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Soluções pacíficas de controvérsias do Direito Internacional Público:casos recentes de instrumentos não-jurisdicionais

Agenda 31/10/2015 às 15:42

A partir de conceitos doutrinários sobre a solução pacífica de controvérsias não-jurisdicionais, o artigo apresenta notícias de grande repercussão entre 2014 e 2015, demonstrando que os meios não-jurisdicionais são ferramentas utilizadas com regularidade.

Resumo

               O cenário social, econômico, político e jurídico mundial demanda intenso e constante diálogo entre os sujeitos de Direito Internacional Público. As relações dos Estados e Organizações Internacionais são marcadas, naturalmente, por entendimentos e desentendimentos, acordos e desacordos, consensos e dissensos constantes. Obviamente, os casos que provocam desarmonia, conflitos e controvérsias exigem maior habilidade por parte dos representantes autorizados a conduzi-los. Em situações de crise, em regra, deve prevalecer a busca por soluções pacíficas de entendimento. Os princípios gerais que regem e orientam a comunidade internacional rejeitam a força, a violência e o uso de armas como opção válida para a imposição de vontade e resolução de litígios. A guerra é uma aberração que contraria a dignidade da pessoa humana e outros valores internacionais. Por isso, a ação de buscar soluções pacíficas de controvérsias se impõe como uma exigência, que, dependendo da situação, dispensa o próprio Direito. Os instrumentos não-jurisdicionais são ferramentas utilizadas com regularidade pelos sujeitos em conflito, bastando observar notícias recentes de fatos que ganharam repercussão mundial entre os anos de 2014 e 2015. 

Palavras-chave: Soluções; Pacíficas; Controvérsias; Internacionais; Casos

Abstract

           

            The social, economic, political and legal world scenario demand intense and constant dialogue between the subjects of public international law. The relations of States and International Organizations are marked, of course, by agreements and disagreements, consensus and dissent. Obviously, the cases that cause disharmony, conflicts and controversies require greater skill on the part of the representatives authorized to lead them. In crisis situations, as a rule, should prevail the search for peaceful solutions. The General principles that govern and guide the international community reject force, violence and use of weapons as a valid option for the imposition of will and resolution of disputes. War is an aberration that is contrary to human dignity and other values. Therefore, the action of seeking peaceful solutions to controversies is imposed as a requirement, which, depending on the situation, spare the Right itself. The non-jurisdictional instruments are tools used regularly by subjects into conflict by watching recent news events that gained worldwide repercussion between 2014 and 2015.

Keywords: Solutions; Peaceful; Controversies; International; Cases

Sumário: Introdução. 1. Princípios gerais de Direito Internacional Público. 2.  Soluções pacíficas de controvérsias internacionais. 3. Instrumentos não-jurisdicionais. 3.1 Negociação diplomática. 3.2 Bons ofícios. 3.3 Mediação. 3.4 Investigação. 3.5 Conciliação. Conclusão. Referências.

Introdução

            Estados Unidos e Cuba retomam relações diplomáticas após mais de cinquenta anos; cartas do Papa Francisco abriram caminho para acordo entre Estados Unidos e Cuba; Venezuela e Colômbia aceitam restabelecer diálogo com mediação dos líderes do Equador e do Uruguai; Líderes da Alemanha e da Rússia concordam com investigação internacional; Comissão foi acionada para investigar ataque dos Estados Unidos a hospital da Médicos Sem Fronteiras. Essas cinco notícias foram veiculadas por meios de comunicação entre julho de 2014 e outubro de 2015. Além de recentes, elas têm algo mais em comum: são exemplos práticos de soluções pacíficas de controvérsias não-jurisdicionais. Cada reportagem representa um dos principais instrumentos que solucionam conflitos sem necessariamente dizer o Direito. Ou seja, tem-se a solução a partir do diálogo entre os sujeitos envolvidos na controvérsia, dispensando assim mecanismos judiciais aplicados por um terceiro capaz de decidir o litígio.

            Nesse contexto, este artigo se propõe a apresentar, primeiramente, a fonte das soluções pacíficas de controvérsias, que se dá a partir dos princípios gerais do Direito Internacional Público. Em seguida, aborda aspectos que definem, segundo a doutrina, as soluções pacíficas de controvérsias internacionais. Por fim, utiliza-se de notícias divulgadas em jornais eletrônicos para apresentar e exemplificar cada um dos tipos mais característicos de instrumentos não-jurisdicionais de soluções pacíficas de controvérsias. Cabe salientar que os casos apresentados no presente artigo foram selecionados apenas com o intuito de tornar mais compreensível os conceitos doutrinários, sem qualquer intenção de discutir o aspecto material das reportagens.

