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O desenho institucional do plano de mobilidade da cidade de São Paulo.

Da revolucionária necessidade de revisão dos modais de transporte urbano

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O presente estudo tem por objeto uma análise do desenho institucional do plano de mobilidade urbana da cidade de São Paulo e a gestão democrática do espaço viário urbano.

O DESENHO INSTITUCIONAL DO PLANO DE MOBILIDADE DA CIDADE DE SÃO PAULO: DA REVOLUCIONÁRIA NECESSIDADE DE REVISÃO DOS MODAIS DE TRANSPORTE URBANO.

 

Sumário: 1. Introdução à problemática – 2. Desenho institucional de um plano de mobilidade urbana – 3. Breves reflexões sobre a gestão democrática das políticas de mobilidade urbana – 4. Bibliografia.

 

Resumo: O presente estudo tem por objeto uma análise do desenho institucional do plano de mobilidade urbana da cidade de São Paulo e a gestão democrática do espaço viário urbano.

 

Palavras chave: Mobilidade urbana, políticas públicas e gestão democrática.

 

Abstract: The following study aims at analysing the institutional design of the São Paulo’s urban mobility public policy, focusing the reflexions in the democratic management of the urban ways.

 

Keywords: Urban mobility, public policy and democratic management.

 

1. INTRODUÇÃO À PROBLEMÁTICA.

A sociedade moderna atingiu um alto grau de complexidade, seja no dinamismo de suas relações, seja na pluralidade dos conviventes. Isso tudo também se deve, em grande parte, à grande aglomeração de pessoas em metrópoles conurbadas[1], grandes centros urbanos onde a atividade econômica é marcada pela atuação do setor terciário da população economicamente ativa. No caso brasileiro, esse quadro se deve, majoritariamente, às ondas migratórias internas ocorridas no século XIX e XX (decorrência indireta da formação fundiária nacional, marcada, desde sempre, pelos latifúndios e pela impossibilidade de revisão dessa lógica concentradora).

O convívio humano em sociedade, e seus correspondentes porquês, já foram objeto de profundas cogitações filosóficas. Aristóteles, por exemplo, definia o homem como um animal político, naturalmente social, portanto. Na tentativa de romper com o poder divino do soberano absolutista, desenvolveram-se as teorias contratualistas, que, pregando o individualismo, defendiam a ideia de que a sociedade é uma algo artificial, “introgetada” na comunidade por meio de um contrato, no qual os homens abriram mão de parte de sua liberdade individual para construir uma liberdade coletiva, que possibilitaria uma maior previsibilidade comportamental entre os semelhantes. Teorias sobre o porquê do convívio do homem em sociedade não faltam, contudo, é necessário destacar que as teorias contratualistas foram a legitimação teórica do modelo de produção capitalista[2] que entre nós impera até hoje. Até porque

o Estado lança mão do direito moderno para preservar os mercados. Daí que o direito moderno é o instrumento de que se vale o Estado para defender o capitalismo dos capitalistas... Calculabilidade e previsibilidade são por ele instaladas porque sem elas o mercado não poderia existir[3].

O questionamento sobre se o homem natural ou artificialmente convive em sociedade não é o objeto do presente estudo. Nos basta a constatação empírica de o homem convive em sociedade, e, como dito alhures, esta está cada vez mais complexa. Tomemos como exemplo a cidade de São Paulo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[4] no ano de 2010 a população do município de São Paulo alcançou a patamar de 11.253.503 habitantes, estimando-se para o ano de 2015 o patamar de 11.967.825 habitantes; tudo isso gerando uma densidade demográfica de quase 7.400 habitantes por quilômetro quadrado.

Diante desse cenário não é demais destacar que o deslocamento dentro do próprio município, em horários específicos, com rapidez é quase um feito digno de uma epopeia. Não bastasse a dificuldade própria da aglomeração, diante de um cenário econômico de quase uma década de favorecimento ao consumo e sucessivos incentivos fiscais com vistas fomentar a compra de automóveis (e todo o giro econômico representado pela indústria automobilística; desde a mineração que culminará nas placas metálicas utilizadas na lataria, até a manutenção do veículo usado), vemos surgir um cenário no município de São Paulo (um verdadeiro retrato agigantado, em suas proporções, da realidade social brasileira nos grandes centros urbanos) no qual se registra para o ano de 2014[5] a existência de 7.323.775 veículos, dos quais impressionantes 5.160.727 são automóveis simples, sem pressuposta destinação comercial (como por exemplo o são os caminhões). Não há como se negar que o fomento à atividade industrial é um dos propósitos do Estado, até porque por meio dela surge a possibilidade de “assegurar as condições de aumento elevado e constante de renda nacional per capita” o que “aparece hoje em dia, acima das querelas ideológicas e políticas, como a tarefa primeira e indeclinável do Poder Público”[6]; isso porque através dessa circulação de bens, serviços e capitais, que compõe a atividade econômica desenvolvida no âmbito interno, e externo com implicações internas, que o Estado aufere receitas tributárias, justamente por taxar fatos oponíveis aos membros dessa cadeia de circulação de acumulação de capital previstos na legislação tributária como geradores de obrigações tributárias; implementando por meio das receitas aí auferidas as políticas públicas tidas como essenciais para os setores (âmbito econômico, social, etc...), além de se valer de tal fonte de receitas para realização de suas demais atividades. Contudo, esse fomento à atividade industrial e às possibilidades creditícias, com vistas a fomentar o consumo e toda essa cadeia supra referida, no caso paulistano, relativamente à indústria automobilística, acabou por gerar um problema sem tamanho para a circulação de pessoas, para o direito de ir, vir e permanecer; visto que as possibilidades fáticas (diante do elevado número populacional e da elevada frota de veículos) de se locomover em horários de pico diminuem de forma inversamente proporcional ao aumento da frota. Sem se mencionar todo o impacto ambiental decorrente dos gases emitidos pelos motores movidos a combustíveis minerais (hidrocarbonetos).

Justamente nesse ponto faz-se necessária a atuação do poder público com vistas organizar o convívio humano, de modo que ele possa se harmonizar, para que as coisas funcionem conforme previu o sistema jurídico que elas deveriam funcionar. Há, portanto, uma aproximação entre o sistema jurídico e a sociedade como um todo, diante de uma atuação concreta do poder público, com vistas a resolver as crises ou os conflitos ocorridos no tecido social, mitigando as inconsistências e buscando a efetivação dos comandos constitucionais. Quanto ao meio pelo qual o Estado efetiva o comando constitucional (fim para o qual se pressupõe aquele meio) surgem inúmeras divergências, decorrentes de aspectos ideológicos e de juízos de valor subjetivos, além de outras decorrentes de critérios de economicidade, efetividade, dentre outros; contudo, ainda que paute sua atuação pela estrita conformidade ao direito, nesse ponto de definição dos meios pelos quais se efetivarão os comandos constitucionais e infraconstitucionais, solvendo as inconsistências do tecido social e mitigando-lhe as crises, há uma inegável escolha de ordem discricionária, pois, em essência, é conferida à autoridade a faculdade “de, ante certa circunstância, escolher uma entre várias soluções possíveis”[7]. Ou seja, há inegavelmente um juízo de valor de ordem subjetiva, relativamente aos meios pelos quais àquele fim ultimado se realizará. O que legitima essa subjetividade são as escolhas políticas feitas pela sociedade, na eleição daqueles que conduzirão a coisa pública, em absoluta manifestação de sua soberania, enquanto povo politicamente organizado. Assim, diante de uma série de inconsistências históricas e de diversos problemas sociais, considerando-se a impossibilidade de atender à todas essas contingências, definem-se prioridades que normalmente constam nos programas de governo apresentados pelos pretendentes aos cargos públicos, sendo tais programas os critérios que acabam por (ou pelo menos deveriam) cativar os cidadãos[8] no exercício de seus direitos políticos.

