RESUMO GERAL
O artigo apresentado irá tratar, especificamente, do Estudo de Caso, como modalidade de pesquisa, baseado na obra “Como elaborar projetos de Pesquisa?”, de Antônio Carlos Gil, com complementações, por meio de outros livros, bem como por meio de teses e dissertações. Como exemplo de um caso prático, buscando exemplificar a realização de uma pesquisa de estudo de caso, com origem na investigação individual, será trazido um projeto de pesquisa com o título “A metodologia de ensino do estágio de prática jurídica, nos cursos de direito no Brasil”.
Dessa forma, ao ser tratado do tema, será salientada a dificuldade de tal modalidade de pesquisa, pela diversidade de significados e consequentes aplicações em muitas áreas de conhecimento. Será revelada, também, a importância crescente do estudo de caso como instrumento de pesquisa, apresentando suas origens, significados e seu delineamento como metodologia de investigação. Com o objetivo de mostrar sua aplicação, serão indicadas as vantagens e as limitações mais comuns encontradas, sendo destacado o papel relevante do investigador, que deverá ter cuidado com as generalizações, além de buscar sempre o rigor científico no tratamento da questão. Posteriormente, serão abordadas as oito etapas a serem observadas para a pesquisa relacionada, quais sejam: a formulação dos problemas ou questões de pesquisa; a delimitação da unidade-caso; a seleção dos casos; a determinação da coleta de dados; a elaboração do protocolo; a coleta de dados; a análise e interpretação dos dados e a redação do relatório.
Diante do exposto, busca-se, com este artigo, aprofundar o aprendizado no tema, que, certamente, será de grande utilidade para a elaboração de projetos de pesquisa, em várias áreas do conhecimento, podendo ser aplicado, tanto no campo acadêmico, quanto no campo profissional.
1 CONCEITO
Inicialmente, cumpre ressaltar que o estudo de caso não é uma estratégia de ensino, nem um estudo exploratório, nem tão pouco, uma pesquisa qualitativa, também não é uma análise de caso, nem um relato de caso, muito menos um simulacro de pesquisa (GIL, 2009). Segundo ensinamento de GIL (2010), o Estudo de Caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível, mediante outros delineamentos existentes.
Para GOODE e HATT (1979), o estudo de caso é um meio de organizar os dados, preservando do objeto estudado, o seu caráter unitário. Conforme YIN (2005), trata-se de uma metodologia válida, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e, em situações, nas quais o foco se encontra em fenômenos complexos e contemporâneos, inseridos no contexto da vida real. No entendimento de STAKE (2010), o estudo de caso caracteriza-se pelo interesse em casos individuais, e não pelos métodos de investigação que pode abranger. Na posição de LÜDKE E MEDA (1986), o estudo de caso, como estratégia de pesquisa, é o estudo de um caso, simples e específico, ou complexo e abstrato, e deve ser sempre bem delimitado.
Diante do exposto, tendo em conta as posições dos autores apresentados, podemos afirmar que o estudo de caso, como modalidade de pesquisa, pode ser entendido como uma metodologia ou escolha de um objeto de estudo, definido pelo interesse, em casos individuais, visando a investigação de um caso específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar, para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações.
2 EVOLUÇÃO
Há diferentes posicionamentos que relatam as origens do estudo de caso na literatura contemporânea. De acordo com BECKER (1994) e GOLDENBERG (1997), o estudo de caso tem origem na pesquisa médica e na pesquisa psicológica, com a análise, de modo detalhado, de um caso individual, que explica a dinâmica e a patologia de uma doença dada. Além das áreas médica e psicológica, tornou-se uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa, em ciências humanas e sociais. Já para CHIZZOTTI (2006), o estudo de caso, como modalidade de pesquisa, origina-se nos estudos antropológicos de Malinowski e na Escola de Chicago e, posteriormente, teve seu uso ampliado para o estudo de eventos, processos, organizações, grupos, comunidades etc. Segundo GIL (2010), sua origem é bastante remota e se relaciona com o método introduzido por C.C.Laugdell, no ensino jurídico nos Estados Unidos.
