1. Introdução
Nos últimos anos, trabalho intelectual, em sentido amplo, vem se destacando no âmbito juslaboral[1]. Ainda que a legislação não o tenha diferenciado dos demais, esse tipo de trabalhador demanda análise particularizada[2]. Dentre as questões jurídicas ligadas ao trabalho intelectual, destaca-se a cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, em especial porque respectivos trabalhadores costumam ter acesso a procedimentos técnicos e informações privilegiadas, passíveis de proteção pelo empregador, em face da concorrência. No cotidiano forense têm se multiplicado casos concretos, envolvendo grandes empresas e altos executivos, nos quais se discute a validade de cláusulas contratuais que impeçam o empregado de praticar concorrência em relação ao empregador anterior. O fenômeno é mundial, especialmente no Primeiro Mundo; cláusulas contratuais comuns nos EUA:
“William Redmond Jr., Diretor Geral das Operações Californianas da Pepsi, aceitou, em 1994, o cargo de Diretor Executivo Operacional da divisão mundial Gatorade da Quaker Oats. Logo após o seu desligamento, a Pepsi Co. ajuizou um processo contra o ex-empregado, alegando que ele assinara contrato de confidencialidade e não-concorrência. Redmond era co-responsável pelo plano de marketing de refrigerantes da empresa. A sentença judicial não só obrigou Redmond a não trabalhar para referia empresa durante 6 (seis) meses, como também o proibiu de revelar o plano da PepsiCo. aos seus novos patrões”[3].
Outro exemplo: "Jim Donald, ex-CEO da rede Starbucks, vai receber 1,25 milhão de dólares pra ficar em casa. Foi um acordo feito com a cafeteria para afastá-lo dos concorrentes pelos próximos 18 meses"[4].
CEO (Chief Executive Officer), no jargão do mercado de trabalho, é a definição para “profissional responsável pelo cargo de maior responsabilidade ou maior autoridade em uma Organização, tendo nela o poder de decisões[5]”. No âmbito jurídico, é conhecido como cargo de altos poderes e gestão[6] e tem sido profissional mais envolvido em cláusulas contratuais sobre concorrência, sobretudo pelo acesso a informações privilegiadas que possui.
Inserção desse tipo de cláusula contratual não está restrita a profissionais que detenham poderes de gestão. Trabalhadores da área técnica – p. ex., de informática e TI[7] –, também possuem conhecimentos estratégicos e confidenciais. Por isso, empregadores têm procurado proteger-se com cláusulas de não concorrência igualmente em relação a profissionais da área tecnológica. Objeto de divergências é o conflito entre a cláusula de não concorrência e o art. 5º, XIII, da CF, que trata da liberdade de trabalhar.
2. Conceito e natureza jurídica
No sentido léxico[8], concorrer significa competir, disputar. No mundo dos negócios, é a competição entre empresários, prestadores de serviços e profissionais dos mais diversos segmentos. Diante do princípio da livre concorrência previsto no art. 170, IV, da CF, empreendedores podem disputar produtos e consumidores, utilizando-se de todos os meios disponíveis, desde que lícitos, legítimos, com a finalidade de obter lucros e captação de clientela[9] ou simplesmente normal desenvolvimento dos negócios.
“Pelo princípio da livre concorrência é dada liberdade aos empresários para adentrarem na economia no setor ou ramo de indústria ou comércio que melhor lhe aprouverem, competindo com os demais. Contudo, é necessário haver certas restrições impostas pelo Estado, inclusive para que se mantenha a lealdade empresarial sob pena de caracterização da concorrência desleal ou de infração à ordem econômica, dependendo da abrangência do ato. O elemento primordial da concorrência é alcançar a clientela em detrimento dos demais competidores que exploram o mesmo tipo de mercado, o objetivo imediato do empresário em competição é simplesmente o de cativar consumidores, através de recursos (publicidade, melhoria de qualidade, redução do preço etc.) que os motivem a direcionar suas opções no sentido de adquirirem o produto ou serviço que ele, e não outro empresário fornece”.[10]
Portanto, ao se cogitar de não concorrência, pretende-se evitar competição ilícita, desleal, a que afronta não só a legalidade, mas a moral. O ordenamento, então, repudia práticas que prejudiquem a reputação, negócios alheios, confusão entre estabelecimentos empresariais ou entre produtos e serviços[11]. Inclusos nessa proteção procedimentos científicos, técnicos e administrativos, dos quais se utilizam empreendedores para desenvolver seus negócios. Natureza jurídica do direito de não concorrência é obrigação de não fazer, isto é, imposição de obrigação ao contratante – ou a terceiro: o próprio concorrente –, que deve se abster da prática de ato que prejudique o titular do respectivo direito. De origem econômica, esse direito é tutelado em diferentes âmbitos jurídicos:
“Em diversos campos do Direito, tem‐se a preocupação com a concorrência desleal, v.g., o crime de concorrência desleal previsto no Direito Penal (art. 195, Lei nº 9.279/96), no Direito Comercial, quando se tem à fixação no sentido de que o sócio retirante da empresa se obriga a não atuar em empresa concorrente ou em face de uma delimitação espacial em empresa concorrente (art. 1.147, Código Civil de 2002), no Direito do Trabalho, a justa causa do empregado, quando pratica de ato de concorrência à empresa para a qual trabalha, ou for prejudicial ao serviço (art. 482, c, CLT) ou viola segredo da empresa (art. 482, g).”[12]
Para o Direito do Trabalho, como assinalam Jorge Neto e Pessoa Cavalcante, cláusula de não concorrência é direito patronal de estipular no contrato proibição ao empregado de praticar atos que prejudiquem sua atividade econômica, durante o vínculo contratual ou após seu término. “Dever da não‐concorrência representa uma obrigação de natureza moral, contemplando a lealdade do empregado para com o empregador”[13].