 

2. DESENHO INSTITUCIONAL DE UM PLANO DE MOBILIDADE URBANA.

Essa definição das prioridades, no âmbito municipal, atende assuntos de interesse preponderantemente local, até porque, dentre as esferas da federação, é a municipalidade a que se encontra mais próxima do cidadão. Dentre esses assuntos de interesse local, evidentemente, mobilidade urbana aí se encontra compreendida, tanto que a Constituição Federal, em seu artigo 182, dispôs que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Ora não há como se tratar de desenvolvimento urbano sem mobilidade.

Como já dito, ainda que o fomento ao consumo e à atividade industrial se compreendam como prerrogativas funcionais do Estado, como alternativas para enfrentar o subdesenvolvimento, o olhar puro e simples desconexo dos demais problemas que daí defluem acaba por gerar uma série de imbróglios que repercutem em outras esferas. O tráfego de veículos automotores em São Paulo, por exemplo: ainda que seja louvável o incentivo à compra de veículos, não há como simplesmente ignorar a quantidade de automóveis em São Paulo, havendo a necessidade de se repensar as formas de locomoção dentro do município, ainda que isso tenha um impacto negativo na produção industrial; afinal de que adianta a compra de um automóvel sem que haja a possibilidade de se locomover, sem que se olvide de todo o custo ambiental que daí decorre.

Eis o ponto fulcral do presente estudo, uma análise das políticas públicas voltadas para a mobilidade urbana no âmbito do Município de São Paulo. Assim, antes de prosseguir, é necessária uma definição daquilo que se entende como política pública, para então analisar os pormenores do Plano Municipal de Mobilidade de São Paulo.

Maria Paula Dallari Bucci define política pública como:

o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização dos objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.[9]

Dito de outro modo, a política pública é a realização concreta e material de direitos determinados pelo texto constitucional, como consectários do próprio Estado Democrático e Social de Direito, após um longo processo administrativo (no âmbito da administração[10]), definindo-se prioridades, alocando-se recursos, planejando-se a ação, que será executada pelo poder público; sendo esse o meio pelo qual o Estado efetiva sua vocação, ou seja, cumpre seus objetivos.

Ainda que o art. 182 da carta magna determine que a atuação com vistas a fomentar o desenvolvimento urbano seja de responsabilidade do ente municipal, considerando a conformação centralizadora de nosso modelo federativo, devemos primeiramente nos atentar a às competências da União, relativamente aos aspectos de direito urbanístico, para verificarmos então a disciplina geral e genérica da mobilidade urbana no âmbito nacional e sua consequente repercussão no âmbito da municipalidade. Com efeito, dispôs a Constituição Federal, ao tratar das competências administrativas da União, que a esta competiria “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”[11]. Ou seja, ainda que o art. 30, incisos I e V, e o art. 182 do texto constitucional, deixem bem definidas as competências do município para legislar sobre assuntos de interesse local, serviços de interesse local (transportes coletivos, por exemplo) e desenvolvimento urbanístico, tal produção legislativa de interesse local deverá se atentar às normas gerias traçadas pela União.

Nessa lógica de instituição de uma política urbanística nacional, propiciadora do desenvolvimento urbanístico equalizado (pautado pelas mesmas premissas, dentro de uma coerência federativa pautada pelo respeito às peculiaridades regionais) no âmbito nacional, para que cidade pudesse cumprir seus propósitos, atendendo à sua função social[12], foi promulgada, regulamentando os artigos 182 e 183 do texto constitucional, a Lei Federal 10.257/01, que cuidou de estabelecer diretrizes gerais para a política urbanística. No mesmo azo (e, agora sim, muito mais correlacionada ao objeto do presente estudo), a Lei Federal 12.587/12, também cuidando de regulamentar desdobramentos do art. 182 do texto constitucional, bem como o inciso XX do art. 20, instituiu as diretrizes para o plano nacional de mobilidade urbana, referindo-se a esta como instrumento apto a propiciar o desenvolvimento urbano, objetivando a integração entre os diferentes modais de transporte e a melhoria em sua acessibilidade e no fluxo de pessoas e cargas no interior da municipalidade.

A Lei Federal 12.587/12 estabeleceu como princípios da política nacional de mobilidade urbana assegurar a acessibilidade universal; o desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômica e ambientais; a equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público; a eficiência, efi

cácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; a gestão democrática e social do planejamento e avaliação da política nacional de mobilidade urbana; a segurança nos deslocamentos das pessoas; a justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; a equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e a eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.

Como se infere, os valores que fundamentam a positivação de uma política nacional de mobilidade urbana podem ser aglutinados como a necessidade de uma racionalização democrática na utilização dos espaços públicos, de modo inclusivo, garantindo-se maior fluidez na locomoção urbana e segurança.

Os artigos 6º e 7º da Lei 12.587/12 estabeleceram as diretrizes e os objetivos de tal política nacional de mobilidade urbana, funcionando como verdadeiros desdobramentos dos valores fundantes de tal positivação.

Art. 6o A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:

I - integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos;

II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; 

III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano; 

IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade; 

V - incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes; 

VI - priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; e

VII - integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional.

Art. 7o A Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos:

I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;

II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;

III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade;

IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e

V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.[13]

Nesses termos, ganha considerável relevo notar que dentre as diretrizes do plano, a mobilidade é vista como um instrumento de integração, para fomentar o desenvolvimento urbano sustentável. Do mesmo modo, os objetivos de tal política de mobilidade são explícitos ao afirmar que para que haja o desenvolvimento urbano democrático, inclusivo e sustentável, é imperioso que haja mobilidade urbana.

A lógica do plano nacional vislumbra a mobilidade não como um fim em si mesmo, mas como um meio, um mecanismo de integração urbana, atendendo àquilo que alhures se referiu como função social da cidade, bem como ao primado de desenvolvimento socioeconômico urbano.

Também foram disciplinadas pelo aludido diploma as balizas que devem conformar a regulação da prestação de transportes coletivos, como melhoria na eficácia e eficiência dos serviços, modicidade das tarifas, simplicidade e transparência nas tarifas, integração entre as redes de transporte coletivo, fixação de parâmetros de qualidade, metas de desempenho, dentre outros; passando o usuário do serviço à qualidade, de certo modo, de consumidor de um serviço público, sendo-lhe dado o direito de receber o serviço adequado (uma obviedade tremenda) seguro e dotado de acessibilidade; de ser informado com transparência sobre a malha urbana, suas tarifas, horários, itinerários; além de participar do planejamento, fiscalização e avaliação da política de mobilidade, por meio de órgãos colegiados onde haverá participação da sociedade civil, ouvidorias, audiências públicas.

