1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo uma breve análise acerca das teorias do direito formuladas por Hans Kelsen e por Alf Ross[1], mais especificamente nos seus conceitos de normas válidas, identificando os pontos de intersecção e também as principais diferenças entre os trabalhos científicos de ambos.
Uma vez identificados os pontos fundamentais da teoria de cada autor, o estudo partirá para a contraposição delas, com a identificação dos pontos de convergência, se existentes, e os pontos de divergência.
Sem, por óbvio, esgotar o tema, o presente estudo pretende contribuir com a análise de dois dos mais importantes autores da escola positivista do direito.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO
Antes de adentrar no mérito do presente trabalho, cabe contextualizar brevemente o positivismo na história, posto que os autores, cuja concepção será objeto do presente estudo, são tidos como referências nesta escola. O trabalho ora proposto, em decorrência do seu corte metodológico, irá conceber principalmente a ideia do positivismo jurídico.
Tércio Sampaio Ferraz Jr. ensina que o termo positivismo não é unívoco e faz referência à teoria de Auguste Comte, bem como aquelas que se assemelham ou se relacionam a ela[2]. Segundo os ensinamentos desse autor, a teoria de Comte defende a impossibilidade de identificação de causas imanentes, de modo que apenas os fatos, com suas relações recíprocas devem ser objeto de estudo científico.
Essa concepção cientifica com base na razão é oriunda, principalmente, da influência da Revolução Francesa na história do mundo e com o direito não foi diferente. O eixo do direito, no Estado Absolutista, que prevalecia na esmagadora maioria dos países ocidentais, era a força, com a concentração das atividades de produção e controle jurídico atribuídas ao próprio Estado. Todavia, essa necessidade apenas da centralização pregada por Hobbes e por Maquiavel não eram mais tão necessárias[3].
O crescimento vertiginoso do poder econômico da burguesia, bem como os desmandos e arbitrariedades perpetradas pelos representantes do Estado absolutista, em especial na França, desencadearam um movimento ideológico que culminou no citado movimento revolucionário, cujos efeitos se espraiaram por toda a Europa.
Surgia a ideia do Estado Liberal, que servia para garantir o desenvolvimento do homem[4]. Havia uma latente necessidade de segurança, que devia alcançar níveis não alcançados no Estado Absolutista. Enquanto este Estado garantia a segurança do homem perante outros indivíduos, a idéia do Estado Liberal era garantir a segurança do homem perante o próprio Estado[5].
Esta concepção de Estado Liberal foi uma verdadeira vitória da classe comerciante, que não mais via vantagens naquele modelo de Estado, que não possuía limites e que podia agir arbitrariamente, inclusive na produção jurídica. Esse modelo de Estado teve a sua utilidade, mas acabou se tornando obsoleto diante das novas necessidades e da influência do poder econômico dos comerciantes no sistema estamental que normalmente acompanhava o absolutismo.
O Estado Liberal como uma nova concepção jurídico política tem o seu cerne na lei escrita, que define, regula as suas funções e o próprio exercício dos poderes, visando possibilitar o alcance dos objetivos individuais pelo próprio homem. Diante dessa regulação jurídica do seu funcionamento, o Estado Liberal se constitui em um Estado de Direito, no qual se obedecem normas e não pessoas.[6]
E juntamente com essa concepção de Estado Liberal, na qual o próprio direito regula a sua própria produção, surge o movimento jusfilosófico denominado de positivismo jurídico, cujos principais expoentes do século XX são Hans Kelsen, Alf Ross e Herbert Lionel Adolphus Hart.[7]
Algumas características do positivismo jurídico devem ser ressaltadas. Como visto, o positivismo surge com a ideia do Estado Liberal e os seus objetivos se identificam. Ambos buscam alcançar a segurança nas relações sociais e se complementam como concepção jurídico filosófica e como organização política social.
A principal característica do positivismo jurídico, que visava a segurança afastando as incertezas, consiste na ideia de que não existe direito que não seja o positivo. Esse anseio por refutar a insegurança, advinda da questão relativa dos valores, que predominava na teoria dominante até o Século XVIII, que era o jusnaturalismo[8].
