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IPTU, zona urbana e alíquotas perante o sistema federativo e a emenda constitucional N. 29/2000

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Agenda 30/10/2003 às 00:00

Após a Emenda nº 29/2000, emerge uma miríade de hipóteses de incidência de alíquotas progressivas, fiscais, extrafiscais e seletivas, o que enseja verdadeiro efeito confiscatório sobre o direito de propriedade do contribuinte.

Resumo: O IPTU, em seus aspectos espacial e quantitativo, com especial enfoque na definição legal da zona urbana e no regime de alíquotas vigentes, estimula uma série de considerações jurídicas relevantes para a delimitação da sua incidência territorial e para a correta avaliação da obrigação e do crédito resultantes; pois o IPTU tem seu âmbito de incidência vinculado à exclusiva competência municipal de legislar sobre a delimitação de sua zona urbana; e, de outra parte, emerge no sistema jurídico-tributário pátrio, após a Emenda Constitucional 29/2000, um regime sui generis em que há verdadeira miríade de hipóteses de incidência de alíquotas progressivas, fiscais, extrafiscais e seletivas, passíveis de serem aplicadas sobre a base calculada, o que consideramos inconstitucional perante o princípio da capacidade contributiva, pois enseja verdadeiro efeito confiscatório sobre o direito de propriedade do contribuinte.

Palavras-chave: IPTU – REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA – CRITÉRIO ESPACIAL – ZONA URBANA – COMPETÊNCIA MUNICIPAL – CRITÉRIO QUANTITATIVO – ALÍQUOTA – PROGRESSIVA – EXTRAFISCAL – SELETIVA – INCONSTITUCIONALIDADE.

Sumário: 1. Introdução – 1.1. A Norma Jurídica – Considerações Iniciais – 1.2. A Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT) – Breve Exposição – 1.3. RMIT e Regra-Matriz de deveres instrumentais – 2. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a compostura de seus critérios espacial e quantitativo – 2.1. Zona Urbana ou Zona Rural? Um problema que se resolve com base no Princípio Federativo! – 2.1.1. Hierarquia das Leis Ordinárias entre os entes federativos – 2.1.2. Zona Urbana – Autonomia Municipal e Repartição Constitucional de Competências – 2.1.3. Critério Jurídico-constitucional para definir Zona Urbana – 2.1.4. Critérios Jurídico-Administrativo e Jurídico-Tributário são critérios subsidiários – 2.1.4.1. Terra de Marinha, foro, laudêmio, taxa de ocupação e IPTU – haverá bitributação? – 2.2. Alíquotas – Fiscalidade Versus Extrafiscalidade – 2.2.1. Limites do Poder de Tributar mediante Alíquotas Progressivas e Seletivas – 3. Conclusões finais – 3.1. Critério Espacial do IPTU – 3.2. Critério Quantitativo do IPTU – BIBLIOGRAFIA.


1. Introdução

1.1. A Norma Jurídica – Considerações Iniciais

A norma jurídica 1, enquanto lei escrita, é a linguagem 2 social que se impõe mediante documentos formais com os atributos da eficácia e validade jurídicas frutos de um processo legislativo adequado praticado por autoridade competente, sendo que a linguagem da norma pode se revelar de vários enunciados jurídicos, de um ou de apenas parte do mesmo, cabe ao intérprete fazer o esforço intelectivo de interpretar o sentido do texto legal para chegar à sua real finalidade e poder explicar as suas conseqüências; é essencialmente uma espécie de norma de conduta social cuja diferença específica está na garantia concreta conferida pela coatividade estatal 3; portanto, a norma jurídica é o conteúdo semântico que se extrai do conteúdo sintático da expressão normativa fixada em suportes físicos, mediante o esforço interpretativo do operador visando sua aplicação eficaz no mundo dos fenômenos culturais.

