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A jurisdição romana

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Agenda 30/11/2015 às 15:37

O estudo de todo o direito e jurisdição romana é de singular importância, considerando que, além de ser um método de educação jurídica, promove considerável entendimento acerca da origem e formação do sistema processual brasileiro.

Sumário: 1. Introdução; 2. Marco histórico inicial da jurisdição romana; 2.1. A lei de Talião; 2.2. A Lei das Doze Tábuas; 3. Períodos da Jurisdição Romana; 3.1. Considerações iniciais; 3.2. Período real; 3.3. Período Republicado; 3.4. Período do Império; 4. O processo civil romano e sua evolução; 4.1. Introdução; 4.2. Evolução sintetizada da magistratura romana; 4.3. Transformação da justiça privada em pública; 4.4. Os três períodos que marcaram o processo civil romano; 4.4.1. O processo das ações da lei; 4.4.2. O processo das fórmulas; 4.4.3. O processo extraordinário; 5. A importância dos glosadores e da idade média na atividade jurisdicional romana; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.


1. Introdução:

A cidade de Roma restou fundada por Rômulo no ano de 753 a.C., às margens do Rio Tibre, na península Itálica. O fim do Império Romano se deu com a tomada de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, no ano de 1.495, pelos turcos otomanos, proporcionando o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. Com um rápido olhar pela histórica antiga de origem dos povos, os romanos e gregos foram os criadores da organização das cidades e dos povos com base na república e democracia. Para se regular toda a vida romana, envolvendo mercadorias, informações, pessoas e etc., os romanos criaram um sistema legal que serviu de alicerce para muitos ordenamentos jurídicos. Importante destaque feito por Leopoldo Justino Girardi, salientando que, da mesma forma que os gregos pontificaram nas artes, os romanos pontificaram no direito. (GIRARDI, 1997, p.5)

O Direito romano pode ser conceituado como um conjunto de normas jurídicas observadas na cidade de Roma e também como um arcabouço de direito aplicado ao território do Império. Mesmo com a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), o direito romano continuou a influenciar os povos ocidentais. A história do direito romano abrange cerca de mais de mil anos, desde a Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum) até o Corpus Iuris Civilis por Justiniano (530 d.C.).

O poder político de Roma não obedecia à regra da tripartição de poderes. Dessa forma, a jurisdição romana confunde atos de caráter executivo, administrativo e judiciário, havendo um fator comum a todas as épocas da história do direito romano: os militares detiveram sempre a maior concentração de poder.

O surgimento do direito romano regulou toda a sociedade da época, expandindo-se para todas as fronteiras, constituindo um dos maiores impérios que o mundo antigo conheceu.


2. Marco histórico inicial da jurisdição romana:

2.1. A Lei de Talião:

Como a chamada “Lei de Talião”, que justificava a imposição da pena de talião, era prevista na origem do direito romano através da Lei das Doze Tábuas, que será tratada posteriormente, o esclarecimento sobre a origem de sua utilização e eficácia é bastante oportuno. Nos primórdios da jurisdição romana, na fase da chamada vingança privada, os cidadãos exerciam o direito com suas próprias mãos e força, impondo, assim, a lei de talião.

Os primeiros indícios que consagraram a Lei de Talião foram constatados no Código de Hamurabi, por volta de 1.700 a.C., no reino da Babilônia, em período anterior, evidentemente, à Lei das Doze Tábuas. A lei consiste na justa reciprocidade do crime e da pena, sendo simbolizada pela expressão “olho por olho, dente por dente”.

O Código de Hamurabi foi um conjunto de leis criadas na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a.C., pelo rei Hamurabi da primeira dinastia babilônica. As leis foram talhadas em uma rocha de diorito de cor escura e dispunham sobre regras e punições para eventos da vida cotidiana. Tinha como objetivo unificar o reino através de códigos de leis comuns. Para isso, o rei Hamurabi mandou espalhar cópias deste código em várias regiões do reino. O código previa que para cada ato praticado em detrimento da lei haveria uma punição proporcional ao crime cometido. Não havia a possibilidade de alegação de desconhecimento das leis.

2.2. A Lei das Doze Tábuas:

A Lei das Doze Tábuas, Lex Duodecim Tabularum, consistia em uma antiga legislação que data na origem do direito romano. Formava todo o arcabouço da constituição da república romana e das antigas leis não escritas e das regras de conduta.

