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O imposto sobre serviços de qualquer natureza e a atividade cartorária

Agenda 15/12/2015 às 10:31

Este trabalho visa compreender a tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN incidente sobre a atividade cartorária, bem como afastar as teses defendidas pelos Oficiais e Tabeliães conforme a Doutrina e Jurisprudência.

Palavras-Chave: Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, cartórios, tributação.

INTRODUÇÃO

Há muito tempo a tributação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza incidente nas atividades cartorárias vem sendo motivo de celeuma na Doutrina e Jurisprudência. Rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, sustentava-se a não incidência do tributo por estarem os cartórios albergados pela imunidade recíproca decorrente da natureza pública do serviço prestado.

Diante da derrota dos cartórios os municípios passaram a constituir créditos, cuja apuração do tributo vem sendo feita com base nas receitas oriundas dos emolumentos. Insurgindo contra os lançamentos, os oficiais e tabeliães contra-atacam sob o argumento de que devem pagar o imposto em valor fixo por ser o serviço prestado com sua responsabilidade pessoal.

A pessoalidade do serviço defendida calca-se na imposição legal de responsabilidade do oficial por atos praticados por ele ou seus prepostos no exercício da atividade delegada pelo Poder Público, bem ainda na ausência de personalidade jurídica dos cartórios.

Com vistas a compreender a matéria buscamos aprofundar no terreno árido do tributo municipal e sua incidência sobre a atividade de registros e notas.

A INCIDÊNCIA DO ISSQN SOBRE A ATIVIDADE REGISTRAL OU NOTARIAL E BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza é tributo de competência dos municípios e, muito embora receba nomenclatura de serviços de qualquer natureza, incide apenas sobre serviços listados em lei complementar (COÊLHO, 2010, p. 524). A competência para instituir o imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” foi conferida pela Constituição Federal de 1988.

Serviço tributado, na opinião de Aires F. Barreto, é o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. É necessário, ainda, que o esforço possua conteúdo econômico. Somente fatos que possuam real conteúdo econômico poderão ser tributados pelo ISS (BARRETO, 2003, p; 30).

Não basta ser serviço, é preciso que esteja hipotética e taxativamente previsto em lei complementar, como corolário do princípio da legalidade (nullum tributum sine lege):

Vigora, destarte, nessa matéria, aí incluído o ISS, o princípio da reserva absoluta da lei formal. Relativamente a esse importo, a reserva da lei formal é absoluta, vale dizer, de lindes mais estreitos que os da reserva relativa. Não basta a Lex scripta; indispensável ainda uma lex stricta, equivalendo esta à subtração dos órgãos do Executivo de quaisquer elementos de decisão, que haverão de estar contidos nesta lei mesma.(BARRETO, 2003, pp. 13-14)

A sujeição passiva recai sobre o prestador de serviços, ou seja, aquele que no desempenho de atividade prestacional se propõe a realizar atividade imaterial de um fazer a terceiro, sem subordinação, mediante remuneração.

À vista disso, a inclusão da atividade cartorária adveio com a Lei Complementar nº 116/2003 o que causou enorme discussão no meio jurídico, sobretudo diante de possível ofensa ao princípio da imunidade recíproca (art. 150, inciso VI, “a”, CF), decorrente da natureza pública e obrigatória do serviço, ainda que prestado sobre caráter privado, na leitura do art. 236, da Constituição Federal.

Não tardou, embora timidamente, a ocorrência dos primeiros lançamentos para o ISSQN de cartórios dando início a movimentos para afastar a tributação. Destacou-se a famigerada Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3089 – DF promovida pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, cuja tese de imunidade recíproca foi arduamente defendida, no entanto, sem êxito na Corte Suprema.

Superada a questão da constitucionalidade e natureza jurídica dos cartórios com julgamento da ADI 3089/DF, devemos no ater exclusivamente a questão da base de cálculo do imposto, recente insurgência dos cartorários. Contudo, rememoremos seu conteúdo:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente. (negrito nosso)

Pois bem, o ISS da atividade de registros públicos decorre do item 21 da lista de serviços anexa a Lei Complementar nº 116/2003, in verbis:

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

[...]

