RESUMO: O campo da seguridade social ganhou grande destaque com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que as fontes de custeio foram ampliadas a fim de garantir uma maior proteção social. Entretanto, tal campo passou a ser visto pelo Poder Executivo como um importante meio de aumento da arrecadação fiscal. Essa visão meramente arrecadatória acaba por induzir o ente tributante a desrespeitar os ditames constitucionais que limitam o poder de tributar, surpreendendo os contribuintes com exigências onerosamente excessivas. O presente artigo tem como escopo abordar o custeio da seguridade social e seus aspectos mais relevantes em relação ao regimento jurídico que lhe é atribuído constitucionalmente. Far-se-á uma análise sobre a natureza jurídica do custeio da seguridade social, observando o posicionamento doutrinário majoritário. Em seguida, discorrer-se-á sobre as fontes de custeio da seguridade social, individualmente, à luz da CRFB/88. Por fim, através do método dedutivo de abordagem, buscar-se-á demonstrar os aspectos negativos da alta tributação para o custeio da seguridade social do ponto de vista do contribuinte. O procedimento será histórico e hermenêutico, tendo a investigação bibliográfica como técnica de pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: “seguridade social”, “fontes de custeio”, “onerosidade tributária excessiva”.
ABSTRACT: The field of social security was highlighted with the advent of the Constitution of 1988, since the sources of funding were expanded to ensure greater social protection. However, this field was seen by the executive branch as an important means of increasing tax revenue. This merely tax collection vision turns out to induce taxing entity to disregard the constitutional principles that limit the power to tax, surprising taxpayers with excessive onerously requirements. This article is scoped to address the costs of social security and their most relevant aspects regarding the legal regiment assigned to it constitutionally. Far It will be an analysis of the legal nature of the funding of social security, observing the major doctrinal position. Then it will be talk about the sources of funding of social security, individually, in the light of the Constitution. Finally, through the deductive method of approach will be sought to demonstrate the negative aspects of high taxation to fund social security from the point of view of the taxpayer. The procedure will be historical and hermeneutic, and the bibliographical research as a research technique.
KEYWORDS : "social security", "funding sources," "excessive tax burden".
INTRODUÇÃO
Ao contemplar os Direitos Sociais como direitos e garantias fundamentais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) tratou de trazer a definição de seguridade social em seu artigo 194, assim definindo-a como o “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Sendo a seguridade social compreendida como um sistema de proteção social constituído pela previdência social, assistência social e a saúde, o constituinte não se esquivou de também prever o seu custeio, determinando no artigo 195 que “a seguridade é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Frise-se que o intuito do constituinte resumia-se em solidarizar a responsabilidade do custeio da seguridade social por toda a sociedade. Aqueles dotados de capacidade contributiva, o fazem por meio das contribuições sociais, enquanto aqueles que não a possuem, contribuem de forma indireta através dos orçamentos fiscais impostos pelos entes governantes.
Não há dúvidas de que a CRFB/88 inovou ao ampliar a cobertura do sistema previdenciário brasileiro. A consolidação da universalização do atendimento à saúde por meio da criação do Sistema Único de Saúde, o SUS, por exemplo, revela a preocupação do texto constitucional em garantir políticas públicas com vocação universal. Também é o caso da flexibilização do acesso aos benefícios em relação aos trabalhadores rurais e do reconhecimento da Assistência Social como política pública não contributiva que opera tanto serviços como benefícios monetários.
A relevância deste assunto no tratamento constitucional está ligada ao fato de que a seguridade social representa uma base para a implementação de um vasto sistema de proteção social, uma vez tratar-se de um país que demanda uma rede de financiamento bem elaborada para que tal proteção social seja efetivamente concretizada.
Neste contexto, analisaremos as fontes de custeio da seguridade social, bem como sua natureza jurídica, a fim de identificar e compreender suas principais dificuldades e os impactos da ampliação da proteção social trazida pelo texto constitucional, sob a ótica do contribuinte.
DESENVOLVIMENTO
Há discussões de ordem doutrinária a respeito da natureza jurídica das fontes de custeio da seguridade social, entretanto, a CRFB/88 buscou dirimir quaisquer controvérsias a respeito do tema.
A CRFB/88 instituiu um sistema tributário nacional composto por impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. As contribuições especiais constituem gênero, do qual são espécies as contribuições sociais, as de interesse de categoria profissional ou econômica, as de intervenção no domínio econômico e as de custeio do serviço de iluminação pública.
As contribuições sociais da seguridade social estão previstas no art. 195 da CRFB/88 e, por força do art. 149 do mesmo diploma, não estão sujeitas ao princípio da anterioridade dos tributos em geral, mas apenas à vacatio legis prevista no art. 195, parágrafo 6º. Desta feita, tais contribuições poderão ser exigidas depois de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não sendo aplicado o disposto no art. 150, III, "b", CRFB/88.