Há, pelo texto legal, uma distribuição de competências entre as diferenças esferas da federação, contudo, o planejamento de uma política urbana concreta acaba por ser atribuído ao Município, já que é este o ente federado mais próximo do cidadão; cabendo, todavia, aos Estados a adoção de uma política de integração entre os modais que ultrapassem os limites municipais. Assim, é atribuída pela Lei (que assume caráter nacional, por definir normas gerais para a política de mobilidade urbana) a responsabilidade aos municípios de, no prazo de três anos a contar da promulgação da aludida Lei, integrar ao plano diretor municipal, existente ou em elaboração, o plano municipal de mobilidade urbana, que deverá, além de observar os princípios, diretrizes e objetivos delineador pelo plano nacional, dar ênfase aos serviços de transporte público coletivo; à circulação viária; às infraestruturas do sistema de mobilidade urbana; à acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; à integração dos modos de transporte público e destes com os privados e não motorizados; à operação e ao disciplinamento do transporte de carga; aos polos geradores de viagens; às áreas de estacionamentos; às áreas e horários de circulação restrita; à mecanismos de financiamento do transporte público coletivo e da infraestrutura urbana de mobilidade; e à sistemas de avaliação, revisão e atualização periódica do plano municipal; sob pena de impedimento à percepção de recursos federais destinado à consecução de tal política nacional.

Assim sendo, fica bem evidente que a mobilidade urbana assume um importante viés instrumental para o desenvolvimento urbano inclusivo e democrático, com ênfase em modais sustentáveis e de repartição racional do espaço urbano para que a cidade possa ser usufruída, até porque, como já dito, a mobilidade faz parte de uma infraestrutura básica sem a qual o desenvolvimento racional e teleologicamente vocacionado ao atendimento dos mandamentos constitucionais (de redução das desigualdades sociais e regionais, dentre tantos outros) se mostra inexequível. Para tanto, seu tratamento pelas municipalidades é imposto como prioridade, sob pena de obstrução na percepção de recursos federais vinculados à tal finalidade.

Nesse ponto, é cabível uma digressão genérica, visto que a mobilidade urbana é atividade necessária e útil à sociedade, pressupondo prestações concretas e materiais por parte da administração, devendo, portanto, ser encarada como serviço público[14], até porque se enquadra como meio pelo qual o Estado poderá suas atividades fins; é verdadeira condição sem a qual não há como se pensar em locomoção, em grandes aglomerados urbanos. Não é demais destacar, diante da vinculação social do serviço público, e consequentemente da mobilidade urbana, relativamente à importância do serviço público, que Antonio Troncoso Reigada, ao dissertar sobre a dogmática constitucional e serviço público, consigna que serviço público é algo característico de Estado democráticos efetivadores de uma progressiva política inclusiva, tendo contribuído, sobremaneira, no caso espanhol, para a superação de uma sociedade com grande desequilíbrios sociais e construir uma sociedade minimamente mais justa[15]. Assim sendo, diante das feições basais das necessidades coletivas atendidas pelo serviço público, esse se pressupõe como a infraestrutura básica e necessária para que o Estado funcione atendendo seus postulados próprios, legitimadores e fundamentadores de sua própria existência, inclusive para possibilitar que um mercado exista e que atividades econômicas possam ser desempenhadas; de modo que se pode afirmar que a mobilidade urbana é condição essencial para que mesmo as atividades de cunho econômico se desempenhem sem embaraços obstrutivos das condições de previsibilidade e calculabilidade necessárias, além de ser um meio para a solvência mínima de desequilíbrios sociais que obstruem tanto o desenvolvimento econômico (pela iniquidade econômica), quanto a fruição democrática e socialmente ampla dos espaços urbanos.

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Com efeito, se a vocação constitucional do serviço público é o atendimento de necessidades sociais da coletividade, bem como a promoção do desenvolvimento nacional, e as prestações relativas à mobilidade urbana como tal devem ser encaradas, notamos que tanto haurindo o que positiva a Lei 12.587/12, como buscando as definições dogmáticas de serviço público aplicáveis por consequência às políticas de mobilidade urbana, a verdadeira vocação do plano de mobilidade urbana é fornecer um instrumental de revisão dos espaços urbanos, promovendo sua ocupação racional, democrática e inclusiva, de modo a promover a mitigação, quando não a eliminação, das desigualdades urbanas, pelo menos com relação à utilização dos espaços da cidade, primando igualmente pela redução dos impactos ambientais.

Prosseguindo na análise, instado pela Lei Federal, o Município de São Paulo criou, por meio do Decreto nº 54.058/13, o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, órgão colegiado de caráter consultivo, propositivo e participativo em questões atinentes à mobilidade urbana. Não é demais recordar que a Lei Federal 12.587/12 determinou a criação de órgãos colegiados para ações de planejamento de mobilidade urbana, nos quais haveria a participação de membros do executivo, da sociedade civil e dos operadores do serviço. Pois bem. O aludido conselho municipal é integrado por trinta e nove membros, com mandado de dois anos, dos quais treze são representantes da sociedade civil; treze são representantes das empresas de transporte coletivo, concessionárias e permissionárias, dos sindicatos dos trabalhadores da área, dos taxistas, dos sindicatos das empresas da área; e treze são representantes do poder executivo, oriundos da Secretaria municipal de transportes, da CET, da SPTrans, de outras secretarias com a secretaria municipal do verde e do meio ambiente, finanças e desenvolvimento econômico, negócios jurídicos, coordenação das subprefeituras e do conselho municipal de política urbana. Além desses membros, serão convidados a tomar assento junto ao conselho o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas do Município e a Controladoria Geral do Município. Como se nota, é um conselho efetivamente plural, para um debate pluralizado sobre questões de relevância social e de impactos concretos na coletividade; auxiliando a delinear a política de mobilidade para o município, de modo a encampar todos os valores delineados pela lei federal atendendo as peculiaridades da metrópole paulistana.