21 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

Restando devida a tributação sua base de cálculo é definida em lei como sendo os preços dos serviços (art. 7º, da Lei Complementar nº 116/2003). Para a atividade cartorária o preço dos serviços só poderia ser a relativa aos emolumentos, parcela pecuniária de características privadas do serviço. Aliás, diga-se de passagem, na ADI 3089/DF, o Ministro Marco Aurélio de Melo chegou a pontuar a questão em seu voto de vista ao considerar que o preço dos serviços é sua base de cálculo. Vejamos:

No tocante à base de incidência, descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 -, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço.

No entanto, os cartorários resistem da imposição de base de cálculo sobre todo o montante de emolumentos. Para eles a atividade seria prestada sob trabalho pessoal, beneficiada com alíquota fixa. Na verdade, a tese não é nova, sendo matéria recorrente nos tribunais. Em alguns casos houve pronunciamentos pela possibilidade de cobrança por “alíquotas fixas”, considerando que o trabalho pessoal do oficial ou notário o beneficiaria com modalidade de cobrança especial por valores fixos. É o que aconteceu, por algum tempo, a exemplo do Agravo de Instrumento-Cv 1.0704.09.134225-0/001. Discordamos completamente.

Acreditamos que o Decreto-Lei nº 406/68 foi recepcionado pela Constituição Federal e que, ainda após as “LCPs” nºs. 56/87 (antiga “Lei do ISS”) e 116/2003, alguns dispositivos estariam vigendo, operando apenas derrogação. Dentre os normativos vigentes está o § 1º, do art. 9º que impõe a aplicação de alíquota “fixa ou variável” quando o serviço for prestado por trabalho pessoal do contribuinte, excluindo sempre a “remuneração pelo próprio trabalho”. A norma é repetida na maioria dos códigos tributários municipais. Observa-se, todavia, que o parágrafo não traz mais detalhes sobre a forma da cobrança do imposto de profissionais que prestem trabalho pessoal.

Tratando-se, pois, de tributo municipal, portanto submisso a iniciativa legislativa e competência tributária destes Entes, temos que aos municípios cabem pormenorizar sua forma de tributação, nos termos do art. 156 da Constituição Republicana, in litteris:

Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

O art. 1º, da LC nº 116/2003 corrobora com esse entendimento:

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

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Afinal, nem toda pessoa física presta serviços sob a forma de trabalho pessoal, que na verdade é aquele em que a própria pessoa presta, pessoalmente, o serviço, sem deferi-lo a terceiros, não podendo ser considerado trabalho pessoal o fornecido por todo profissional autônomo (NUNES, 2011). Nesse sentido, leciona Roberto Tauil:

O trabalho pessoal expresso na lei tributária resulta de atividade intelectual do próprio autor, denotando certa criatividade em sua execução, o que infunde em seu trabalho características de sua própria personalidade.

Trata-se, portanto, de trabalho personalizado e individual, distinguindo-se totalmente do trabalho realizado de forma massificada, idêntica para todos os usuários, característica nitidamente empresária.

Os serviços notariais e de registro são padronizados, massificados, cujos instrumentos são delineados em lei e destinados a todos os usuários, de forma generalizada. Não há que se falar em serviços notariais e de registro de características próprias, praticadas pelo Notário ou Registrador.

Outro aspecto a diferenciar o trabalho pessoal é o fato dele poder ser exercido livremente, no momento que o desejar e de acordo com sua conveniência. Ou em outras palavras, pode o profissional autônomo aceitar ou recusar um serviço, pode fechar o seu escritório, tirar férias, ou participar de um congresso. O serviço pode parar a seu critério. As atividades consideradas empresariais, não. Há um ritmo de atuação que independe da vontade do profissional. Pode até este tirar férias ou viajar, mas o serviço continua sendo prestado (2009).