Cumpre ressaltar que o estudo de caso é uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada nas ciências biomédicas e sociais. Nas ciências biomédicas, o estudo de caso costuma ser utilizado tanto como estudo-piloto, para esclarecimento do campo da pesquisa, em seus múltiplos aspectos; quanto para a descrição de síndromes raras. Seus resultados, de modo geral, são apresentados em aberto, ou seja, na condição de hipóteses, não de conclusões. Já nas ciências sociais, a distinção entre o fenômeno e seu contexto representa uma das grandes dificuldades com que se deparam os pesquisadores, sendo crescente a utilização do estudo de caso no âmbito dessas ciências, tendo sido encarado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, onde os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos (YIN, 2005). Insta salientar que, nas ciências, durante muito tempo, o estudo de caso foi encarado como procedimento pouco rigoroso, que serviria apenas para estudos de natureza exploratória.
3 APLICAÇÃO
Conforme ensinamento de GIL (2010), os estudos de caso podem ser utilizados para: explorar situações da vida real, cujos limites não estão claramente definidos; preservar o caráter unitário do objeto estudado; descrever a situação do contexto, em que está sendo feita determinada investigação; formular hipóteses ou desenvolver teorias; e explicar as variáveis causais de determinado fenômeno, em situações muito complexas, que não possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos.
Na abordagem de YIN (2005), o Estudo de Caso como ferramenta de investigação científica, pode ser utilizado para compreender processos na complexidade social, nas quais estes se manifestam: seja em situações problemáticas, para análise dos obstáculos, seja em situações bem-sucedidas, para avaliação de modelos exemplares. A metodologia pressupõe, em alguns casos, a existência de uma teoria prévia, que será testada no decorrer da investigação, e admite, em outros casos, a construção de uma teoria, a partir dos achados da pesquisa. Ainda, para o autor, há, pelo menos, cinco situações em que o Estudo de Caso se aplica: para explicar vínculos causais em intervenções na vida real, que são muito complexas para estratégias experimentais; quando é preciso descrever intervenções no contexto em que ocorrem; para ilustrar determinados tópicos em uma investigação; para explorar uma situação complexa de resultados e como uma forma de meta-avaliação de determinados processos.
Diante do exposto, podemos perceber que o Estudo de Caso tem várias aplicações, sendo, também, apropriado para: pesquisadores individuais; para investigação de fenômenos, quando há uma grande variedade de fatores e relacionamentos que podem ser diretamente observados e não existem leis básicas para determinar quais são importantes; nas pesquisas exploratórias; nas fases iniciais de uma investigação sobre temas complexos, para a construção de hipóteses ou reformulação do problema; nas situações, em que o objeto de estudo já é suficientemente conhecido, a ponto de ser enquadrado em determinado tipo ideal; na exploração de novos processos ou comportamentos, novas descobertas, gerando hipóteses e construindo teorias; pelo fato de explorar casos atípicos ou extremos, para melhor compreender os processos típicos; bem como, em pesquisas comparativas.
4 VANTAGENS E LIMITAÇÕES
Como vantagens, segundo GIL (2010), podemos apontar argumentos relacionados à possibilidade de se fazer uma pesquisa com profundidade; ao contexto em que os fenômenos se apresentam; à unidade do caso; à maior flexibilidade; à possibilidade de serem desenvolvidas novas pesquisas; à possibilidade de construção de hipóteses; à possibilidade de aprimoramento; à possibilidade de construção e rejeição de teorias; à possibilidade de investigação, em áreas inacessíveis por outros procedimentos; à possibilidade de investigação do caso pelo “lado de dentro”; ao melhor entendimento do processo, bem como à possibilidade de aplicação, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos.
E YIN (2005) sintetiza: “Como esforço de pesquisa, o estudo de caso contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos de fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos”. E, como se trata de “fenômenos sociais complexos”, o estudo de caso, torna possível uma investigação que permite “preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real”.
