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Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil

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26/10/2003 às 00:00
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A Ordem Tributária deverá se sujeitar quando o tratado internacional favorecer as garantias do contribuinte, pois, em se tratando de relações internacionais, atuará o princípio da especialidade da norma internacional.

Sumário: 1. Introdução – 2. O conceito de tratado internacional – 3. A posição hierárquica dos tratados perante o sistema jurídico brasileiro – 4. O art. 98 do Código Tributário Nacional e sua recepção pela Constituição Federal de 1988 – 5. O processo de recepção dos tratados – 6. Conclusão – Bibliografia.

Resumo: 1º – O princípio metodológico que parte da teoria da unidade do Direito, que admite a identificação de autonomias meramente didáticas entre seus diversos ramos, possibilitando a instauração de um estudo sistemático do direito positivo como objeto da Ciência do Direito; 2º – Implica tal postura em se admitir, no plano científico, a tese monista diante das relações entre Direito Internacional e Direito Nacional e, portanto, há que se admitir a vigência e eficácia da norma internacional com prevalência sobre a norma interna; 3º – Que no nível empírico-pragmático é expressa, em nosso plano jurídico-positivo, a recepção de referida teoria monista pela Constituição Federado de 1988, quando em seu artigo 4º dispõe sobre os princípios a serem observados pelo Brasil em suas relações internacionais.

Palavras-chave: direitos e garantias fundamentais – tratado internacional.


1. Introdução.

O Direito é uma ciência cultural que se estrutura sobre os alicerces fornecidos pelo direito positivo, este dado empírico tem uma dupla natureza, uma técnica e outra política.

Por natureza técnica entendemos a manifestação da norma de direito positivado vigente e eficaz enquanto fruto de uma técnica legiferante operacionalizada por sujeito competente e processo adequado.

Ora, o processo legislativo obedece a regras e princípios postos pelo Poder Constituinte originário, e, tal origem revela a natureza eminentemente política do ato de escolha dos valores norteadores da definição dos conceitos e limites a serem obedecidos pelos operadores do direito, seja o legislador que inova o ordenamento geral e abstrato, seja o aplicador que inova na criação de normas individuais e concretas; o poder fundador inerente aos atos políticos está compenetrado de obediência a princípios éticos e suprajurídicos, em suma, a política do direito além de vincular a técnica de formação da lei também está vinculada, em certa medida, a normas éticas e jurídicas de sobrenível.

Entendemos que o ato política em suas manifestações legítimas, inclusive como Poder Fundador de Nova Ordem Constitucional, submete-se a alguns parâmetros em que deve prevalecer a soberania dos Direitos Humanos, ou Direitos Naturais, que possuem uma realidade racional imanente da realidade social, nacional e internacional.

Se até o ato político de criar Nova Ordem Interna mediante a promulgação da Carta Magna deve obediência a certos parâmetros que lhe conferem o mínimo ético de legitimidade, que dizer da Ordem Derivada da Fundação Constitucional, quando entre os mais diversos princípios que determinada constituição adota verificamos a recepção de princípios de Direito Internacional Público, que uma vez expressos implicam em tantos outros princípios implícitos passíveis de demonstração silogística do ponto de vista da lógica científica de natureza jurídica.

Compreendemos que a Constituição Federal de 1988 se apresenta dentro dos parâmetros acima definidos, ou seja, é norma fundamental que instaura empiricamente uma ordem positiva que se submete à prevalência dos Direitos Humanos como imperativo ético e suprajurídico, e, tal imperativo, são as garantias e direitos fundamentais, que também são o fundamento e a razão de ser da Ordem Tributária.

Verificamos, ainda, que se encarta como Mandamento Constitucional a previsão de princípios de direito internacional (Cf. art. 4º da CF) a serem obedecidos nas relações jurídicas internacionais do Estado do Brasil.

Tais relações podem eventualmente explicitar novas garantias e direitos fundamentais, então, haverá a sujeição de toda a Ordem Pública Interna a tais normas produzidas internacionalmente, conforme os termos do art. 5º, § 2º da CF.

A Ordem Tributária ao ser enfocada como garantia individual fundamental do contribuinte deverá se sujeitar quando a norma jurídica internacional veiculada por tratado for de molde a favorecer e fortalecer tais garantias; se tal inovação entrar em conflito com a Ordem Tributária posta deverá prevalecer a norma internacional, pois, em se tratando de relações internacionais, atuará o princípio da especialidade da norma internacional.

