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Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos: discussões doutrinárias e jurisprudenciais

Agenda 01/12/2015 às 19:21

A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos é um tema controverso, que comporta diversos posicionamentos doutrinários, sustentados em tentativas de encaixe da noção de responsabilização estatal nas teorias basilares da responsabilidade civil subjetiva e objetiva.

RESUMO: A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos é um tema controverso, que comporta diversos posicionamentos doutrinários, sustentados em tentativas de encaixe da noção de responsabilização estatal nas teorias basilares da responsabilidade civil – a subjetiva e a objetiva. Fato é que a determinação da responsabilidade do Estado tem histórico próprio, desde a impossibilidade de responsabilização até a responsabilização objetiva, e estabelece lógicas também próprias de organização. São as particularidades do âmbito em que se insere esse tipo de responsabilidade que servem de combustível às discussões a seguir.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil. Responsabilidade do Estado. Responsabilidade objetiva. Responsabilidade subjetiva.

ABSTRACT: The civil liability of the State for omissions is a contentious theme, that carries varied doctrinaire positioning, sustained on attempts of fitting the notion of State liability on fundamental theories of civil liability – the fault and the strict liabilities. It is a fact that the determination of the State’s liability has its own history, from the impossibility of charging the State until the strict liability concept, and it establishes proper logics for its organization as well. It is the peculiarities of the sphere where this kind of liability is set that serves as verve for the following discussions.

KEY WORDS: Civil liability. State liability. Strict liability. Fault liability.

1.INTRODUÇÃO

A teoria moderna que trata da Administração Pública prediz que ao Estadosão imputadas as condutas praticadas por agente públicos no exercício de suas atribuições. A partir disto, denota-se que o Estado responderá pelos prejuízos causados pelos agentes públicos a particulares em face do exercício da função administrativa. Tal responsabilidade é civil, devido à natureza patrimonial dos prejuízos causados, e estes danos podem ser materiais, morais ou estéticos (MAZZA, 2012).

O tema da Responsabilidade da Administração Pública ou Responsabilidade do Estado, haja vista não haver uma denominação comum a ser usada em toda a doutrina, é disciplina constitucionalmente disciplina no artigo 37, §6º. De acordo com Góis (2007), a segunda denominação é a mais acertada, pois há casos em que haverá responsabilização do Estado por atos judiciais e legislativos, e não somente por sua atuação administrativa. Do trecho legal mencionado, tira-se a característica objetiva da responsabilidade do Estado e vale também destacar a necessidade da existência concomitante do dano, da ação administrativa e do nexo de causalidade entre estes.

No presente trabalho, portanto, pretende-se fazer um breve estudo acerca da Responsabilidade civil do Estado, especificamente por seus atos omissivos, mas antes apresentando o conceito mais geral sobre o tema e mencionando um breve histórico do mesmo. Por fim, discutir-se-ão as teorias divergentes – a saber, teoria objetiva e teoria subjetiva, e qual o entendimento que prevalece no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.

2.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A Responsabilidade Civil possui sua origem no Direito Civil e é também chamada de responsabilidade extracontratual, por estar vinculada a danos sofridos em relações jurídicas de sujeição geral. Segundo Alexandrino & Vicente Paulo (2011), ela consubstancia-se na obrigação de indenizar um dano patrimonial ou moral decorrente de um fato humano [...] e no direito privado, a regra geral é a necessidade de estarem presentes os seguintes elementos:

  1. Uma atuação lesiva culposa ou dolosa do agente; sendo que a culpa é entendida aqui em seu sentido amplo (dolo, intenção) e restrito (negligência, imprudência ou imperícia);
  2. Haver ocorrido um dano patrimonial ou moral; e
  3. O nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. É necessário que o dano efetivamente tenha acontecido em decorrência da ação do agente ou de sua omissão ilícita (caso de dever de agir).

Em Direito Público, a responsabilidade civil do Estado destaca-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em nome do próprio Estado, isto é, na condição de agentes públicos, causem a particulares. Fala-se de uma reparação econômica dos danos patrimoniais. Como relembra MAZZA, “essa noção de imputação é reforçada também pelo princípio da impessoalidade, que assevera ser a função administrativa exercida por agentes públicos ‘sem rosto’, por conta da direta atribuição à Administração Pública das condutas por eles praticadas” (2012, p. 289).