O artigo 3º do aludido decreto dispõe que são atribuições do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte:

I - garantir a gestão democrática e a participação popular na proposição de diretrizes destinadas ao planejamento e à aplicação dos recursos orçamentários destinados à melhoria da mobilidade urbana;

II - subsidiar a formulação de políticas públicas municipais relacionadas à Política Nacional de Mobilidade Urbana;

III - acompanhar a elaboração e a implementação do Plano Municipal de Mobilidade Urbana;

IV - participar, quando pertinente, da revisão do Plano Diretor e de suas normas complementares;

V - propor a normatização, fiscalização e avaliação do serviço de transporte urbano de passageiros, em especial o coletivo público, bem como de outros modais regulamentados pelo Poder Público, sugerindo alternativas que viabilizem sua integração;

VI - propor a normatização em questões de trânsito e sugerir alterações que contribuam para a sua eficiência, observada a legislação vigente;

VII - propor a normatização da circulação de carga e serviços;

VIII - opinar sobre a circulação viária no que concerne à acessibilidade e mobilidade urbana dos pedestres;

IX - acompanhar a gestão financeira do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo;

X - apreciar a proposta de alteração tarifária do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo;

XI - propor anualmente, para exame da Secretaria Municipal de Transportes, as diretrizes, prioridades e programas de alocação de recursos;

XII - convocar audiências públicas para apresentar, debater e propor as diretrizes, prioridades e programas previstos no inciso XI deste artigo;

XIII - acompanhar a aplicação de recursos e avaliar anualmente a eficácia dos programas previstos no inciso XI deste artigo;

XIV - elaborar, aprovar e modificar seu Regimento Interno.[16]

Como se nota, o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte é um órgão criado para implementar uma gestão democrática das políticas de mobilidade, assegurando a participação de todos os atores interessados na melhoria da infraestrutura de mobilidade urbana, podendo, inclusive, convocar audiências públicas, para que com isso se possa, minimamente, ter uma contemplação do todo opinativo, subsidiado por dados estatísticos, para a definição de prioridades para a atuação no plano municipal, com vistas a garantir uma racionalização (tráfego racional) da circulação de pessoas, cargas, veículos, além de competências para fiscalizar a implementação da política definida; possuindo, inclusive, função de destaque na questão tarifária dos transportes e na gestão financeira do sistema de transportes.

Não bastando por aí, o próprio decreto, em consonância com a determinação legal de que as políticas de mobilidade urbana devem ser integradas ao plano diretor da cidade, possibilita a oitiva do conselho municipal relativamente à revisão do plano diretor em matéria de mobilidade.

A revisão do plano diretor da cidade de São Paulo, passo fundamental para implementação de uma série de propostas de campanha do candidato eleito Fernando Haddad, foi efetuado pela Lei 16.050/14, que em seu Capítulo V, especificamente em seu art. 229, determinou a elaboração de um plano municipal de mobilidade urbana, atento às diretrizes, prazos, objetivos e princípios do plano nacional de mobilidade urbana, além de outras que contam dos artigos 227 e 228 do plano diretor, que estabelecem como objetivos, no âmbito municipal a:

I - melhoria das condições de mobilidade da população, com conforto, segurança e modicidade, incluindo os grupos de mobilidade reduzida;

II - homogeneização das condições de macroacessibilidade entre diferentes regiões do Município;

III - aumento da participação do transporte público coletivo e não motorizado na divisão modal;

IV - redução do tempo de viagem dos munícipes;

V - melhoria das condições de integração entre os diferentes modais de transporte;

VI - promoção do desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade, incluindo a redução dos acidentes de trânsito, emissões de poluentes, poluição sonora e deterioração do patrimônio edificado;

VII - promover o compartilhamento de automóveis;

VIII - melhoria das condições de circulação das cargas no Município com definição de horários e caracterização de veículos e tipos de carga[17].

De modo geral, os objetivos circunscrevem-se a racionalização do trânsito, dando-se ênfase aos modais coletivos e buscando incrementar melhores condições de acesso aos transportes públicos pelas regiões periféricas (locais que acabam por ser grandes centros de migrações pendulares diárias), além de ter foco na sustentabilidade e na redução dos custos ambientais e socioeconômicos que defluem da ausência de uma política pública de mobilidade urbana. Para efetivar tais objetivos, o plano diretor estratégico estabelece como diretrizes:

I - priorizar o transporte público coletivo, os modos não motorizados e os modos compartilhados, em relação aos meios individuais motorizados;

II - diminuir o desequilíbrio existente na apropriação do espaço utilizado para a mobilidade urbana, favorecendo os modos coletivos que atendam a maioria da população, sobretudo os extratos populacionais mais vulneráveis;

III - promover integração física, operacional e tarifária dos diferentes modos de transporte que operam no Município, reforçando o caráter de rede única com alcance metropolitano e macrometropolitano;

IV - promover os modos não motorizados como meio de transporte urbano, em especial o uso de bicicletas, por meio da criação de uma rede estrutural cicloviária;

V - promover a integração entre os sistemas de transporte público coletivo e os não motorizados e entre estes e o transporte coletivo privado rotineiro de passageiros;

VI - promover o compartilhamento de automóveis, inclusive por meio da previsão de vagas para viabilização desse modal;

VII - complementar, ajustar e melhorar o sistema viário em especial nas áreas de urbanização incompleta, visando sua estruturação e ligação interbairros;

VIII - complementar, ajustar e melhorar o sistema de transporte público coletivo, aprimorando as condições de circulação dos veículos;

IX - complementar, ajustar e melhorar o sistema cicloviário;

X - aumentar a confiabilidade, conforto, segurança e qualidade dos veículos empregados no sistema de transporte coletivo;

XI - promover o uso mais eficiente dos meios de transporte com o incentivo das tecnologias de menor impacto ambiental;

XII - elevar o patamar tecnológico e melhorar os desempenhos técnicos e operacionais do sistema de transporte público coletivo;

XIII - incentivar a renovação ou adaptação da frota do transporte público e privado urbano, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa e da poluição sonora, e a redução de gastos com combustíveis com a utilização de veículos movidos com fontes de energias renováveis ou combustíveis menos poluentes, tais como gás natural veicular, híbridos ou energia elétrica;

XIV - promover o maior aproveitamento em áreas com boa oferta de transporte público coletivo por meio da sua articulação com a regulação do uso e ocupação do solo;

XV - estabelecer instrumentos de controle da oferta de vagas de estacionamento em áreas públicas e privadas, inclusive para operação da atividade de compartilhamento de vagas;

XVI - articular e adequar o mobiliário urbano novo e existente à rede de transporte público coletivo;

XVII - aprimorar o sistema de logística e cargas, de modo a aumentar a sua eficiência, reduzindo custos e tempos de deslocamento;

XVIII - articular as diferentes políticas e ações de mobilidade urbana, abrangendo os três níveis da federação e seus respectivos órgãos técnicos;

XIX - promover ampla participação de setores da sociedade civil em todas as fases do planejamento e gestão da mobilidade urbana;

XX - incentivar a utilização de veículos automotores movidos à base de energia elétrica ou a hidrogênio, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa e a poluição sonora, e a redução de gastos com combustíveis com a utilização de veículos movidos com fontes de energias renováveis ou combustíveis menos poluentes;

XXI - promover o transporte de passageiros e cargas por meio do sistema hidroviário;

XXII - criar estacionamentos públicos ou privados nas extremidades dos eixos de mobilidade urbana, em especial junto às estações de metrô, monotrilho e terminais de integração e de transferência entre modais;

XXIII - implantar dispositivos de redução da velocidade e acalmamento de tráfego nas vias locais, especialmente nas ZER;

XXIV - evitar o tráfego de passagem nas vias locais em zonas exclusivamente residenciais[18].