Diante disto, significa afirmar que mesmo que não existisse o art. 98 do CTN a explicitar tal princípio no âmbito da Ordem Tributária, o mesmo por estar implícito na Carta Magna, ou seja, de prevalência da regra de DIP sobre a regra interna, não repugna ao Direito que tal prevalência seja uma regra geral e não somente no que respeita à Ordem Tributária.

A Ordem Constitucional e a legislação complementar do sistema tributário, portanto, testemunham a realidade empírica que confirma a validade da teoria monista com prevalência não só no direito internacional, mas, na verdadeira prevalência, aquela da Ciência Jurídica, pois se o Direito tem o atributo da unidade, esta implica na prevalência da norma internacional sobre a nacional, encontrando limites na Ordem Pública somente quando esta for ofendida em sua estrutura mais fundamental pertinente aos direitos e garantias fundamentais, mas, se eventualmente, os próprios direitos e garantias fundamentais ao serem inseridos pela norma internacional afetarem a Ordem Pública estabelecida, esta cederá o passo por determinação constitucional, desde que se respeitem os direitos adquiridos, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, que são limites objetivos à vigência e eficácia de toda e qualquer norma jurídica no ordenamento legal brasileiro.

Assim sendo, afirmamos com toda a segurança que quando se trata da vigência e da eficácia de determinada norma internacional em nosso ordenamento interno, em vista de expresso mandamento constitucional operará a dialética entre os direitos e garantias presentes na norma internacional; caso a norma internacional fira quaisquer das garantias postas em nosso ordenamento deverá haver o devido controle judicial de constitucionalidade; caso tais inovações introduzidas pela norma internacional atendam aos requisitos do art. 5º e seus parágrafos, então, toda a Ordem Interna submeter-te-á segundo o princípio da especialidade que prevalecerá frente ao princípio cronológico na definição da norma aplicável.


2. O conceito de tratado internacional.

O Tratado Internacional é uma espécie de norma jurídica especialíssima no que diz respeito à forma de constituição e peculiar quanto à sua posição estática e/ou dinâmica em dada ordem jurídica nacional, entretanto, é uma norma jurídica como qualquer outra no que diz respeito à sua finalidade pragmática de incidência sobre a realidade social, pois uma vez consumada a sua introdução em determinado ordenamento jurídico, portanto, vigente e eficaz, o seu destino será a aplicação.

No contexto internacional, em que surgem os tratados internacionais, são presentes as seguintes condicionantes: descentralização, coordenação, horizontalidade e consentimento [1], este último é direto e sem representação parlamentar, e, também, em virtude de tais condicionantes não há vinculação ao princípio majoritário, ou seja, cada vontade singular vincula-se na exata medida de seus interesses particulares, assim sendo temos como corolário de tais características a prevalência do pacta sunt servanda [2], e, envolvendo todas estas condicionantes há os pressupostos da soberania [3] e da boa-fé [4].

Em suma, a clássica doutrina do contrato social vigora com toda a força na sociedade internacional, pois em princípio vige o princípio da igualdade formal entre os diversos entes de direito internacional, e, em função das referidas condicionantes (descentralização, coordenação, horizontalidade e consentimento) eis que estudaremos os conceitos possíveis relativos aos tratados.

Accioly e Silva [5] definem:

Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais. As Convenções de Viena de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos Estados e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sendo que em 1986 ficou ainda esclarecido que tal direito pode ser exercido por sujeitos do direito internacional que não os Estados e organizações intergovernamentais, havendo o direito da Cruz Vermelha Internacional neste particular sido lembrado em mais de uma oportunidade. (destacamos)

Rezek [6] por sua vez ensina que: "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos".

