É comum se deparar com casos em que as partes (arrendatário e arrendador) entabulam contratos de arrendamento rural sem observar a legislação que rege esse tipo de contrato, fato este que acaba levando aos tribunais questões simples que poderiam ser solucionadas caso os contratantes buscassem orientação técnica no momento da avença contratual.
Importante destacar que a lei que trata do arrendamento rural deve ser interpretada de forma sistemática, isto é, devem ser levados em consideração diversos fatores, dentre os quais os costumes, que são utilizados pelos tribunais pátrios para julgar casos ligados à terra.
Não obstante a lei seja a principal fonte do Direito, este emerge, também, do costume do povo, razão pela qual o Direito deve levar em consideração este importante componente, que são práticas usuais tornadas regras no meio social, haja vista que é justamente a utilização do costume que corrigirá distorções que podem ocorrer com a mera aplicação da fria letra da lei.
- DA FIXAÇÃO DO PREÇO NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL
É sabido que no caso do arrendamento rural a lei nº 59.566/66 dispõe sobre os critérios para o cálculo dos preços de arrendamento em cada imóvel rural, destacando que, para a fixação do preço o legislador deu atenção especial para fins de corrigir distorções.
Assim, a lei em questão determinou em seu Art. 18 que o preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa em dinheiro, sendo que para atender as peculiaridades do objeto desta modalidade contratual, a lei facultou que o pagamento possa ser ajustado para ser realizado tanto em dinheiro quanto em quantia de frutos, cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.
Assim, diante da literalidade do texto da lei, a conclusão é a de que, caso o preço do arrendamento fosse ajustado em produtos, não restaria outra possibilidade senão a de nulidade da cláusula contratual que assim disponha sobre a fixação do preço.
Ocorre que os tribunais pátrios, em especial o Superior Tribunal de Justiça, tem relativizado a taxatividade do texto da lei, ou seja, tem interpretado de forma sistemática o preceito legal para fins de ajustar a aplicação da lei ao caso concreto em consonância com os princípios gerais do direito e, em especial, com os costumes do local onde é avençado o contrato.
Desse modo, a fixação do preço do arrendamento rural em produtos não atrai, necessariamente, a nulidade da cláusula contratual que assim dispõe, devendo ser levado em consideração, quando da análise do caso concreto, a boa-fé contratual e os costumes do local onde é entabulado o contrato, que sempre deverão ser respeitados de modo a evitar o enriquecimento ilícito da parte que assina o contrato e apenas depois, quando do pagamento, e após ter explorado o objeto do contrato, bate às portas do Poder Judiciário para fins de alegar nulidade de cláusula contratual (Nesse sentido: STJ - AgRg no REsp: 1062314 RS 2008/0120133-6, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 16/08/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/08/2012).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem dado interpretação contemporânea ao art. 18 da Lei nº 59.566/66, chancelando a possibilidade de fixação do preço em produto nos casos de contrato de arrendamento rural, consoante os costumes do interior (EI n.196251573, 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TARS, ReI. Dr. Francisco José Moesch).
Portanto, o que se extrai dos julgados que tratam da possibilidade de fixação do preço nos contratos de arrendamento rural em produtos é que a imperatividade da legislação agrária teve o condão de proteger o economicamente mais frágil na relação contratual agrária. Assim, em regra, há a presunção de hipossuficiência do arrendatário em relação ao arrendante, cabendo, aqui, novamente, levar em consideração os costumes e a contemporaneidade das questões agrárias, haja vista que nos tempos atuais nem sempre o arrendatário será a parte economicamente mais frágil, uma vez que será representada, na maioria das vezes, por empresas e condomínios rurais.
Assim, há o entendimento de que se o arrendatário não é a parte economicamente mais frágil e anuiu com a fixação do preço em produtos, não há motivos para se invocar a proteção legal, uma vez que isso desvirtuaria a mensagem da lei.
- DA NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA
A questão inerente à notificação premonitória é matéria recorrente nos tribunais pátrios, cabendo destacar que há decisões emanadas do Superior Tribunal de Justiça que entendem tanto pela necessidade da prévia notificação do arrendatário, quanto decisões que entendem pela necessidade da notificação premonitória como condição básica do procedimento de despejo, cabendo destacar que a desnecessidade de notificação premonitória se volta mais àqueles casos onde há inadimplemento dos alugueres por parte do arrendatário (Nesse sentido: REsp 979.530/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 11/04/2008).
Assim, não obstante a legislação obrigar o proprietário do imóvel a notificar, com antecedência mínima de seis meses, o arrendatário do propósito de reaver o imóvel, as decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça tem dado interpretação sistemática à lei, aceitando a tese de que, nos casos de ação de despejo fundada na falta de pagamento do arrendamento, “o ato de citação serve para a produção de todos os efeitos jurídicos decorrentes da cientificação da contraparte, sobre a manifestação da vontade expressa na petição inicial, oportunizando, inclusive, a purgação da mora” (REsp 33.469/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 12.09.1994).
Portanto, a necessidade de notificação prevista nos incisos IV e V do Art. 95 da Lei nº 4.504/64 não se reveste de absolutismo, cabendo relativização de acordo com o caso a ser analisado.
- DO FORO COMPETENTE PARA SOLUCIONAR LITÍGIO QUE VERSEM SOBRE CONTRATOS AGRÁRIOS
No momento da contenda quando da rescisão do contrato de arrendamento rural ou de qualquer outro contrato afeto ao Direito Agrário, as partes se insurgem contra aquilo que acordaram quando da avença contratual e uma das questões que são levadas diariamente aos tribunais é aquela referente ao foro de eleição.
Iniciada a contenda, sempre haverá uma parte insatisfeita com o foro onde tramita o processo, razão pela qual o proprietário do imóvel costuma pleitear que o processo tramite na comarca onde se localiza o imóvel, isso com fundamento no que prescreve o Art. 95, caput, do Código de Processo Civil.
Entretanto, o entendimento da maioria dos tribunais brasileiros e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que as partes podem optar pelo foro de eleição no caso do litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o que é o caso das questões de despejo e rescisão contratual nos contratos de arrendamento rural, uma vez que nesses casos a ação se funda em direito pessoal.
Desse modo, por se tratar de ação fundada em direito pessoal, a competência é relativa, razão pela qual se permite às partes a eleição contratual de foro, sendo nesse caso inaplicável à espécie o preceito constante do Art. 95 do Código de Processo Civil, uma vez que não se trata de ação inerente a direito real sobre imóveis.
- CONCLUSÃO
O que se constata é que a matéria inerente ao arrendamento rural sempre se esbarra em divergências nos tribunais estatuais, os quais ainda levam em consideração algumas práticas e tradições regionais relativas a alugueres das glebas rurais. Assim, é importante o exame da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para possibilitar o entendimento atual quanto à interpretação das leis que regem o Direito Agrário.