RESUMO: O presente artigo tem como finalidade revisitar a forma como tem sido decida a questão atinente à repetição do indébito. Para tanto se analisam os conceitos fundamentais de consumidor e fornecedor, bem como as repercussões processuais de litigar na condição de consumidor. Ao final analisa-se a imposição da necessidade de prova de má fé do fornecedor como requisito da repetição do indébito.
ABSTRACT: This article aims to revisit the way the question regards the repetition of the overpayment has been decided. For this we analyze the fundamental concepts of consumer and supplier as well as the procedural implications of litigating as a consumer. At the end analyzes the imposition of the need for evidence of bad faith from the supplier as a requirement of repeating the magpie.
PALAVRA CHAVE: Consumidor. Fornecedor. Repetição. Indébito. Má-Fé.
KEYWORD: Consumer. Supplier. Repetition. Misuse. Bad Faith.
1. Introdução
Em uma sociedade cada vez mais marcada pela universalidade dos meios de produção e consumo vêem-se incontáveis relações jurídicas, dentre elas, as relações de consumo.
Tais relações há muito deixaram de ser vistas de forma simplista e reduzida à formula: entrega de dinheiro gera entrega de produtos e serviços.
Após essa mudança de concepção, o direito do consumidor ganha status constitucional, com regulação própria por meio da lei 8078/90.
Nesse texto normativo os direitos básicos da relação encontram-se presentes com finalidades diversas, dentre elas a proteção do consumidor contra os abusos cometidos pelo fornecedor, o que ocorre, por exemplo, no controle e cobrança da inadimplência.
Com este foco é que se teve a regulação da cobrança indevida prevendo cominações quando ocorrida, tais como a devolução em dobro.
Ocorre que algumas decisões judiciais no âmbito das relações de consumo têm exigido a prova da má-fé do fornecedor para a condenação da repetição do indébito de forma duplicada. Seria, porém, a prova da má-fé, um requisito para a condenação?
A princípio não, já que os dispositivos legais não trazem qualquer menção da necessidade de má-fé. Ademais, a interpretação sistemática da lei consumerista demonstra a clara contradição à necessidade dessa prova, ainda mais quando se coloca essa necessidade ao consumidor, parte hipossuficiente da relação.
O estudo dessa exigência da má-fé se revela de grande importância para os consumidores, bem como para os operadores do direito, os quais poderão rever suas condutas antes e depois do ajuizamento da ação. O momento se revela propício para a pesquisa em discussão, já que o cenário vivido na economia nacional é propício para as relações consumeristas e as repercussões dela advindas. Para viabilizar a pesquisa se usará de fontes doutrinárias e jurisprudenciais.
2. As atuais concepções de consumidor e do fornecedor
A concepção do que se entende por consumidor fora transformada gradativamente com a evolução dos paradigmas de Estado.
No paradigma do Estado Liberal, pós Revolução Francesa, tem-se o surgimento dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Com eles vieram às revoluções industriais e a expansão do mercado de consumo. Nesse contexto, se constatava a liberdade de contratar, com a concepção de que o contrato fazia força entre as partes. O que implicava em uma quase que inexistente defesa do consumidor.
Com a superação do Estado Liberal e o conseqüente surgimento do Estado Social se verifica a intervenção do Estado na Economia bem como nos contratos advindos dessa atividade. É com este espírito que temos o surgimento dos direitos da segunda geração (igualdade), oportunidade na qual o Estado efetivamente inicia a Intervenção na Economia e nas relações de consumo.
Por fim, com a substituição do Estado Social pelo Democrático de Direito, que oportuniza a todos serem co-participes das decisões do Estado, é que os direitos fundamentais ganham guarida. Na Constituição da República Federativa do Brasil, são exemplos claros os Art. 5º XXXII e 170.
Assim em 11 de setembro de 1980 foi promulgada a Lei Ordinária Federal de n. 8.078 intitulada Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC.
No artigo 2º, logo de início, tal dispositivo legal já traz o que se entende por consumidor, sendo-o “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Neste contexto, resta facilmente constatado que para a correta compreensão do termo destinatário final se torna crucial para a definição de consumidor.
Todavia, a ideia de destinatário final não restou esclarecida, posto que ser destinatário final é retirar o bem do mercado(ato objetivo). Mas, se o sujeito adquire o bem para utilizá-lo em sua profissão, adquirindo como profissional (elemento subjetivo) também deve ser considerado como consumidor?
Para os finalistas como Cláudia Lima Marques (2010, p.84) destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico, seja ele pessoa física ou jurídica. Segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto (retirá-lo) da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário econômico do bem. Ou seja, não adquiri-lo para revenda ou para uso profissional. Neste caso não haveria destinatário final. Consumidor seria, então, aquele que utiliza o bem para seu consumo próprio e da sua família e não o profissional já que o fim do CDC seria proteger um grupo específico de pessoas. Porém, essa corrente aceita exceções de pequenas empresas ou profissional que adquire um bem fora do seu ramo. Essa análise deve ser feita pelo judiciário.