É importante frisar que a responsabilidade civil não pode ser confundida com as responsabilidades administrativa e penal, as quais são três âmbitos diversos de responsabilização, podendo suas respectivas sanções serem aplicadas separada ou cumulativamente de acordo com as circunstâncias de cada caso. Alexandrino & Vicente Paulo (2011) explicitam cada uma:

A responsabilidade penal resulta da prática de crimes ou contravenções tipificados em lei prévia ao ato ou conduta. Já a responsabilidade administrativa decorre de infração, pelos agentes da Administração Pública – ou por particulares que com ela possuam vinculação jurídica específica, sujeitos, portanto, ao poder disciplinar -, das leis e regulamentos administrativos que regem seus atos e condutas (p. 752).

No ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil é norteada pelo princípio da causalidade adequada ou princípio do dano direto e imediato, segundo o qual ninguém pode ser responsabilizado por algo a que não tenha dado causa. Apenas se considera causa o evento que gerou concreta e diretamente o fim danoso, ou seja, só origina responsabilidade civil o nexo causal direto e imediato, portanto, deve haver ligação lógica direta entre a conduta comissiva ou omissiva e o dano efetivo. Dependendo do referencial analisado, a responsabilidade civil pode apresentar-se sob várias espécies. Por exemplo, quanto ao seu fundamento, pode ser subjetiva ou objetiva.

2.1. Responsabilidade Civil do Estado por atos omissivos

No que se refere às ações comissivas do Estado, este responderá objetivamente. Entretanto, quando se fala das ações omissivas, isto ainda é assunto de divergentes questionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Em tópico adiante no trabalho, este assunto será melhor explanado.

3.BREVE HISTÓRICO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Em cada país a evolução histórica da responsabilidade civil seguiu uma caminhada própria. Neste trabalho, destacar-se-á as etapas históricas dos países ocidentais europeu e, dentre estes, o Brasil.

A teoria da responsabilidade do Estado passou por três fases principais até chegar ao estágio moderno, são elas: 1) teoria da irresponsabilidade estatal; 2) teoria da responsabilidade subjetiva; 3) teoria da responsabilidade objetiva. A teoria da responsabilidade estatal durou até o ano de 1873 e era própria dos Estados Absolutistas. Hoje em dia, não há mais nenhum país do ocidente que adote tal teoria. Nestes, a vontade do rei tinha força de lei. Imperava naquela época a concepção político-teológica que dava suporte à origem divina do poder. Sendo assim, a exacerbação da ideia de soberania impedia admitir que os súditos pudessem reivindicar indenizações por danos decorrentes da atuação do governo.

Por isso, eventuais prejuízos causados pelo Estado deveriam ser atribuídos à providência divina e, se Deus não erra, o atributo da inerrância se estendia aos governantes nomeados por Ele. [...] O período da irresponsabilidade estatal começou a ser superado por influência do direito francês. Em 17 de fevereiro de 1800, ou 28 de Pluvioso do ano VIII no calendário pós--revolucionário, foi promulgada uma lei francesa disciplinando o ressarcimento de danos advindos de obras públicas. Mas o grande evento que motivou a superação da teoria da irresponsabilidade foi a decisão de 8 de fevereiro de 1873, tomada pelo Tribunal de Conflitos na França, conhecida como Aresto Blanco (MAZZA, 2012, p. 291).

A teoria da responsabilidade objetiva durou de 1874 até 1946 foi a primeira tentativa de explicar acerca do dever do Estado de indenizar particulares por prejuízos realizados por seus agentes públicos. Para isto, a teoria do fisco teve importante papel como uma concepção política que embasava o Estado como tendo dupla personalidade, uma de pessoa soberana e outra de pessoa exclusivamente patrimonial. Vale ressaltar que, de forma excepcional, a teoria subjetiva ainda é aplicada no direito brasileiro, quanto aos danos por omissão e na ação regressiva.

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A teoria subjetiva estava apoiada na lógica do direito civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é a noção de CULPA. Daí a necessidade de a vítima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal; d) culpa ou dolo [...] Embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva. Foi necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibrada entre o Estado e o administrado (MAZZA, 2012, p. 292).