Não obstante o tratamento diferenciado no que tange à exigência das contribuições sociais, outros princípios constitucionais de matéria tributária são aplicados a elas. O princípio da legalidade estrita, previsto no art. 151, I é exemplo disso.
Para atestar de vez a natureza tributária das contribuições sociais, invocamos ainda o parágrafo 4º do art. 195, também da CRFB/88, que ao regular o exercício da competência residual da União para instituir novas contribuições sociais, faz referência ao art. 154, inciso I, que é um dispositivo tipicamente regulatório de exação de natureza tributária. Senão, vejamos: “art. 195. (...) § 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”.
Uma vez definida a natureza jurídica de tributo, faz-se necessário definir sua classificação dentro das espécies de tributos. Neste aspecto, as contribuições da seguridade social estão incluídas no rol das contribuições sociais.
Leandro Paulsen, aduz que
o art. 149 da Constituição outorga competência para a instituição de contribuições, inclusive sociais, e o art. 195 especifica quais serão as pessoas e as bases econômicas a serem tributadas para fins de seguridade social, bem como o regime para a instituição de novas fontes. (2007, p.34 apud SILVA, 2011).
Neste sentido, a CRFB/88 acaba por impor um regime jurídico peculiar às contribuições sociais. Elas são instituídas de acordo com sua finalidade específica, sendo que o produto de sua arrecadação deve ser afetado em função do interesse social.
Por se tratar de natureza jurídica de tributo, as contribuições para o custeio da seguridade social, ficam sujeitas às normas gerais de Direito Tributário, que estão previstas em Lei Complementar. Entretanto, sua instituição não depende de Lei Complementar, uma vez que a sua materialidade, que é a finalidade da incidência da contribuição, já está estabelecida estruturalmente pela CRFB/88.
Ressalte-se que no que tange às outras características ligadas ao tributo como o lançamento, o crédito e a prescrição, estas aplicar-se-ão totalmente às contribuições sociais.
No que diz respeito às fontes de custeio da seguridade social, faz-se necessário relembrar o conceito de seguridade social trazido pela CRFB/88, que em seu artigo 194 a define como um conjunto de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos á saúde, à previdência e à assistência social. O parágrafo único estabelece ainda que a sua organização deverá ser feita pelo Poder Público, observando alguns princípios como o da universalidade da cobertura do atendimento, irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade na forma de participação e custeio, entre outros.
Neste sentido, Sérgio Pinto Martins destaca que fontes de custeio são: “os meios econômicos e, principalmente, financeiros obtidos e destinados à concessão e à manutenção das prestações da seguridade social". (MARTINS, 2003 p.79).
O artigo 195, CF/88, já mencionado anteriormente, prevê em seus incisos I ao IV:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III -sobre a receita de concursos de prognósticos; IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Da análise do dispositivo retro, depreende-se que a primeira fonte de custeio da seguridade social refere-se à folha de salários e demais rendimentos pagos à pessoa física.
Faz-se necessário, portanto, entender o que é salário. Salário é a remuneração paga pelo empregador à pessoa física que com ele mantém vínculo de emprego, em consonância com o artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. De acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, não pode ser considerado como salário a remuneração paga em virtude de prestação de serviço.
A segunda categoria de custeio do inciso I é o faturamento ou receita. Inicialmente estava previsto no artigo 195 da CRFB/88 apenas o faturamento, não havendo previsão de receita. O legislador editou, para tanto, a Lei Complementar nº 70 em 1991, que estabeleceu a COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social. No artigo 2º da referida lei estabeleceu-se o significado de faturamento, qual seja, a receita bruta das vendas das mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Logo depois houve a publicação da Lei nº 9.718/98 que se aplicou à COFINS e ao PIS/PASEP, ampliando consideravelmente o conceito de faturamento dado anteriormente pelo legislador, passando a abranger a receita bruta como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica independentemente da atividade por ela exercida e tampouco a classificação contábil adotada para tais receitas.
Após a publicação da Emenda 20, que fez uma alteração no inciso I do artigo 195 da CRFB/88, estendeu-se o conceito de faturamento para receita ou faturamento.
O lucro constitui a terceira base econômica prevista no inciso I do artigo 195 da CRFB/88, sendo devida pelo empregador pessoa jurídica, tendo como base de cálculo o lucro líquido contábil, sendo apurado ao final do ano calendário.
É importante diferenciar o lucro do imposto de renda, pois a base de cálculo utilizada para cada um deles são totalmente distintas. O lucro recai sobre o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões, estabelecidas em lei própria. Já o imposto de renda recai sobre o lucro real, estabelecido nas legislações.
O inciso II, do artigo 195 da CRFB/88 estabelece a contribuição do trabalhador e dos demais segurados da previdência social. Acerca dessa contribuição, pode-se destacar que ela é própria das pessoas físicas que exercem qualquer atividade remunerada, nos termos da Lei 8.212/91.