“Durante a vigência do contrato de trabalho, a concorrência é inadmissível por ser um dever elementar, ou seja, o trabalhador não pode servir a dois empregadores com interesses opostos. Trata‐se de uma questão de probidade. Em função do dever de não‐concorrência, o trabalhador não poderá desempenhar atividades da mesma natureza ou ramo de produção que exerce em função de seu contrato de trabalho, sempre que tais atividades, ao gerar interesses contraditórios para o trabalhador, estejam sendo prejudiciais ao empregador. A concorrência desleal apresenta‐se quando o empregado exerce atividades que impliquem em prejuízos ao empregador, pela evidente colisão de interesses contrários.”[14]
2.1. Concorrência e concorrência desleal
Para a doutrina majoritária, há diferença entre concorrência, conforme sua configuração no campo trabalhista, e concorrência desleal, instituto do Direito Penal. No tocante, a lição de Wagner D. Giglio[15], comentando o art. 482, “c”, da CLT (única menção expressa sobre o tema na legislação trabalhista):
“Não se confundem concorrência desleal e negociação habitual, vez que esta é pressuposto da existência daquela. Na prática, dificilmente ocorreria a dispensa do empregado pelo cometimento de ato de concorrência desleal, pois despedido seria, antes, pelo simples fato de exercer negociação habitual (...omissis...). Em suma: a concorrência desleal é figura do Direito Penal perfeitamente distinta do ilícito trabalhista negociação habitual, não havendo justificativa para a confusão reinante.”
A expressão utilizada pelo art. 482, “c”, da CLT, interpretada literalmente, é restrita para efeitos de proteção à concorrência desleal. Entretanto, como reconhece D. Giglio[16], o termo “negociação”, de origem no Direito Comercial, “superou os limites rígidos de sua conceituação primitiva, na aplicação trabalhista”. Adquiriu sentido mais amplo que o simples ato de comércio, abrangendo todas as atividades do trabalhador: industriais, comerciais, rurais, transporte, entre outras[17]. Se a prestação de serviços do trabalhador, praticada sem permissão, implicar em concorrência que prejudique atividade do empregador, será considerada ato ilícito[18].
No que diz respeito à configuração de justa causa para rescisão contratual, o fundamento trabalhista é diverso do previsto na legislação penal. No entanto, para caracterização de quebra contratual, por concorrência prejudicial ao empregador (desleal, então), a previsão do art. 195 da Lei 9.279/96[19] traz importante paradigma, em especial porque nossa ordem econômica prima pela livre concorrência, a teor do art. 170, IV, da CF, além de ter como premissa, nos termos do art. 5º, XIII, da Carta Magna, “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. É direito do empregador proteção relativa à concorrência desleal, que é ampla[20], mas, não, cláusula contratual que impeça o empregado de exercer atividade regular, a que não prejudique a atividade econômica do empregador. A esse respeito, a lição de Wagner D. Giglio[21]:
“O empresário não contrata a pessoa do trabalhador, mas apenas o trabalho de que o empregado é portador. Cumprida a obrigação assumida, isto é, fornecendo o empregado o trabalho combinado através do contrato, pode dispor livremente de suas horas de folga, usando como bem entender sua força de trabalho, fora da empresa. Proibir, indiscriminadamente, outras atividades constituiria violência insustentável à liberdade individual do ser humano trabalhador. Proibi-se, apenas, o trabalho concorrente ou prejudicial ao serviço. Todos os demais são permitidos.”
O art. 195 da Lei de Patentes, aliás, considera ilícito penal hipóteses de concorrência envolvendo o contrato de trabalho:
IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato [grifo nosso].