Por último, a teoria da responsabilidade objetiva que perdura até os dias de hoje, fundamente o dever de indenizar justamente na noção de risco, afastando assim a necessidade de comprovação de culpa ou dolo do Estado. E ainda:

A doutrina costuma afirmar que a transição para a teoria publicista deveu -se à concepção de culpa administrativa, teoria que representou uma adaptação da visão civilista à realidade da Administração Pública. Via de regra, a adoção da teoria objetiva transfere o debate sobre culpa ou dolo para a ação regressiva a ser intentada pelo Estado contra o agente público, após a condenação estatal na ação indenizatória. Foi o que aconteceu no Brasil após a Constituição Federal de 1946: a discussão sobre culpa ou dolo foi deslocada para a ação regressiva. É o que se infere da norma contida no art. 194 da Constituição Federal de 1946, cujo conteúdo foi reproduzido nas constituições seguintes: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber -lhes -á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes” (MAZZA, 2012, p. 292-293).

4.ART. 37, § 6º - A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 A determinação da Constituição Federal de 1988 acerca da responsabilidade civil do Estado é feita em seu art. 37, § 6º: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Sobressai-se, no texto acima, o estabelecimento da teoria do risco administrativo como teoria basilar de responsabilização civil do Estado. A teoria em questão sustenta que, havendo nexo de causalidade entre a atuação do agente público e a lesão a terceiro, a responsabilização civil do Estado é cabível, nos moldes dos parâmetros indicados pela responsabilidade objetiva. Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta esta responsabilização, escrevendo que o Estado, na representação da coletividade, acarreta ônus e bônus à sociedade, e ambos devem ser igualmente distribuídos a todos.

Em linhas gerais, a responsabilização do Estado procura distribuir à sociedade inteira o ônus suportado por alguns, resultado da atuação da administração do Estado. Por esse motivo, entende o doutrinador que o princípio fundamental da responsabilidade objetiva estatal é o princípio da igualdade, promotor da isonomia de distribuição de ônus e bônus criados pela atividade do Estado.

Há que se observar, no entanto, que a aceitação da teoria do risco no ordenamento brasileiro comporta a sua aplicação de forma temperada, não absoluta. Significa afirmar que as situações de exclusão do nexo causal – força maior, caso fortuito, etc. – também descaracterizam a responsabilidade do Estado. Ademais, a relatividade da teoria do risco é igualmente aplicável aos casos de causas concorrentes. Não se deve imputar ao Estado a responsabilização pela parte do dano a que aquele, por meio de seus agentes, não tenha dado causa. Deve-se explicar que não se trata de culpa concorrente, uma vez que a responsabilidade em pauta é objetiva, mas sim de haverem causas variadas para a lesão que se estiver analisando.

De outro modo, a qualificação da responsabilidade civil do Estado exige que o comportamento causador do dano tenha sido realizado pelo agente público de forma atrelada à função, ao cargo ou à atividade administrativa que ele exerça. O professor Sérgio Cavalieri Filho aponta, como relação mínima necessária, entre o ato praticado pelo agente e a sua atividade pública, para evidenciar a responsabilidade estatal, que aquele – o ato – tenha sido, pelo menos, possibilitado por esta – a atividade. O mínimo caracterizador da responsabilidade é, então, que a função, cargo ou atividade pública oportunize o comportamento danoso.

5.A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Dessa forma, observa-se, no que tange a responsabilidade civil aplicada a atos comissivos causadores de dano, homogeneidade doutrinária no sentido de que essa responsabilidade tem caráter objetivo. Entretanto, quanto à conduta estatal omissiva associada a uma lesão, a literatura jurídica se manifesta de modos variados.

Segundo Hely Lopes Meirelles, a responsabilidade do Estado é sempre objetiva, tanto quando aplicada ação como a omissão. Yussef Said Cahali também se posiciona nesse sentido, afirmando que basta, em qualquer dos casos, somente a existência de nexo de causalidade interligando a atuação administrativa e o dano. A determinação de culpa seria sempre irrelevante sob essa ótica.

A lógica descrita por Celso Antônio Bandeira de Mello é diversa. O jurista escreve que a omissão, por não configurar uma ação em sentido estrito, tem relevância somente quando se refere ao descumprimento de uma obrigação de evitar o dano. Importa dizer que a simples ausência de ação, combinada ao dano, por meio de nexo causal, não configura responsabilidade. É necessário, para isso, que o Estado tenha incorrido em ilicitude, que tenha se omitido por culpa lato sensu, seja dolo ou culpa – segundo a caracterização da responsabilidade subjetiva. 

Cavalieri Filho, de outra forma, escreve que a responsabilização subjetiva do Estado é possível, quando, tratando-se de comportamentos omissivos, estes têm caráter genérico. Explica-se: o doutrinador em questão classifica a conduta comissiva em dois tipos, a omissão específica e a omissão genérica. Em que a omissão específica se caracteriza por oportunizar o acontecimento de um evento danoso, em uma situação em que era dever do Estado evitar a ocorrência de tal lesão. Enquanto a omissão genérica se evidencia nas situações em que não cabe ao Estado assumir postura para evitar aquele dano específico.