Os cidadãos romanos eram considerados mais como membros de uma família do que como indivíduos. A segurança privada dependia mais do grupo familiar do que do Estado. A evolução posterior foi caracterizada pelo desenvolvimento do poder central estatal e, por via de consequência, houve a necessidade de criação de regras para a proteção da autonomia dos cidadãos. As doze tábuas eram regras costumeiras, primitivas e cruéis, aplicando-se aos cidadãos romanos. Foi uma das primeiras leis que ditavam normas que excluíam as diferenças de classes.

As normas legais eram aplicadas em Roma pelos pontífices e representantes da classe dos patrícios que as depositavam em segredo. Eram aplicadas contra os plebeus e, em face disso, um plebeu de nome Terentílio propôs, no ano de 462 a.C., que fosse implantada uma compilação de um código legal oficial. Tal atitude visava o conhecimento das leis por parte dos plebeus e o impedimento do abuso cometido pelos pontífices e patrícios.

Evidentemente tal ideal de implantação de um código oficial foi recusado pelos patrícios durante tempos, já que desejavam manter o privilégio no controle jurídico sobre a população de Roma. Tal privilégio concedia poderes de manipulação e repressão aos plebeus. Em 451 a.C. um grupo de dez homens se reuniu com o objetivo de preparar um projeto de lei. No ano de reunião, foram publicados dez códigos. No ano posterior, foram inseridos mais dois códigos. Dessa forma, criaram-se as Doze Tábuas, já que as leis foram publicadas em doze tabletes de madeira, sendo fixadas no Fórum Romano, dando publicidade a todos. A Lei das Doze Tábuas reuniu, de forma sistemática, todo o direito praticado na época, contendo inúmeras definições de direitos privados e procedimentos, dando ênfase à família e ao rito de negócios formais. O texto oficial restou perdido, uma vez que os gauleses colocaram fogo em Roma no ano de 390 a.C.

A Lei das Doze Tábuas dispunha sobre organização e procedimento judicial, normas para os inadimplentes, pátrio poder e direito sagrado. O código oficial incluía penas rigorosas com severos procedimentos. Há menção sobre a sociedade e sobre o processo judicial, de modo que os tabletes eram considerados o primeiro documento legal que oficializou o direito romano. O conteúdo do código era formado por doze tábuas: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial; Tábua III: Normas contra os inadimplentes; Tábua IV: Pátrio poder; Tábua V: Sucessões e tutela; Tábua VI: Propriedade; Tábua VII: Servidões; Tábua VIII: Dos delitos; Tábua IX: Direito Público; Tábua X: Direito sagrado; e Tábuas XI e XII: Complementares.

As Doze Tábuas representavam um avanço na sua época, sendo o primeiro documento escrito que expunha as normas legais, mas com o passar do tempo, tornaram-se superadas. Entretanto, o tradicionalismo romano fez com que esse código fosse mantido como norma de respeito, já que o próprio Justiniano, dez séculos mais tarde, o mencionou.


3. Períodos da Jurisdição Romana:

3.1. Considerações iniciais

Durante o império romano, ocorreram profundas mudanças sociais, bem como alterações no contexto do direito. A doutrina histórica divide Roma em eras ou períodos que podem ser classificados em período real, republicano, principado e dominato.

Pode-se dizer que cada era ou período possuiu sua divisão peculiar e burocrática de poder, tendo a denominação de magistraturas. Como qualquer ordenamento jurídico visto em sua essência dinâmica, o direito romano evoluiu com o passar do tempo, considerando os passos da sociedade, desenvolvendo normas sem a exclusiva imposição da mão absolutista.

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3.2. Período Real:

Destaca-se das origens da fundação de Roma até a queda da realeza em 510 a.C. Foi uma era costumeira, elitista, religiosa, formalista e exclusivista.

Rômulo foi o responsável pela fundação de Roma, porém esta se deu em face da obra de três tribos: as dos latinos, dos sabinos e dos etruscos. Cada tribo era formada por dez cúrias, e cada cúria era composta por família ou gens. Tal período teve a predominância de um governo formado pela figura do rei.