1.2. A Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT) – Breve Exposição

A regra-matriz de incidência tributária 4 é a norma jurídica tributária em sentido estrito, tal como vem definido no art. 3º do CTN, pois o seu núcleo é essencialmente a definição de uma norma geral e abstrata e genérica que define as notas do tipo tributário, definindo seus critérios 1 material, 2 temporal, 3 espacial, 4 subjetivo e 5 quantitativo, de forma a compor a regra de conduta tributária a ser inserida no ordenamento e a ser aplicada no dia-a-dia definindo a conduta tributária a ser observada pelo Fisco e pelo contribuinte, informando-lhe em razão 1 do quê, 2 quando 3 e onde um dado 4 sujeito passivo, ou seu substituto, deve prestar para determinado sujeito ativo 5 determinada quantia apurada, mediante delimitação de uma base de cálculo e respectiva alíquota, o "quantum" da obrigação de natureza tributária. É a norma de conduta que informa os limites materiais de incidência do fenômeno tributário, como realização do princípio da reserva legal.

A regra-matriz de incidência tributária compõe-se de 05 (cinco) critérios decomponíveis em oito enunciados normativos, que definem:

  1. o critério material, composto da descrição da conduta reveladora de capacidade econômica tipificada como objeto da tributação, compõe-se do verbo de ação, ou de estado, e de seu complemento;

  1. o critério temporal, que condiciona o lapso temporal em que se dá o fato jurídico tributário para o efeito de incidência da norma, é o que a doutrina descreve como tempo no fato, ou seja, o momento em que o evento social surge e faz nascer a obrigação tributária, que será sempre anterior ao tempo do fato, ou seja, do lançamento propriamente dito, seja de ofício ou não, o tempo do fato corresponde ao momento em que se produz a norma individual e concreta que cria o crédito certo, líquido e exigível da Fazenda contra o Sujeito Passivo, o critério temporal, portanto, define a competência da norma material tributária no que diz respeito ao tempo no fato, e, de outra parte define a competência da norma meramente instrumental ou processual tributária a quando do tempo do fato, da produção do lançamento;

  2. o critério espacial, condicionador espacial da incidência tributária, cuja função é a de definir a competência territorial do ente tributante, neste critério o espaço do fato e o espaço no fato necessariamente coincidem, pois enquanto o correr do tempo se dá de forma discreta, a localização no espaço ocorre de forma contínua, a incidência se dá em determinado território de uma vez por todas, cabendo ao ato de lançamento somente registrar este dado diretamente relacionado com a competência constitucionalmente prevista e indelegável de cada Pessoa Jurídica de Direito Público Interno do Estado do Brasil – Até aqui se descreveu o operador deôntico neutro que define a hipótese tributária em sua etapa descritiva de um fato jurídico economicamente relevante para fundamentar a obtenção de receitas públicas. Em vista da linguagem lógica de natureza deôntica dar-se-á atuação do conectivo deôntico neutro que vincula o dever-ser do antecedente normativo com o dever-ser do conseqüente normativo; uma vez realizada a conexão em que dado o antecedente deve-ser o conseqüente, ou seja verificada a subsunção do fato jurídico tributário ao operador deôntico neutro será ativado o operador deôntico modalizado em obrigatório (O), permitido (P) ou vedado (V), sendo que, dada a natureza impositiva da relação jurídica tributária, moralizar-se-á em regra a operação do modal obrigatório;

  3. o critério subjetivo, compõe-se da definição dos sujeitos participantes da relação jurídica;

  1. critério quantitativo, que se subdivide em Base de Cálculo e Alíquota;

1.3. RMIT e Regra-Matriz de deveres instrumentais

Tanto a regra-matriz de incidência tributária como as regras-matrizes dos deveres instrumentais são normas da mesma generalidade jurídica enquanto normas de conduta, entretanto, existe uma diferença específica que distingue a regra-matriz de incidência tributária das demais, é que cabe a ela, e somente a ela, definir a norma de conduta jurídico-tributária por excelência, em função do princípio da tipologia tributária, ou seja, o tributo, tal qual o tipo penal, ao necessitar obedecer ao princípio da reserva legal, torna-se um ente jurídico de natureza lógica especialíssimo, portanto, a regra-matriz de incidência tributária é a norma jurídica tributária em sentido estrito, sendo as demais normas jurídicas determinadoras de condutas chamadas acessórias, cuja finalidade é a de instrumentalizar o como prestar ou não a obrigação, pode-se afirmar que são simples normas tributárias em sentido amplo, por participarem do fenômeno tributário como um todo onde cumprem o papel de meros deveres instrumentais, que concorrem para efetiva e concreta aplicação da regra-matriz de incidência tributária.


2. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a compostura de seus critérios espacial e quantitativo

O IPTU apresenta certas peculiaridades no que diz respeito aos seus critérios espacial e quantitativo que implicam conseqüências jurídicas importantes na determinação da competência tributária do ente tributante, critérios estes que podem implicar em hipóteses confiscatórias dada a nova e complexa sistemática inaugurada pela EC29/2000 no que diz respeito à determinação das alíquotas aplicáveis a esta espécie tributária.

Considerando-se pacífica a questão no que tange aos critérios: material (possuir propriedade imóvel), temporal (incidência do tributo em 1º de Janeiro de cada ano), subjetivo (Relação Jurídica que liga o direito subjetivo do Município ao dever do contribuinte), e, parcialmente, ao quantitativo (Base de cálculo sendo o valor venal do imóvel), devemos nos concentrar na tessitura jurídica necessária para se chegar aos enunciados normativos que comporão o critério espacial e o critério quantitativo em seu aspecto de alíquota.

2.1. Zona Urbana ou Zona Rural? Um problema que se resolve com base no Princípio Federativo!

2.1.1. Hierarquia das Leis Ordinárias entre os entes federativos.

Devemos, antes de tudo, realçar o fato jurídico constitucional de que o Município em nada se rebaixa, juridicamente, ao Estado-membro, e Distrito Federal, e à União, quando enfocado sob o aspecto de pessoa jurídica de direito público interno, sendo a lei ordinária municipal da mesma hierarquia que a legislação ordinária dos demais entes federativos, quando a expressamente a Constituição ao revés não determinar.

2.1.2. Zona Urbana – Autonomia Municipal e Repartição Constitucional de Competências.

Dada a regra constitucional da autonomia municipal (caput, art. 1º c/c caput, do art. 18, ambos da CF), bem como a sua competência para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII, da CF), e, que tal desiderato se dará mediante uma ação administrativa que vise política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei (art. 182, da CF), e, por fim, que a Lei Federal n.º 10.257, de 10 de Julho de 2001 (Estatuto da Cidade) delimitou à União o poder de legislar sobre normas gerais de direito urbanístico e instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano (art. 3º, I e IV), bem como outras medidas de interesse urbanístico em nível nacional e regional, sempre com o auxílio dos demais entes da Federação, haja vista que ao Município sempre caberá precipuamente a competência de legislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, inciso I).

2.1.3. Critério Jurídico-constitucional para definir Zona Urbana.

Ora, de todo o exposto no parágrafo precedente podemos enunciar o primeiro critério para delimitar o espaço de incidência do IPTU, qual seja, ao Município cabe competência constitucional para definir a zona urbana, este é o critério jurídico-constitucional previsto na Carta Magna, isto é, somente lei municipal tem competência para definir a zona urbana .

2.1.4. Critérios Jurídico-Administrativo e Jurídico-Tributário são critérios subsidiários.

Uma vez que haja lei municipal instituidora da zona urbana, passaremos a ter o parâmetro jurídico-constitucional para o critério geográfico, que definirá circunscrições territoriais de natureza jurídico-administrativa, repartição territorial esta que deverá sofrer a incidência do critério das benfeitorias previstas no CTN, que denominaremos de critério jurídico-tributário.

O critério das benfeitorias ou dos equipamentos, que é um critério de natureza jurídico-tributária, configuram-se tais critérios em normas de estrutura 6 que informam o legislador municipal na confecção da norma de conduta instituidora do tributo de sua competência, de um lado será a existência de lei municipal de zoneamento urbano, após a verificação da presença ou não de determinadas benfeitorias que será a diferença específica entre a zona urbana por natureza (CTN, art. 32, parágrafo 1º) e a zona urbana por equiparação (CTN, art. 32, parágrafo 2º) 7.

Para efeitos tributários observar-se-á a presença ou não de equipamentos mínimos para a configuração de um território urbano já consolidado ou em vias de constituição, tudo conforme letra expressa em lei municipal definidora da zona urbana. Assim sendo, tudo o que não estiver contido nos limites traçados acima estará na zona rural.