Em resumo, a distinção escrita pelo professor Cavalieri Filho é entre existir obrigação de agir e não fazê-lo e a obrigação geral de impedir o dano. No primeiro caso, de ocorrência de omissão específica, Cavalieri Filho aponta a responsabilização civil objetiva como adequada, por que, segundo ele mesmo afirma, a omissão representa causa direta e imediata do dano gerado. Todavia, se a omissão é genérica, a responsabilização acertada seria a subjetiva.

6.JURISPRUDÊNCIA

O Supremo Tribunal Federal- STF e o Superior Tribunal de Justiça - STJ não apresentam um entendimento uniforme a respeito da teoria adotada para ensejar a responsabilização do Estado por omissões.

Nos julgados abaixo arrolados, o STF utiliza a teoria da responsabilidade subjetiva para que se configure a responsabilidade do Estado por atos omissivos, de modo que o Estado só será responsabilizado quando omitir-se do dever legal de impedir a consumação do dano:

Agravo regimental EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO CULPOSA. RELEVÂNCIA DA CULPA ‘IN VIGILANDO’ NA PRODUÇÃO DO RESULTADO DANOSO. DISCUSSÃO EMINENTEMENTE FÁTICA. ENUNCIADO 279 DA SÚMULA/STF. Agravo regimental a que se nega provimento’ (RE nº 461.073/RS-AgR, Segunda Tuma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 2/12/10).

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 37, § 6º, CF/88. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. FALTA DE CONSERVAÇÃO E MANUTENÇÃO DE ÁREA PÚBLICA. QUEDA DE ÁRVORE. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS: SÚMULA STF 279. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 5º, LIV, DA CF/88. OFENSA REFLEXA. 1.O Tribunal a quo, a partir da análise dos fatos e das provas dos autos, concluiu que houve omissão, imputável ao poder público, que detinha o dever de conservação e manutenção de árvore, e concluiu pela responsabilidade subjetiva do agravante pelos danos causados à autora. Incidência, na espécie, da Súmula STF 279. 2. A jurisprudência dessa Corte está sedimentada no sentido de que as alegações de ofensa a incisos do artigo 5º da Constituição Federal – legalidade, prestação jurisdicional, direito adquirido, ato jurídico perfeito, limites da coisa julgada, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e juiz natural – podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI nº 830.461/PA-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 16/8/11).

‘CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. OMISSÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CRIME PRATICADO POR FORAGIDO. ART. 37, § 6º, CF/88. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. 1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugitivo. Precedentes. 2. A alegação de falta do serviço - faute du service, dos franceses - não dispensa o requisito da aferição do nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder público e o dano causado. 3. É pressuposto da responsabilidade subjetiva a existência de dolo ou culpa, em sentido estrito, em qualquer de suas modalidades - imprudência, negligência ou imperícia. 4. Agravo regimental improvido’ (RE nº 395.942/RS, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Dje de 27/2/09).

            Por sua vez, em outros julgados, o STF ancorou-se na teoria da responsabilidade objetiva quando da prática de atos omissivos pelo poder público, que, conforme já exposto, configura-se quando presente o ato omissivo, dano e nexo de causalidade entre eles:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ESTABELECIMENTO DE ENSINO. INGRESSO DE ALUNO PORTANDO ARMA BRANCA. AGRESSAO. OMISSAO DO PODER PUBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL DEMONSTRADOS NA ORIGEM. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. Precedentes.1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público.37§ 6ºConstituição Federal2. O Tribunal de origem concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que restaram devidamente demonstrados os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado.3. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF.4. Agravo regimental não provido.

(697326 RS , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 05/03/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO -EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSOS DE AGRAVO -CUMULATIVA INTERPOSIÇÃO DE DOIS (2) RECURSOS CONTRA A MESMA DECISÃO, FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS -INADMISSIBILIDADE -OFENSA AO POSTULADO DA SINGULARIDADE DOS RECURSOS -NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO -EXAME DO PRIMEIRO RECURSO -RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO -ELEMENTOS ESTRUTURAIS -PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO -DANOS MORAIS E ESTÉTICOS -RESSARCIBILIDADE -DOUTRINA -JURISPRUDÊNCIA -RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO37§ 6ºCONSTITUIÇÃO. - O princípio da unirrecorribilidade, ressalvadas as hipóteses legais, impede a cumulativa interposição, contra o mesmo ato decisório, de mais de um recurso. O desrespeito ao postulado da singularidade dos recursos torna insuscetível de conhecimento o segundo recurso, quando interposto contra a mesma decisão. Doutrina. Precedentes. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido.