O positivismo buscava, em nome da segurança, afastar os valores e as concepções axiológicas que circundavam a conceituação do direito, posto que, tendo em vista a sua relatividade e subjetividade, poderiam por em risco o escopo principal do direito, que era a paz social.[9]
O positivismo surgiu como corrente jusfilosófica, cuja principal característica era justamente uma ideia restritiva do conceito de direito. Com a nítida influência do iluminismo, propunha-se transformar o estudo do direito em uma verdadeira ciência, com as mesmas características das ciências naturais e sociais[10].
A ideia consistia em estabelecer, com precisão, o que era jurídico, para que não fosse necessário recorrer a valores. A segurança almejada dependia da perfeita identificação do que seria direito, com critérios objetivos e previsíveis, tornando-o autônomo com relação à moral e à política. A este conceito delimitador, BARZOTTO denomina de “autônomo”[11].
Partindo da ideia de que o direito é um sistema normativo, o positivismo busca identificar critérios que permitam aferir quais são as normas que fazem parte daquele sistema. Afastam-se os critérios de identificação do direito com base nos critérios do justo e do eficaz.
Todavia, surge a necessidade de apresentar um novo critério de identificação do direito. Esse critério é a validade, que passa a possuir a função de identificação da pertinência de determinada norma com um determinado ordenamento jurídico. BOBBIO faz a seguinte asserção sobre o tema:
A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada sociedade.[12]
Dentro do que já foi dito e dentro dessa contextualização, o presente trabalho irá analisar este conceito de normas válidas para dois destes expoentes da corrente positivista, quais sejam Kelsen e Ross.
3. A CONCEPÇÃO DE NORMAS VÁLIDAS EM HANS KELSEN
3.1. O CONCEITO DE NORMAS
Não há como falar do conceito de normas jurídicas de Hans Kelsen sem antes tratar de algumas premissas fundamentais estabelecidas pelo próprio autor, que influenciam de forma determinante na sua conceituação.
O autor ora tratado lembra que os fatos tidos por jurídicos não tem essa classificação pelo seu simples acontecimento. Para esclarecer essa concepção, ele consigna que os fatos jurídicos podem ser divididos em duas partes: a) um ato, ou uma série deles, que se realize, dentro de uma perspectiva de espaço e de tempo, sensorialmente perceptível, uma manifestação da conduta humana delimitável; b) a significação que este ato tem para o direito.[13]
Kelsen explica que esta significação jurídica do ato não pode ser percebida mediante os sentidos humanos, tal como nos apercebemos das qualidades naturais de um objeto. Essa significação somente pode ser compreendida mediante a interpretação do indivíduo, que deve realizar um juízo sobre o ato e sobre a intenção do agente.
Dentro deste pensamento do autor, este significação ainda pode ser dividida em duas partes. O indivíduo que põe o ato, de forma racional, querendo expressar uma vontade para outrem, manifesta um sentido subjetivo. Caso este conteúdo seja exposto, em consonância com uma previsão normativa, fala-se que o sentido subjetivo coincide com o sentido objetivo do ato para o Direito, atribuindo-lhe o caráter jurídico.[14]
Observe-se que, nesta situação de congruência dos sentidos, a norma jurídica que atribui àquele ato uma significação jurídica assume uma função de “esquema interpretativo”, nas próprias palavras de Kelsen. A intenção do agente consiste no “sentido subjetivo” e esta atribuição fornecida pela norma jurídica anterior lhe empresta o “sentido objetivo”, ao ato de vontade, transformando o seu conteúdo em norma jurídica..
Kelsen esclarece que “Com o termo norma, se quer significar que algo deve ser ou acontecer. (...)” [15]. Isto significa que um homem deve se conduzir de determinada maneira e é este o sentido que possuem determinados atos que intencionalmente se dirigem a conduta de outrem. Tais atos são denominados atos de vontade.
O dever-ser é o sentido subjetivo de todo ato de vontade de um indivíduo que visa a conduta de outrem, mas nem sempre esse ato tem também um sentido objetivo, na concepção mencionada anteriormente. Segundo o autor, somente quando o conteúdo deste ato tem também este sentido objetivo, que é possível denominar o significado dele como norma[16].