As trinta cúrias que formaram a cidade constituíram os patrícios, nobres, de modo que cada entidade familiar possuía um chefe, que tinha o dever de gerir o grupo familiar e os clientes não pertencentes à família. Os clientes mantinham relações de obrigação com as famílias. Outra camada social era a plebe, a qual não participava das questões jurídico-políticas de Roma. Destacavam-se também os clientes autônomos, os peregrinos e os estrangeiros. Os escravos não eram considerados sujeitos de direitos.

Em tal era não havia distinção entre poder político e poder militar, uma vez que a organização política definia a organização judiciária, determinando quem governava, administrava e julgava os atos da vida civil e militar.

No interior da hierarquia política, o rei detinha o poder maior. O rei era o magistrado único, vitalícia e irresponsável, tendo o comando supremo do exército, do poder de polícia e das funções de juiz e de sacerdote, incluindo poderes administrativos. O rei também tinha a competência para declarar guerra e para celebrar tratados e a paz. A única limitação ao poder real seria imposta pelos costumes religiosos e tradicionais. Os reis podiam ser auxiliados por juízes, em casos de crime de traição ao Estado e em face de homicídio de um chefe de família.

O rei detinha a jurisdição direta, em relação às questões de grande relevância, e a jurisdição indireta, em relação aos casos de menor importância, podendo, neste caso, delegar seus poderes.

Roma também possuía um senado que formava a sua organização política. O senado era um corpo que representava as castas políticas na administração pública, sendo um conselho formado por patrícios idosos. O senado tinha como competências a prestação de consulta ao rei, que não era obrigado a seguí-la; o poder de interferência em caso de falecimento do rei; a confirmação do poder do rei; e a preservação dos costumes antigos. O rei tinha o poder de império, enquanto o senado representava a soberania do patriciado.

Deve-se ressaltar que, no período da realeza, a única fonte do direito privado era os costumes e a lei, de modo que o senado aprovada ou não uma lei dizendo se esta estava ou não de acordo com os velhos costumes. Dessa forma, o rei julgava de acordo com os costumes, com o direito consuetudinário. A ciência do direito e as coisas divinas e humanas cabiam aos pontífices. A jurisprudência nascia do justo e do injusto.

Por fim, quanto ao povo, este compunha as tribos que se organizavam em dez cúrias cada uma. Havia os comícios das cúrias que eram assembleias convocadas pelo rei e que não tinham a competência de deliberação. Portanto, os comícios apenas aprovavam ou reprovavam alguma resolução colocada em votação, nada mais.

3.3. Período Republicano:

Houve o início do direito escrito, com prevalência do conteúdo sobre a forma, sendo um sistema laico e democrático. Sua origem e existência histórica foram de 510 a 27 a.C. Aqui ocorreram cinco fontes do direito: a lei, os costumes, o plebiscito, a interpretação dos prudentes e editos dos magistrados. Houve o surgimento da jurisprudência, resultado de interpretação dos prudentes.

Surgiu um movimento nacionalista nos romanos que determinou a ruptura política, proporcionando o fim da realeza e o início da era republicana. Os cônsules ou pretores exerciam o poder maior, com mandato anual. Pode-se dizer que eram as magistraturas, de modo que, conforme o território de Roma aumentava, desenvolvia uma cadeia burocrática cada vez mais complexa. As magistraturas republicanas tinham como características a temporariedade, a gratuidade, a colegialidade e a irresponsabilidade.

Os magistrados, de forma geral, tinham a competência de expressar a vontade do Estado usando de sua própria vontade, gerando direitos e obrigações para o ente público; tinham poderes de comandar tropas, de apresentar propostas aos comícios e de deter e punir os cidadãos culpados. Também tinham a administração da justiça nos assuntos privados em suas mãos. Porém, todos os magistrados tinham poder de declarar o direito, mas nem todos detinham poderes de império.

No tocante aos pretores, espécies de magistrados, eles exerceram um importante papel. Com o fim do período real, dois magistrados sucederam ao rei, sendo eleitos anualmente, denominando-se de juízes, em tempo de paz, e de pretores, em tempo de guerra. Portanto, os pretores distribuíram a justiça, sendo responsáveis pela execução das decisões, com tarefas de império, exercendo poder de executar as decisões dos jurisconsultos. Havia o pretor urbano, responsável pelas causas entre os romanos, o pretor peregrino que cuidavam das questões entre os romanos e peregrinos ou somente entre peregrinos, justificado pela influência estrangeira em Roma. Dessa forma, constata-se que os pretores romanos realizavam atos de império, com poderes de coerção, não exercendo tipicamente atividade jurisdicional.