E, ainda, com base nas aplicações apresentadas, evidenciam-se outras vantagens do Estudo de Caso: estimulam novas descobertas, em função da flexibilidade do seu planejamento; enfatizam a multiplicidade de dimensões de um problema, focalizando-o como um todo; apresentam simplicidade nos procedimentos; além de permitir uma análise em profundidade dos processos e das relações entre eles.
Já as limitações do estudo de caso, segundo GIL (2010), estão relacionadas ao fato de serem as pesquisas de difícil replicação; ao longo período de tempo destinado à sua execução; à possibilidade de ser a generalização desfavorecida; ao complexo processo de análise necessário; às múltiplas competências que são exigidas do pesquisador; bem como à dificuldade de validade e fidedignidade críticas.
5 MOTIVAÇÃO
Ao ser escolhido o Estudo de Caso como a metodologia de pesquisa a ser utilizada, deve-se ter em vista os seguintes objetivos: o desejo pela visão de mundo e de ciência; a adequação metodológica; a busca de profundidade; o conhecimento da realidade do ponto de vista dos sujeitos; a análise do processo de mudança; bem como a ênfase na totalidade (GIL, 2009). E, para que isto ocorra, é fundamental a interpretação dos dados feita no contexto; a busca constante de novas respostas e indagações; a retratação completa e profunda da realidade; o uso de uma variedade de fontes de informação; a possibilidade de generalizações naturalísticas e a revelação dos diferentes pontos de vista sobre o objeto de estudo.
Para alcançar estes objetivos, o pesquisador, empenhado no Estudo de Caso, deve apresentar determinadas habilidades. Desta forma, deve estar preparado para fazer uso de várias fontes de evidências, que precisam convergir, oferecendo, dessa maneira, condições para se afirmar fidedignidade e validade dos achados, por meio de triangulações de informações, dados, evidências e até mesmo, teorias. Para desenvolver sua investigação, o estudioso deve se valer de uma plataforma de proposições teóricas para conduzir à coleta e à análise de dados, eventos que ocorrem, paralelamente, ao longo de toda a investigação. Para tanto, é necessário que redobre o cuidado, tanto no planejamento, quanto na coleta e análise dos dados; a fim de minimizar o efeito de possíveis vieses. E é exatamente isso, que torna exemplar um estudo de caso: é ser significativo, completo, considerar perspectivas alternativas, apresentar evidências suficientes, sendo elaborado de uma maneira atraente.
6 FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS
Convém salientar que o Estudo de Caso apresenta-se dentro de paradigmas de pesquisa positivista, dialética e interpretativista (GIL, 2009). Quanto ao rigor científico, que deve ser assegurado aos resultados do estudo de caso, faz-se necessário que, na pesquisa, estejam presentes os critérios de objetividade, precisão; operacionalidade; credibilidade; transferibilidade, bem como fidedignidade. Isto porque, não pode ser simplificado o nível de complexidade envolvido nessa modalidade de pesquisa, nem tão pouco, o rigor científico, necessário ao seu planejamento, análise e interpretação, para que seja garantida, a credibilidade. Faz-se necessário, portanto, que todos estes critérios sejam seguidos, para que possam ser prevenidos prováveis equívocos subjetivos, considerando-se estar, o pesquisador, profundamente envolvido na investigação, devendo primar pela objetividade, a fim de que esteja presente a fidedignidade dos dados, da categorização, e da análise realizada, com precisão. Inclusive, recomenda-se, para eliminar o viés, a elaboração de um plano de estudo de caso, para garantir a operacionalidade da pesquisa.
7 CLASSIFICAÇÃO
O Estudo de caso pode ser classificado, conforme GIL (2009), segundo os seus objetivos, segundo o enfoque disciplinar e segundo a quantidade de casos.
Assim, conforme os objetivos da investigação, pode ser: 1) intrínseco ou particular, referente ao caso particular em si, em seus aspectos intrínsecos; 2) instrumental, ao contrário, quando se examina um caso, para se compreender melhor outra questão, algo mais amplo, orientar estudos ou ser instrumento para pesquisas posteriores; e 3) coletivo, quando estende o estudo a outros casos instrumentais, conexos com o objetivo de ampliar a compreensão, ou a teorização sobre um conjunto, ainda maior de casos.