Observe-se que o critério das benfeitorias previsto no CTN não esgota a matéria, podendo o legislador municipal elencar outras espécies de benfeitorias que caracterizarão a zona urbana por natureza, ou seja, a norma municipal pode agir supletivamente quanto ao critério das benfeitorias, o que não pode ocorrer jamais é que no ato do lançamento, momento de criação da norma individual e concreta, serem considerados critérios definidores da existência de um ou mais equipamentos urbanos que não estejam previamente definidos em lei municipal, norma geral e abstrata à qual atividade tributária está estritamente vinculada.

Em síntese, zona urbana é a circunscrição territorial, contínua ou descontínua, definida em lei municipal que enquadrará determinado território como urbano por natureza ou por equiparação, e, o que estiver fora desta situação geográfica será considerado zona rural.

Esta definição atende ao princípio da autonomia municipal (caput, art. 1º c/c caput, do art. 18, ambos da CF) e à repartição das competências constitucionais tanto administrativas (art. 30, inciso VIII e art. 182, da CF) quanto tributárias (art. 145. e ss., da CF).

Portanto, uma vez definida zona urbana o que restar serão rústicas plagas onde incidirão as regras atinentes ao ITR (Imposto Territorial Rural).

Podemos esquematizar a seqüência de raciocínios da seguinte forma:

CONFIGURAÇÃO DO CRITÉRIO ESPACIAL DO IPTU:

Ora, uma vez que somente lei municipal pode definir a zona urbana, temos que a regra do CTN é norma de estrutura da compostura da própria lei municipal instituidora da zona urbana , ou seja, já na confecção da norma municipal se deverá atender aos critérios antevistos no CTN, mas, nada impedirá que o ordenamento municipal acrescente outros requisitos configuradores da zona urbana, o que a lei municipal não pode e não deve fazer é criar zonas urbanas fictícias ou improváveis, pois mesmo as zonas urbanas por equiparação são zonas urbanas em potencial, prováveis e iminentes, que têm determinado prazo para consolidação no panorama urbanístico, todavia, não devemos esquecer que apesar de raríssimos os casos, há já hoje em determinadas regiões do Brasil algumas zonas urbanas que se espraiam por quase que a totalidade do território municipal, o que no médio prazo poderá ocasionar a total exclusão da incidência do ITR destas localidades.

2.1.4.1. Terra de Marinha, foro, laudêmio, taxa de ocupação e IPTU – haverá bitributação?

Caro(a) leitor(a), Vossa Senhoria poderia inquirir: se a zona urbana somente é definida pela norma municipal, então, os terrenos de marinha definidos como bens da União no art. 20. da Carta Maior, estariam suscetíveis à incidência da lei municipal definidora de área urbana, e, portanto, sujeitos à incidência de IPTU?

Depende, não esqueçamos que há imunidade recíproca entre os entes federativos, mas testemunha a nosso favor o fato de que os terrenos de marinha, cujo domínio é da União, mas que estejam na posse de terceiros são tributados normalmente pelo IPTU, neste sentido há possibilidade de um imóvel cujo domínio seja da União ou do Estado-Membro, mas que esteja na posse de particular, dentro da área urbana, estar sujeito ao tributo municipal, pois o que se imuniza é a pessoa jurídica de direito público interno e não o imóvel como coisa-em-si.

Rosita de Sousa Santos 8, explica que a gênese da "Terra de Marinha é fruto de decisão de atos da administração visando à reserva de um espaço físico para desenvolvimento de uma política econômica", e, para melhor explicitar a natureza jurídica do instituto da enfiteuse à qual os terrenos de marinha estão sujeitos a autora nos remete ao ensinamento de Pontes de Miranda que de sua cátedra nos diz "O direito de enfiteuse é direito e não coisa, bem corpóreo 9", e, ainda noticia que:

[...] terra de marinha, [...], fronteira atlântica que é, jamais foi objeto da concessão de domínio pleno a quem quer que seja, o mesmo acontecendo com a terra de fronteiras interiores, que sempre foi, também, resguardada. Relembremos a histórica sentença do Supremo Tribunal Federal, em 1905 – terra de marinha não é próprio nacional. Terra de marinha é bem nacional 10 .(destaque no original)

