4. O art. 98. do Código Tributário Nacional e sua recepção pela Constituição Federal de 1988
Antes de tudo devemos considerar os três níveis de competência hierárquica para a determinação das normas tributárias no que diz respeito ao papel dos tratados internacionais em matéria tributária, que são: a) constitucional; b) complementar; c) ordinária.
a) Constitucionalmente determina-se que lei complementar dirimirá os conflitos de competência infraconstitucionais (artigo 146, inciso I da CF);
b) Decorrente do mandamento anterior a lei complementar em matéria tributária será necessariamente observada por todo o ordenamento tributário, salvo disposição em contrário de nova norma complementar atinente à mesma matéria, assim sendo, o art. 98. do CTN será vinculante sobre toda a Ordem Tributária legal e infralegal;
c) Como corolário das anteriores, será conferido ao tratado internacional o poder de prevalecer sobre normas vigentes e futuras quando se reportarem aos tributos, o tratado será competente para tipificar a conduta do contribuinte, mas, quando o tratado impuser normas de estrutura, também, terá uma finalidade complementar às disposições da lei complementar e superior à da lei comum, em virtude do princípio da especialidade.
O artigo 98 do CTN só poderá ser considerado como não recepcionável na medida em que se postule postura dualistas, ou monista com ênfase no direito interno, onde se considera o Direito como um Duplo e não como Unidade, neste sentido apresentam-se Paulo Ayres Barreto, Roque Antônio Carrazza, e, Estevão Horvath e Nelson Ferreira de Carvalho. Como o eminente Ayres Barreto socorre-se dos demais para definir sua postura dualista, façamos breve crítica aos mesmos.
Horvarth e Ferreira de Carvalho acertam nos princípios que vinculam a ordem interna e externa, mas erram ao considerá-los como se dois sistemas o fossem, pois por mais que "O primeiro [seja] fundado no princípio da soberania", e, "O segundo no princípio pacta sunt servanda (apud Paulo Ayres Barreto, op. cit., p. 162), repito, por mais que sejam estes os princípios informadores dos sistemas interno e externo, equivocam-se nossos doutrinadores dualistas ao esquecerem que o sujeito de direito internacional, o Estado do Brasil representado pelo Presidente da República, só poderá pactuar em virtude da competência prevista constitucionalmente capacitando-o a transigir conforme os interesses pátrios, e, que ao se proceder à fiscalização presente no referendo praticado pelo Congresso, que poderá aditar ou suprimir reservas ao tratado, logo, se a convenção chega finalmente à promulgação, então a mesma terá presunção de legitimidade depondo a seu favor, pois a vigência dos compromissos assumidos, mediante livre manifestação de vontade e cumpridos de boa-fé.
Diante de todo o exposto, podemos asseverar que só se dá tal capacidade contratual em vista do próprio princípio da soberania, em DIP contrata-se soberanamente .
Carrazza em sua grande erudição de profundo constitucionalista leva ao extremo a prevalência da Ordem Tributária quando se refere ao MERCOSUL e as conseqüências jurídicas de sua vigência em nosso ordenamento, segundo nosso celebrado autor "a União não pode, nem mesmo por meio de tratado internacionais, obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a observarem isenções de tributos locais, ainda que assumam a forma de não-incidência, incentivos parcelamentos de débitos, créditos fictícios etc" (in Mercosul e tributos estaduais, municipais e distritais, Revista de direito tributário n. 64, p. 182. a 191), ora, Carrazza comete o pecado original de confundir o Chefe de Governo com o Chefe de Estado, encarnados juridicamente na pessoa do Presidente, no plano externo o único representante do Estado do Brasil é o Presidente, cujos atos de negociação podem e devem ser controlados pelo Congresso no ato de referendar, com aditamento ou supressão de reservas, logo, não é a União de realiza o tratado, não é a pessoa jurídica de direito público interno, é a pessoa jurídica de direito público internacional de posse de sua soberania plena que acorda, vontade esta que se manifesta por sobre as autonomias singulares, inclusive dos Estados, Municípios e Distrito Federal, não só da competência da União como quer nosso tributarista dualista.
Para corroborar o sobredito leiamos o que dispõe a Carta Maior:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Nas relações internacionais são princípios a cooperação entre os povos e a busca da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, sem olvidar aos interesses nacionais, aos direitos humanos, à igualdade entre os povos e da autodeterminação dos povos, tais cláusulas pétreas são efetivamente coordenáveis dentro do Direito Pátrio no sentido de criar a harmonização com os princípios Federativo e da Ordem Tributária, pois a soberania deve prevalecer sobre a autonomia, a integração é valor que se sustenta na primazia do interesse do Estado do Brasil por sobre o interesse das autonomias particulares.
Ora, para concluir, em vista de tais princípios constitucionais, nada mais natural que a recepção do art. 98 do CTN.