Segundo o enfoque disciplinar, podem ser identificadas diferentes modalidades de Estudo de Caso único: (1) caso raro, relacionados a comportamentos e situações sociais; (2) caso decisivo, para confirmar, contestar ou entender uma teoria; (3) caso revelador, referente a um fenômeno inacessível a outros pesquisadores; (4) caso típico, exploração ou descrição de objetos, considerados serem a melhor expressão do tipo ideal de categoria; (5) caso extremo, relacionado à situação limite, em que um fenômeno pode se manifestar; e (6) caso discrepante, que “passa dos limites”.
Quanto à quantidade de casos, o Estudo de Caso pode ser constituído tanto de um único, quanto de múltiplos casos. Como já foi considerado, no âmbito das pesquisas biomédicas, o Estudo de Caso, freqüentemente, envolve um caso específico, que irá entrar na coletânea universal de casos similares (OLIVEIRA, 1995). Já, nas pesquisas econômicas, a utilização de um único caso é bem menos freqüente, justificando-se quando o caso estudado é único ou extremo. Quanto à utilização de múltiplos casos, esta é mais freqüente nas pesquisas sociais, por melhor proporcionar as evidências inseridas em diferentes contextos, embora requeira uma metodologia mais apurada e mais tempo para coleta e análise dos dados.
Por fim, cumpre salientar que, STAKE (2000) identifica, ainda, três modalidades de estudos de caso: sendo que subdivide os casos únicos em intrínseco (o caso constitui o próprio objeto da pesquisa; com o objetivo de conhecê-lo em profundidade, sem preocupação com o desenvolvimento de teoria; tendo como exemplo, o estudo de um líder carismático) e instrumental (visa aprimorar o conhecimento de determinado fenômeno, redefinir determinado problema ou desenvolver teorias, sem interesse específico no caso, podendo ser utilizado como exemplo o estudo de caso que será realizado no projeto de pesquisa, já mencionado anteriormente, com o título “A metodologia de ensino do estágio de prática jurídica, nos cursos de direito no Brasil”, em que serão estudados os estagiários do núcleo de prática jurídica de determinados cursos de direito no Brasil, acrescidos dos sub-tópicos contextuais, abrangidos como parte do estudo de caso, tais como núcleos de prática jurídica, monitores, professores e coordenadores); e os casos múltiplos, os denominou, casos coletivos (estudar, conjuntamente, mais de um caso, para investigar determinado fenômeno, como exemplo, o estudo das características de uma população, a fim de melhor conhecer o universo a que pertencem). É importante salientar, serem, os casos coletivos, diferentes dos estudos de caso único, que apresentam múltiplas unidades de análise, quando, por exemplo, em uma universidade, são estudadas as faculdades que a compõem, sendo que estas constituem unidades de análise, e não casos.
8. ETAPAS
Conforme YIN (2005) e STAKE (2010), citados em GIL (2010), é possível definir um conjunto de etapas que podem ser seguidas, na maioria das pesquisas, definidas como Estudo de Caso, embora seja desnecessário que venham nesta ordem. Assim, tem-se: a formulação do problema ou das questões de pesquisa; a definição das unidades-caso; a seleção dos casos; a elaboração do protocolo; a coleta de dados; a análise e interpretação dos dados; e a redação do relatório.
8.1 Formulação do problema
Alguns autores preferem o termo “questões de pesquisa”, sob a alegação de que o termo “problema” é mais adequado aos estudos quantitativos e que, geralmente, os problemas de pesquisa são apresentados com um “por que”, sugerindo verificação de relações causa-efeito. Dessa forma, Creswell (2008, apud GIL, 2010) sugere que as questões de pesquisa se iniciem com as palavras “o que” ou “como”, para transmitir a idéia de uma pesquisa aberta e abrangente. Embora YIN (2005) reconheça a adequação de questões do tipo “por que”. Cumpre salientar que não seriam adequadas questões do tipo “quem”, “onde”, “quanto”, “quantos”, que sugerem a realização de levantamento de campo e pesquisas baseadas em dados de arquivo (GIL, 2010).