Caracterizando-se o contrato de enfiteuse pelo ônus que se grava sobre a propriedade em que ao proprietário sempre preservará o domínio, cabendo-lhe o direito de eventualmente reunir o direito de disposição uso e gozo, preservando sempre a substância do direito, enquanto que ao foreiro somente serão conferidos os direitos inerentes à posse, uso e gozo imediatamente perceptíveis, não se lhe transmitindo, jamais, a própria coisa, somente direitos, diante desta realidade Rosita comenta que:

A lição da doutrina do Direito Civil não se modifica quando o contrato de aforamento se realiza entre a União – pessoa de Direito Público, e o particular – Pessoa de Direito Privado. Essa lição, no entanto, em tal caso tem que ampliar para contemplar o fato especial de que as terras da União são patrimônio coletivo, e representam interesses da Nação e dos nacionais. Quando o aforamento recai, especificamente, sobre as terras de marinha as responsabilidades mais se alargam, as obrigações tornam-se mais rígidas, e os deveres mais urgentes 11.

A ordem legal inaugurada pelo Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), entre mil e uma coisas, em seu artigo 2038 definiu que:

Fica proibida a constituição de enfiteuse e subenfiteuse, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores.

Diante de tal disposição legal será que ainda existe enfiteuse no direito brasileiro? Sim, basta-nos dar um breve salto até o parágrafo 2º do mesmo artigo 2038, do referido Diploma para nos abismarmos com o seguinte: "A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial 12".

Para melhor exposição do que seja a terra de marinha conforme o sistema legal vigente devemos referir a Carta Magna em seu artigo 20, inciso VII, que diz:

Art. 20. São bens da União:

[...]

VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Após o quê, convém-nos citar os seguintes diplomas legais pertinentes ao tema:

Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002):

Art. 99. São bens públicos:

[...]

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Código de Águas (DECRETO No 24.643, DE 10 DE JULHO DE 1934):

Art. 11. São públicos dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular;

1º, os terrenos de marinha;

Decreto-Lei n. 9.760, de 05 de setembro de 1946 (LEI DO SERVIÇO DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO - LSPU):

Art. 2.º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, a influência das marés é caracterizada pela oscilação de 5 (cinco) centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3.º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

[...]

Art. 64. Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos.

[...]

§2º O aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública.

[...]

Art. 101. Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos de por cento) do valor do respectivo domínio pleno.

§1º O pagamento do foro deverá ser efetuado adiantadamente durante o primeiro trimestre de cada ano sob pena de multa de 20% (vinte por cento).

§2º O não pagamento do foro durante 3 (três) anos consecutivos importará na caducidade do aforamento.

Art. 102. Será nula de pleno direito a transmissão entre vivos de domínio útil de terreno da União, sem prévio assentimento do SPU.

§1º Nas transmissões onerosas, a União terá direito à opção e, quando não o exercer cobrará laudêmio de 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio pleno do terreno e benfeitorias.

Fica claro, pelo cotejo entre a norma constitucional, a lei civil e a lei especial que se referem ao instituto dos terrenos de marinha, que a enfiteuse somente sobrevive em nosso sistema (caput do art. 2038. c/c parágrafo 2º do mesmo artigo, da NCC) quando incidir sobre os bens imóveis públicos dominicais (art. 99, III, do NCC c/c art. 11, item 1º do Código de Águas) e nacionais pertencentes à União (art. 20, VII, da CF) existentes até 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha da preamar-médio de 1831 13 (art. 2º, da LSPU), ou acrescentados, natural ou artificialmente para o lado aquático a partir das mesmas terras de marinha (art. 3º, da LSPU), que poderão ser aforadas quando não utilizados em serviço público e quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública (art. 64, caput e parágrafo 2º, da LSPU), sujeitando-se o foreiro ao pagamento de foro no valor de 0,6% (seis décimos de por cento) do valor do respectivo domínio pleno, e, quando se efetuar transmissão onerosa em que o senhorio (União) não exerça o direito de preferência dever-se-á pagar uma compensação, o laudêmio, no valor de 5% (cinco por cento) sobre o domínio pleno e benfeitorias (art. 102, parágrafo 1º, da LSPU).