Outros tipos de magistrados, os questores, eram responsáveis pelas contas públicas, de modo que um permanecia na cidade enquanto os outros percorriam as províncias. Eram eleitos pelos comícios curiatos, direcionados para a administração financeira.

Havia também os censores, que tinham competência para o censo, para o registro da população romana e de seu patrimônio. Era um tipo de magistratura cujos cargos eram reservados aos antigos cônsules.

Quanto aos chamados edis curius, foram criadas duas magistraturas plebeias pelos patrícios: o tribunato, que podiam vetar os atos dos magistrados patrícios, e a edilidade da plebe, com poderes de execução das ordens dos tribunos. Os edis curius faziam o policiamento das cidades e dos mercados, dos jogos públicos e também da jurisdição no mercado dos escravos. Também tinham a competência para fiscalizar o comércio. Portanto, detinham funções administrativas e judiciais primordiais para a sociedade romana.

Por fim, quanto ao Senado, apesar de não ser considerado uma espécie de magistratura, tinha importante papel na formação das leis. Podiam declarar a nulidade das normas legais e também exercer controle sobre a atuação dos comícios. Eram os jurisconsultos, autoridades que exerciam o controle das relações sociais através da confirmação ou não das leis, as quais deveriam estar em conformidade com os costumes. Portanto, o Senado era o guardião dos costumes da época.

As decisões dos jurisconsultos tinham a função de preencher as lacunas e interpretar as leis, adaptando os textos legais às mudanças da sociedade. Tal interpretação não tinha força obrigatória e com o tempo construíram o direito consuetudinário. Os jurisconsultos não tinha poder de execução de uma ordem, apenas declaravam o direito, proferindo decisões declaratórias, constitutivas ou condenatórias.

3.4. Período do Império:

Em tal era ocorreu a centralização do poder, havendo o aumento de poder dos jurisconsultos que aperfeiçoavam a ordem jurídica. As fontes do direito eram a lei, o senatus-consultus e as constituições imperiais. A legislação escrita tornou-se a regra, em oposição aos costumes que prevaleceram no período republicano. No império, surgiram as chamadas institutas de Justiniano, englobando as institutas, o digesto (jurisprudência), o código e as novelas.

A fase imperial pode ser dividida em dois períodos: o período do principado, que se destaca de 27 a.C. até 285 d.C., com o início do dominato por Diocleciano, que dividiu o Império Romano em oriental e ocidental; e o período do dominato, de 285 a 565 d.C., data em que faleceu Justiniano, caracterizado pelo absolutismo. Existem outras classificações adotadas, como as que dividem o período em diarquia (senado e príncipe atuam com poderes iguais) e monarquia (poder absoluto do imperador, com surgimento da jurisprudência oficial, com menos produção jurídica e mais compilação).

Toda era imperial, incluindo o principado e o dominato, foi marcada pela centralização de poder nas mãos do imperador. Se na fase republicana havia descentralização de poder, uma vez que havia inúmeros agentes investidos de competência e jurisdição, na fase imperial há absoluta centralização de poder na pessoa única do imperador.

Incumbia ao imperador a escolha dos magistrados, assegurando-lhe o controle sobre o senado. O poder civil dos cônsules, de natureza militar, estava subordinado ao príncipe. Todas as magistraturas estavam sob a influência do imperador que podia nomear, decidir e julgar em qualquer grau de jurisdição.

Com relação aos pretores, tais magistraturas foram resistentes ao período imperial. Os pretores urbanos e peregrinos exerciam a jurisdição civil. Os pretores se tornaram juízes mais poderosos, capazes de proferir todas as espécies de decisões, incluindo as declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas lato sensu. Portanto, além de declararem o direito, também tinham o poder de executar o que foi decidido.