Em contraponto, têm-se os maximalistas, para os quais, o consumidor seria o destinatário fático, ou seja, qualquer pessoa física ou jurídica que consome, não importa que seja para uso próprio ou da sua família.
Isso, por que:
[...] os maximalistas viam nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadoras para proteger somente o consumidor não profissional. O CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes de mercado, os quais podem assumir os papeis ora de fornecedor, ora de consumidores (BENJAMIM, 2010, p.85)
Sendo uma terceira via, a teoria mista ou finalismo aprofundado o critério para definição do consumidor é a vulnerabilidade, reconhecendo como consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou utiliza o serviço, mesmo em razão de equipamentos ou serviços que sejam auxiliadores de sua atividade econômica. Surge aqui a interpretação da vulnerabilidade do consumidor.
Por vulnerabilidade, como nos ensina Antônio Herman Benjamim, podemos entender como “uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desiquilibrando a relação de consumo” (BENJAMIN, 2010, p.87).
Esta teoria, aliás, é que tem tomado força junto aos nossos Tribunais, em especial no STJ:
“1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de quea determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feitamediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritivado art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente odestinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoafísica ou jurídica.2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumointermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna paraas cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e,portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, sópode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço,excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito deconsumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluídopara uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoasjurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismoaprofundado, consistente em se admitir que, em determinadashipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviçopode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frenteao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui oprincípio-motor da política nacional das relações de consumo,premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitimatoda a proteção conferida ao consumidor[...] ( BRASIL, Superior Tribunal de Justiça.CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO.VULNERABILIDADE.REsp 1195642 / RJ RECURSO ESPECIAL 2010/0094391-6, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento 13/11/2012, publicado no DJE em 21/11/2012, RDDP vol. 120 p. 135, RJP vol. 49 p. 156, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=finalista+e+aprofundado&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO, acessado em 13/08/2014)
Destarte, para a melhor compreensão da ideia de consumidor se faz necessária a análise da vulnerabilidade.
Superada a análise do conceito de consumidores, é mister uma digressão pelo que se entende por fornecedor, o qual, de acordo como art. 3º do Código de Defesa do Consumidor é:
“todo pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (BRASIL. Lei 8078 de 11 de setembro de 1990, publicada no D.O.U. de 12.9.1990 - (Edição extra) e retificado no DOU de 10.1.2007, disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm, acessado em 13/08/2013)
Pois bem, do citado artigo acima se vê que para a melhor compreensão do que seja fornecedor é necessário que se tenha por completo a compreensão do termo desenvolvem atividade, ou seja, conforme Leonardo de Medeiros Garcia (2009, 25) somente será fornecedor aquele que pratica determinada atividade com habitualidade.
Ainda sobre o tema continua:
“Nesse sentido, quando a escola oferece cursos não gratuitos no mercado, por praticar(desenvolver) a atividade de ensino, será considerada fornecedor. Agora, quando essa mesma escola resolve vender o veículo que serve para transportar professores, não estará atuando com habitualidade, pois não desenvolve a atividade de compra e venda de veículos. Nesse caso, ainda que se tenha do outro lado uma pessoa física adquirindo o veículo, a escola não será considerada fornecedora, não se estabelecendo, portanto, uma relação de consumo”. ( GARCIA, 2009, 25)
João Batista de Almeida, citado por Garcia (2009, 25) traz brilhantes ensinamento sobre o tema:
“fornecedor é não apenas que produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também que vende, ou seja, comercializa produtos nos milhares e milhões de pontos de venda espalhados por todo o território nacional. Nesse ponto, portanto, a definição de fornecedor se distancia da de consumidor, pois, enquanto este há de ser o destinatário final, tal exigência já não se verifica quanto ao fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso sua profissão ou atividade profissional”ALMEIDA, João Batista de, apud Garcia( 2009, p.26)
Destarte, resta demonstrado que teologicamente o conceito de fornecedor é o mais abrangente possível, já que busca a efetiva proteção do consumidor em suas várias relações.
3. As atuais vantagens processuais de se demandar como consumidor
O consumidor em juízo está amparado por uma série de facilitações que a lei nº 8.078/90 lhe confere, sobretudo diante da verossimilhança do alegado ou da sua hipossuficiência de recursos e técnica.