Ainda que o dispositivo legal em análise trate de crime, pode ser utilizado, por analogia, para configurar concorrência ilegal na relação de trabalho. Tanto é importante para o âmbito trabalhista que “o inciso XI deixa claro que a tipificação dos crimes de violação de segredo industrial ou segredo de negócio se estende, inclusive, por período posterior ao término do contrato de trabalho do agente” [22]. No âmbito do Direito Privado, configuração da concorrência desleal não está adstrita à definição criminalista; primeiro, porque não obedece à máxima nullum crimen nulla poena sine lege; segundo, sua característica é múltipla, não comportando inserção em fórmulas rígidas de classificação, como destacou Carlos Alberto Bittar na clássica obra sobre concorrência desleal[23]:
“Daí por que as legislações se têm abstido de definir concorrência desleal, enunciando apenas noções gerais em convenções, códigos ou leis especiais, mas tipificando, de outro lado, para efeito penal – em virtude do rigor necessário nesse campo –, as ações já classicamente admitidas como tal. Assim, no caso concreto é que se verificará a existência, ou não, de concorrência desleal, ante a situação discutida, valendo-se o intérprete, principalmente, dos subsídios doutrinários e jurisprudenciais, na qualificação de suas figuras.”
Vedação de concorrência, então, ao menos para efeitos trabalhistas, está consubstanciada nos artigos 5º, XIII, 170, IV, da CF, afora aplicação analógica dos artigos 195 da Lei 9.279/96 e 482, “c”, da CLT. Princípio constitucional da livre concorrência (art. 173, § 4º, CF) é contraponto à possibilidade de se inserir cláusula de não concorrência no contrato. O que está fora desse princípio pode ser inserido na cláusula em questão. Em outras palavras, o que não for reserva de mercado, em sentido amplo, ou o que não limite direito ao livre exercício do trabalho (salvo exceções que o Direito estabelecer) pode ser objeto de salvaguarda do empregador.
3. Objetivo da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho
Objetivo da cláusula de não concorrência é resguardar técnicas, procedimentos ou informações, a que tenham acesso empregados em razão do cargo de confiança que exerçam ou pela característica da atividade, além do contato com clientes. Determinadas atividades não só exigem treinamento especializado dos trabalhadores – não raro, custeado pelo empregador –, como lhes proporcionam conhecimentos privilegiados, tornando-os candidatos em potencial para empresas concorrentes[24].
Intento subjacente é evitar vazamento de informações[25] que comprometam a sobrevivência do negócio. Daí a proteção contratual estabelecendo cláusulas de não concorrência, que podem vigorar durante o contrato e possuir termo inicial a partir da rescisão, até período razoável para caducar as informações, considerando, conforme o caso, até mesmo o limite territorial[26].
3.1. Condições de validade
Para que a cláusula contratual de não concorrência seja válida devem ser observados os requisitos[27]: a) limitação temporal; b) restrição deve estar relacionada à atividade profissional do empregado exercida durante a vigência do contrato; c) limitação geográfica; d) compensação financeira pela restrição do exercício da atividade profissional[28].
Quanto à limitação temporal, por falta de expressa previsão legal, interessante a sugestão de Jorge Neto e Pessoa Cavalcante[29], por analogia, quanto ao prazo bienal do art. 445 da CLT (compatível inclusive com o período de prescrição trabalhista constitucional). Quando menos, incidiria o prazo duodecimal do art. 478 da CLT[30]. Restrição relativa à atividade profissional do trabalhador, que deve ser a exercida durante o contrato, seria compatibilidade mínima com o princípio constitucional da liberdade de trabalho. Afinal, direito ao trabalho é próprio da condição humana. “A escolha do trabalho é uma das expressões fundamentais da liberdade humana. Seus fundamentos são: de um lado, o princípio da livre iniciativa, que conduz necessariamente à libre escolha do trabalho; de outro, a própria condição humana, cumprindo ao homem dar um sentido a sua existência.”[31]
Limitação geográfica direciona-se mais propriamente à proteção de clientela e fornecedores do ex-empregador. Situação corriqueira no meio empresarial, pois é intensa a disputa comercial nesse campo. Pode a cláusula de não concorrência limitar-se ao quesito territorial, o que não implicaria necessariamente restrição da atividade profissional. Compensação financeira ao empregado, pela cláusula de não concorrência, funciona, na prática, como atenuação da liberdade de trabalho, que é substituída por indenização. “Essa compensação, no mínimo, deverá corresponder à remuneração por ele auferida quando estava em vigência o contrato individual de trabalho. Por remuneração, a nosso ver, compreendem‐se as vantagens pecuniárias e não‐pecuniárias (vantagens ‘in natura’), decorrentes não só da prestação de serviços, como do contrato de trabalho, pagas pelo empregador.”[32]
4. Fundamentos da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho
Diante da previsão do art. 482, “c”, da CLT, à parte da interpretação extensiva sobre a expressão “negociação habitual”[33], o fundamento da cláusula de não concorrência é a boa-fé contratual (art. 422 do CC), além dos deveres que dela decorrem: obediência (ou diligência), lealdade e obrigação de sigilo[34].