Além disso, segundo Gil (2010), a formulação do problema, geralmente, decorre de um longo processo de reflexão e de imersão em fontes bibliográficas adequadas, devendo-se ter o cuidado em garantir que o problema formulado seja passível de verificação por meio desse tipo de delineamento. E, como resposta a estes questionamentos, tem-se definidos os objetivos, que devem expressar a finalidade da pesquisa, sendo coerentes com o problema formulado, devendo ser executados em prol da resposta ao questionamento feito, que deu origem à pesquisa. Na formulação do problema ou dos questionamentos do projeto de pesquisa utilizado como exemplo ao longo do texto, tem-se o objetivo de ser analisada a metodologia de ensino do estágio da prática jurídica utilizada nos cursos de direito no Brasil.
8.2 Delimitação da Unidade Caso
Em sua acepção clássica, a unidade-caso refere-se a um indivíduo num contexto definido. Cumpre salientar que o conceito de caso, no entanto, ampliou-se. No exemplo do nosso projeto de pesquisa poderiam ser considerados os estagiários do núcleo de prática jurídica de determinados cursos de direito no Brasil, acrescidos dos sub-tópicos contextuais, abrangidos como parte do estudo de caso (núcleos de prática jurídica, monitores, professores, coordenadores). Os casos, também, podem ser definidos do ponto de vista espacial (uma comunidade religiosa) ou temporal (empregado recebendo o comunicado de sua demissão). Podem referir-se a eventos (encontro de empresários) ou a um período de tempo (implantação de um programa de qualidade).
Para GIL (2010), a delimitação da unidade-caso não constitui tarefa simples, sendo difícil traçar os limites de um objeto. Assim, argumenta que a totalidade de um objeto, seja ele físico, biológico ou social, é uma construção intelectual. E conclui, afirmando que não existem limites concretos na definição de qualquer processo ou objeto, sendo que os critérios de seleção dos casos variam de acordo com os propósitos da pesquisa. Portanto, para delimitação da unidade que constitui o caso, são exigidas habilidades do pesquisador para perceber quais dados são suficientes para se chegar à compreensão do objeto como um todo.
8.3 Seleção dos casos
Como nem sempre os casos são selecionados mediante critérios estatísticos, algumas recomendações devem ser seguidas: buscar casos típicos; selecionar casos extremos; encontrar casos atípicos. Para GIL (2010), a lógica da escolha de casos tem a ver com a lógica dos procedimentos experimentais, especificamente com o método de concordância (MILL, 1979; in GIL, 2010), sendo que, quando se aplica essa lógica os estudos de casos múltiplos, o que cabe é selecionar os casos de forma real, que prevejam resultados semelhantes, ou que produzam resultados diferentes, por alguma razão previsível. Convém ressaltar que a determinação do número de casos não pode ser feita a priori, a não ser quando o caso é intrínseco. E, o procedimento mais adequado para esse fim, consiste no adicionamento progressivo de novos casos, até o instante em que se alcança a "saturação teórica", quando o incremento de novas observações não conduz a um aumento significativo de informações. Embora não se possa falar em um número ideal de casos, costuma-se utilizar de quatro a dez casos. Com menos de dez casos, é pouco provável que se gere uma teoria, pois o contexto da pesquisa pode ser inconsistente; com mais de dez casos, fica muito difícil lidar com a quantidade e complexidade das informações (Eisenhardt, 1989, in GIL, 2010). No caso em tela, uma perspectiva teórica inicial acerca da metodologia de ensino do estágio de prática jurídica de determinado curso de direito no Brasil (modelo) pode-se propor que os núcleos de prática jurídica de sucesso são aqueles que agem seguindo determinado modelo. Assim, poder-se-ia tentar construir, alargar ou desafiar esta perspectiva, por meio do cruzamento de dados, para análise de casos confirmatórios ou contrastantes. Para esse fim, serão selecionados cursos de direito com características preestabelecidas, não se pretendendo com isso, representar todos os cursos de direito, mas será buscado, com esta seleção, encontrar problemas comuns e conhecer os procedimentos adotados para a solução destes, a fim de se buscar um padrão de ensino efetivo para a prática jurídica.