Ao se fazer uma leitura mais detida dos dispositivos da referida lei, sobretudo o artigo 6º[3], podemos perceber que o legislador criou um microssistema processual que deve ser observado quando se tem no polo da lide um consumidor em detrimento do fornecedor. As garantias de facilitação na defesa, interpretação favorável de contratos e inversão do ônus da prova repercutem de forma profunda não só no direito material em si como no direito processual, vez que a distribuição e valoração das provas devem estar atreladas à obediência destes dispositivos.
Diferente do que ocorre na prática processual ordinária, a distribuição do ônus de prova não segue rigorosamente o disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil. Isto porque o consumidor, autor em juízo, pode não ser obrigado a produzir as provas do fato constitutivo do seu direito (333, I do CPC) se o Magistrado, aplicando o disposto no inciso XIII do artigo 6º do CDC, inverter o ônus de prova.
Esta facilitação em juízo prestigia o consumidor em detrimento do fornecedor, pois este, além de já estar ciente dos riscos de sua atividade, tem mais facilidade de produzir provas do que o consumidor que muita das vezes é totalmente leigo.
Mesmo diante das facilidades que o legislador pátrio houve por bem estabelecer para o consumidor em juízo, não é raro depararmos com situações um tanto quanto estranhas na prática processual, sobretudo no que tange ao ônus da prova.
Esta obrigação – para uns faculdade – que a lei trouxe de se inverter o ônus de prova em favor do consumidor e facilitar a defesa em juízo tem se chocado fortemente com regras processuais como livre convencimento motivado do juiz e princípio dispositivo. Talvez por uma prática indiscriminada de inversão do ônus da prova em sentença em detrimento dos fornecedores em juízo, iniciou-se um processo de criação de requisitos judiciais para amparar o direito dos consumidores. Um destes requisitos judiciais que a jurisprudência tem firmado é o da má-fé em pedido de repetição de indébito, que tem massacrado a pretensão dos consumidores em litígio afrontando a norma consumeirista.
Revela-nos ainda importante antes de apontar os equívocos deste requisito, tecer considerações breves acerca desta inversão indiscriminada do ônus da prova em sentença, que agora também tem ocorrido em prejuízo do consumidor.
A inversão do ônus da prova, no nosso entendimento, deve ser manifestada pelo Juízo antes de proferir a sentença, ainda em despacho saneador, evitando assim cerceamento de defesa. Neste sentido, Fred Didier Jr., posicionou-se em sua obra.
A previsão da inversão do ônus da prova amolda-se perfeitamente ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais (consumidor e fornecedor) – desigualdade essa reconhecida pela própria lei. Assim, a inversão pode dar-se em qualquer ação ajuizada com fundamento no CDC.A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e em tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois ‘se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia. (r., Fredie Didier; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 7ª Ed. Salvador: juspodivm, 2012, p. 85-88.)
Desta feita, conforme demonstrado, várias são as benesses de litigar em juízo como consumidor, em especial a responsabilidade objetiva do fornecedor, a inversão do ônus da prova e a cadeia de responsabilidades solidária.
4. O requisito da má-fé na repetição do indébito e a re-inversão do ônus da prova em sede de sentença
Não é raro nos depararmos com decisões judiciais – em processo cuja discussão é repetição de indébito apoiada no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor – que julga improcedente o pleito do consumidor ao fundamento de ausência de prova da má-fé do fornecedor.
Em que pese a jurisprudência ter caminhado neste sentido, principalmente nos Juizados Especiais, parece-nos um tanto quanto contrário ao espírito da legislação consumeirista e afronta ao próprio dispositivo legal que se baseia, a determinação ao consumidor de prova da má-fé do fornecedor para se deferir a repetição do indébito, ainda mais em sentença.
O STJ, apesar de posições distintas das Turmas, tem entendimento majoritário no sentido de que deve haver prova da má-fé (dolo) para se aplicar a penalidade da repetição do indébito. Interessante lembrar que naquela Corte houve ampla discussão inclusive sobre dolo e culpa no caso do artigo 42 do CDC.
E, apesar da ampla discussão judicial sobre a má-fé (dolo) e erro justificável (culpa), parece-nos que não se deliberou sobre o espírito da norma que trouxe uma causa de excludente de responsabilidade, e não um requisito para deferimento da repetição de indébito.