(655277 MG , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 24/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012)

           

A mesma falta de uniformidade de entendimento permeia os julgados do STJ:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL - ANIMAL NA PISTA - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - INOCORRÊNCIA - LEGITIMIDADE DA UNIÃO E DO DNER - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - OMISSÃO - OCORRÊNCIA DE CULPA - PENSIONAMENTO - TERMO A QUO - REVISÃO DOS DANOS MORAIS - IMPOSSIBILIDADE - PROPORCIONALIDADE.535CPC1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem analisa adequada e suficientemente a controvérsia objeto do recurso especial.535CPC2. Legitimidade do DNER e da União para figurar no polo passivo da ação.3. Caracterizada a culpa do Estado em acidente envolvendo veículo e animal parado no meio da rodovia, pela ausência de policiamento e vigilância da pista.4. O termo a quo para o pagamento do pensionamento aos familiares da vítima é a data da ocorrência do óbito.5. Manutenção do valor fixado nas instâncias ordinárias por dano moral, por não se revelar nem irrisório, nem exorbitante.6. Recurso especial não provido.

(1198534 RS 2010/0114221-6, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 10/08/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2010)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO CARACTERIZADA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Na hipótese dos autos, as recorridas ajuizaram ação ordinária visando à condenação do Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização pelos danos que suportaram com o suicídio de um parente em uma cela de presidiária. 2. O Tribunal de origem não condenou o Poder Público, em razão da ausência de nexo de causalidade entre eventual omissão estatal e o falecimento do preso. 3. Contudo, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que não é necessário perquirir eventual culpa/omissão da Administração Pública em situações como a dos autos, já que a responsabilidade civil estatal pela integridade dos presidiários é objetiva em face dos riscos inerentes ao meio em que eles estão inseridos por uma conduta do próprio Estado. 4. Agravo regimental não provido

(1305259 SC 2012/0034508-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 02/04/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/04/2013)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. SUBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.535CPC71. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 535CPC2. A responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. 3. Hipótese em que, conforme se extrai do acórdão recorrido, ficou demonstrado a existência de nexo causal entre a conduta do Estado e o dano, o que caracteriza o ato ilícito, devendo o autor ser indenizado pelos danos suportados. Rever tal posicionamento requer, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ por esbarrar no óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (302747 SE 2013/0070835-8, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 16/04/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/04/2013)

CONCLUSÃO

            O Estado pode causar danos, sejam patrimoniais ou morais, a particulares, mediante atos comissivos ou omissivos. Quando pratica ato comissivo que produz dano, a sua responsabilização civil configura-se com a presença do nexo de causalidade entre ato do Poder Público e o dano provocado à terceiro, uma vez que, nesses casos, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva.

 Quando se trata de responsabilidade por atos omissivos do Estado, por sua vez, a questão deixa de ser pacífica, conforme demonstrados exaustivamente os posicionamentos divergentes tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial a respeito da teoria da responsabilidade que deve ser adotada para que o lesado tenha o direito a reparação de prejuízos, ou seja, para que faça jus à devida indenização.

Em que pese a falta de consenso, diante de todo o exposto, esse trabalho alinha-se à corrente defendida por Celso Antônio Bandeira de Melo e José dos Santos Carvalho Filho, a qual  propala que um fato só será passível de gerar a responsabilidade civil do Estado quando representar o descumprimento pelo Poder Público do dever legal de evitar um dano (omissão culposa), ou seja, a responsabilidade do Estado por atos omissivos deve ser subjetiva. Essa conclusão decorre de um raciocínio simples: se o Estado não praticou o ato que ensejou o dano, ele só pode ser responsabilizado se descumprir o dever legal de evitar o resultado danoso.

REFERÊNCIAS

GÓIS, Ewerton M. O. A responsabilidade civil do estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/10/docs/3_-_a_responsabilidade_civil_do_estado_por_atos_omissivos_e_o_atual_entendimento_do_supremo_tribunal_federal.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2013.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011

Sobre a autora
Sthela Pinheiro dos Santos

Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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