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A necessidade de defesa prévia no impeachment

Agenda 09/12/2015 às 08:15

O artigo discute, no caso da Presidente Dilma Rousseff, recente mandado de segurança ajuizado onde se questiona a necessidade de defesa prévia no impeachment.

O deputado Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA) protocolou na manhã do dia 3 de dezembro do corrente, mandado de segurança preventivo contra o rito de impeachment aberto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo ele, não foi dado o direito a defesa prévia para a presidente Dilma Rousseff. O objeto do mandato de segurança é a ausência de oportunidade de defesa prévia para a Presidente Dilma Rousseff.

Observou-se a ilegitimidade ativa para o ajuizamento da ação, da correta posição tomada pelo Ministro Celso de Mello a quem foi distribuído o feito. O Ministro Celso de Mello rejeitou a ação apresentada pelo deputado Rubens Júnior (PCdoB-MA), com o argumento de que o parlamentar não tinha legitimidade jurídica para propor a ação. Não se pode entrar com uma ação, em seu nome, para defender interesse alheio, pois ele não é substituto processual e esse instituto somente se aplica nas hipóteses legalmente existentes.
No mérito, penso que não teria chance o pleiteante.

Paulo Brossard (O impeachment, 3º edição, pág. 144) ensinava que outorgava-se poderes, no procedimento de impeachment, para a Câmara acusar e ao Senado para julgar. Mas, mesmo sendo um procedimento misto, de ordem politico-criminal, o impeachment não pode marchar a margem da lei. Deve o Judiciário tomar as providências cabíveis para o fiel cumprimento da Constituição.
No impeachment do Presidente Collor de Mello, a Corte superou o debate que havia sobre a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal vir a exercer um controle do processo.

No julgamento do MS 21.564 – DF, a Corte reiterou esse entendimento ficando vencido o Ministro Paulo Brossard, que entendia o procedimento, dentro da doutrina americana, como eminentemente político.

Há pela Lei 1.079/50, que foi editado com base na Constituição de 1946, dois diferentes juízos a serem realizados pela Câmara dos Deputados: um, primeiro, de simples admissibilidade da denúncia e outro de juízo de pronúncia (iudicium accusationis). Para o primeiro, não dispensava maiores cuidados com a abertura de oportunidade de defesa da autoridade acusada na denúncia, pois seria após a simples deliberação ou admissibilidade que se formalizaria o processo e com ele, tecnicamente, a condição de acusado, abrindo-se prazo para a defesa.

Veja-se, da análise do regimento, o prazo que é dado pelo artigo 217, § 1º, I, que estipulava o prazo de dez sessões para o acusado ou seu defensor apresentar defesa escrita e indicar provas perante a Comissão processante nos casos de crimes comuns.

Fala-se nesse direito a defesa prévia.

Haveria dever de incluí-la, na fase preambular do procedimento? Dar-se-ia o mesmo que se dá nos casos do procedimento criminal? Afinal, não estamos, na fase de procedimento da Câmara dos Deputados, em falar em julgamento, mas em etapa de acusação. 

É certo que o Supremo Tribunal Federal apresenta decisões que levam a se entender que a nova ritualística do Código de Processo Penal esvaziou, por completo, as razões que justificavam a notificação prévia, como ocorre no procedimento especial para crimes cometidos pelo servidor público. Veja-se o julgamento da Ação Penal 563, Relator Ministro Celso de Mello:

b) Arguição de nulidade processual por suposta transgressão ao que dispõe o art. 514 do CPP

De outro lado, também não procede a arguição de nulidade processual decorrente da inobservância, pelo magistrado processante, da disciplina ritual prevista no art. 514 do CPP, concernente aos crimes funcionais afiançáveis.

É que, no caso, como bem assinalou o magistrado sentenciante, aplicou-se ao processo em referência ordem ritual mais favorável aos acusados, pois a persecução penal em questão regeu-se pelas etapas procedimentais disciplinadas no Código de Processo Penal (arts. 396 a 405), na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, que instituiu, entre outras significativas inovações que claramente beneficiaram os acusados em geral, inclusive os ora apelantes, a fase do contraditório prévio, que permite a qualquer réu a possibilidade de “arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário” (CPP, art. 396-A).

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Já tive o ensejo de assinalar, nesta Suprema Corte (HC 115.441/MT e HC 115.753/SC, de que sou Relator), que a reforma processual penal estabelecida por legislação editada em 2008 revelou-se mais consentânea com as novas exigências estabelecidas pelo moderno processo penal de perfil democrático, cuja natureza põe em perspectiva a essencialidade do direito à plenitude de defesa e ao efetivo respeito, pelo Estado, da prerrogativa ineliminável do contraditório.

Bem por isso, a Lei nº 11.719/2008, ao reformular a ordem ritual nos procedimentos penais, instituiu fase preliminar caracterizada pela instauração de contraditório prévio, apto a ensejar ao acusado a possibilidade de arguir questões formais, de discutir o próprio fundo da acusação penal e de alegar tudo o que possa interessar à sua defesa, além de oferecer justificações, de produzir documentos, de especificar as provas pretendidas e de arrolar testemunhas, sem prejuízo de outras medidas ou providências que repute imprescindíveis.

Com tais inovações, o Estado observou tendência já consagrada em legislação anterior, como a Lei nº 10.409/2002 (art. 38) e a Lei nº 11.343/2006 (art. 55), cujas prescrições viabilizaram a prática de verdadeiro contraditório prévio, no qual o acusado pode invocar todas as razões de defesa – tanto as de natureza formal quanto as de caráter material.