1. Princípios gerais de Direito Internacional Público

            O Direito Internacional Público apresenta, segundo Paulo Henrique Gonçalves Portela, “normas de caráter mais genérico e abstrato que alicerçam e conferem coerência ao ordenamento jurídico internacional, orientando a elaboração e a aplicação das normas internacionais e a ação de todos os sujeitos de Direito das Gentes” (PORTELA, 2011, p.77)[1]. Os princípios gerais considerados pela doutrina dominante são praticamente os mesmos. Há uma variação mínima de autor para autor. Alguns ampliam a lista, pois acabam desmembrando princípios que são tidos como único por outro autor. Outros deixam implícito ou simplesmente omitem princípios apenas por considerá-los menos relevantes.

            Vejamos, por exemplo, aqueles princípios considerados mais importantes por Marcelo Varella: igualdade soberana; autonomia, não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados; interdição do recurso à força e solução pacífica de controvérsias; respeito aos direitos humanos; e cooperação internacional.[2] José Francisco Rezek dilui os princípios ao longo do texto, sem enumerá-los, estando expressos os da não intervenção; igualdade soberana; autodeterminação; e o  Pacta sunt servanda (pactos são feitos para serem cumpridos).[3] Portela reserva dois parágrafos para enumerar os princípios gerais do DIP. O autor indica a soberania nacional; a não intervenção; a igualdade jurídica entre os Estados; a autodeterminação dos povos; a cooperação internacional; a solução pacífica das controvérsias internacionais; a proibição da ameaça ou do uso da força; o esgotamento dos recursos internos antes do recurso a tribunais internacionais; e a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais.[4]

            Diante do exposto, cabe destacar que tanto Varella, quanto Portela consideram a solução pacífica das controvérsias como um princípio estabelecido por si só e não uma derivação de outros princípios. Posição que demonstra a importância dessa norma na comunidade internacional. Todavia, é conveniente ressaltar que a interdição do recurso à força naturalmente remete à solução pacífica dos conflitos. Os dois princípios se harmonizam, pois só existem dois momentos em que se autoriza o uso da violência no Direito Internacional: legítima defesa e proteção da comunidade internacional. O respeito aos direitos humanos e a igualdade soberana acabam pressupondo a solução pacífica das controvérsias. Isso porque ao se ferir qualquer um daqueles, ofende-se também o outro.

2. Soluções pacíficas de controvérsias internacionais

            Dirimir os litígios e solucionar conflitos de forma pacífica deve ser uma prática inerente às relações internacionais que se estabelecem entre os seus sujeitos. O artigo 33 da Carta da Organização das Nações Unidas é taxativo nesse sentido.

“As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.”[5]

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            Os instrumentos de solução pacífica de controvérsias citados no documento abrangem tanto os não-jurisdicionais quanto os jurisdicionais. Ambos ganharam importância significativa com o complexo de relações que se estabelecem no contexto mundial, onde as controvérsias podem ser resolvidas, primeiro, com a criação e ampliação dos órgãos jurisdicionais; depois, com o aumento da densidade jurídica do processo e das decisões internacionais.[6] Varella acredita que, apesar da autonomia entre os diferentes instrumentos de solução de controvérsias, existe uma forte influência entre eles, o que contribui para uma unidade do direito internacional.[7]

            Não havendo hierarquia entre os mecanismos possíveis, ensina Paulo Henrique Gonçalves Portela, os sujeitos acabam podendo escolher livremente dentre as alternativas existentes, podendo indicá-los em tratados ou até defini-los após o surgimento de um conflito.[8] Quer dizer, os Estados em litígio vão escolher a forma da solução pacífica de controvérsias, que pode ser prévia ou mesmo no momento em que surge o litígio.