Fica claro, portanto, que, para Kelsen, atos de vontade são determinados atos humanos que, intencionalmente, dirigem-se à conduta de outrem e estão no âmbito do “ser”. A “norma”, tendo em vista ser o instrumento para a extração do sentido objetivo do ato (sua significação), está no âmbito do “dever ser”. Isso significa que o ato de vontade está dirigido de um homem para outro, cessando a sua obrigatoriedade quando cessado o seu caráter subjetivo (sua intenção). Já a conduta prescrita pela norma, tem o caráter objetivo, ou seja, é obrigatória não só do ponto de vista do indivíduo, mas também do ponto de vista do terceiro desinteressado.
Com toda esta concepção em mente, Kelsen conclui que a norma é “o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém”[17].
Para encerrar este ponto, cabe mencionar que Kelsen faz uma distinção terminológica entre regra jurídica e norma jurídica, a qual o leitor dos seus textos não pode ignorar. Enquanto, na terminologia utilizada pelo Autor, aquela se refere à linguagem descritiva da Ciência do Direito, esta última utiliza uma linguagem prescritiva[18].
Ante todas as considerações expostas alhures, pode-se concluir que norma para Kelsen é o conteúdo (sentido subjetivo) daquele ato de vontade que visa interferir na conduta de outrem, que possui amparo prévio em outra norma (sentido objetivo), de modo que, mesmo cessada a vontade do agente prolator, ela permanece como obrigatória perante a visão de um terceiro desinteressado.
3.2. O CONCEITO DE VALIDADE
O sentido de validade na obra de Kelsen assume pelo menos quatro sentidos que, nas palavras de LUIS FERNANDO BARZOTO “não se excluem, mas ao contrário, se implicam.“.[19]
Para ele, Kelsen utiliza o termo validade:
a) como uma qualidade que expressa a própria existência da norma;
b) para expressar a relação de pertinência entre uma norma e um sistema jurídico;
c) para manifestar que a norma foi criada de acordo com a previsão de produção do próprio sistema (validade como relação intranormativa);
d) manifestar uma vinculação, de modo que afirmar que uma norma é valida signifique que ela deve ser observada;[20]
Todavia, segundo o próprio Barzotto, todos estes sentidos exigem apenas um fundamento: “(...) Se uma norma existe, pertence a um ordenamento e é obrigatória, isso só ocorre porque foi produzida de acordo com uma outra norma. (...)”.[21]
O presente trabalho irá se ater a este fundamento de validade como um todo, que acaba por tratar, de forma resumida, todos os sentidos do termo validade utilizado pelo Kelsen em sua obra, mais especificamente na Teoria Pura do Direito.
No início de sua obra, Kelsen expõe um dos alvos de crítica na sua teoria. Este autor confunde o plano de vigência com o plano de existência: “Com a palavra vigência designamos a existência específica de uma norma.”[22]. Não se pode simplesmente ignorar esta confusão[23].
Também fica claro em diversas passagens da sua obra, que, para o autor, validade e vigência são sinônimos: “(...) Se, como acima propusemos, empregarmos a palavra “dever-ser” num sentido que abranja todas essas significações, podemos exprimir a vigência (validade) de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser, deve ou não ser feita.(...)”[24].
Com esta asserção, o autor deixa claro o seu posicionamento de que, para se afirmar que uma determinada norma existe, necessariamente é preciso afirmar que ela é válida. Dessa breve leitura, percebe-se que o autor mescla o plano de vigência, com o plano da validade e com o plano da existência.
No tocante ao plano da eficácia, o autor faz questão de distingui-lo do plano de validade (vigência). Entrementes, não os separa completamente, posto que, entende que estes campos tem uma relação muito forte. Tanto é assim, que Kelsen chega a afirmar que somente é possível falar em norma objetivamente válida, quando ela possuir um mínimo de eficácia[25].