Tenho por relevante, por isso mesmo, esse aspecto da questão, uma vez que o magistrado federal de primeiro grau, no caso em exame, ordenou a citação dos denunciados, ora apelantes, para que oferecessem resposta à denúncia do Ministério Público Federal, ensejando, assim, a possibilidade do contraditório prévio a que se referem os arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, o que afasta a alegação de prejuízo, de qualquer prejuízo, para a defesa dos acusados.

É que, tal como anteriormente enfatizado, esse novo modelo ritual tornou lícita a formulação, em mencionada resposta prévia, de todas as razões, de fato ou de direito, inclusive aquelas pertinentes ao mérito da causa, reputadas essenciais ao pleno exercício da defesa pelo acusado, como assinala, com absoluta correção, o magistério da doutrina (PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 374/375, 4ª ed., 2009, Forense; ANDREY BORGES DE MENDONÇA, “NovaReforma do Código de Processo Penal”, p. 260/264, 2ª ed., 2009, Método; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 2/228-229, 14ª ed., 2012, v.g.), valendo mencionar, no sentido ora exposto, a lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER (“Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 893/894, 3ª ed., 2011, Lumen Juris):

De qualquer forma, entendemos que o procedimento previsto nos arts. 513 a 518 do CPP restou incompatível e não mais aplicável com a superveniência da Lei 11.719/2008.
Como destacamos quando da análise do art. 396, CPP – e ora reproduzimos –, as alterações introduzidas pela Lei nº 11.719/2008 foram substanciais no procedimento processual penal, tudo com a finalidade de modernizá-lo e tentar compatibilizá-lo ao sistema constitucional vigente. Não que o sistema anterior fosse incompatível nessa parte com a Constituição (em nossa compreensão, era), mas se procurou ‘ampliar’ os meios de defesa e as possibilidades de controle jurisdicional em primeiro grau como forma de evitar a instauração de ações penais sem antes propiciar ao acusado a apresentação de sua versão sobre os fatos imputados. De certo modo, era o que previa o disposto no art. 514, CPP (mas limitadas, na lítera da lei, às situações em que a imputação era de crimes afiançáveis praticados por servidores públicos), embora aqui o ‘recebimento’ da denúncia se dava posteriormente ‘à defesa prévia’, consoante o art. 516, CPP.

Encontram-se alguns posicionamentos doutrinários no sentido de que deveriam ser ‘compatibilizados’ os ritos previstos nos arts. 514 a 518, CPP, e 394 e seguintes, CPP. Segundo difundido, da conjugação dos dispositivos, oferecida a denúncia deveria ser, automaticamente, propiciado ao acusado (mediante ‘notificação’) oferecer a ‘defesa preliminar’ a que alude o art. 514, CPP. Entendendo ausentes os requisitos essenciais, deveria o juiz rejeitar a denúncia. Caso contrário, recebê-la-ia com fundamento no art. 517, CPP. Na sequência seria então citado o (agora) réu para apresentar a resposta escrita no prazo de 10 (dez) dias, podendo, ainda, o juiz absolvê-lo sumariamente nas hipóteses mencionadas no art. 397, CPP.

Não há qualquer razão lógica ou jurídica (salvo a leitura isolada do procedimento previsto no art. 514, CPP, e uma concepção absolutamente formalista) para justificar o procedimento acima proposto. A mais não poder, como já anunciado, a novel sistemática amplificou sobremaneira a possibilidade de o réu exercer sua defesa no processo, possibilitando-se inclusive a absolvição sumária. A defesa prévia aqui prevista não tem mais qualquer utilidade. Aliás, na prática (o processo é ‘também’ a ‘realidade’ das coisas), na grande maioria dos casos, já não tinha qualquer efeito prático.
Portanto, com as alterações procedimentais, o rito previsto agora também para os delitos praticados por funcionários públicos é o ordinário, cujo procedimento determina que:

a) a peça acusatória poderá ser rejeitada por questões processuais alinhadas no art. 395, CPP;

b) se não for o caso, a denúncia ou a queixa será recebida, determinando-se a citação do acusado para a apresentação de resposta escrita no prazo de 10 (dez) dias (observado que pode haver hipótese de suspensão condicional do processo – art. 89, Lei 9.099/95);

c) com a resposta, o juiz poderá absolver sumariamente o acusado, nas hipóteses mencionadas no art. 397, CPP.””

E no procedimento de impeachment?

Há, nessa fase do procedimento do impeachment, perante a Câmara dos Deputados, um verdadeiro procedimento preparatório voltado a colheita de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria.

Não se trata, pois, de um processo, instrumento que é voltado a prestação judicial do Estado. Trata-se de um procedimento. Seu objetivo é a formação de convicção para que a Câmara dos Deputados possa enviar essas peças de acusação ao Senado Federal para que ele possa julgar a Presidente da República por crime de responsabilidade.

Mas não se está perante um procedimento condenatório, onde se exige um pleno juízo de cognição. Estar-se-ia perante um procedimento de juízo próprio de delibação, em que se obtém provas que possam levar o Presidente da República a julgamento. Ele terá, inclusive, em fase própria, direito de apresentar suas razões. Mas se está diante de um procedimento inquisitório, próprio dos inquéritos, e não de processos, nos quais se exige a plena defesa e contraditório. Daí porque não haver que se falar em defesa prévia nessa etapa inicial de recebimento da peça acusatória e seu exame pelo Presidente da Câmara dos Deputados.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A necessidade de defesa prévia no impeachment. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4543, 9 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45106. Acesso em: 23 dez. 2024.

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