menores de 18 anos são considerados inimputáveis e sujeitos a legislação especial, legislação essa lavrada nas diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Desse modo, como explicitado acima, a idade mínima do imputável só pode ser alterada com uma mudança na Constituição, utilizando o poder constituinte reformador, que pode alterar a Carta Magna através de Emenda Parlamentar Constituinte. Entende-se por poder constituinte, nas palavras de Moraes (2006, p.21) “a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.” Ainda sobre poder constituinte Ferreira Filho (2008, p.22) preleciona que:
Poder Constituinte é que estabelece organização jurídica fundamental, é que estabelece o conjunto de regras jurídicas concernentes à forma do Estado, do governo, ao modo de aquisição e exercício do governo, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua ação, bem como as referentes às bases do ordenamento econômico e social.
O Poder Constituinte Reformador tem suas condições explicitadas no artigo 60 da Constituição Federal:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa
Todavia, é de grande manifestação entre juristas e sociedade civil a idéia de que o artigo 228 da constituição seja uma cláusula pétrea, que protege o artigo em caráter de imutabilidade, não podendo ser alterado por meio de Emenda de poder constituinte reformador. Clausula Pétrea no caso é explicada no artigo 60, § 4º da Carta da República: “Art. 60 - A constituição poderá ser emendada mediante proposta:§ 4 - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: V - Os direitos e garantias individuais.” Desse modo, tal direito só poderia ser alterado via poder constituinte originário. A alegação de Cláusula Pétrea já fora outrora utilizada quando o advogado Rolf Koerner Júnior, enquanto integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, obteve aprovação unânime de um parecer contrário à proposta de Emenda à Constituição 301/96, que objetivava alterar a redação ao artigo 228 da Constituição Federal, diminuindo a imputabilidade penal para 16 (dezesseis anos):
Apesar de a norma do art. 228, da Carta Magna, encontrar-se no Capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso), do Título VIII (Da Ordem Social), não há como lhe negar, em contraposição às de seu art. 5º (Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, do Título, II, dos Direitos e Garantias Fundamentais), a natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Escreveu J.J. Gomes Canotilho que "os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes. Então, nesse aspecto, na regra do art. 228, da Constituição Federal, há embutida uma 'garantia pessoal de natureza análoga' , dispersa ao longo do referido diploma ou não contida no rol específico das garantias ou dos meios processuais adequados para a defesa dos direitos. (JUNIOR, 1996, p.06)
4.4 Compromissos Internacionais
A norma constituinte também se baseia em parâmetros internacionais, como dita o artigo 5º em seu parágrafo 2º: “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Os direitos enunciados em tratados e documentos internacionais de proteção aos direitos humanos de crianças e adolescentes somam-se aos direitos nacionais, reforçando a imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já mencionados e que se referem à adoção de legislação e jurisdição especializada para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais. (JUNIOR, 1996; RAMIDOFF, 2007; OLIVEIRA & SÁ, 2008; ONU, 2015)
Em alinhamento com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e legislação nacional, sobre justiça juvenil, o sistema ONU ressalta que os marcos legais vigentes protegem os direitos das crianças, adolescentes e jovens, e confirmam os princípios da proibição de retrocesso social, da especialidade do sistema de justiça juvenil e da proporcionalidade das sanções penais em consonância com as diferentes fases do ciclo de vida das pessoas. Nesse contexto, ressalta-se a necessidade de um sistema de justiça especializado para a adolescência, que considere as particularidades dessa faixa etária e, ao mesmo tempo, possibilite a plena responsabilização de adolescentes por seus atos infracionais e sua ressocialização. A redução da maioridade penal opera em sentido contrário à normativa internacional e às medidas necessárias para o fortalecimento das trajetórias de adolescentes e jovens, representando um retrocesso aos direitos humanos, à justiça social e ao desenvolvimento socioeconômico do país. Salienta-se, ainda, que se as infrações cometidas por adolescentes e jovens forem tratadas exclusivamente como uma questão de segurança pública e não como um indicador de restrição de acesso a direitos fundamentais, o problema da violência no Brasil poderá ser agravado, com graves conseqüências no presente e futuro. (JUNIOR, 1996; RAMIDOFF, 2007; OLIVEIRA & SÁ, 2008; ONU, 2015)
Todos os direitos citados em tratos internacionais de proteção aos direitos humanos de crianças e adolescentes unem-se aos direitos nacionais, deixando claro a imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já ditos antes e que se reportam a outras legislações e jurisdições incluindo a jurisdição especializada em casos que envolvem infratores com menos de dezoito anos de idade.
O sistema ONU observa que alguns compromissos internacionais que foram assumidos pelo Brasil e legislação nacional protegem os direitos da criança, adolescente e jovens, e asseguram os princípios da proibição de retrocesso social. Com isso a necessidade de um sistema de justiça especializado para menores infratores levando em conta as características dessa idade, mas também faça com que os adolescentes respondam pelos atos cometidos e possibilite a ressocialização dos mesmos. A redução da maioridade penal caminha na contra mão da trajetória da constituição e dos direitos humanos, ressalta ainda, que se os adolescentes que cometem infrações não forem tratados de forma correta a violência no pais pode piorar, com grandes consequências no presente e futuro. (JUNIOR, 1996; RAMIDOFF, 2007; OLIVEIRA & SÁ, 2008; ONU, 2015)
Como se observa da análise comparada de distintas legislações no mundo, a predominância é a fixação da menoridade penal abaixo dos 18 anos e a fixação de uma idade inicial para a responsabilidade juvenil. Não só os tratados internacionais, mas recentes documentos apontam que esta idade deva estar entre 13 e 14 anos de idade. Enquanto a comunidade internacional discute a ampliação da idade para inicio da responsabilidade de menores de dezoito anos, o Brasil anacronicamente ainda se detém em discutir a redução da maioridade penal – tema já superado do ponto de vista dogmático e de política criminal internacional. (JUNIOR, 1996; RAMIDOFF, 2007; OLIVEIRA & SÁ, 2008; ONU, 2015)
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora haja clamor popular pela redução da menoridade penal no país, a população se mostra engajada em aceitar toda e qualquer atitude legislativa sem antes pensar nos danos que tais atitudes possam causar. Não preocupados com isso, políticos e mídia sensacionalista se movimentam para aproveitar a fatia volumosa da população e se tornarem representantes eleitos indiscriminadamente com interesse próprios e não dos jovens que deveriam ser defendidos pelos mesmos.
Embora o número de crimes tenha aumentado e a os acontecimentos esporádicos de crimes hediondos envolvendo jovens muitas são as soluções apontadas nesse estudo para ressocializar o menor infrator, sendo mais culpa do sistema a ineficácia existente do que do método. E do mesmo modo que a legislação é bem especifica na questão da juventude no pais, com penas justas e adequadas a situação de formação psicológica e social do individuo na determinada faixa etária, apresenta também entraves para que tal direito individual não seja corrompido a bel prazer de políticos que em nada defendem os direitos do povo, mas somente suas ambições particulares.
Desse modo, esse estudo visou elencar o histórico da situação do menor no pais em todas suas leis decorrentes, apontou as medidas elencadas pelo ECA para punição e ressocialização do menor infrator como também apontou a contrariedade do autor a redução da menoridade penal, apontando aspectos legais que comprovem a posição.
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