5. O processo de recepção dos tratados internacionais
A primeira parte da questão será respondida com base em Xavier (1993), que se apóia em Rezek; em suma, a forma pela qual a norma jurídica internacional, veiculada por tratado, se integra ao Direito Interno se dá da seguinte forma:
1ª Fase – CELEBRAÇÃO – que se decompõe em (i) NEGOCIAÇÕES e (ii) REFERENDO;
As negociações se iniciam com a intervenção de agentes do Poder Executivo e termina com a autenticação, esta se dá em duas modalidade: a) rubrica; ou, b) ad referendum; este mediante agentes munidos de Cartas de Plenos Poderes, aquele pela assinatura do Chefe de Estado; isto feito teremos mero instrumento que configura somente a redação do projeto convencional, que expressa somente a vontade de assumir o vínculo (XAVIER, 1993 : 97);
Ora, uma vez que autenticação fixou o projeto do texto convencional, então, passaremos ao início da fase de celebração, que se comporá de duas etapas: a) referendo; e, b) ratificação;
a) Quando o Congresso Nacional atua para referendar o texto autenticado do tratado, seu ato será competente somente para autorizar ou não que a celebração prossiga, ressalvando-se uma única possibilidade de interferência no ato do próprio referendo de aditar ou suprimir reservas a determinados itens do projeto apresentado, sendo que tal interferência, também, não podendo alterar o texto em si, pode limitar ou condicionar a sua eficácia mediante a restrições expressas que negam ou procrastinam condicionalmente a eficácia de elementos textuais do tratado, ora, uma vez que o Congresso haja autorizado o texto, com ou sem reservas, teremos uma autorização para ratificação. A prática constitucional brasileira, referida por Xavier, revela que a forma adotada para o referendo é o Decreto Legislativo;
b) Referendado o projeto autenticado, passaremos à fase de ratificação, ora, enquanto o ato de referendo é vinculado à aceitação ou não do texto, com ou sem reservas, mas sem possibilidade de interferir no seu conteúdo, a ratificação, tal qual a fase de negociação que se conclui na autenticação, são atos de natureza puramente discricionária 26; a autenticação no que respeita ao conteúdo do tratado e a ratificação no que tange à oportunidade que o Presidente da República 27 julga conveniente que o tratado comece a produzir efeitos jurídicos no âmbito interno, o ato de ratificação se materializa em duas dimensões: interna e externa; internamente a opção de ratificar o tratado se dará somente a manifestação externa da ratificação, ou seja, o Decreto do Presidente da República só poderá promulgar internamente o tratado após a troca dos instrumentos de ratificação, assinado pelo Presidente e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, e, a troca de tais instrumentos fixa o momento da entrada em vigor do tratado na ordem jurídica internacional (XAVIER, 1993 : 98), momento em que se consuma o consensus. Ora, após a ratificação, dá-se a promulgação que torna pública a existência de um tratado celebrado pelo Estado do Brasil e o preenchimento das formalidades exigidas para a sua conclusão. A promulgação está sujeita a publicação no Diário Oficial, produzindo efeitos " ex tunc " com relação às datas previstas no tratado para a vigência deste (Parecer Normativo CST nº 3/79 (XAVIER, lo. cit.).
Conclusão
Em conclusão, quem negocia e autentica é o Presidente ou um seu plenipotenciário, quem referenda o texto autenticado é o Congresso Nacional, oportunidade em que pode aditar ou suprimir reservas, que desautorizam parcial ou condicionalmente partes do projeto da convenção, tal referendo se dá consuetudinariamente mediante Decreto Legislativo, após adentra-se na fase de ratificação, ato de competência privativa do Presidente, e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, ato que produz um documento expresso e de caráter formal denominado instrumento de ratificação que ao ser trocado instituirá a vigência do tratado internacional, e, no plano interno, promulgado mediante publicação oficial do decreto presidencial teremos os efeitos ex-tunc, nos termos convencionais.
Obedecendo aos princípios científicos que consideram o Direito como sistema lógico que se fundamenta em um sistema técnico e positivo de normas vigentes e eficazes, eis que o monismo é a solução natural no plano teórico para prestigiar a visão do Direito como unidade e a sua divisão em setores como meramente didática.
Visão dualista é posicionamento teorético que nega tal unidade, o que repugna à Ciência do Direito, ora, a distinção entre as teorias monistas e dualistas está antes de tudo numa postura política que numa jurídica quando se evoca a premissa do fenômeno político da soberania; quando a soberania é tratada como fundamento primeiro do Direito em razão de uma idéia exacerbada do conceito de Nação e suas prerrogativas instrumentalizadas pelo Estado, sobrepondo-se inclusive aos direitos e garantias individuais, então, teremos a possibilidade de um dualismo que cinge o Direito numa espécie de ídolo do deus latino Janus portador de uma cabeça bifronte em que os âmbitos Internacional e Nacional seriam autônomos; neste mesmo erro fundamental incorre a teoria monista com prevalência da Ordem Interna, pois nada mais faz que tornar o monismo em dualismo não na premissa, mas, na conseqüência, no momento da aplicação, ao menos, tal regra em nosso ordenamento não é absoluta, somente relativa, vide o disposto no art. 5º e parágrafos da CF e o art. 98. do CTN, hipóteses em que se verifica a prevalência, ora absoluta ora relativa, da teoria monista com prevalência do direito internacional.
Em relação ao mandamento constitucional temos hipótese de monismo absoluto em matéria de direitos e garantias fundamentais, em relação ao CTN verificamos uma figura mista, quando a matéria tributária claramente tratar de garantia ou direito fundamental será absolutamente prevalente, por se tratar de matéria relacionada a cláusula pétrea; quando não, será relativa sua prevalência no sentido em que se condicionará à legislação complementar passível de alteração mediante regular processo legislativo, e, caso tal alteração se dê em patente conflito com a lei internacional, subsumir-se-á o conflito no plano externo e a conseqüente verificação da prática de um ato ilícito em DIP, independente de considerações de que no plano interno seria possível tal alteração por tratar-se de matéria sem especial regime de proteção constitucional mediante a fixidez da petrus legis.
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