Assim sendo, se verifica que o escopo do plano municipal de mobilidade urbana, pormenorizando, em atenção às peculiaridades regionais, as balizas da política nacional de mobilidade, visa priorizar a correção das inconsistências na utilização dos espaços públicos (integrando áreas periféricas de baixa urbanização, regulando a utilização e ocupação do solo urbano em áreas com infraestrutura adequada mas que são subutilizadas), dando-se ênfase aos transportes coletivos, compartilhados e não-motorizados, por meio da criação de uma rede estrutural de transportes, integrando os modais de transporte, melhorando a qualidade dos serviços prestados, com incremento tecnológico, justamente para incrementar com racionalidade um plano de mobilidade criterioso com aspectos de sustentabilidade e com a correção de distorções socioeconômicas arraigadas na formação fundiária da sociedade paulistana.

Não é demais relembrar que o Município de São Paulo já possuía legislação regulamentando o transporte coletivo de passageiros[19] e políticas públicas voltadas para a mitigação dos custos ambientais diante das mudanças climáticas[20]. Contudo, tratavam-se de medidas isoladas que não se encontravam estritamente coligadas, dentro de um plano mais abrangente de atuação do poder público, atendo a outros elementos que não só a redução dos custos ambientais e o transporte coletivo de passageiros. A política de mobilidade urbana vai além, pois centra-se no transporte coletivo, sua integração com outros modais não-motorizados, redução da subutilização de espaços públicos em áreas de infraestrutura já implementada, aumento da infraestrutura em áreas periféricas de baixa urbanização interligando-as, implementação de uma política logística no âmbito das cargas que chegam ao município, com vistas a conglobando todos esses valores, implementar (democraticamente, já que prevê a participação dos munícipes das fases de planejamento e gestão da política de mobilidade) uma política pública que sem descurar dos aspectos ambientais (por prever implementação de tecnologias para a substituição gradativa da utilização de hidrocarbonetos como combustíveis, e a ênfase em meios de transporte coletivos como elemento para diminuir a emissão de poluentes quando se compara sua eficácia quantitativa em número de passageiros, com transportes individuais), e valorizando aspectos de correção de iniquidades socioeconômicas, tenta fazer do espaço público, urbano, um ambiente mais democrático e que atende à sua função social.

Para concretizar materialmente tais premissas e valores, a Prefeitura (executivo municipal), por meio da Portaria 376/14 criou o grupo de trabalho intersecretarial de trabalho para elaborar um roteiro para o plano municipal de mobilidade urbana, atento aos prazos delineado pela Lei Federal 12.587/12, cujas funções, além da elaboração do aludido roteiro, englobariam o levantamento e sistematização de dados e informações relativas às políticas de mobilidade já em curso, e o diálogo com segmentos da sociedade e técnicos para a feitura dos estudos preliminares e intermediários para culminar na proposta final do plano. O grupo seria integrado por membros da Secretaria Municipal de Transportes (três membros, incluindo o secretário municipal), da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (um membro), da Secretaria Municipal de Habitação (um membro), da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (um membro), da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (um membro), da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (um membro) e da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras (um membro), sob a coordenação do Secretário Municipal de Transportes. A própria composição do grupo sugere uma abordagem interdisciplinar e complexa da questão da mobilidade, englobando o desenvolvimento urbano, a sustentabilidade, a acessibilidade e a interligação urbana.

Dentre os documentos elaborados para servir de substrato para a política de mobilidade urbana encontra-se um estudo das premissas que devem informar um plano de tal calibre, elaborado pela Associação Nacional de Transportes Públicos, em parceria com Prefeitura de São Paulo e a SPTrans, rico em dados estatísticos e históricos sobre a evolução do transporte na cidade de São Paulo e políticas de mobilidade já realizadas, com uma prospecção de futuro, visto que a ideia de plano funda-se em um planejamento de medidas de médio e longo prazo, além de enumerar medidas de infraestrutura, em determinados pontos, como estratégicas para a consolidação de um plano abrangente e complexo[21]. Além desse estudo, prefeitura efetuou um levantamento de dados por meio de meio digital, no qual os usuários (mais de sete mil) opinaram sobre diversos aspectos delineados pelo plano de mobilidade, dentre os quais destacam-se as calçadas, a reorganização do transporte coletivo, a reorganização do sistema viário, transporte de cargas, transporte não motorizado, qualidade de vida, gestão democrática do transporte urbano e a utilização de aplicativos para entrar em contato com os órgãos públicos responsáveis. Tal pesquisa forneceu um interessante substrato estatístico, ainda que amostral, sobre a opinião do usuário do transporte público na capital[22]. Não bastando a participação por meio digital, uma série de reuniões e audiências públicas foram realizadas pela cidade, em subprefeituras, na câmara municipal, com a participação de mais de duas mil pessoas interessadas no tema; resultando no recebimento de vinte e seis relatórios com sugestões sobre o tema mobilidade urbana[23].

Todos esses dados foram colaborativos e corroboraram com a elaboração do texto base do plano de mobilidade urbana de São Paulo. As propostas contidas no texto base[24], considerando que quase metade dos deslocamentos feitos na municipalidade ocorrem por meio de meios de transporte individuais (fato confirmável pelos dados estatísticos do IBGE, comparando-se o número de habitantes e o número de veículos na capital), centrou-se, majoritariamente, na ênfase ao transporte coletivo e ao transporte individual não-motorizado. Os princípios fundamentais elencados pelo plano de mobilidade de São Paulo são um verdadeiro desdobrar das informações contidas na legislação federal e pormenorizada pelo plano diretor; e conglobam a acessibilidade universal, o desenvolvimento sustentável, a equidade no acesso e no uso do espaço, eficiência eficácia e efetividade, gestão democrática, segurança nos deslocamentos urbanos, redução dos custos urbanos e sociais, além de justiça social. Com vistas a dar coesão e centralizá-los no enfoque do plano de mobilidade, foram estabelecidas as seguintes diretrizes: a integração do plano com a política de desenvolvimento urbano, a democratização do espaço viário, o foco prioritário nos pedestres, nos modais não motorizados e no transporte público, a necessidade de garantir o abastecimento e a circulação de bens e serviços, a gestão integrada do trânsito, do transporte de pessoas e do transporte de bens e serviços, a mitigação dos custos ambientais e sociais, o incentivo ao desenvolvimento técnico e qualificação do sistema de transporte coletivo, a promoção do acesso aos serviços tidos como básicos e do desenvolvimento sustentável. Para a concretização de tais princípios e diretrizes foram definidos os objetivos gerais do plano, dentre os quais se encontram a promoção da acessibilidade universal no passeio público, a racionalização do uso do sistema viário, a implementação de um ambiente adequado ao deslocamento dos modos não motorizados, o aperfeiçoamento da logística no âmbito do transporte de cargas, a consolidação da gestão democrática para o aprimoramento da mobilidade urbana, a redução do número dos acidentes no trânsito, a redução do tempo médio das viagens, a ampliação da utilização do modal coletivo nos transportes da cidade, o incentivo à utilização de modos não motorizados, a redução das emissões atmosféricas, contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais pela homogeneização  da macro acessibilidade da área urbanizada.