O inciso III do artigo 195 da CRFB/88 trata da contribuição da receita de concurso de prognósticos. Nesse sentido, José Eduardo Soares de Melo destaca:
Considera-se concurso de prognóstico todo e qualquer concurso de sorteio de números ou quaisquer outros símbolos, loterias e apostas de qualquer natureza, no âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, promovidos por órgãos do poder público ou por sociedades comerciais ou civis. (MELO, 2003, p. 156.).
Por fim, o inciso IV do artigo 195 da CRFB/88 trata da contribuição do importador de bens ou serviços ou a que a lei a eles equiparar. Destaque-se que foi com a Emenda Constitucional nº 45 que este inciso foi incluído.
É importante destacar o conceito de importador, tratando-se este de pessoa física ou jurídica que promova a entrada de bem ou serviço no território nacional para inclusão à economia interna, estabelecendo assim a importação. Aplica-se a este conceito não apenas ao importador, mas também àqueles que a lei a ele equiparar.
Após perpassar pelo conceito de seguridade social, analisar-se-á sua natureza jurídica e discorrer-se-á sobre suas fontes de custeio. A priori, será feita uma abordagem acerca das consequências sociais que o regime jurídico das contribuições sociais traz à tona, especificamente do ponto de vista do contribuinte.
Como já explanado, a seguridade social é financiada por toda a sociedade. É perceptível que o texto constitucional tem como objetivo estabelecer um equilíbrio ao instituir a solidariedade nesse custeio, entretanto o que se observa hodiernamente é a cumulatividade de cobrança e a conseqüente tributação excessiva do contribuinte. Neste diapasão, a professora Misabel Derzi afirma:
(...) O espírito da Constituição é de buscar o equilíbrio entre os fatores capital e trabalho e a igualdade entre as empresas, no custeio da seguridade. Quanto maior o lucro ou faturamento, frente ao baixo valor da folha de salários, mais elevada poderá ser a alíquota incidente sobre o capital. Em contrapartida, se a mão-de-obra é onerosa em uma empresa de baixos lucros ou faturamento, proporcionalmente menos expressivo, menor a alíquota. Portanto, as alíquotas podem variar em uma contribuição única que leve em conta a equidade entre salários, o lucro ou faturamento. Mas de forma integrada e relacional, nunca em contribuições desconexas e múltiplas. (DERZI, 1999, p. 10, apud BALEEIRO, 1999, p. 34)
O financiamento da seguridade social não recebe o mesmo respaldo dos impostos, passando a ser alvo do Poder Público para o aumento da arrecadação por meio da carga tributária. Tal finalidade arrecadatória, gera conseqüências prejudiciais ao contribuinte, notadamente o empresário, tendo em vista que quanto maior os lucros e faturamentos da empresa, frente aos baixos salários, mais elevada poderá ser a alíquota incidente sobre o capital. A mão de obra torna-se extremamente onerosa para o empregador, que acaba não suportando, e tende a acabar com o negócio ou com a empresa, gerando assim uma rede de desemprego e de instabilidade financeira.
Frise-se que muitas das vezes o Poder Executivo invade a competência do legislativo ferindo o princípio da legalidade e, principalmente a própria CRFB/88, transgredindo a ordem tributária, trazendo, além das já suscitadas consequências de cunho social, a insegurança jurídica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, conclui-se que no contexto da imposição constitucional do regime jurídico diferenciado às contribuições de seguridade social, a carga tributária de seu financiamento se revela demasiadamente onerosa ao contribuinte. Não obstante as consequências negativas, já elencadas, de amplitude social, as alternativas à desoneração do contribuinte devem ser minuciosamente analisadas para que não se incorra no equívoco de onerar os cidadãos de menor renda, ainda que indiretamente.
Deve-se buscar soluções que garantam o não retrocesso do Estado Democrático de Direito, bem como a efetividade de princípios consagrados no texto constitucional, implícita ou explicitamente, tais quais a segurança jurídica e a legalidade tributária.
REFERÊNCIAS
LEITÃO, André Stuadard; ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito Previdenciário I. São Paulo (SP): Saraiva, 2012.
LENZA, Pedro. Direito Previdenciário Esquemetizado. 3 edição. São Pauo (SP): Saraiva, 2012
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 4ª edição. Malheiros, 2003.
PAULSEN, Leandro. Contribuições Custeio da Seguridade Social. In: SILVA, Diego Almeida da. Das contribuições para o custeio da seguridade social previstas na Constituição Federal: Uma análise dos seus principais aspectos. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura. > Acesso em: 03/06/2015 às 14h.
SILVA, Diego Almeida da. Das contribuições para o custeio da seguridade social previstas na Constituição Federal: Uma análise dos seus principais aspectos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10646>. Acesso em: 03/06/2015 às 14h.