Diante destas duas posições conceituais possíveis frente aos tratados internacionais há que se convir que a postura mais antiga, cujo exemplo é dos autores Accioly e Silva, padece de inconsistência científica para aplicação à Jurisprudência, pois considera o tratado internacional como se fosse simples acordo ou contrato fruto da manifestação de vontade das partes convencionais, sendo que este esquecimento conceitual de referir que os tratados visam a produzir efeitos jurídicos possibilita o desenvolvimento das ilações mais disparatadas no sentido de compreender os tratados como diferençáveis entre tratados-contratos, tratados-leis ou figuras mistas [7]; diante de tais equívocos o melhor testemunho técnico-científico é dado por Rezek, que ao justificar o conceito citado acima explana que:

A produção de efeitos jurídicos é essencial ao tratado, que não pode ser visto senão na sua dupla qualidade de ato jurídico e de norma. O acordo formal entre Estados é o ato jurídico que produz a norma, e que, justamente por produzi-la, desencadeia efeitos de direito, gera obrigações e prerrogativas, caracteriza enfim, na plenitude de seus dois elementos, o tratado internacional [8].

Em suma, o tratado é a norma jurídica produzida mediante um ato de vontade estatal num contexto em que se presume a igualdade formal [9] entre as partes, ato que consuma uma relação jurídica de direito internacional e que funda a obrigatoriedade da aplicação da norma internacional mediante os princípios do pacta sunt servanda [10]e da boa-fé.

Este conceito tem conseqüências muito importantes na determinação da posição hierárquica e na dinâmica das normas oriundas dos tratados no contexto da unidade que é o Direito.


3. A posição hierárquica dos tratados perante o sistema jurídico brasileiro.

Ora, a função dos tratados dependendo do contexto pode ser (i) equiparável à da lei complementar por imputação expressa da Constituição [11]; (ii) com função superior à da lei ordinária em virtude de imputação infraconstitucional, mediante ordenamento inserto em lei complementar; e, por fim, (iii) igual à da lei ordinária nos demais casos. Explico-me melhor [12]:

(i) O tratado internacional será equiparável à lei complementar em sede de direitos e garantias fundamentais, cf. a inteligência do art. 5º, § 2º da CF, isto é, tendo em vista que mesmo que não seja feita a referência expressa de que a competência do tratado seja a mesma da lei complementar a sua função será complementar à Constituição na medida em que é competente para suprir a Lei Maior de direitos e garantias implícitos decorrentes do regime e dos princípios, que podem vir no seu conteúdo, neste sentido Pinto Ferreira assim disserta:

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A finalidade do preceito é evitar e coibir violações contra os direitos humanos; por isso, a enumeração é puramente exemplificativa, e não exaustiva. O preceito, como afirma José Celso de Melo Filho, ‘constitui norma de encerramento, que institui as liberdades residuais, inominadas, implícitas ou decorrentes’, pois fluem necessariamente dos princípios e do regime constitucional respeitadores das liberdades [13]. (destaques no original)

(ii) Portanto, será superior à lei ordinária e inferior à lei complementar por força do art. 98 [14] do CTN, o tratado terá uma função especialíssima em matéria tributária [15] de norma de estrutura [16], pois vinculará a vontade do agente legislativo, prevalecendo [17] sobre o ordenamento ordinário [18].

Ora, neste momento cabe uma breve observação, qual seja, se a norma do art. 98 do CTN é uma norma de estrutura, então qual será a sua natureza quando efetivar desoneração da obrigação tributária principal? Será uma norma instituidora de isenção ou de imunidade?

Ora, por se tratar de norma complementar e não de emenda constitucional, é claro que será uma isenção, entretanto, se a desoneração alcançada pelo tratado for atinente à garantia ou direito fundamental, então teremos verdadeira hipótese de imunidade por equiparação, pois não obstante o seu caráter complementar à constituição, o seu conteúdo será o de uma cláusula pétrea, e, portanto, ensejadora do afastamento da competência de instituir tributos, p. ex.: acordo internacional que autoriza a livre circulação de pessoas no âmbito do Mercosul, sem que para isso fosse obrigatório pagar taxa ou pedágio, respectivamente na obtenção de vistos ou na travessia das fronteiras internacionais, nesta hipótese, configurar-se-ia verdadeira hipótese de imunidade, haja vista que o direito de ir e vir é garantia fundamental, cláusula pétrea, portanto.

(iii) Será igual à lei ordinária nos demais casos, ou seja, nas hipóteses em que não houver imputação de natureza complementar ou constitucional, então, o tratado se igualará à lei, e, neste sentido sujeitar-se-á, em tese, ao regime geral de vigência e revogação definido pela Lei de Introdução ao Código Civil e pela Lei Complementar 98/95 e demais mandamentos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes.