4.1. Boa-fé contratual
Embora a CLT não o cite expressamente, princípio da boa-fé faz parte do contexto geral do contrato do trabalho. O art. 482 da CLT, por sua vez, é pródigo em apontar elementos ligados à boa-fé como fundamento para dispensa motivada, a exemplo das alíneas “a” (improbidade do empregado), “c” (negociação habitual ou concorrência), “g” (violação de segredo da empresa).
Boa-fé está ligada à honestidade, probidade, honradez, ou seja, conteúdo moral e ético. conceito de boa-fé repudia o ato vil, desonesto, traiçoeiro, a intenção de levar vantagem indevidamente (má-fé). Boa-fé exerce forte influência nos atos jurídicos, especialmente no tocante à sua anulação, com a finalidade de proteger interesses legítimos. No âmbito contratual, inclusive, prevalece a boa-fé objetiva, a que não depende, em princípio, do ato volitivo da parte (ignorância ou intenção), mas de conduta objetivamente estabelecida pelo sistema jurídico[35]. “Essa regra de conduta é composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros da lealdade e honestidade”[36].
A partir desse postulado ético[37], torna-se secundária a previsão legal expressa sobre cláusula de não concorrência no contrato de trabalho. Boa-fé é primordial a qualquer estipulação contratual. De todo modo, a matéria encontra respaldo legal pela aplicação subsidiária do art. 422 do CC, autorizado no âmbito trabalhista pelo art. 8º da CLT.
4.2. Dever de lealdade
Decorrente do princípio da boa-fé, a lealdade contratual consiste no dever do empregado de abster-se de condutas que causem danos ao empregador, na vigência do contrato ou após seu término. O art. 482, “g”, da CLT, consubstancia essa obrigação ao considerar fundamento para dispensa justa a quebra do sigilo de informações obtidas no curso do contrato. Igualmente, para a negociação habitual que, sem permissão, prejudique o empregador – a própria concorrência, então (art. 482, “c”).
Nos termos do art. 195, XI, da Lei 9.279/96, após término do contrato subsiste a obrigação de não divulgar, explorar ou utilizar, sem autorização, conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços. O Código do Trabalho Português[38], art. 128, 1, “f”, prevê expressamente a lealdade como dever do trabalhador:
“f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;”
Também expressamente, o art. 136, do Código do Trabalho Português, prevê pacto de não concorrência no contrato de trabalho; embora no inciso 1, traga conteúdo axiológico que veda, em geral, limitação do trabalho; no inciso 2, traz exceção permitindo cláusula de não concorrência.
4.3. Dever de obediência
Dever de obediência é consequência lógica do elemento subordinação (art. 3º da CLT). O trabalhador está sujeito aos comandos do empregador, que detém o poder diretivo do contrato. Nessas condições, pode o empregador determinar[39] ao empregado que se abstenha de divulgar informações e procedimentos da empresa. Esse poder nuclear só tem razão de ser no curso do contrato; após seu término está ligado à obrigação de sigilo.
4.4. Obrigação de sigilo
Obrigação de sigilo é dever jurídico baseado em pressuposto ético, que exige resguardar informações necessárias ao cumprimento da atividade do empregador. Há obrigação, portanto, de não revelar o que se sabe. Em alguns casos, é da natureza da profissão. Regiane Teresinha de Mello João[40] explica a assertiva: “O dever jurídico de não revelar pode ter por origem tanto uma imposição legal – o caso dos profissionais liberais e funcionários da administração direta e indireta – como pode decorrer de um vínculo profissional – no caso de contratos de Know-how – ou do conhecimento adquirido em função da relação contratual de trabalho.”
Trata-se de elemento contratual e fundamenta, com relevância, a validade da cláusula de não concorrência na relação de emprego. Tanto que a violação de sigilo da empresa é base para demissão por justa causa, nos termos do art. 482, “g”, da CLT. É hipótese comum no campo da espionagem industrial. Métodos de trabalho (know-how), segredos de fabricação e invenção, são cobiçados pela concorrência desleal. Hoje em dia, maior objeto de desejo é o desenvolvimento de softwares e tecnologia da informação (TI), conforme Alice Monteiro de Barros[41]: “O comportamento assume maior gravidade quando os beneficiários da infidelidade forem concorrentes do empregador. Incorre na prática desse ato faltoso, por exemplo, o empregado que desenvolvia ‘software’ para uso do empregador e o passava para outra empresa.”
Violação de sigilo (ou segredo) é também considerada crime, nos termos do art. 195, XI, da Lei 9.279/96. Como diz Regiane Teresinha de Mello João[42], não há de se confundir utilização da experiência profissional do empregado, por força do contrato de trabalho, com obrigação de manter sigilo: “É tênue a delimitação entre a habilidade pessoal, adquirida pela experiência profissional, e o uso de conhecimento de dados ou informações confidenciais do ex-empregador, aos quais o empregado teve acesso em decorrência da prestação de trabalho e para uso exclusivo nos limites dessa atividade.”