A bem da verdade, tais princípios, diretrizes e objetivos são diretivas por demasiado genéricas. Contudo, por si só, elas já representam uma revisão de paradigmas, justamente pelo seu enfoque nos transportes não motorizados e coletivos, pautado por uma racionalização operacional, sustentável e democrática do espaço viário, e consequentemente do espaço urbano. Ainda que revolucionárias, por revolver um problema fundiário de ocupação desorganizada do espaço urbano, fato contributivo em grande parte pela maciça em deslocamento pendular diuturno e dos consequentes problemas de tráfego, e genéricas, tais diretivas de conduta são ainda mais interessantes por focarem em um programa de planejamento a longo prazo, com metas até o ano de 2030, como deveria ser um giro ontológico nos sistemas de tráfego de uma metrópole dinâmica e complexa, para que possua condições de concretização.

Assim sendo, antes de examinar os grupos de enfoque do plano de mobilidade, é necessário verificar quais serão os recursos previstos para a concretização da política de mobilidade prevista no plano municipal, já que não há concretização de política alguma sem aportes financeiros. Considerando o fato de que a Administração complementa diretamente os custos do transporte urbano, os recursos destinados à implementação do plano pressupõem aportes financeiros das demais esferas federativas (Estado de São Paulo e União), além de outros decorrentes da ampliação da arrecadação junto as empresas empregadoras, da tributação em decorrência da utilização de automóveis em determinadas áreas da cidade, da arrecadação tributária junto ao comércio em decorrência do benefício na circulação, bem como da CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico) combustíveis, cujos recursos arrecadados têm a vinculação com programas de financiamento de infraestrutura de transportes[25] e, segundo o texto do plano de mobilidade, tem tido sua alíquota zerada nos últimos anos. Tais fontes de recursos, nos termos do plano, por envolverem tema relevante socialmente (tributação) deverão passar por um amplo processo de discussão com a oitiva dos atores sociais envolvidos. Desse modo, as fontes de financiamento imediatas previstas são os recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), que pode destinar parte de seus recursos para obras relativas ao transporte público coletivo, sistema cicloviário e de circulação de pedestres[26], bem como recursos decorrentes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujos recursos também se destinam a obras de mobilidade urbana[27], além de empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), grande financiador das obras de infraestrutura do país.

Verificado de onde virão os recursos para a implementação do plano de mobilidade urbana de São Paulo, eis que são a premissa fundamental para a concretização de quaisquer direitos, já que a mera declaração formal ou positivação não tem condições de erigir materialmente prestações que dependam da atuação positiva (obrigação de fazer) do poder público (ainda que muitas digressões possam ser feitas com relação à gestão locacional dos recursos que compõe o orçamento, para vislumbrar as políticas públicas como compromisso maior), faz-se necessário analisar os eixos de atuação do plano e sua vocação para efetivar as diretivas que são por ele delineadas.

O plano centra-se em quatro eixos fundamentais: os transportes coletivos, os transportes individuais não motorizados, o transporte de cargas e a gestão do sistema viário.

Com relação aos transportes coletivos, a pretensão é a de reorganização do dos serviços de transporte coletivo, tornando esse modal mais atrativo, em razão da qualidade dos serviços prestados, da mobilidade e rapidez. Para tanto, propõe a criação de uma rede interligada, flexível e abrangente, conglobando os subcentros da capital com uma gama de rotas alternativas, para uma maior mobilidade na cidade. Dentre outras medidas já implementadas, como a universalização do bilhete único, a renovação da frota, o monitoramento via GPS e as faixas exclusivas, o plano busca a melhoria estrutural nas vias que concentrem linhas de ônibus, com faixas segregadas ou exclusivas, com interseções semafóricas adequadas à priorização do transporte coletivo (por meio de comunicação e controladores, valendo-se de informações que serão fornecidas pelo GPS, para uma maior fluidez na via para o transporte coletivo); construção de estacionamentos junto a terminais periféricos, integrados ao transporte coletivo; construção de novos corredores e plataformas, com faixas de ultrapassagem. A previsão é de instalação de até seiscentos quilômetros de faixas exclusivas de ônibus em corredores viários que possuam um fluxo trinta ônibus por hora, ou mais, nos horários de maior movimento. Além disso, o plano prevê a instalação de novos terminais de integração, a requalificação dos terminais já existentes, a ampliação dos horários de funcionamento dos terminais envolvidos no serviço de transporte noturno, para o controle operacional dos corredores planejados, com controle de partidas, fluxo e intervalos, bem como de uma reserva técnica para atendimento de eventual demanda.

 O plano prevê também o programa operação controlada, que consiste no acompanhamento, monitoramento e gestão de todo o processo de oferta e demanda do serviço de transporte coletivo, com vistas a garantir um sistema qualitativamente bom, por meio de intervenção em caso de qualquer ocorrência nas linhas e vias, na avaliação dos problemas ocorridos, corrigindo distorções, com a manutenção e fiscalização das vias de apoio (vias, suporte, equipamentos, sistemas de sinalização), bem como a manutenção da qualidade e do estado dos veículos em operação; o fornecimento de informações aos usuários de forma transparente e a prestação de auxílio em caso de incidentes e mudanças operacionais, igualmente, são premissas da operação controlada. O aspecto qualitativo compreende a facilidade no uso, a regularidade no atendimento, por meio de uma frequência adequada, atendendo-se os postulados de acessibilidade universal, homogeneidade, facilidade de uso, confiabilidade, regularidade, frequência, rapidez, conforto, eficiência e controle de externalidades (previsão de possíveis contingências e interferências pontuais).

Considerando que o plano de mobilidade é um desdobramento necessário do plano diretor, o transporte coletivo deve compreender a necessidade de dar acesso para que os munícipes possam usufruir à cidade e o que ela oferece, em aspectos culturais, de entretenimento, dentre outros; portanto, no âmbito dos transportes coletivos, o plano de mobilidade foca também no atendimento de necessidades de transporte no período noturno e aos finais de semana, tratando tais horários, não sob o ponto de vista funcional (demanda), mas sim como se fosse a rede de transportes de dias úteis, redesenhando linhas para o atendimento da demanda não atendida pelo metrô no horário em que este se encontra desativado, focando no atendimento de hospitais e serviços públicos de atendimento noturno, atendendo os principais subcentros e locais de tradicional lazer noturno (com intervalos curtos entre os ônibus); pois em que pese a menor demanda em tais horários, tais medidas podem configurar o fomento necessário para uma maior atividade econômica em tais horários. Ademais, o plano foca no reforço contingencial estratégico nos horários de pico nos dias de semana, diante da necessidade de atendimento de uma maior demanda, criando para tanto uma rede de reforço a ser utilizada em tais horários.