Como se pode observar nem o laudêmio nem o foro são caracterizáveis como tributos, pois não surgem de forma impositiva nem estão ligados a uma atividade pública plenamente vinculada, pois de um lado o aforamento não deixa de ser uma espécie de contrato que depende da livre manifestação da vontade do postulante do título de aforamento interessado em ingressar no uso e gozo de determinado patrimônio da União, as terras de marinha, e de outra parte na correspondente anuência da Administração, que através do Serviço do Patrimônio da União, vinculado ao Ministério da Fazenda, atuará segundo a oportunidade e a conveniência no momento em que exarar, ou não, o ato administrativo concessivo de foro, emprazamento ou enfiteuse.

Mas, quem lida em seu cotidiano civil ou profissional com terrenos de marinha sabe que a União cobra uma taxa de ocupação relacionada com estes mesmos terrenos de marinha, então, como ficamos, há bitributação ou não relacionada ao IPTU?

Quando nos dirigimos ao Decreto n. 14.595, de 31 de dezembro de 1920, que instituiu a taxa de ocupação de terrenos de marinha, e seu respectivo regulamento, verificamos que se trata efetivamente de uma taxa que visa onerar a utilização irregular dos terrenos de marinha, pois "Todos os terrenos de marinha e seus acrescidos ocupados, sem que os ocupantes possuam títulos de aforamento, arrendamento ou venda, firmados pelo Governo da União, ficam sujeitos à taxa de ocupação" (art. 1º, do Regulamento que acompanha o Decreto n. 14.595, de 31 de dezembro de 1920). Logo, por se tratar de taxa pela utilização efetiva de serviço público específico e divisível (art. 145, II, da CF) referente à utilização do patrimônio público para fins particulares, tal utilização, quando não estiver devidamente regularizada deverá sofrer a incidência da referida taxa, cumulativamente com o IPTU, pois a hipótese de incidência de ambos é distinta, bem como sua natureza jurídica, um é taxa outro é imposto, aquele é da competência do ente federal o outro do ente municipal, a taxa de uso refere-se ao uso e gozo de patrimônio alheio sem a devida regularização, coibindo-se assim enriquecimento ilícito de terceiros em relação à utilização irregular de patrimônio público, o imposto mencionado incide sobre a pura e simples posse e/ou propriedade de bem imóvel. Neste sentido, vigia em relação à enfiteuse, presente no Código Civil revogado, em seu art. 682. determinação de caráter propedêutico: "É obrigado o enfiteuta a satisfazer os impostos e os ônus reais que gravarem o imóvel 14".

Neste sentido a doutrina é unânime em compreender que a interpretação sistemática exige se conclua pela utilização do termo propriedade no sentido comum e não no seu significado jurídico, portanto, o IPTU grava a propriedade em suas configurações de domínio útil – ou seja, direito à posse dos direitos de usar e gozar característicos do enfiteuta, permanecendo a propriedade no patrimônio do senhorio, titular do domínio direto, in casu a própria União – e a simples posse, neste sentido Aires F. Barreto 15 com suporte na melhor Doutrina.

Corroborando o sobredito toda a legislação referente ao IPTU segue nesta senda, e, como exemplo, destacamos o Código Tributário do Município de Belém (LEI Nº 7056, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1977, Publicada no DOM nº 3732, de 30.12.1977) que em seu art. 4º determina:

Art. 4º O Imposto Predial e Territorial Urbano tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de todo e qualquer bem imóvel, por natureza ou por acessão física, tal como definido na lei civil, situado no território do Município e que, independentemente de sua localização, não se destine à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agro-industrial. (destacamos)

2.2. Alíquotas – Fiscalidade Versus Extrafiscalidade

No seguimento do presente estudo devemos agora tocar o nervo mais sensível do IPTU, isto é, o seu critério quantitativo no âmbito da alíquota, pois é mediante a adoção de uma complexa rede de alíquotas, progressivas e/ou seletivas, fiscais e/ou extrafiscais, que se desenha uma verdadeira maldade do fisco para com o contribuinte.

Podermos definir que Alíquota 16 é o critério de medida que aplicada à base calculada dimensiona o quantum monetário da obrigação tributária, podendo ser de natureza fixa ou percentual.