5. Princípio constitucional da liberdade de trabalho
Diante dos elementos contratuais supramencionados, está autorizada na relação de emprego a cláusula de não concorrência, desde que respeitado o disposto no art. 444 da CLT, quanto às normas de proteção ao trabalho. A natureza contratual da cláusula de não concorrência encontraria óbice constitucional? Diverge a doutrina sobre eventual conflito com o art. 5º, XIII, da CF, que trata da liberdade de trabalho.
5.1. LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TRABALHO
Apesar do disposto no art. 444 da CLT, que permite liberdade de pactuar, parte da doutrina entende incompatível a cláusula de não concorrência com a liberdade de trabalho, constitucionalmente garantida, que, por sua vez, permite ao cidadão trabalhar e ganhar seu sustento – expressão máxima da proteção juslaboral. Conforme outra corrente, entretanto, o art. 5º, XIII, da CF, não trata de direito social, mas de liberdade individual, isto é, do direito de exercer qualquer trabalho, profissão, ou ofício, nos limites que a lei estabelecer[43].
Limitação da liberdade de trabalhar não é estranha ao âmbito juslaboral. Exemplo é a atividade do apontador do “jogo do bicho”, espécie de loteria popular, que é considerada crime. A prostituição, no Brasil, é outro exemplo de limitação da liberdade laboral (alguns países não só a consideram trabalho normal como a legalizaram).
Ainda que se considere o disposto no art. 5º, XIII, da CF, como direito de liberdade individual, limitação ao exercício do trabalho não depende exclusivamente desse dispositivo constitucional, sob pena de conflito de normas. O contexto dessa liberdade é mais amplo e envolve o conjunto dos direitos fundamentais. Inferência importante porque, considerando o sentido literal desse dispositivo constitucional, a liberdade de trabalhar não é ilimitada, tanto que a lei pode restringi-la.
5.2. Liberdade de trabalho e direito fundamental à dignidade humana
Liberdade de trabalhar é princípio fundamental consubstanciado também no art. 1º, III e IV, da CF: respeito à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Eis, aqui, o cerne do problema. Não se pode conceber, por conta de obrigações com seu ex-empregador, que o cidadão seja impedido de trabalhar. Se não pode laborar, não tem como se sustentar. Vedação do exercício dessa liberdade viola o bem-estar do trabalhador, sua dignidade, honra individual e social.
Natureza alimentar do exercício do trabalho é correlata à dignidade humana, princípio elevado a patamar constitucional supremo, que se exterioriza também pelos direitos fundamentais de liberdade e de igualdade, consubstanciados em sua vertente solidária: assegurar ao trabalhador proteção contra necessidades de ordem material básica, além de existência digna[44], o que pressupõe livre exercício de trabalho para garantir sustento.
É assente em doutrina, contudo, que não ocorre afronta a princípio fundamental se a vedação de exercício laboral é compensada por indenização, medida que deve atender ao princípio da razoabilidade, ao equilíbrio das relações contratuais.
O contrato deve cumprir sua função social (art. 421 do CC), princípio a nortear a vontade das partes, que, mais do que a restringir, levará em conta o direcionamento que o negócio firmado pode tomar. Em outras palavras, consequências do contrato devem atender a funções que respeitem a dignidade humana, igualdade, solidariedade, ética[45]. O mínimo é que a compensação pela limitação do direito de trabalhar atenda a esses princípios. A jurisprudência, inclusive, tem considerado com parcimônia a possibilidade de inserção desse tipo de cláusula no contrato [grifo nosso]:
“RECURSO DE REVISTA. NULIDADE. (..omissis...). TERMO DE CONFIDENCIALIDADE E NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DE TRABALHO. CONDIÇÃO POTESTATIVA. ASSINATURA APENAS DO TRABALHADOR. 1. Hipótese em que consignado pelo TRT que - as partes pactuaram cláusulas especiais mediante Termo de Confidencialidade e Não Concorrência (fls.47/50) dois meses após a admissão do réu, na forma de adendo, tendo a relação empregatícia vigorado de 21 de agosto de 2006 a 27 de abril de 2010, ou seja, o Termo foi ajustado ainda no início da vigência contratual, sendo certo que nenhum vício de consentimento restou comprovado pelo recorrente, a fim de infirmar a validade do pacto -. 2. A teor do art. 444 da CLT, as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação entre as partes, desde que observadas as disposições de proteção ao trabalho, as normas coletivas aplicáveis e as decisões das autoridades competentes. 3. Por sua vez, prescreve o art. 468 da CLT que, - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda assim, desse que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia -. 4. No caso, o TRT concluiu pela validade da alteração do contrato de trabalho, haja vista que não restou comprovado o vício de consentimento, tampouco caracterizado prejuízo, de modo a invalidar a avença. 