A expressão política criminal não conta com um conceito unânime na doutrina penal.
Basileu Garcia define-a como a ciência e a arte dos meios preventivos e repressivos que o Estado dispõe para atingir o fim da luta contra o crime. Examina o Direito em vigor e, em resultado da apreciação de sua idoneidade na proteção contra os criminosos, trata de aperfeiçoar a defesa jurídico-penal contra a delinqüência, sendo o seu meio de ação, portanto, a legislação penal.[1]
Jímenez de Asúa sustenta que a política criminal é um conjunto de princípios fundados na investigação científica do direito e da eficácia da pena, por meio dos quais se luta contra o crime, valendo-se não apenas dos meios penais, mas também dos de caráter assegurativo.[2]
Zaffaroni e Pierangeli, por sua vez, afirmam que a política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e os caminhos para tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos.[3]
Pensamos que a política criminal não pode ser caracterizada como uma ciência, pois apesar de valer-se, em muitas oportunidades, de dados científicos, estes, em verdade, pertencem a outros ramos do saber – ciências -, no mais das vezes à própria ciência jurídica. Além disso, o aperfeiçoamento da legislação penal e suas conseqüentes modificações, visados pela política criminal, estão, em muitas proposições, carregados por componentes ideológicos, que não posem ser considerados substratos científicos.
Com efeito, se tomarmos apenas a título de exemplo de matéria político-criminal a discussão a respeito da descriminalização do aborto, embora haja, por um lado, argumentos científicos para a sua adoção, regulamentação e realização regrada pelo Estado – prevenção da saúde pública e da gestante em particular, diminuição de gastos do poder público com o tratamento das conseqüências de abortos clandestinos -, e outros pela sua rejeição – conceito jurídico e médico de vida; proteção dos direitos do nascituro; rejeição a propostas de cunho eugênico -, a questão é abordada, em maior parte, sob pontos de vista estritamente ideológicos.
Os grupos católicos e religiosos em geral firmam posição contrária à descriminalização ou ampliação das hipóteses legais de aborto, sob o fundamento de que o homem não pode opor-se, deliberadamente, à vontade de Deus, isto é, não pode evitar o nascimento de uma criança e contrariar o mandamento “crescei e multiplicai-vos”.
Os grupos contrários à descriminalização, por sua vez, embora abordem, de forma periférica, os dados científicos acima mencionados – por vezes inclusive os alterando e exagerando -, centram o debate na liberdade de agir do ser humano, e mais, na liberdade da mulher “fazer o que quiser com o seu próprio corpo”.
O conjunto de convicções ideológicas, os diversos modos de pensar peculiares aos grupos sociais, portanto, influenciam e informam a política criminal tanto ou mais que as razões científico-jurídicas, motivo pelo qual não conta sempre com uniformidade, pois representa o resultado do enfrentamento no plano das ideias de grupos com posicionamentos distintos.
Todas as vezes que um dos grupos, no plano legislativo, sai vencedor nessa luta de ideias, origina-se a crítica do grupo contrário, que passa a trabalhar para reformar a modificação legal introduzida.
Esta constante “batalha” de convicções é a responsável pelo dinamismo do direito penal, na medida em que, diante da evolução e transformação social, fortalecem-se as proposições de uma ou outra tendência.
Logo, diante destas considerações, podemos formular o seguinte conceito de política criminal: consiste na crítica do direito penal, fundada em argumentos jurídicos ou ideológicos – ou em ambos -, tendente a modificar, manter ou reformar os institutos do direito penal vigentes, o que implica o dinamismo desta disciplina.
Notas
[1] Instituições de Direito Penal, v. I, p. 37.
[2] Princípios de derecho penal, p. 62.
[3] Direito penal brasileiro, parte geral, p. 132.