Mas, tal sujeição em tese, não significa dizer que afaste a possibilidade de ocorrência de ato ilícito internacional, praticada pelo Estado, sujeito à observância do princípio pacta sunt servanda, que venha a editar lei posterior que revogue tratado que não goze dos privilégios concedidos pela Constituição ou pela norma complementar.

Quando lei se propõe revogar tratado internacional, ferindo, portanto, o compromisso internacional ratificado, acaba produzindo um ilícito internacional, e, com isso, gerando o direito da parte contrariada de requerer reparação indenizatória, isto é, mesmo quando o tratado veste-se dos característicos da lei ordinária continuará sendo uma norma cuja fonte foi a atividade jurídica internacional do Estado, que agiu na livre determinação de sua vontade e nos limites de seu ordenamento interno no que diz respeito à observância das competências para a emissão da vontade de tratar determinado tema considerado relevante na comunidade internacional [19].

Entretanto, há de se considerar que o tratado ao ser estudado no enfoque pretendido, qual seja, de suas relações com o direito interno brasileiro, não obstante apresentar a tridimensionalidade acima descrita, em contextos outros, o direito dos tratados pode sobrepor-se ao próprio direito constitucional de determinadas nações, tal é o exemplo patente da Europa [20], que não é o objeto do presente trabalho, mas para efeito de registro fica o sobredito, haja vista que o fenômeno denominado de Direito Comunitário é uma forte tendência do Direito Internacional Público [21].

Ora, diante do exposto, resta evidente que os tratados, em nosso ordenamento, não podem ser classificados ora como contratos ora como normas [22]; mas, que em vista da cominação constitucional (art. 5º, § 2º da CF), seja de determinação complementar (art. 98 do CTN) ou de sua equivalência à norma ordinária, a norma jurídica de direito público internacional deverá ser localizada simultaneamente no plano internacional como sendo sempre vinculante, e no plano nacional como gradualmente vinculante, conforme penetre numa das competências suprareferidas, sendo que esta dualidade de enfoques é meramente o resultado da ordenação positiva pátria, em seu aspecto pragmático de aplicabilidade segundo nossas regras de vigência e eficácia, sem excluir a possibilidade de que eventual revogação de tratado, mediante a adoção de meios não previstos no mesmo, tal como no caso de promulgação de lei infraconstitucional ab-rogatória de determinado tratado, se constitua em ato ilícito perante o Direito Internacional, por mais que tenha sido plenamente lícito no plano interno, mesmo que o tratado haja ingressado com o caráter de lei ordinária, ainda sim, será uma fonte produtora de normas cogentes, primeiro para cada Estado-parte, e por conseqüência, cogente para os seus nacionais e demais residentes.

Em síntese, o tratado internacional é norma que surge de um ato de vontade do Estado, ato este que uma vez celebrado e devidamente concluído em todos os seus termos formais ocasionará a fundação de um pacto que deve ser cumprido obrigatoriamente e de boa-fé; no contexto do direito brasileiro poderá ingressar em três níveis possíveis [23], como equivalente à lei complementar, como norma inferior à lei complementar, mas superior à lei ordinária, e, como equiparável à lei ordinária, ressalvando-se que para o plano externo referidas distinções [24] não fazem nenhum sentido.

Eventual revogação de tratados por meios constitucionais e infraconstitucionais que não sejam os previstos na própria convenção implicam na prática de ilícito internacional passível de justa reparação [25], ou seja, o Estado, em seu âmbito jurídico interno pode, eventualmente, revogar tratado, mas não deve em respeito ao Direito, que o vincula desde a seara externa, pelo tratado, e desde a seara interna pela soberania e a honra nacionais colocadas na manifestação de vontade instituidora do pacta sunt servanda.


4. O art. 98 do Código Tributário Nacional e sua recepção pela Constituição Federal de 1988.

Antes de tudo devemos considerar os três níveis de competência hierárquica para a determinação das normas tributárias no que diz respeito ao papel dos tratados internacionais em matéria tributária, que são: a) constitucional; b) complementar; c) ordinária.

a)Constitucionalmente determina-se que lei complementar dirimirá os conflitos de competência infraconstitucionais (artigo 146, inciso I da CF);

b)Decorrente do mandamento anterior a lei complementar em matéria tributária será necessariamente observada por todo o ordenamento tributário, salvo disposição em contrário de nova norma complementar atinente à mesma matéria, assim sendo, o art. 98 do CTN será vinculante sobre toda a Ordem Tributária legal e infralegal;

c)Como corolário das anteriores, será conferido ao tratado internacional o poder de prevalecer sobre normas vigentes e futuras quando se reportarem aos tributos, o tratado será competente para tipificar a conduta do contribuinte, mas, quando o tratado impuser normas de estrutura, também, terá uma finalidade complementar às disposições da lei complementar e superior à da lei comum, em virtude do princípio da especialidade.