5. Todavia, a estipulação de cláusula de confidencialidade e não concorrência, a par de cingir-se à esfera dos interesses meramente privados, somente pode ser reputada válida mediante juízo de ponderação, ante a colisão de direitos fundamentais tais como o livre exercício de trabalho ou profissão, a proteção da propriedade privada e o primado da livre iniciativa, dentre outros princípios. 6. Imprescindível, por sinal, a concessão de vantagens recíprocas, de modo a justificar a restrição temporária convencionada. 7. Por certo, a contrapartida oferecida pela empresa, consistente no pagamento mensal equivalente ao último salário do réu, que o TRT considerou proporcional à obrigação imposta, não possui o condão, por si só, de revestir de validade a restrição imposta no curso do contrato de trabalho. 8. É incontroverso, no caso, que em 21.8.2006, o reclamante foi contratado para desempenhar a função de Diretor de Tecnologia e Serviços da Autora, e que, nessa qualidade, exerceu atividades que o TRT entende justificar a celebração do Termo de Confidencialidade. Registrado, por sua vez, que somente após o interstício de dois meses, ou seja, com o contrato já em curso, foi celebrado aditivo ao contrato de trabalho, em que avençada referida - quarentena -. Não há, por sua vez, notícia acerca de qualquer alteração nas condições de trabalho do réu, pela qual se tenha agregado alguma vantagem ao trabalhador. 9. Não há como se depreender, em tal contexto, que restrição de tamanha importância decorra de livre estipulação, em que as partes se encontram em pé de igualdade, ainda que o réu ostente a qualidade de alto empregado, pois tal situação não afasta a condição de hipossuficiência do réu. Aliás, a impossibilidade de o réu desempenhar atividades análogas a que exercia, durante o período de um ano, pode inclusive resultar em significativo entrave à reinserção do réu em um mercado de trabalho que se sabe muito competitivo, mormente considerando a ausência de limitação territorial na cláusula de confidencialidade e não concorrência, o que leva concluir pela sua abrangência em todo o territorial nacional . 10. Soma-se a isso a evidente desproporção entre a contraprestação oferecida pela empresa - pagamento de salário mensal pelo período da restrição - e a multa em caso de descumprimento da obrigação pelo ex-empregado (multa não compensatória correspondente ao valor resultante da multiplicação do último salário do réu por 25), sem prejuízo da indenização decorrente da responsabilidade civil. Além disso, conquanto a empresa, em caso de descumprimento de sua obrigação, estivesse também sujeita a multa, tal seria calculada no importe de 12 vezes o salário do reclamante, ou seja, em montante inferior àquele devido pelo réu. Soma-se a isso, que a empresa poderia, a seu critério exclusivo, dispensar o reclamante de sua obrigação e, por conseguinte, a autora ficaria desobrigada do pagamento dos salários e da própria multa. 11. Não se olvida, por sua vez, que a contraprestação eventualmente paga pela empresa equivale ao último salário, o que, por sinal, não se confunde com remuneração. Desse modo, consabido que a cláusula de confidencialidade e não concorrência não estava definida no momento da contratação, como uma condição para a admissão do réu no cargo de Diretor de Tecnologia, conclui-se pela alteração prejudicial das condições de trabalho, pela submissão do réu aos termos do pacto. Recurso de revista conhecido e provido. (TST , Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 21/05/2014, 1ª Turma; DEJT 30/05/2014)[46]
6. Cláusula de não concorrência no direito comparado
Países que adotaram previsão legal expressa quanto à cláusula de não concorrência no contrato de trabalho tiveram o cuidado de estabelecer indenização compensatória equânime, além de limitar o prazo de vigência do pacto. Maneira encontrada para compatibilizar proibição de o trabalhador exercer seu labor com a proteção de direitos do empregador, em especial os ligados ao sigilo de informações e procedimentos estratégicos essenciais à sobrevivência do negócio. A legislação portuguesa prevê indenização compensatória (art. 136, incisos):
1. São Nulas as cláusulas dos contratos individuais e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.
2. É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subseqüentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:
a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efetivamente causar prejuízo à entidade patronal;
c) Atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação de sua actividade, que poderá sofrer redução equitativa quando a entidade patronal houver despendido somas avultadas com sua formação profissional.
3 – Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência.
4 – São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea c) do n.º 2.
5 – Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos.
Na Espanha, o Estatuto de Los Trabajadores, art. 21, 2, “b”, prevê “que seja paga ao trabalhador uma compensação adequada”[47]. Na Itália, o art. 2.125 do Código Civil também prevê cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, sob a condição de indenização respectiva[48].