3. Instrumentos não-jurisdicionais

            Os instrumentos não-jurisdicionais são também conhecidos como meios diplomáticos e políticos, pois a solução nem sempre será fundamentada pelo Direito.[9] Rezek afirma que, na verdade, a solução jamais terá um compromisso com o Direito, ao contrário das soluções jurisdicionais que esperam uma aplicação da norma jurídica pertinente.[10] Retomando Portela, a explicação para os instrumentos não-jurisdicionais serem chamados de diplomáticos deve-se à existência de um diálogo entre as partes divergentes com o intuito de alcançar uma convergência de ideias. Já a expressão políticos, porque as relações se desenrolam no seio das organizações internacionais e de seus órgãos.[11]

            Feita a distinção, fica claro que, nos instrumentos não-jurisdicionais, tem-se a solução a partir do diálogo entre os sujeitos em conflito. Mais do que isso, ensina Rezek:

“Incumbe-lhes resolver o conflito, compondo as partes ainda que com o eventual sacrifício – ditado pelas circunstâncias – da norma jurídica aplicável. Se conseguem promover entre as partes a recomposição, pondo termo ao conflito, terão realizado a tarefa que lhes é própria. Se o fazem garantido, ao mesmo tempo, o primado do direito, tanto melhor.”[12]

           

            O entendimento de Marcelo Varella a respeito dos instrumentos não-jurisdicionais de solução de controvérsias caminha no sentido de que esses instrumentos têm por objetivo principal criar um cenário favorável às partes para que cheguem a um acordo no litígio e não proclamar uma decisão para o caso concreto.[13] Nos casos de soluções não-jurisdicionais, de certa forma, segundo Varella, há uma paralisação das negociações entre as partes envolvidas, que podem recorrer à ajuda de terceiros para avançar nas negociações.

            Resta abordar cada uma das espécies de soluções de controvérsias não-jurisdicionais. A negociação diplomática, os bons ofícios, a mediação, a investigação e a conciliação têm se mostrado úteis nas relações entre os sujeitos de direito internacional. Recentemente, casos concretos mostraram que, dependendo do conflito, podem ser eficientes formas de solução amparadas pela paz. E não apenas isoladamente, mas também tangenciando e até combinando umas às outras.                         

                                   

3.1 Negociação diplomática

            A negociação diplomática pressupõe iniciativa dos próprios Estados para equacionarem, ao máximo, suas controvérsias.[14] Marcelo Varella afirma que os Estados preferem, de fato, utilizar os meios diplomáticos de solução de conflitos, mais do que os meios jurisdicionais.[15] Em geral, as negociações diplomáticas, bilaterais ou multilaterais, precedem outros meios de solução de conflitos e pode resultar em transação (concessões recíprocas), da denúncia (abdicação de interesses) e do reconhecimento (admissão da procedência da pretensão da outra parte).[16] Curiosamente, Rezek adota o termo “entendimento direto em sua forma simples” ao se referir à negociação diplomática. Apesar disso, o conceito alcança os demais autores, pois, seja por via oral ou escrita, o desacordo deve ser resolvido mediante negociação entre os contendores, sem que terceiros intervenham a qualquer título. [17]

            A negociação diplomática mais comentada do atual cenário internacional foi protagonizada por Estados Unidos e Cuba. Depois de 54 anos, desde a Guerra Fria, os países anunciaram a reaproximação este ano com a reabertura das respectivas embaixadas nas capitais dos dois países. Foram dezoito meses de negociações secretas, demonstrando que essa espécie de solução não-jurisdicional requer paciência e muito diálogo, como ensina a doutrina. Apesar de ter sido uma negociação bilateral, envolvendo apenas dois Estados, a rivalidade histórica dos países, marcada por ofensas e conflitos político-econômicos, exigiu habilidade dos representantes para ser contornada. Por exemplo, uma troca de prisioneiros foi acordada durante a negociação diplomática, que ainda não definiu os rumos do embargo econômico dos Estados Unidos sobre Cuba.          

3.2 Bons ofícios

            É um instrumento altruísta no contexto internacional, pois um terceiro se propõe a criar um ambiente favorável para as partes em conflito, sem, contudo, coordenar a negociação.[18] O terceiro pode ser um Estado, organização internacional ou autoridade, que se limita a promover o encontro dos litigantes em lugar neutro para a negociação, sem ter qualquer interesse na questão nem se intrometer nas tratativas, vedado posicionamento a respeito do litígio ou de propostas de solução de conflitos.[19] Por isso, a iniciativa de prestar bons ofícios nunca se entenderá como intromissão abusiva.[20] Em regra, o terceiro prestador dos bons ofícios exerce um papel de relevância política internacional, como o Secretário Geral da ONU, o Diretor Geral da OMC e o Papa.