8.4 Determinação das técnicas de coleta de dados
Os estudos de caso requerem a utilização de múltiplas técnicas de coleta de dados, o que garante a profundidade necessária ao estudo e a inserção do caso em seu contexto, bem como confere maior credibilidade aos resultados. Mediante procedimentos diversos, é que se torna possível a triangulação, que contribui para obter a corroboração do fato ou do fenômeno. Para GIL (2010), os estudos de caso executados com rigor requerem a utilização de fontes documentais, entrevistas e observações. Considere-se, por exemplo, o estudo de caso apresentado em nosso projeto de pesquisa, em que poderiam ser analisados os documentos elaborados pelos núcleos de prática jurídica, como atas de reunião, jornais e cartilhas; além disso, poderiam ser entrevistados os coordenadores, os professores, os estagiários e os monitores; além de ser interessante observá-los em ação.
8.5 Elaboração do protocolo
Para GIL (2010), o protocolo é o documento que trata de todas as decisões importantes, devendo conter o instrumento de coleta de dados, esclarecendo sobre os procedimentos; e definir a conduta a ser adotada para a sua aplicação, subsidiando as constantes tomadas de decisão. Portanto, é uma das melhores formas de aumentar a confiabilidade do estudo de caso, sendo mais importante nas pesquisas que envolvem múltiplos casos. Embora não exista um modelo fixo, GIL (2010) traz, em seu livro, a recomendação de que o protocolo seja subdivido em partes, quais sejam: (1) Dados de identificação; (2) Introdução; (3) Trabalho de campo; (4) Questões Específicas; (5) Previsão de análise dos dados; (6) Guia para elaboração do relatório.
8.6 Coleta de dados
A coleta de dados, geralmente, é feita com vários procedimentos quantitativos e qualitativos: entrevista, que pode ser formal ou informal; observação, que poderá ser espontânea, sistemática ou participante; análise de documentos; utilizando-se histórias de vida; por meio de aplicação de questionário com perguntas fechadas; por meio de levantamentos de dados; de análise de conteúdo; por meio de dados obtidos com a utilização do focusgroup etc. Há uma pluralidade de procedimentos que podem ser incorporados.
No entanto, para GIL (2010), na maioria dos Estudos de Caso bem conduzidos, a coleta de dados é feita mediante entrevistas, observação e análise de documentos. Para o autor, a entrevista requer a tomada de múltiplos cuidados em sua condução, tais como: (1) definição da modalidade de entrevista: aberta, guiada, por pautas ou informal; (2) quantidade de entrevistas: as entrevistas devem ser em número suficiente para que se manifestem todos os atores relevantes. (3) seleção dos informantes; (4) negociação da entrevista: estabelecimento de um contrato. Já a observação, enquanto técnica de pesquisa, para GIL (2010), pode assumir, três modalidades, quais sejam: (1) espontânea (o pesquisador apenas observa s fatos; sendo adequada aos estudos exploratórios); (2) sistemática (o pesquisador tem conhecimento dos aspectos a serem estudados para alcançar os objetivos; sendo adequada para estudo de casos descritivos); (3) participante (participação do pesquisador). Por fim, dentre as principais fontes documentais, estão: os Documentos pessoais; os Documentos administrativos; o Material publicado em jornais e revistas; as Publicações de organizações; os Documentos disponibilizados pela Internet; os Registros cursivos; os Artefatos físicos e vestígios. Insta salientar que a consulta a fontes documentais é imprescindível em qualquer estudo de caso, uma vez que podem auxiliar na elaboração das pautas para entrevistas e dos planos de observação, devendo-se ter o cuidado para que este tipo de coleta de dados não conduza a pesquisas inconsistentes.