Nos Estados Unidos da América, vários Estados legislaram sobre cláusula de não concorrência[49]:
- Texas (Covenant not to Compete Statute, 1989 e 1993 Act);
- Flórida (Florida Statue par. 542.335);
- Wisconsin (Sec. 103.465, Winsconsin Statute).
- Nebraska: os Tribunais não conferem validade às cláusulas de não concorrência.
- New York: são válidas as cláusulas de não concorrência, desde que respeitados três requisitos: “se a restrição não é maior que o necessário à proteção dos interesses legítimos do empregador; se não impõe uma injusta opressão ao empregado; se não traz prejuízos ao público”[50].
Validade da cláusula de não concorrência está pautada pelo critério da razoabilidade. Não há violação do princípio protetor do trabalho se patamares civilizatórios mínimos são respeitados; nesse caso, as legislações portuguesa e nova-iorquina são bons exemplos, obedecendo aos seguintes parâmetros: a) se a restrição é necessária à proteção de interesse legítimo do empregador; b) se a restrição não impõe situação injusta ao trabalhador; c) deve haver razoável limitação temporal e territorial[51]. Importante, também, que essa cláusula seja feita por escrito, como, aliás, é previsto nos países que adotaram essa possibilidade.
7. Modalidades de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho
Estipulação de cláusula de não concorrência visa a resguardar informações essenciais à sobrevivência da atividade empresarial. Utilização dessas informações por terceiros, em razão do término do contrato de trabalho (ou mesmo em seu curso), pode colocar o negócio do empregador em risco, ainda que em potencial, pois o empregado não só poderia fornecê-los ao novo empregador, como poderia utilizá-los em atividade por conta própria. Salvaguarda geral da cláusula de não concorrência é manter em segredo dados cruciais à atividade do ex-empregador, para que não sejam usurpados pela concorrência desleal.
A prática empresarial estabeleceu regras que visam à proteção desse sigilo. Juridicamente, são modalidades contratuais[52]: não concorrência simples, cláusula de permanência, cláusula de confidencialidade, cláusula de solicitação, clawback.
7.1. Cláusula de não concorrência simples
Condiciona a liberdade de exercer atividades profissionais levando em conta apenas limite temporal e/ou territorial, evitando que o empregador seja prejudicado por concorrentes, que poderão contratar o trabalhador e se utilizar de procedimentos ou informações técnicas a que ele teve acesso. A contrapartida é indenizatória, isto é, receberá o trabalhador compensação pecuniária[53].
7.2. Cláusula de permanência
Condiciona a liberdade de o trabalhador rescindir o contrato de trabalho, salvo se por justa causa. O empregador deverá manter o vínculo de emprego com o trabalhador, por determinado período de tempo[54]. A contrapartida do empregador, em geral, é concedida mediante realização de cursos ou treinamento do empregado, melhorando sua formação profissional.
7.3. Cláusula de confidencialidade
Trata da obrigação de o empregado não revelar dados confidenciais após a rescisão contratual, mas não necessariamente limitando a liberdade de trabalhar. Requisitos: 1) descrição, por escrito, do que seja considerado confidencial; 2) período em que o empregado se obriga a não revelar o segredo; 3) declaração de que os dados serão utilizados exclusivamente a serviço do empregador[55].
Restrição dessa liberdade não pode ser confundida com limitação da experiência profissional do empregado, utilizada em prol de seu novo empregador ou no trabalho por conta própria (a linha divisória é tênue), como assinala Regiane Teresinha de Mello João[56], destacando a necessidade de se obedecer ao princípio da razoabilidade: “No caso Earth Web vs. Schlack, um juiz de Nova Iorque entendeu que o período de doze meses era muito tempo considerando a rapidez que envolve o setor de Internet”[57].
7.4. Cláusula de solicitação
Consiste na proibição do ex-empregado aliciar clientes, fornecedores ou empregados do ex-empregador. Também inexiste, nesse caso, limitação da liberdade de trabalho. Objetivo é evitar a concorrência de outras empresas que possam ter acesso a listas de clientes fornecidas pelo empregado desleal[58]. Envolve limitação temporal/territorial, que precisa ser bem definida, porque acirrada a disputa por clientes, especialmente na área comercial.
7.5. Cláusula limitativa de distribuição de ações ao empregado (Clawback)
Muito utilizada nos EUA, consiste na limitação dos planos de stock options ou outros programas de distribuição de ações aos empregados, podendo o empregador reverter o benefício se o ex-empregado, por exemplo, praticar atos que impliquem em concorrência desleal simples, aliciar empregados ou clientes do ex-empregador, violar dados sigilosos, etc.[59].
8. Efeitos da violação da cláusula de não concorrência
Descumprindo o empregado cláusula contratual de não concorrência deverá indenizar o ex-empregador, sem prejuízo de eventuais sanções criminais. Embora não obrigatória, porque a responsabilidade contratual é prevista no art. 389 do CC, recomendável que essa possibilidade esteja expressamente prevista no contrato.