            Voltando ao caso Estados Unidos-Cuba, de grande repercussão nos últimos meses, a reaproximação entre os países não se deu por livre e espontânea vontade das partes.  As negociações diplomáticas só aconteceram porque o Papa Francisco e o Canadá uniram esforços para viabilizar o diálogo entre os Estados em conflito. “Prepararam a mesa” sem, contudo, se intrometer na negociação. Em 1991, os presidentes do México, da Colômbia e da Venezuela também ofereceram seus bons ofícios conjuntos aos governos de Cuba e dos Estados Unidos. De imediato, Fidel Castro e George Bush recusaram a oferta, revelando, à época, indisposição para o diálogo.[21] O exemplo valoriza ainda mais o êxito do Papa e do Canadá na iniciativa de reaproximar antigos rivais internacionais, demonstrando que a ação amistosa de um terceiro é uma solução pacífica de controvérsias bastante eficaz, independentemente do Direito.     

3.3 Mediação

            Assim como nos bons ofícios, a mediação conta com o envolvimento de terceiro no conflito. Entretanto, o terceiro é mais participativo, porque, além de aproximar as partes, também propõe uma solução pacífica para o conflito no esforço de resolver o problema.[22] Percebe-se que o terceiro toma partido e torna-se parte ativa, colaborando e conduzindo a negociação, porém, sem força vinculante, sem obrigar as partes. As partes podem se recusar a seguir as recomendações do Estado ou do organismo internacional mediador, diferentemente do árbitro, cuja decisão é obrigatória para as partes e traz consequências jurídicas. “A propósito, a mediação pode ser facultativa ou, quando prevista em tratado, obrigatória. Pode também ser oferecida ou solicitada e, ainda, individual ou coletiva, dependendo do número de mediadores”[23]

            Colômbia, Venezuela, Uruguai e Equador estiveram envolvidos em uma mediação que virou notícia no mundo, em outubro deste ano. A crise surgiu em agosto, quando um ataque na fronteira contra uma patrulha venezuelana deixou três pessoas feridas. O governo de Caracas culpou narcotraficantes colombianos pelo ataque e decidiu, unilateralmente, fechar parte da fronteira, na tentativa de impedir a entrada de narcotraficantes e contrabandistas. Além disso, expulsou colombianos ilegais do país, intensificando ainda mais a crise diplomática com a Colômbia. Segundo a Organização das Nações Unidas, mil e quinhentas pessoas foram expulsas e mais de dezoito mil voltaram para a Colômbia com medo da expulsão. O diálogo entre os dois países e a normalização gradativa da situação na fronteira só foi possível porque Uruguai e Equador se envolveram na controvérsia. A colaboração ativa dos líderes do Uruguai e do Equador, durante uma reunião, permitiu que Colômbia e Venezuela concordassem com o retorno imediato dos respectivos embaixadores e que fosse aberta uma investigação para averiguar o tratamento recebido pelos imigrantes colombianos expulsos da Venezuela à força.       

3.4 Investigação

            O autor Marcelo Varella ensina que a investigação tem como objetivo apurar os fatos e o direito relativos ao conflito.[24] Portela e Rezek preferem chamar a investigação de inquérito, tido como um meio diplomático de se estabelecer antecipadamente a materialidade dos fatos.[25] Ao contrário dos demais autores, Paulo Henrique Gonçalves Portela afirma que a investigação não seria propriamente um meio de solução de conflitos internacionais, mas um mecanismo voltado a esclarecer fatos conflituosos, preparando o terreno para o eventual estabelecimento de um meio de solução pacífica de controvérsias e sugerindo condutas a seguir.[26] A investigação pode ser conduzida por um único investigador ou por uma comissão formada por especialistas na matéria, que vai apurar os fatos ainda ilíquidos de uma situação sem esclarecimento, normalmente envolvendo direitos humanos, meio ambiente e segurança internacional.