8.7 Análise e interpretação dos dados
8.7.1 Modelos
A análise e interpretação é um processo que, nos Estudos de Caso, se dá, simultaneamente, à sua coleta. Desta forma, a seleção dos dados deve considerar os objetivos da investigação, seus limites e um sistema de referências para avaliar quais dados serão úteis ou não. Somente aqueles selecionados deverão ser analisados. Para tanto, o pesquisador deve definir, antecipadamente, seu plano de análise e considerar as limitações dos dados obtidos, sobretudo, no referente à qualidade da amostra, que, sendo boa, haverá uma base racional para fazer generalizações, a partir dos dados. Em caso contrário, deve apresentar os resultados em termos de probabilidade. Como o estudo de caso vale-se de procedimentos de coleta de dados, os mais variados, o processo de análise e interpretação pode, naturalmente, envolver diferentes modelos de análise, tais como o modelo clássico; a análise fundamentada teoricamente; a análise etnográfica; a análise fenomenológica; a indução analítica; a análise por comparações constantes; bem como a análise de conteúdo (GIL, 2009). Convém ressaltar que é natural admitir que a análise dos dados seja de natureza predominantemente qualitativa.
8.7.2 Etapas
Em virtude da multiplicidade de enfoques analíticos que podem ser adotados nos Estudos de Caso, não é possível definir a sequência de etapas a serem seguidas. Segundo GIL (2010), podem ser identificadas apenas algumas, adotadas, na maioria dos casos, de forma não sequencial: a codificação dos dados (atribuir uma designação aos conceitos relevantes, encontrados nos textos dos documentos, na transcrição da entrevista e nos registros de observações, possibilitando a categorização dos dados, comparação e atribuição de significados); o estabelecimento de categorias analíticas (padrões que emergem dos dados; têm o propósito de agrupá-los de acordo com a sua similitude, geralmente pela comparação sucessiva); a exibição dos dados (identificação de alguns tópicos-chave e elaboração de um texto discursivo, com instrumentos analíticos para organizar, sumarizar e relacionar os dados, tais como as matrizes e os diagramas); a busca de significados (verificação sistemática dos temas que se repetem; agrupamento, estabelecer comparações e contrastes, construir cadeias lógicas de evidências e procurar a construção da coerência conceitual e teórica); bem como a busca da credibilidade (em que, sugere-se: 1) verificar a representatividade dos participantes (se apropriados); 2) verificar a qualidade dos dados (selecionar informantes bem articulados e as circunstâncias, preferindo-se dados referentes ao comportamento observado; de repetidos contatos; de primeira mão, de informantes que praticaram as ações; fornecidos espontaneamente, com privacidade); 3) Controlar os efeitos do pesquisador (minimizar sua influência); 4) Fazer triangulação (confrontar a informação obtida por uma fonte com outras); 5) Obter feedback dos participantes. (atuação dos participantes como avaliadores da pesquisa); 6) Obter avaliação externa (análise por outros pesquisadores). Cumpre ressaltar que a utilização de computadores, na análise dos dados, é bem comum, devendo ser verificadas as possibilidades e impossibilidades para a pesquisa a ser feita, bem como analisadas as vantagens e desvantagens da utilização destes; e serem verificados quais os programas disponíveis e quais sites são recomendados, para se garantir uma maior segurança na pesquisa.
8.8 Redação do relatório
Na elaboração do relatório, deve ficar especificado como foram coletados os dados; que teoria embasou a categorização dos mesmos e a demonstração da validade e da fidedignidade dos dados obtidos. Deve ser definido o público alvo; o foco; bem como um estilo de redação; devem ser inseridas as falas dos entrevistados; e combinadas as falas dos informantes com os comentários do pesquisador, GIL (2009). Os dados, geralmente, são muito numerosos, e obtidos de formas diferentes, tornando-se necessária sua seleção e organização, não apenas para fins de análise, mas também de apresentação. Assim, devem ser definidas diferentes estruturas redacionais para os relatórios dos estudos de caso, tais como: (1) Estrutura clássica (preferencialmente utilizada em periódicos científicos, teses e dissertações); (2) Estrutura narrativa (adequada aos estudos de caso históricos); (3) Estrutura descritiva (específica para aspectos da vida social); (4) Estrutura de construção de teoria (lógica subjacente à construção da teoria, sendo desvendadas as partes da teoria, sendo a síntese desta, apresentada no relatório); (5) Estrutura de suspense (situação não explicada, sendo gradualmente desvendada). De modo geral, a estruturação do relatório ocorre, seguindo a estrutura clássica: introdução; revisão bibliográfica; metodologia; descrição e interpretação dos dados e, por fim, a conclusão.