Neste aspecto, é possível afirmar que o Kelsen estabelece, como condição de validade, um mínimo de eficácia do próprio ordenamento. Contudo, este também é um ponto vulnerável da sua teoria e altera completamente a natureza jurídica do conceito de validade construído.
Isto porque, a eficácia se analisa no campo do ser, enquanto a validade, dentro da concepção “pura” do direito proposta pelo autor, deveria se situar no campo do dever-ser[26]. Com este ponto de interseção, o critério da validade também passa a depender de uma situação fática, circunstância esta que não se coaduna com as conclusões e propostas da Teoria Pura do Direito.
Na referida obra, Kelsen busca “purificar” o Direito e a ciência jurídica, propondo desvencilhar elementos que, em que pese serem relevantes para o Direito, não podem influenciar o seu estudo e conceituação. Esta construção teórica tem um importante reflexo no conceito de validade.
A validade da Teoria Pura do Direito não é influenciada por valores do próprio ordenamento, pela sua congruência com valores morais de uma determinada comunidade social ou com o conceito de justiça almejado por esta, ou até pelo próprio consenso da comunidade. A validade seria alheia a influência de todos os valores e situações fáticas específicas.
Não é por outro motivo que Karl Larenz afirma que:
(...). A “teoria pura do Direito”, muito ao invés, não se preocupa com o conteúdo, mas só com a estrutura lógica das normas jurídicas; verifica o sentido, a possibilidade e os limites de todo e qualquer enunciado jurídico (não de um certo enunciado jurídico), bem como a espécie e o modo do seu estabelecimento.(...).[27]
Em toda a sua construção teórica, Kelsen busca incessantemente criar um conceito de validade em uma concepção metafísica, intranormativa, no qual se propõe que o fundamento de validade de uma norma é sempre e necessariamente uma outra norma válida, de hierarquia superior, também pertencente ao mesmo ordenamento jurídico.
Antes de aprofundar nesse tema de tanta relevância para o conceito de validade do autor, cabe esclarecer que Kelsen nunca negou a influência das outras ciências para o direito. A “Teoria Pura” é uma teoria do Direito positivo e, como tal, propõe, utilizando o seu princípio metodológico fundamental “purificar” o direito, separando o que entende que não lhe seja pertinente. Trata-se, apenas, de um corte metodológico, que não visa negar a estreita relação de outras ciências com o direito[28].
Dito isto, cabe agora analisar a questão da norma fundamental. Para Kelsen este é o fundamento último de validade de uma ordem jurídica, sendo o critério de identificação de uma norma com relação ao sistema. Trata-se de um fundamento de ordem metafísica, o qual atribui validade para todas as outras normas do sistema, em um formato escalonado que será melhor detalhado mais à frente.
Como dito, para Kelsen, o fundamento de validade de uma norma é, necessariamente, a validade de uma outra norma. A validade, na sua teoria, não pode ser verificada por meio da investigação de um fato do mundo do ser[29]. A indagação da validade, no seu entender, coloca as normas nas posições de norma inferior e superior.
Isto porque, segundo o pensamento de Kelsen, o fundamento de validade de uma norma inferior se encontra em uma norma superior e preexistente, cuja verificação decorre de um questionamento de ordem lógica, no qual se busca identificar esta norma superior que atribuiu validade à norma inferior. Seguindo esse raciocínio, a norma superior também encontra o seu fundamento de validade em uma outra norma superior, o que poderia levar ao infinito.
Entretanto, o referido autor conclui que investigação pela validade de uma norma não pode ser infinita. Necessariamente, ao se perquirir acerca da norma posta mais elevada, encontrar-se-á uma norma sobre a qual não existe uma outra norma posta que lhe sirva de fundamento de validade. Por isso, deve-se considerar uma norma pressuposta (tendo em vista que ela não é posta), cuja validade não se pode indagar, a qual é a mais elevada do sistema normativo posto. A esta norma ele dá o nome de norma fundamental.[30]
Segundo Kelsen, para indagar se uma norma é válida, deve-se encontrar a sua norma fundamental. Além disso, todas as normas que remetem, nas suas indagações de validade, a uma mesma norma fundamental, pertencem ao mesmo sistema normativo. Isto garante uma unidade ao sistema, pois esta norma fundamental acaba sendo o ponto de convergência daquele sistema normativo específico.