            Um fato recente e que ilustra bem o conceito da investigação foi a queda do avião da Malaysia Airlines, que voava de Amsterdã para Kuala Lampur, com 298 pessoas a bordo, em julho de 2014. As suspeitas eram de que o avião teria sido atingido por um míssil disparado por rebeldes pró-Rússia. Os russos, por sua vez, acusaram o governo ucraniano de ser o responsável e exigiram respostas da Ucrânia, alegando que o avião perdeu comunicação na região de Donetsk, palco de combates entre forças governamentais ucranianas e rebeldes a favor da Rússia. Diante das acusações, a chanceler alemã Ângela Merkel e o presidente russo Vladimir Putin acordaram que uma comissão internacional e independente, dirigida pela Organização de Aviação Civil das Nações Unidas, deveria ter acesso ao local do acidente para tentar apurar a materialidade dos fatos. Um ano depois, a investigação concluiu que o avião foi derrubado por um míssil de fabricação russa, mas não especificou quem lançou o míssil em seu relatório final. A Rússia pediu uma nova investigação à ONU. Percebe-se que a comissão simplesmente apontou as circunstâncias que determinaram a causa da queda da aeronave, preocupando-se apenas com o esclarecimento dos fatos, sem determinar qualquer tipo de aplicação do Direito Internacional, o que deve ser feito em momento posterior por instrumentos jurisdicionais.

3.5 Conciliação

            Por natureza, a conciliação é semelhante à mediação. Entretanto, distingue-se, primeiramente, pela existência de um órgão ou comissão de conciliação, que possui número ímpar de membros escolhidos pelos sujeitos envolvidos no conflito. Em geral, cada Estado escolhe dois conciliadores e estes escolhem um quinto, neutro, em comum acordo.[27] A comissão de conciliação examina o litígio e, ao final, emite parecer ou relatório, propondo os termos da solução da contenda, que as partes litigantes poderão aceitar ou rejeitar.[28] Então, a participação de um terceiro – a comissão - indica as questões relacionadas ao caso investigado, propondo soluções para o conflito através de um aparato mais formal, porém, sem força vinculante. A conciliação acaba reunindo características de todas as outras modalidades não-jurisdicionais de solução de controvérsias, principalmente da mediação, mas os conciliadores vão um pouco além. Para José Francisco Rezek:

“A presença dos elementos parciais dá maior elasticidade ao sistema e permite a cada litigante um acompanhamento permanente dos trabalhos. Tomam-se decisões por maioria, desde aquelas pertinentes ao procedimento até a decisão final e essencial, qual seja o relatório em que a comissão propõe um deslinde para o conflito.”[29]

            O Brasil já esteve presente em uma tentativa solução de controvérsia internacional não-jurisdicional por meio da conciliação. É um caso polêmico, com ampla cobertura da mídia e vários desdobramentos. Tratava-se da extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti, que era membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, e foi condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, em 1993, por quatro assassinatos. Battisti estava no Brasil desde 2004 e foi detido em março de 2007 no Rio de Janeiro, em uma operação conjunta de agentes do Brasil, Itália e França. Após ser preso, as autoridades de Roma solicitaram a extradição do ex-ativista. Mas o então presidente Lula, apoiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, decidiu não extraditar Battisti. Em 2009, o STF autorizou a extradição do italiano, mas decidiu que a decisão final seria do presidente Lula, que voltou a recusar o pedido de extradição. Dois anos depois, a Itália solicitou a criação de uma comissão de conciliação para rever a decisão do governo brasileiro de não extraditar o ex-ativista italiano. Na época, a Itália já havia inclusive nomeado o jurista internacional Mauro Politi para ser membro da comissão e representar o país no conflito. A intenção era examinar o litígio em quatro meses e depois, se não houvesse acordo, a Itália poderia recorrer à Corte Internacional de Haia, na Holanda, um órgão jurisdicional de solução de controvérsias internacionais. A conciliação proposta pelos italianos teve fundamento no acordo bilateral entre os dois países, ratificado em 1954. O Brasil acabou não indicando representantes para a formação da comissão de conciliação e o caso Cesare Battisti, libertado pelo STF desde 2011 e morando no Brasil, continua sem um desfecho definitivo. Apesar da conciliação não ter sido efetivada e realizada de forma plena, o caso de Cesare Battisti é revelador dos elementos que cercam essa espécie de solução pacífica de controvérsias não-jurisdicionais.