As magistraturas tinham dois cargos que eram atribuídos a funcionários do império: O Prefeito de Roma que possuía atribuições na política criminal e na manutenção da ordem pública, tendo poder de polícia; e o Prefeito Pretório, que era a segunda figura mais poderosa, administrando a guarda imperial, tendo ainda competência para interferir nos negócios públicos e na administração da justiça, proferindo decisões sem recurso.

Dessa forma, pode-se vislumbrar que a jurisdição, referindo-se ao poder de composição da lide, concentrava-se nas mãos de funcionários do império que tinham patentes militares. Os outros cargos eram simplesmente administrativos.

No que se refere aos censores e aos questores, ambos perderam a capacidade de jurisdição, sendo limitados ao exercício de cargos administrativos, como, por exemplo, a cobrança de taxas.

Por fim, os representantes da plebe foram sendo substituídos por funcionários imperiais. A edilidade deixou de existir e o tribunato passou a ter funções administrativas.


4. O Processo Civil Romano e sua evolução:

4.1. Introdução:

O processo civil romano destacava-se como um conjunto de normas que o cidadão romano deveria seguir para realizar seu direito. O direito subjetivo era tutelado pela ação, sendo a atividade processual através da qual o indivíduo concretizava a defesa de seu direito lesado, movendo, assim, toda a máquina judiciária através de atos ordenados, ou seja, através do processo. O processo romano não era autônomo e estava relacionado ao conceito do direito subjetivo material e à ação judiciária. As normas processuais eram baseadas no caráter substancial e o direito subjetivo não era entendido pelo seu conteúdo substancial, mas pela ótica da ação.

Direito e ação eram conexas dentro do ordenamento jurídico romano. Em toda a época clássica, percebe-se que o direito processual era um sistema mais enfatizado e enunciado que o sistema de direito material, havendo mais um sistema de ações e meios processuais do que de direitos subjetivos. Para cada direito correspondia uma ação específica. Na evolução processual romana, o poder de julgar era do rei inicialmente, no período republicano tal poder era dos cônsules e, posteriormente, passou a ser dos pretores.

Merece destaque o fato de que durante todo o direito romano, vigorou a figura da legítima defesa, porém a autodefesa privada passou a ser regulada e substituída pela tutela estatal.

A jurisdição romana não seguia a tripartição de poder estatal formulada por Montesquieu, de modo que estava ligada ao poder de império, fazendo com que o magistrado dissesse o direito no caso concreto. A jurisdição podia ser voluntária, quando havia um negócio jurídico, sem conflito, ou contenciosa, objetivando pacificar o conflito.

4.2. Evolução sintetizada da magistratura romana:

Com o passar do tempo, a magistratura romana foi se desenvolvendo de forma progressiva, considerando o aparecimento de novos magistrados.

Na realeza, não havia magistrados, já que o rei tinha o poder absoluto, podendo ser considerado como o único magistrado que ordenava o reino.

Na república, surgiram os cônsules e, em 367 a.C., a pretura restou criada, de modo que os pretores ficaram com a jurisdição contenciosa e os cônsules com a jurisdição graciosa ou voluntária e os Edis com a comercial.

Em 241 a.C., foram criados os pretores peregrinos na Itália e nas províncias, os governadores, formados pelos cônsules e pretores, e os questores (edis).

No século I a.C., havia os magistrados municipais nas demandas de pequenas causas, e os pretores detinham a responsabilidade sobre as causas de maior complexidade.

A partir de Diocleciano, em 284 d.C., os juízes da época foram divididos em instâncias: juízes inferiores de primeira instância e juízes superiores de segunda instância.

Por fim, deve ser considerado o fato de que Constantino concedeu aos bispos o poder jurisdicional, que restou revogado no século V d.C.

Inexistia em Roma a separação de poderes e, portanto, os juízes exerciam funções administrativas e militares. A competência jurisdicional dependia do território, da natureza e do valor da causa.

Os magistrados romanos não recebiam remuneração e tinham mandato de um ano. Tinham assessores que eram recrutados entre especialistas em direito. Os imperadores também tinham assessores.

4.3. Transformação da justiça privada em pública:

Inicialmente, os romanos primitivos realizavam a justiça com as próprias mãos, com o uso da força para a defesa do direito. Com o desenrolar do tempo, deu-se a passagem da justiça privada para a justiça pública. Tal evolução pode ser destacada em quatro etapas.