Novo empregador do trabalhador também está sujeito a sanções, salvo se ignorar a existência de cláusula de não concorrência; a partir do momento que tenha ciência desse fator poderá ser responsabilizado por danos ao anterior empregador do trabalhador:
“Assume a responsabilidade em relação ao empregador precedente se celebrar contrato de trabalho com tal empregado (...omissis…); a responsabilidade do empregador é a responsabilidade delituosa do terceiro cúmplice da violação de uma obrigação contratual. O beneficiário da cláusula de não concorrência pode igualmente, se desejar, fazer o novo empregador romper o contrato de trabalho com o empregado”[60].
A lesão ao ex-empregador é até mesmo o dano em potencial, porque a simples admissão do ex-empregado por outra empresa pode colocar em risco seu negócio[61]. A questão é se o dano potencial gera reparação. Em que pese o princípio da restituição integral, consubstanciado nos artigos 402 e 944 do CC, c/c Súmula 37 do STJ, a jurisprudência majoritária rejeita indenização por dano hipotético.
Contudo, do mesmo modo que na indenização por perda de chance repara-se mera probabilidade de se concretizar o direito da parte – possibilidade eliminada por ação ou omissão do agente[62] –, na cláusula de não concorrência, o dano é iminente pela simples violação do pactuado[63], cabendo reparação independentemente da apuração imediata dos prejuízos.
“Por outro lado, é dispensável a concretização do dano, bastando para a configuração da concorrência desleal a possibilidade ou iminência de resultado gravoso para o concorrente que se sentir lesado em seu patrimônio imaterial e para o agente buscar a cessação dos atos. Isso se deve ao fato de que na ação de concorrência desleal o que importa é a configuração e interrupção dos atos indevidos, pouco importando os prejuízos que foram causados, que poderão ser ressarcidos posteriormente caso comprovado o dever de indenizar.”
Ato ilícito, no caso, é o descumprimento da cláusula contratual, sendo o dano consequência dessa prática. Aliás, o art. 188 do CC não excluiu da caracterização do ilícito o dano em potencial.
Nos termos do art. 20 da Lei 8.884/94, que trata das infrações contra a ordem econômica, inclusive no tocante à defesa da concorrência, a responsabilidade do agente é objetiva. Nessas condições, será considerada objetiva a responsabilidade do empregado desleal; também, a do novo empregador que violar cláusula de não concorrência com o empregador anterior[64]. A responsabilidade objetiva encontra resistência nos tribunais, prevalecendo a teoria da culpa. De todo modo, é desnecessário o dolo para configuração da violação de cláusula de não concorrência, bastando culpa do agente.
9. Competência processual em face dos conflitos decorrentes da cláusula de não concorrência
Competência processual para conhecer de conflitos que possam surgir da violação de cláusula de não concorrência, quando menos no litígio entre ex-empregador e ex-empregado, é da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, I, da CF. Maior resistência para a competência juslaboral seria em relação ao conflito entre ex-empregador e novo empregador do trabalhador que firmou cláusula de não concorrência, porque a relação jurídica entre ambos seria de natureza civil, extracontratual.
Apesar do art. 114, IX, da CF, condicionar à regulamentação legal a competência da Justiça do Trabalho para conhecer de “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, o inciso VI, do mesmo dispositivo, amplia essa competência para “ações de indenização por dano moral e patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”. Não há limitação, portanto, em razão da pessoa se a demanda trate de indenização por dano moral ou material. Basta que a questão de direito esteja assente na relação de trabalho, em sentido amplo.
CONCLUSÃO
Embora inexista na legislação brasileira previsão expressa para cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, está autorizada pela conjugação dos artigos 444 e 482, “c” e “g”, da CLT. O intérprete deve analisar o caso concreto diante do princípio da razoabilidade, respeitados os requisitos de validade da cláusula de não concorrência.
Cláusula de não concorrência não afronta a liberdade de trabalho desde que garantida ao empregado justa compensação pelo período em que não poderá trabalhar para outro empregador, ou mesmo por conta própria, no tocante aos elementos descritos na respectiva contratação. As delimitações temporais e territoriais são fundamentais à espécie.
Considerando a natureza alimentar do salário, compensação monetária para o empregado, em razão do impedimento de trabalhar para outro empregador ou de forma autônoma, supre, em tese, a limitação dessa liberdade. Por outro lado, a prestação de serviços para outro empregador, em seguida à demissão do último contrato, poderá ser mais relevante ao empregado, conforme o caso – p. ex., dar seguimento à sua carreira profissional. O novo emprego poderá até lhe proporcionar melhor condição social.
Por essas razões, a cláusula de não concorrência no contrato de trabalho deve ser estipulada tendo em vista a proteção de direitos fundamentais, especialmente respeitando o princípio da função social do contrato.