A imensa repercussão das acusações da Agência de Proteção Ambiental Norte-americana (EPA, na sigla em inglês) contra a Volkswagen demonstra como o “não-compliance” ambiental pode causar consequências graves para as empresas, tanto do ponto de vista financeiro quanto da sua reputação no mercado e perante consumidores.
Não por outra razão, as ações da VW despencaram após a divulgação das acusações, o seu presidente mundial renunciou ao cargo, e calcula-se que a multa aplicada pela EPA pode chegar a 18 bilhões de dólares (US$ 37,5 mil por veículo), mais do que todo o lucro da empresa em 2014. Além disso, de acordo com o The National Law Journal, mais de 175 ações coletivas, em 32 dos 50 estados norte-americanos, foram ajuizadas até o final do mês de setembro. E a tendência é que tais ações multipliquem-se diariamente, não apenas nos Estados Unidos.
Segundo analistas, o escândalo pode representar uma ameaça à economia alemã, visto que a Volkswagen é a maior fabricante de carros do país e um dos maiores contratantes, com 270 funcionários diretos e muito mais na cadeia de suprimentos. No mundo inteiro, seriam 11 milhões de veículos afetados, e vários outros países, como França, Reino Unido e Coreia do Sul, já iniciaram investigações.
No Brasil, o IBAMA manifestou-se recentemente, informando que começou a verificar se a fraude teria ocorrido também aqui e já notificou a montadora a prestar esclarecimentos. Caso seja comprovado que houve violação dos limites de emissões vigentes, a empresa deverá promover o recall de todos os carros adulterados e poderá ser multada em até R$ 50 milhões (art. 61 do Decreto nº 6.514/2008), não se excluindo a possibilidade de sofrer um processo criminal (art. 54, Lei nº 9.605/1998) e sanções civis.
No mesmo passo, o Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) ajuizou ação cautelar coletiva contra a empresa, distribuída à 6ª vara Cível de Brasília, requerendo informações detalhadas sobre os automóveis vendidos no Brasil que apresentem motorização semelhante àqueles com o software que burlava os testes de emissões.
Diante desse quadro, a pergunta que ecoa é: se a VW conhecia as normas ambientais aplicáveis, por que o dispositivo que adultera emissões foi instalado? E a resposta é tão simples quanto preocupante: na disputa entre lucro e responsabilidade socioambiental, não raramente o primeiro sai ganhando.
No entanto, as empresas também sabem como a reputação de ser uma companhia “verde” pode lhes trazer diversos benefícios, atraindo investidores e consumidores. Observe-se, por exemplo, que a Resolução nº 4.327/2014, do Banco Central, e o Normativo SARB nº 14/2014, da Federação Brasileira de Bancos, apresentam critérios a serem observados pelas instituições financeiras ao avaliarem o risco socioambiental dos projetos a serem financiados, favorecendo o financiamento daqueles que ofereçam menos riscos.
Ademais, a Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, prevê a responsabilização objetiva, nas searas civil e administrativa, de pessoas jurídicas que pratiquem atos “que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil” (art. 5º). Tal norma prevê, ainda, uma série de sanções administrativas e judiciais, tais como multa (de 0,1% a 20% do faturamento bruto anual da empresa), suspensão ou interdição parcial de atividades, e até dissolução compulsória da pessoa jurídica.
Vale destacar que os “atos lesivos à administração pública” apontados pela Lei Anticorrupção podem estar ligados a condutas lesivas ao meio ambiente, as quais, por previsão constitucional (art. 225, § 3º), podem sujeitar os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções civis, administrativas e penais (ou seja, em adição às sanções previstas naquela Lei). Assim, muito mais do que apenas punir atos de corrupção, a referida Lei estimula as empresas a adotarem as melhores práticas de governança corporativa, de forma a internalizar regramentos, valores e princípios, fortalecendo-se a transparência nas organizações e objetivando a sua sustentabilidade e longevidade. E é exatamente neste ponto que a conformidade com as normas ambientais ganha destaque.
Nesse contexto, na busca por fortalecer rapidamente a sua “reputação verde” e se resguardar de eventuais penalidades, certas empresas acabam indo no sentido diametralmente oposto, adotando condutas que não se harmonizam com os princípios da preservação ambiental e da responsabilidade social. Com efeito, o caso da VW está longe de ser único. Muitas vezes os recalls anunciados por algumas companhias são também resultados de fraude e omissão de informações sobre defeitos que há muito já eram conhecidos.
O que deve ser compreendido pelos empresários é que o compliance ambiental não é apenas uma questão comercial, mas uma obrigação legal que deve ser observada em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos, de seu projeto e obtenção de matérias-primas até a disposição final pelo consumidor. O mais importante disto é que seja adotada uma conduta de antecipação a eventuais danos, evitando que eles ocorram, em vez de lidar com o problema quando já se transformou em um monstro de proporções mundiais.