4. Conclusão

            Na prática, as controvérsias internacionais entre Estados e organizações internacionais se apresentam com habitualidade, revestidos de natureza social, econômica, política, e jurídica e de qualquer grau de gravidade. Os exemplos de casos noticiosos trazidos no presente trabalho ilustram como parte dessa realidade pode se valer dos instrumentos voltados para promover a composição dos litígios na sociedade internacional, mais especificamente os conflitos que se dão no âmbito não-jurisdicional. Observa-se, a partir do exposto, que não existe uma hierarquia entre os mecanismos disponíveis, sendo que os sujeitos envolvidos na controvérsia escolhem livremente dentre as alternativas que se apresentam a eles. As frequentes e intensas relações que se estabelecem no contexto internacional exigem um diálogo permanente entre os litigantes e, apesar das complexidades, podem ser tratados, discutidos e até solucionados, mesmo que desvinculados das formalidades do Direito.

            As soluções pacíficas de controvérsias não-jurisdicionais, respeitando os princípios gerais do Direito Internacional Público, se impõem como importantes meios diplomáticos e políticos na organização dos interesses conflituosos. Esses mecanismos funcionam como filtros de controvérsias, que se pretendem resolver antes de uma prestação jurisdicional, evitando que todo e qualquer conflito procure um terceiro para dizer o Direito. Essas dinâmicas contribuem, há anos, pela paz e estabilidade global, e a cada situação provam que a primeira opção deve ser sempre o diálogo, seja partindo das partes envolvidas ou incentivado por um terceiro. Que os próximos exemplos de conflitos internacionais noticiados pelos meios de comunicação tenham êxito em suas soluções pacíficas.

Referências

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2011;

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014;

VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional Público. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012;

G1, via agência Reuters. EUA e Cuba vão reatar relações diplomáticas depois de 54 anos. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/eua-e-cuba-vao-reatar-relacoes-diplomaticas-depois-de-54-anos.html; Acessado em: 27 de outubro de 2015;

Folha de S. Paulo, via agências de notícias. EUA e Cuba retomam relações diplomáticas após mais de 50 anos. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/12/1563626-eua-devem-iniciar-com-cuba-negociacao-para-normalizar-relacoes.shtml; Acessado em: 27 de outubro de 2015;

Revista Veja. Cartas do Papa Francisco abriram caminho para acordo entre EUA e Cuba. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/cartas-do-papa-francisco-abriram-caminho-para-acordo-entre-eua-e-cuba/; Acessado em: 28 de outubro de 2015

LUCAS, Ana Glória. Além-mar, revista eletrônica. Disponível em: http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EukkAykEAArIyTJuPI; Acessado em: 28 de outubro de 2015.

G1 vídeos. Venezuela e Colômbia aceitam restabelecer o diálogo. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/v/venezuela-e-colombia-aceitam-restabelecer-o-dialogo/4484381/. Acessado em: 28 de outubro de 2015

GLOBO, jornal eletrônico. Merkel e Putin concordam com investigação internacional. Disponível em: http://www.dn.pt/globo/interior/merkel-e-putin-concordam-com-investigacao-internacional-4036165.html. Acessado em: 29 de outubro de 2015

Revista Época, com Agência EFE. Itália cria comissão com o Brasil para tentar extraditar Battisti. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI242199-15223,00.html. Acessado em: 29 de outubro de 2015.


[1] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p.77.

[2] VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional Público. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30-31.

[3] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[4] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Op. Cit. p. 77.

[5] Artigo 33 da Carta das Nações Unidas. Documento ratificado pelo governo brasileiro em 12 de setembro de 1945.

[6] VARELLA,  op. cit.p.400.

[7] VARELLA,  op. cit.p.400.

[8] PORTELA,  op. cit.p. 519.

[9] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p.520.

[10] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 204.

[11] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. op. cit.p. 520.

[12] REZEK,. op. cit. p.204.

[13] VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional Público. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 401.

[14] VARELLA, Marcelo D. Direito Internacional Público. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 400.

[15] VARELLA,  op. cit.p.401.

[16] PORTELA, op. cit. p.520-521.

[17] REZEK, op. cit. p.204

[18] VARELLA,  op. cit.p.403

[19] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 3ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p.521.

[20] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – curso elementar. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.

[21] REZEK, op. cit. p.205.

[22] PORTELA, op. cit. p.522.

[23] PORTELA, op. cit. p.522.

[24] [24] VARELLA, op. cit. p.404.

[25] REZEK, op. cit. p.206.

[26] PORTELA, op. cit. p.521.

[27] VARELLA, op.cit. p.404

[28] PORTELA, op. cit. p.522

[29] REZEK, op. cit. p.206.

Sobre o autor
Gabriel Ramos Ferreira

Graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB e acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB

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