A primeira etapa de vingança privada predominava a lei de Talião: “olho por olho dente por dente”, estabelecida na Lei das XII Tábuas; a segunda era a fase do arbitramento facultativo que vigorou por toda a evolução do direito romano, havendo árbitros escolhidos sem a interferência estatal; a terceira caracterizava-se como a era do arbitramento obrigatório, compreendendo o sistema de ações da lei e o processo formulário, de modo que o Estado obrigava o litigante a escolher um árbitro que estipulava a indenização a ser paga pelo réu, passando também a vislumbrar a execução de sentença em face do ofensor inadimplente. Neste período, a instância de dividia em duas: a que se desenrolava no tribunal do magistrado e a outra que se processava diante de um particular escolhido pelos litigantes para julgamento; por fim, a quarta fase se destacou como sendo da justiça pública, formada pelo processo extraordinário, de modo que a instância se desenvolvia apenas diante de um juiz estatal.

No direito romano, ainda permanecem alguns mecanismos de defesa de direito sem o uso do aparato estatal, como é o caso da legítima defesa e a autodefesa privada ativa, no caso em que o proprietário poderia retirar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele estivessem sem autorização.

4.4. Os Três períodos que marcaram a história do processo civil romano:

4.4.1. O processo das ações da lei (legis actiones):

A principal característica de tal período foi a acentuada solenidade de um procedimento absolutamente oral. As normas procedimentais eram minuciosas, devendo ser seguidas. Em caso de desobediência e não cumprimento das normas de procedimento, o processo era anulado, podendo a parte faltosa ser condenada à perda da ação. As ações da lei eram instrumentos processuais dos cidadãos romanos com o objetivo de salvaguardar os direitos subjetivos. Os atos eram rígidos e as ações tornavam a forma da própria lei.

Aqui havia o sistema do arbitramento obrigatório, uma vez que o Estado obrigava a escolha do árbitro pelos litigantes e também assegurava a execução da decisão final.

O julgamento era realizado em duas instâncias, vigorando a ordem dos processos civis. A primeira fase era formulada perante o magistrado, presentes as partes e acompanhadas de parentes ou amigos. O autor formulava o pedido e o magistrado ouvia o réu. A seguir, era concedida ou não a ação, entre as cinco modalidades existentes: sacramentum, Iudicis postulatio, condictio, manus injectio e pignoris capio.

A ação de nome sacramentum era uma ação declaratória, constituída por um valor comprometido ao magistrado, que era perdido pela parte sucumbente. Era uma ação de caráter geral e abstrata, não necessitando que o autor justificasse o direito pleiteado. Variava conforme o valor do objeto da demanda. Era uma espécie de pena pecuniária imposta ao litigante que não demonstrasse o seu direito. As partes não depositavam o sacramentum, mas se obrigavam a pagá-lo junto ao magistrado em caso de derrota. O contraditório travado entre as partes não tinha como escopo a propriedade do bem e sim a causa em que se fundava a vindicação.

A iudicis postulatio foi uma ação declaratória e não abstrata, já que o autor deveria demonstrar o fundamento da revindicação. Foi implantada como substituição ao sacramentum, sendo o meio pelo qual os litigantes indicavam um árbitro ao pretor para resolução dos conflitos. Era utilizada para a divisão de herança, para cobrança de crédito e para divisão de bens comuns. Não estabelecida pena para o litigante temerário.

A condictio era a convocação em juízo para pagamento em dinheiro ou entrega de uma coisa certa. A ação era mais simples e rápida, sendo utilizada para tutelar créditos, tendo a característica de ser abstrata, não precisando o autor declarar o fundamentos do crédito.

A manus injectio assemelhava-se com o processo de execução, de modo que a pessoa devedora ficava a mercê do credor que podia vendê-la como escravo ou matá-la. Era destinada a fazer valer a sentença obtida em ação de declaração. É uma das mais antigas ações de lei. Somente poderia ser utilizada para a cobrança de quantia certa. Era uma lei rudimentar e rude, já que determinava a morte do devedor caso ele não pagasse a dívida.

Finalmente, a pignoris actio se referia a assuntos religiosos, fiscais e militares. Essa ação não se desenrolava perante o magistrado e não requeria a presença do adversário, podendo ainda ser instaurada em dias nefastos. Tratava-se de uma tutela extrajudicial, colocando o credor em posição de vantagem com relação ao devedor. Era usada em relação a certas dívidas que eram estipuladas em face dos costumes e da lei.