Diante do exponencial crescimento da utilização de bicicletas, acaba por ser esse o modal não motorizado de transporte individual que o plano de mobilidade opta por fomentar, vislumbrando como uma alternativa complementar, saudável e não poluente. Diante de dados estatísticos, o plano contempla que a bicicleta é uma alternativa viável para deslocamentos de curta distância e duração[28], de modo que para estimular tal modal é imperioso que se forneçam condições de garantir a segurança dos ciclistas, bem como se integre a malha cicloviária ao transporte público coletivo, fornecendo-se a infraestrutura básica, como bicicletários e paraciclos em terminais e praças, para favorecer o estacionamento de bicicletas. O plano prevê também um exponencial aumento da malha cicloviária, com a previsão de quatrocentos e quarenta quilômetros em toda a capital para o ano de 2015 (considerados os duzentos e vinte já inaugurados), e aproximadamente mil quilômetros de ciclovias até o ano de 2029, observando as seguintes diretrizes: a construção de uma rede estrutural de ligação entre perimetrais e radias; interconectando trajetos; estabelecendo o máximo de linearidade na malha cicloviária e a menor distância para viagem; funcionalidade para atender a pontos de interesse, como escolas praças, museus, parques; integração com redes de transporte coletivo; a instalação preferencial em ruas secundárias, procurando-se, na medida do possível, não eliminar faixas de rolamento; a implantação preferencial ao lado esquerdo da via e com os dois sentidos da ciclovia na mesma via; desse modo, afirma, ainda, o plano de mobilidade o compromisso da administração municipal com o uso da bicicleta na cidade, com segurança e funcionalidade.

Com relação aos pedestres, diante da falta de padronização dos passeios urbanos, seja com relação à altura, à largura, à regularidade (ausência de degraus), o plano prevê a revisão da legislação municipal sobre o tema, já que a calçada é responsabilidade do proprietário, de modo a estabelecer uma padronização, com metas a longo prazo, para facilitar a acessibilidade, estabelecendo-se padrões que assegurem segurança e adequação para caminhadas, já que os deslocamentos em curta distância a pé são uma realidade diuturna para um grande número de paulistanos.

O transporte de cargas também é outro eixo de preocupações do plano de mobilidade, considerada a demanda de São Paulo, de modo que o plano prevê a realização de pesquisa para o reconhecimento das origens e destinos das cargas, tomando ciência dos horários de pico e das contingências do setor; o que permitirá a elaboração de um plano logístico municipal, dando-se ênfase à entregas noturnas, após a avaliação de viabilidade de tal projeto, definindo-se o conjunto de vias básicas para a logística das cargas, racionalizando a utilização do espaço viário para fins de abastecimento da cidade, além de incentivar a utilização de veículos com tecnologias não poluentes.

A gestão do sistema viário também é um dos focos de atenção do plano de mobilidade, vislumbrando, igualmente, um horizonte de metas, decorrentes de um planejamento, que têm como termo final o ano de 2030. Em termo gerais, as medias englobam a utilização de sistemas tecnológicos avançados para monitoramento, fiscalização e sinalização semafórica, adoção de restrições de horários de utilização das vias para determinados veículos, diminuição da velocidade em determinadas vias, para uma melhor fluidez e maior segurança no trânsito. Diante de um elevado número de acidentes o Município de São Paulo assumiu o compromisso de redução do número de vítimas para seis a cada cem mil habitantes, até o ano de 2020, para tanto focou seu projeto na redução de velocidade máxima em determinadas vias, realização de programas de educação no trânsito, além de campanhas nesse sentido, além do desenvolvimento de outros projetos, como travessias diagonais de pedestres e a frente segura (intervalo entre a faixa de pedestres e o fluxo de veículos) para motocicletas. A integração tecnológica semafórica tem a pretensão de diminuir consideravelmente o índice de congestionamentos na cidade, por permitir um acompanhamento em tempo real das travessias e interseções.

Ademais, o plano prevê a adoção de critérios críticos, em consonância com o plano diretor, relativamente, à empreendimentos imobiliários em áreas próximas aos eixos estruturais de transporte coletivo, visando limitar o número de vagas de estacionamento, para que nessas áreas atendidas de forma ampla pelo transporte coletivo seja desestimulada a utilização do automóvel individual como meio de transporte pela cidade. Para tanto, prevê a fixação de tarifas diferenciadas em razão da utilização do automóvel em tais áreas, suprimir áreas de estacionamento junto ao meio fio em áreas centrais, privilegiando-as como áreas de carga e descarga, além de estimular a construção de garagens subterrâneas e edifícios garagem, para compensar minimamente a perda de tais vagas.

Com a atuação em tais eixos estratégicos pretende a Prefeitura, em razão do plano, implementar uma drástica redução na emissão de poluentes locais, melhorando consequentemente a qualidade do ar respirado na cidade; prevendo, inclusive, o investimento em meios de transporte coletivos de matriz energética não poluente e convênios com prefeituras da região metropolitana, com vistas a fazer dessa meta algo conjunto, visto que os problemas relativos às emissões de gases estufa e à qualidade do ar, acabam por alcançar toda a região metropolitana.

 

3. BREVES REFLEXÕES SOBRE A GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS POLÍTICAS DE MOBILIDADE.

Em linhas gerais, é esse o desenho institucional do plano de mobilidade urbana de São Paulo, um desdobramento, que atende a peculiaridades da metrópole, de forma genérica, porém revolucionária, da determinação constitucional relativa às funções sociais da cidade, ao desenvolvimento urbano, regulamentadas pela política nacional de mobilidade urbana, seus princípios, diretrizes e objetivos.

Não é demais relembrar algo que foi afirmado alhures: cabe ao estado estimular o empreender a o desenvolvimento econômico no âmbito geográfico no qual ele exerce sua soberania, justamente em razão de por meio da circulação de riquezas no tecido social, desdobrar-se a atividade de tributação por meio da qual o ente público aufere receita para implementar as políticas públicas delineadas no pacto democrático que lhe legitima a existência e define seus propósitos. Desse modo sem mobilidade urbana, não se pode tratar sequer de circulação, de previsibilidade, mas tão somente de incongruências obstativas do próprio desenvolvimento econômico e social, consequentemente.

Diante dessas premissas, é inegável que a mobilidade urbana deflui sua necessidade da leitura contemporânea dos ditames constitucionais relativos ao próprio desenvolvimento urbano, tanto que recentemente foi delineada a política nacional de mobilidade urbana, como instrumento de solvência de iniquidades no tecido social e de promoção do desenvolvimento urbano. As polêmicas envolvendo o plano de mobilidade de São Paulo, e as prioridades que são por ele eleitas, diante de tal quadro institucional mostram-se descabidas, já que ele se afigura como um desdobrar, necessário e adequado às peculiaridades da metrópole, das diretrizes dadas pela política nacional de mobilidade.

Todo e qualquer revolvimento em standarts já tido como aceitáveis pelo status quo vigente implicam em ruptura de um processo que já se encontra arraigado no tecido social, e que era tido como aceitável. Contudo, talvez seja esse o ponto implícito de maior questionamento do plano de mobilidade urbana de São Paulo, justamente por implicar em uma revisão dos paradigmas já aí colocados: revisão do modal de transporte na cidade, com ênfase no transporte coletivo e no individual não poluente, para dar maior fluidez e racionalidade ao trânsito na capital.