9 CONCLUSÃO
Ao ser definido o objeto de estudo da pesquisa científica, torna-se possível construir um processo de investigação, a fim de que seja delimitado o universo a ser estudado. Portanto, pesquisar significa fazer uma escolha, pois em cada caso concreto, deve-se definir um determinado nível de agregação. Quando a intenção é examinar o próprio universo, tem-se os estudos agregados; quando se estuda uma unidade ou parte desse todo, tem-se um estudo de caso, devendo, nesta hipótese, ser observado o que o caso sugere a respeito do todo, e não somente o estudo daquele caso.
Diante de todo o exposto, no presente artigo, pode-se concluir que o Estudo de Caso, como um instrumento de investigação e modalidade de pesquisa, pode ser aplicado em diversas áreas do conhecimento, visando uma exploração intensa do caso, devendo ser observadas determinadas etapas, a serem, rigorosamente, seguidas para que tenha credibilidade. E, assim, após analisar todas as vantagens e limitações desta delimitação de pesquisa, foi adotado o Estudo de Caso no projeto de pesquisa apresentado como exemplo, mediante a proposta de empenho ao delineamento escolhido, a fim de atender às habilidades requeridas para a sua execução.
10 REFERÊNCIAS
BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC; 1994.
CASTRO, C. M. A prática da pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil; 1978.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes; 2006.
DUARTE, J. B. Estudos de caso em educação. Investigação em profundidade com recursos reduzidos e outro modo de generalização. Revista Lusófona de Educação, 2008, nº 11, p. 113-132. Disponível em: http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/1736. Acesso em: 02.jun.2015.
GIL, A. C. Como elaborar projetos e pesquisa. 5ª. ed. São Paulo: Atlas; 2010.
_____. Estudo de caso.1. ed. São Paulo: Atlas; 2009.
_____. Metodologia do Ensino Superior. 4ª.. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
_____. Métodos e Técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1995.
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro: Record; 1997.
GOODE, W. J.; HATT, P. K. Métodos em pesquisa social. 5ª. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional;1979.
LÜDKE, M; MEDA, A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU;1986.
MARTINS, G. A. Estudo de caso: uma reflexão sobre a aplicabilidade em pesquisas no brasil. RCO – Revista de Contabilidade e Organizações – FEARP/USP, v. 2, n. 2, p. 8 - 18 jan./abr. 2008; Disponível em: http://www.rco.usp.br/index.php/rco/article/view/21. Acesso em 02.jun.2015.
STAKE, R. E. Case studies. In: Denzin NK, Lincoln YS (eds). Handbook of qualitative research. London: Sage; 2000, In GIL, A. C. Como elaborar projetos e pesquisa. 5ª. ed. São Paulo: Atlas; 2010.
_____. A arte de investigação com estudos de caso. Lisboa: Gulbenkian, 2007, In DUARTE, J. B. Estudos de caso em educação. Investigação em profundidade com recursos reduzidos e outro modo de generalização. Revista Lusófona de Educação, 2008, nº 11, p. 113-132. Disponível em: http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/1736. Acesso em: 10.jun.15.
VENTURA, M. M. O Estudo de caso como modalidade de pesquisa. Revista SOCERJ., 2007, 20 (5); p. 383-386, set/out. Disponível em http://www.polo.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/o_estudo_de_caso_como_modalidade_de_pesquisa.pdf. Acesso em: 10.jun.2015.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005, In GIL, A. C. Como elaborar projetos e pesquisa. 5ª. ed. São Paulo: Atlas; 2010.