Em recente julgado, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento de que a sanção só se aplicaria no caso de prova de engano injustificável. Assim restou ementado:
CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. ENGANO JUSTIFICÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 21 DO CPC. SÚMULA 211/STJ. 1. O Tribunal de origem afastou a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente a título de tarifa de água e esgoto, por considerar que não se caracterizou má-fé ou culpa na conduta da concessionária. 2. "Nos termos da jurisprudência da Segunda Turma, não se considera erro justificável a hipótese de 'dificuldade de interpretação e/ou dissídio jurisprudencial'. Precedentes: (...). No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão +ensejo à punição do fornecedor do produto em restituição em dobro" (AgRg no REsp 1.117.014/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, j. 2.2.2010, DJe 19.2.2010). 3. No presente caso, o Tribunal a quo consigna expressamente que "a sanção explicitada no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor somente é aplicável nos casos em que se verifique a ocorrência de engano injustificável do fornecedor ou prestador de serviços na cobrança dos débitos, hipótese que não se enquadra no vertente caso, em que se registra a e existência de acentuada divergência no concernente a interpretação das disposições constantes no Decreto Estadual nº 21.123/83". 4. Inexistindo culpa da concessionária, inaplicável a condenação de devolução em dobro. 5. O Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre o art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 6. Em conformidade com a orientação remansosa do Superior Tribunal de Justiça, caberia à parte, nas razões do seu Recurso Especial, alegar violação do art. 535 do CPC, a fim de que o STJ pudesse averiguar a existência de possível omissão no julgado, o que não foi feito. 7. Agravo Regimental da Casa de Nossa Senhora da Paz não provido; Agravo Regimental da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp parcialmente provido para afastar a aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. AgRg no REsp 1308651 SP 2011/0082439-6, Ministro Herman Benjamim, julgamento 07/05/2013, Segunda Turma, DJe 17/05/2013
Eis ai o problema, pois, a interpretação do dispositivo desta forma criou um ônus probatório ao consumidor injustificadamente. Há clara alteração no ônus de prova, opejudicis, que contraria o caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor, já que a prova do engano justificável deve ser, por evidencia, ônus do credor.( Nunes, 2013, 642).
Outro fato que chama a atenção é o momento processual em que se estabelece este ônus de prova. A prática hodierna tem nos demonstrado que este ônus tem sido imposto ao consumidor em sede de sentença, quando se toma conhecimento de que deveria ter produzido prova da má-fé do fornecedor.
Revela-se um tanto quanto estranho a imposição de um ônus (inexistente) ao consumidor em sentença enquanto a providência inicial que se deveria tomar em litígio desta natureza deveria ser a manifestação sobre a inversão do ônus da prova conforme determina o inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.
Quando o Juízo não manifesta em saneador sobre a inversão do ônus da prova em favor do consumidor e profere sentença improcedente com relação ao pedido de repetição de indébito por ausência de prova da má-fé, além de trazer em sentença um requisito que a lei não impõe, inverte o ônus de prova contra o consumidor.
Quando o Juízo manifesta inicialmente pela inversão do ônus da prova e em sentença julga improcedente o pedido de repetição do indébito por ausência de prova da má-fé, re-inverte, o ônus de prova em sentença, o que é mais nefasto que a situação anterior.
O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor é imperativo ao afirmar que a cobrança indevida gera o direito à repetição de indébito. Contudo, o legislador houve por bem trazer hipótese de escusa ao réu, qual seja: prova de erro justificável.
A regra é condenação à devolução em dobro com prova da cobrança indevida (cobrar o que não se deve), já a exceçao é a prova de erro justificável pelo réu.
Entende-se, assim, que o que ocorre na prática é que a regra passou a ser exceção e vice-versa. E por fim, como excludente que se pretendeu afirmar a jurisprudência, quer seja de culpa ou dolo, tal prova só pode recair sobre o réu.
Caso contrário, estar-se-ia frente a uma afronta aos princípios norteadores da relação de consumo, com clara e desproporcional re-inversão do ônus da prova.
5. Considerações Finais
Viu-se que a relação de consumo é aquela que se estabelece entre consumidor e fornecedor, tendo como foco a prestação de um serviço ou fornecimento de um produto.
Litigar em juízo sob as proteções dos princípios inerentes à relação de consumo traz ao consumidor benesses várias, tais como a inversão do ônus da prova, a responsabilidade objetiva do fornecedor bem como a cadeia de responsabilidades solidárias.
Todavia, o que se tem visto nos julgados recentes é que ao decidir acerca da cobrança indevida de dívida do consumidor pelo fornecedor os tribunais têm exigido do consumidor a realização de prova de que a conduta do fornecedor estava viciada de má-fé.
Inobstante, pode-se concluir que ao exigir-se do consumidor a prova de conduta de má-fé do fornecedor vai de encontro com os princípios da relação de consumo, em especial a vulnerabilidade do consumidor.
Não bastasse, ao imputar ao consumidor o ônus da prova ocorre clara re-inversão do ônus probatório que fora a ele concedido por ocasião do artigo 6º VIII do CDC, o que seria um retrocesso.
Portanto, para que seja garantido o tratamento diferenciado previsto na Constituição da República – diferenciando inclusive a aplicação da norma especial (consumidor) e da regra geral (Código Civil, artigo 940) –, bem como no CDC, a prática de exigir do consumidor o ônus da má fé do fornecedor deve ser abolida
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