Efetivamente, as pretensões do plano são ambiciosas, por se centrarem na revisão da própria ocupação do espaço urbano da capital, o que indiretamente implica na releitura modificativa do modelo de ocupação geográfica da capital. Dito de outro modo, as formas de ocupação urbana da capital, marcada pelas periferias conectadas ao centro econômico e urbano por meio de singelos corredores, sem interligação, acaba por gerar as incongruências do trânsito e a própria migração pendular urbana, com uma subutilização, para fins de lazer, cultura e afins, dos espaços no centro, em determinados períodos da semana. Ademais, a ênfase na ocupação e utilização dos espaços urbanos sempre foi focada na utilização do automóvel. A revisão de tais premissas, por ser revolucionária e necessária, diante dos dados estatísticos que confirmam a existência de um automóvel para cada duas pessoas no município, necessariamente encontra resistência em determinados setores da sociedade paulistana.

Em que pese a lucidez, adequação e acerto com relação às premissas, diretrizes e objetivos do plano, bem como à sua forma de olha para o fenômeno da mobilidade, algumas das críticas são merecidas em razão da ausência de mecanismos explícitos de controle e gestão democrática dos problemas viários, cabendo destacar, inclusive, que “Os cidadãos têm um papel a cumprir na implementação da função social da cidade. O controle popular é instrumento que permite a participação dos administrados junto ao Poder Público”[29].

O conselho municipal de trânsito e transportes tem sues merecidos gáudios, tratando-se de um colegiado consultivo para fins de definição das prioridades na área de mobilidade, contando, inclusive com a participação da sociedade. Todavia, trata-se de um único órgão, de natureza consultiva e propositiva, para verificar a implementação de uma política pública de mobilidade, por demasiado extensa e complexa. Não que as opiniões populares não devam se manifestar sobre temas de elevada tecnicidade, muito pelo contrário, como bem alerta Alessando Octaviani ao afirmar, com fundamento em Boaventura de Sousa Santos Maia Paula Meneses e João Arriscado Nunes, que “há um caminho repleto de possibilidades para encetar o leigo no processo decisório que o tem como objeto final. Tal leque de possibilidades vai ‘muito além das audiências públicas’”[30]. Existem alternativas plausíveis para a oitiva dos contingentes populacionais diretamente atingidos pelas medidas, que não englobam somente às audiências públicas, o conselho municipal e os questionários virtuais; estas medidas fornecem um vislumbre amostral, insuscetível de fornecer uma contemplação da complexidade da realidade do deslocamento urbano, e a experiência vivida quotidianamente pelos usuários do transporte coletivo no tráfego da capital.

Como é bem evidente, a própria implementação das políticas públicas de mobilidade pressupõe a realização material da infraestrutura urbana para a realização da revisão do modal de transporte urbano, ainda que o planejamento contemple um horizonte distante em longínquos quinze anos. E nesse ponto da realização infraestrutural muitas das críticas têm se centrado. A adjudicação do objeto da licitação da malha cicloviária e dos corredores, como é sabido, não elimina o poder/dever do poder público de auditar a sua realização; e, em diversos pontos, a realização concreta de todo esse revolucionário e aplaudível giro ontológico na concepção de transportes na capital não se deu da maneira mais desejável. A culpa é tanto da responsável (adjudicatária do objeto licitado e realizadora material de obras que em pontos minoritários são de questionável boa-fé) como pela Prefeitura (pela ausência de fiscalização rígida para com a realização do objeto licitado). Tais deficiências acabam muitas vezes por colocar em xeque todo esse necessário, revolucionário e axiologicamente aplaudível processo de revisão da mobilidade em São Paulo. Talvez com a abertura de canais de diálogo, por meio dos quais a população pudesse encaminhar, via internet, fotos das obras malfeitas (que são a minoria), contando com a atuação enérgica da Prefeitura para solucionar o problema e com a resposta breve de seu questionamento, poderia contribuir para a sensação de confiabilidade nas instituições públicas, algo que tem faltado.

Ademais, na definição das reformas nos eixos estruturais e na colocação de áreas de lazer, além dos dados estatísticos de instituições públicas de notória seriedade, a definição dos espaços e da conformação destes, ao invés de ser definida por meio de audiências públicas ou participações virtuais, poderia ser realizada ouvindo-se de conselhos urbanos da população imediatamente atingida, no âmbito das subprefeituras. Não se está a afirmar que aquela população dará a última palavra, justamente em razão da legitimidade do sufrágio para nortear a definição das políticas públicas a serem implementadas, contudo, sua oitiva parece ser um importante passo para a consolidação de um canal de diálogo entre o poder público e a sociedade, visto que a própria cisão desses ambientes ser tida como natural é contributiva para a obstrução da criação de uma democracia participativa atenta à realização do interesse social coletivo e não somente privado. Ademais, outras medidas poderiam ser tomadas para enriquecer o debate, tais como o mapeamento dos deslocamentos dos munícipes, por meio de questionários sobre o percurso urbano diário, dentre outras peculiaridades, quando da renovação ou recarga do bilhete único; visto que tal modalidade de pagamento tarifário já se encontra universalizado e é uma realidade na urbe, podendo tal mapeamento fornecer um interessante campo de dados estatísticos para auxiliar na definição da malha de transportes coletivos e cicloviários. Indo mais além, tais microconselhos no âmbito das subprefeituras para tratar da gestão democrática da mobilidade poderiam ser um germe de uma nova contemplação do próprio ideal de democracia[31] a ser expandido para outros campos das políticas públicas e sua gestão, justamente para impor revisões em nosso modelo de ocupação geográfica irregular e concentradora de renda e serviços, dando-se democracia aos espaços urbanos e tornando sua própria gestão algo democrático no âmbito daquela coletividade.

Nesse ponto, não é demais frisar que tanto a Lei Federal que regula o plano nacional de mobilidade urbana, como o plano diretor no âmbito municipal e o texto base do plano de mobilidade, as três fontes, contemplam dentro de suas diretivas a gestão democrática da política de mobilidade. Contudo, como já referido, não se vislumbra um escancaramento dos canais de diálogo entre a sociedade civil e o poder público, de modo que, com esses pequenos ajustes, a nosso humilde juízo, a maioria das críticas minimante relevantes que contemplam a universalidade do plano de mobilidade, não lograriam melhor sorte. A democracia e a supremacia dos direitos fundamentais pressupõem isso, o direito à livre manifestação do pensamento, o direito à crítica, contudo, como dito, alguns pequenos ajustes no formato de participação popular de modo a tornar democrática e participativa a definição dos espaços públicos de interesse geral, dando-se voz àqueles que são diretamente objeto daquela política, além de outros no âmbito da fiscalização da concretização das políticas de mobilidade, já seriam suficientes para exaurir de sentido e conteúdo o exercício do direito de crítica, tornando-o mero discurso vazio de ódio político partidário, já que as premissas em que se funda a política nacional de mobilidade, individualizada no objeto de análise, que é o plano de mobilidade de São Paulo, são de fato inquestionáveis (revisão dos modais de transporte da cidade, diante de um gargalo de inefetividade na circulação urbana, somado à desigualdade na ocupação dos espaços e no fornecimento de serviços públicos). São essas, pois, as breves reflexões que entendemos necessárias para a contemplação do plano de mobilidade urbana de São Paulo, suas virtudes (que não poucas) e os necessários ajustes que vislumbramos como adequados.

 

4. BIBLIOGRAFIA.

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Sobre os autores
Pedro Casquel de Azevedo

Acadêmico de Direito, cursando a 10ª etapa na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.

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