Alíquota Fixa será quando relacionar determinada prestação diretamente a uma quantidade referida na base de cálculo sem perquirir sobre o valor do bem, produto ou serviço, o tributo será cobrado em relação à quantidade de determinado produto e não sobre o seu valor 17.

Será alíquota percentual quando se referir à fração matemática do valor econômico de determinado bem, direito ou serviço, tais percentuais poderão ser das seguintes espécies:

Outrora, o IPTU possuía alíquota de natureza percentual e graduada incidente sobre o valor venal do imóvel, estabelecendo com isso uma relação jurídica compenetrada de justiça fiscal por se tratar de parcela patrimonial de natureza econômica estática, ou seja, cujo valor sofre poucas alterações no decorrer do tempo, e, quando tal alteração ocorre o próprio quantum da valorização ou desvalorização imobiliária estará revelando indícios suficientes da verdadeira capacidade contributiva do sujeito passivo, haja vista que o valor venal por si só gradua natural e proporcionalmente o valor da obrigação fiscal devida pelo contribuinte.

No panorama constitucional anterior à EC 29/2000 havia somente uma hipótese de tributação extrafiscal permitindo a aplicação de uma alíquota progressiva em razão do tempo (art. 182. da CF); hodiernamente, após a Emenda Constitucional 29/2000, o panorama tornou-se esdrúxulo para, o cada vez mais pobre, cidadão brasileiro, e, em particular os que ainda se atrevem incluir um imóvel em seu patrimônio.

Na atual sistemática fomos agraciados com duas progressividades e duas seletividades. Temos progressividade fiscal nos termos do art. 156, §1º, I da CF, e, progressividade extrafiscal, (art. 182. da CF), e passamos a ter seletividade em função do uso e da localização (156, §1º, II, da CF).

Em suma, não é impossível de se imaginar que com a nova estrutura normativa constitucionalmente inserida, de hora em diante se instaure a concomitância de todas estas alíquotas na aplicação da norma tributária municipal, pois vejamos: a seletividade do uso e da localização não colide com a extrafiscalidade em virtude do valor venal, e esta, por disposição constitucional não causa prejuízo à extrafiscalidade em razão do desatendimento da função social da propriedade da prevista no art. 182.

2.2.1. Limites do Poder de Tributar mediante Alíquotas Progressivas e Seletivas

Qual será o limite para a aplicação desta miríade de alíquotas?

Creio que formalmente nenhum, não há definição expressa de um limite, salvo aquele que vem definido no Estatuto da Cidade, art. 7º, §1º, que define alíquota máxima de 15% para a hipótese do art. 182. da CF.

Ora, provavelmente, se o legislador elegeu uma alíquota máxima para o imóvel que descumpre a função social – hipótese em que temos a presença de alíquota percentual progressiva extrafiscal de finalidade punitiva –, então, é de bom alvitre interpretar que o sistema tributário nacional não admitirá que a extrafiscalidade seletiva e a progressividade fiscal ultrapassem o teto de 15%; melhor dizendo, que o teto das demais alíquotas há de ficar necessariamente aquém do limite previsto no Estatuto da Cidade, para que na eventualidade de aplicação desta qualificadora tributária, a regra que onera a propriedade descumpridora da função social não se torne ineficaz em sua finalidade de coibição da conduta que não realiza a função social da propriedade, afinal, se bons proprietárias forem fiscalmente equiparáveis aos maus proprietários então haveremos de ter um nivelamento por baixo desestimulador do uso socialmente correto da propriedade.

Enfim, não devemos esquecer que se há uma progressividade fiscal em razão do valor do imóvel, e que esta progressividade está a se fundamentar no art. 145, §1º, da CF, então, sob o mesmo fundamento, fica implícita a necessidade de alíquotas regressivas ou até de isenção quando verificada a falta ou insuficiência de tal capacidade. O princípio da progressividade consiste na possibilidade de majoração da obrigação tributária mediante uma escala crescente no valor percentual da alíquota do tributo, de acordo com critérios econômicos ou sociais, conforme a maior capacidade econômica aparente de dado contribuinte ou conforme a correta ou inadequada utilização do espaço urbano.

Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Werner Nabiça. IPTU, zona urbana e alíquotas perante o sistema federativo e a emenda constitucional N. 29/2000. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 120, 30 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4388. Acesso em: 21 nov. 2024.

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