Depois de encerrada a primeira fase, sendo concedido o direito de ação, iniciava-se a segunda fase chamada in iudicio. Em tal fase os litigantes pediam ao magistrado para que seja feita a nomeação do juiz popular. Com tal nomeação, o juiz popular tinha a incumbência de formar livremente a sua convicção para a prolação da sentença. Os atos solenes eram repetidos na segunda fase.

4.4.2. O processo das fórmulas (per formulas):

O processo formulário perdurou de 149 a.C. até o século II d.C.. Referido processo era formado por duas fases: a realizada diante do magistrado e a perante o juiz popular. Destacava-se um procedimento mais simples formalmente e mais rápido. As regras de procedimento não são tão rígidas e são adaptadas às reclamações da comunidade. Aqui surge o documento escrito, a fórmula, diferentemente do processo das ações, a qual fixa os pontos controvertidos, outorgando ao juiz popular a competência para condenação e absolvição do réu. A fórmula era um esquema abstrato e a partir da qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento pelo magistrado fixando o objeto da demanda. O julgamento do juiz leigo limitava-se à fórmula da ação concedida na primeira fase. Os esquemas inflexíveis das ações da lei são substituídos pelo processo de fórmulas.

No tocante ao detalhamento procedimental que era realizado na primeira fase do processo formulário, deve ser ressaltado que o autor e réu compareciam perante o pretor que ouvia o pedido do autor e a contestação do réu e tudo era feito oralmente. Ao expor o pedido, o autor já indicava a fórmula que correspondia ao tipo de ação que iniciava. As fórmulas estavam contidas nos editos dos magistrados. Concedida a ação, o autor recebia a fórmula escrita pelo magistrado em uma pequena tábua de madeira onde também estava escrito o nome do árbitro escolhido. Era estabelecida, portanto, a litis contestatio, de modo que a partes eram obrigadas a permanecer em juízo até a decisão final. (GIRARDI, 1997, p.88)

Na segunda fase, havia a vinculação da decisão do juiz popular ao descrito na fórmula, devendo o julgamento ocorrer conforme previa a litis contestatio. Em tal fase, ocorria a renovação da exposição de fatos perante o juiz nomeado que colhia a prova e alegações. O julgamento podia ser declaratório, constitutivo ou condenatório. Com o procedimento das fórmulas, as decisões dos juízes leigos ou populares restaram limitadas ao que foi demarcado pelos magistrados estatais. (MACEDO, 2005, p.35)

4.4.3 O processo extraordinário (cognitio extraordinaria):

O processo extraordinário não se desenrolava perante duas fases como o anterior, tornando-se a regra procedimental quando o Imperador Diocleciano extinguiu o processo das fórmulas. Todo o processo tramitava diante de magistrados estatais que decidiam a controvérsia.

O processo se desvincula do direito privado, passando a ser guiado pelo direito público. Há o desaparecimento da fórmula como instituto jurídico processual. A sentença agora pode ser objeto de recurso, já que é proferida por um juiz estatal que é subordinado aos seus superiores. A sentença prolatada pode ser executada com auxilio de força pública, já que foi proferida por um funcionário do Estado. (MOREIRA ALVES, 1971, p.271)

Tal procedimento se assemelhava ao que existe hoje, uma vez que a pretensão era exposta ao juiz público estatal e, caso a deferisse, mandava citar o réu para se defender em juízo. Da sentença cabia apelação. O processo escrito se tornou a regra, tendo os argumentos reduzidos a termo.

O Imperador era a representação suprema do Estado e, portanto, a sentença de primeiro grau de jurisdição não era objeto de recurso caso fosse proferida pelos altos funcionários que tinham autoridade de império.

Sobre o autor
Nelmo Versiani

Mestre em Direito pela UFSC; Tetra Especialista em Direito pela PUCMG/Damásio Floripa/UGF-Rio; Oficial de Justiça Avaliador do TJSC; Professor de Direito Processual; Pesquisador Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERSIANI, Nelmo. A jurisdição romana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4534, 30 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44904. Acesso em: 5 dez. 2024.

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