O artigo 98 do CTN só poderá ser considerado como não recepcionável na medida em que se postule postura dualistas, ou monista com ênfase no direito interno, onde se considera o Direito como um Duplo e não como Unidade, neste sentido apresentam-se Paulo Ayres Barreto, Roque Antônio Carrazza, e, Estevão Horvath e Nelson Ferreira de Carvalho. Como o eminente Ayres Barreto socorre-se dos demais para definir sua postura dualista, façamos breve crítica aos mesmos.

Horvarth e Ferreira de Carvalho acertam nos princípios que vinculam a ordem interna e externa, mas erram ao considerá-los como se dois sistemas o fossem, pois por mais que "O primeiro [seja] fundado no princípio da soberania", e, "O segundo no princípio pacta sunt servanda (apud Paulo Ayres Barreto, op. cit., p. 162), repito, por mais que sejam estes os princípios informadores dos sistemas interno e externo, equivocam-se nossos doutrinadores dualistas ao esquecerem que o sujeito de direito internacional, o Estado do Brasil representado pelo Presidente da República, só poderá pactuar em virtude da competência prevista constitucionalmente capacitando-o a transigir conforme os interesses pátrios, e, que ao se proceder à fiscalização presente no referendo praticado pelo Congresso, que poderá aditar ou suprimir reservas ao tratado, logo, se a convenção chega finalmente à promulgação, então a mesma terá presunção de legitimidade depondo a seu favor, pois a vigência dos compromissos assumidos, mediante livre manifestação de vontade e cumpridos de boa-fé.

Diante de todo o exposto, podemos asseverar que só se dá tal capacidade contratual em vista do próprio princípio da soberania, em DIP contrata-se soberanamente.

Carrazza em sua grande erudição de profundo constitucionalista leva ao extremo a prevalência da Ordem Tributária quando se refere ao MERCOSUL e as conseqüências jurídicas de sua vigência em nosso ordenamento, segundo nosso celebrado autor "a União não pode, nem mesmo por meio de tratado internacionais, obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a observarem isenções de tributos locais, ainda que assumam a forma de não-incidência, incentivos parcelamentos de débitos, créditos fictícios etc" (in Mercosul e tributos estaduais, municipais e distritais, Revista de direito tributário n. 64, p. 182 a 191), ora, Carrazza comete o pecado original de confundir o Chefe de Governo com o Chefe de Estado, encarnados juridicamente na pessoa do Presidente, no plano externo o único representante do Estado do Brasil é o Presidente, cujos atos de negociação podem e devem ser controlados pelo Congresso no ato de referendar, com aditamento ou supressão de reservas, logo, não é a União de realiza o tratado, não é a pessoa jurídica de direito público interno, é a pessoa jurídica de direito público internacional de posse de sua soberania plena que acorda, vontade esta que se manifesta por sobre as autonomias singulares, inclusive dos Estados, Municípios e Distrito Federal, não só da competência da União como quer nosso tributarista dualista.

Para corroborar o sobredito leiamos o que dispõe a Carta Maior:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Nas relações internacionais são princípios a cooperação entre os povos e a busca da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, sem olvidar aos interesses nacionais, aos direitos humanos, à igualdade entre os povos e da autodeterminação dos povos, tais cláusulas pétreas são efetivamente coordenáveis dentro do Direito Pátrio no sentido de criar a harmonização com os princípios Federativo e da Ordem Tributária, pois a soberania deve prevalecer sobre a autonomia, a integração é valor que se sustenta na primazia do interesse do Estado do Brasil por sobre o interesse das autonomias particulares.

Ora, para concluir, em vista de tais princípios constitucionais, nada mais natural que a recepção do art. 98 do CTN.

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Sobre o autor
Werner Nabiça Coelho

especializando em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia (UNAMA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Werner Nabiça. Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 114, 26 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4360. Acesso em: 19 abr. 2024.

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