Uma outra observação muito importante acerca do conceito de validade de Kelsen diz respeito à definição dos sistemas. O autor utiliza a indagação acerca da validade com base na norma fundamental como critério para distinguir dois tipos distintos de sistemas de norma: um que ele chama estático e outro que ele denomina de dinâmico.[31]
Esta distinção utiliza dois critérios específicos: forma e conteúdo. Quando a norma fundamental não apenas serve de fundamento de validade das demais normas inferiores, mas também fornece e limita o conteúdo de validade destas, diz-se que o sistema de normas é estático. Mas o autor critica esta concepção, posto que pressupõe a existência uma norma imediatamente evidente, como norma fundamental, referindo-se sempre aos sistemas morais, circunstância esta que ele repudia.[32]
No sistema dinâmico, segundo Kelsen, a norma fundamental tem por conteúdo a instituição de um fato produtor de normas, ou seja, a norma fundamental, que é pressuposta, apenas instituiria um procedimento e uma autoridade para a edição da norma posta de grau de hierarquia mais elevada no sistema jurídico positivo. Isto significa que, no sentido de que se a norma é posta pela autoridade “constituída” pela norma fundamental, todos os indivíduos devem observá-la[33].
Por fim, deve-se salientar que, na sua obra póstuma, denominada de “A Teoria Geral das Normas”, o autor reconhece que o conceito de norma fundamental consiste em uma ficção, no sentido da “vaihingeriana Filosofia do Como-se” nas próprias palavras de Kelsen, reconhecendo o equívoco que a classificava como hipótese.
Nas próprias palavras de Kelsen, a ficção jurídica de Vaihinger consiste em: “um recurso do pensamento, do qual se serve se não se pode alcançar o fim do pensamento com o material existente.”[34]
Note-se que é possível concluir que, segundo o pensamento de Kelsen, a validade consiste em uma relação de pertinência entre normas. Afirmar que uma norma é válida dentro de um sistema, significa que ela compõe este sistema. Para ele, todas as normas de um mesmo sistema possuem, necessariamente, um mesmo fundamento de validade, a norma fundamental.
Nessa mesma linha, Tércio Sampaio Ferraz Júnior faz uma importante constatação quanto ao conceito de validade traçado por Kelsen. Segundo ele, este autor expõe que a validade de uma norma não é aferível mediante a sua análise isolada, o que revelaria que o conceito de validade deste autor é um conceito relacional, verificável dentro de um ordenamento[35].
3.3. CONCEITO DE NORMAS VÁLIDAS
Ante tudo o quanto exposto acerca dos conceitos de norma e de validade de Kelsen, pode-se agora construir o conceito de normas válidas deste autor.
Como exposto anteriormente, a norma para Kelsen se constitui no significado (sentido subjetivo) de um ato de vontade dirigido à conduta de outrem. O que atribui a conotação jurídica (sentido objetivo) à este significado é justamente a previsão deste ato de vontade em uma norma superior, que foi anteriormente posta.
A validade consiste em um critério de pertinência de uma norma dentro de um ordenamento jurídico, o qual é visto como um sistema normativo completo. Não é possível, com isso aferir a validade de uma norma de forma individualizada, o que remete o intérprete à um juízo de ordem lógica que o remete à ficção, “no sentido da filosofia do Como-Se vaihingeriana”[36], da norma fundamental.
Esta construção permite averiguar o conceito “autônomo” de direito de Kelsen, no qual a validade está atrelada à forma de produção do direito. Outrossim, a idéia de construção pela norma fundamental também atribui a unidade do sistema que passa a ser hermeticamente fechado.
Para Kelsen, norma válida é o sentido do ato de vontade praticado em relação à conduta de outrem, que segue os conformes previstos em uma norma superior, cujo fundamento último de validade remete à ficção da norma fundamental. Todas as normas jurídicas que remetem à mesma norma fundamental compõem um mesmo sistema, significando, concomitantemente, que elas existem (são válidas) e que, por isso, devem ser obedecidas.