Ora, a responsabilidade pessoal do profissional não deve ser confundida com o trabalho pessoal. Sem dúvida, o fato de o serventuário responder (objetivamente) (VENOSA, 2004, p. 227) pelos serviços prestados por seus prepostos (sub-oficiais e escreventes) não significa que mantém trabalho direto e pessoal. Definitivamente não se tratam de significados idênticos. O oficial de registros ou notas não depende, na maioria dos casos, de apenas um “serventuário”, conta com vários empregados e atendem uma gama de clientes que não o procuram pessoalmente, como fazem com o médico, o advogado ou contador, se dirigem mesmo ao “cartório” e não ao “Sr. Oficial”, que organiza a atividade com verdadeiro cunho privatista não profissional.

Nota-se que a estrutura cartorária é significativamente grande quando comparada com qualquer outra atividade econômica civil, tanto pelo volume de entradas de capital, quanto pela quantidade de equipamentos e empregados que até assinam alguns atos do cartório, mesmo que supervisionado pelo Oficial Titular.

Fosse trabalho prestado sob características de profissional autônomo seria beneficiado com alíquota fixa (MACHADO, 2004, p. 393). Não obstante, o benefício não existe para criar vantagem para o profissional que possui estrutura vultosa, sendo caso de aplicação de alíquota determinada sobre o preço dos serviços.

Digamos, ainda, que se a Lei desejasse aplicar ISS fixo a todo o profissional autônomo não teria consignado a expressão “trabalho pessoal”. Ao fazer menção ao trabalho pessoal do contribuinte, parece-nos, que a Lei deu a entender que o legislador pretendeu referir-se aos profissionais cujo trabalho resulta de atividade exclusivamente intelectual, criativa, inventiva ou manual própria que não pode ser desvinculada do prestador do serviço, uma vez que o liga diretamente à sua própria personalidade (BARRETO, 2003, p. 311). Eis sua lição:

É nítida a vontade da lei de restringir essa noção ao trabalho prestado por pessoa física. Embora possa parecer tautológico, o certo é afirmar que se entende como trabalho pessoal aquele em que a própria pessoa presta, pessoalmente, o serviço, sem deferi-lo a terceiros; desta forma, desde logo, não será trabalho pessoal o fornecido por empresa, mesmo individual, nem o de todo profissional autônomo.

Não é sem razão que o profissional liberal e autônomo não é tributado pela receita, pois prestando o trabalho pessoalmente, sua remuneração é a própria renda. A forma atenuada de incidência do ISS leva em consideração o princípio da capacidade contributiva e da justiça tributária, aceitando o fato de que o profissional autônomo não reúne renda, capital e trabalho como acontece em atividades maiores. (COÊLHO, 2010, p. 528)

Nossa interpretação decorre da regra geral de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço nos termos do art. 7º, da Lei Complementar nº 116/2003, sendo a tributação por valor fixo a exceção. Sendo a regra a tributação pelo preço do serviço, cumpre ao prestador profissional a prova em contrário robusta de que seus serviços são prestados direta e pessoalmente.

Agora, por preço do serviço, devemos entender tratar-se a expressão monetária do valor do respectivo serviço, abrangendo a quantia auferida como prestação pecuniária integral pela venda desse bem imaterial (serviço), incluindo nisso a receita bruta do contribuinte proveniente dos vários serviços prestados aos usuários (MARTINS, 2010, p. 937).

Computam-se contabilmente no preço do serviço inúmeros valores para sua formação regular. Em qualquer preço existem despesas de custo, que é matéria-prima ou serviços, demais despesas como salários, papel, materiais de impressão, assessorias, etc., e a margem de lucro ou sobras, não é possível destacar nada do preço, que são repassados ao tomador do serviço nos emolumentos. Justifica-se, então, a cobrança sobre todo o preço do serviço ajustado.

Nossa segurança nessa argumentação é fundamentada na melhor Doutrina e advém igualmente do pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça acerca da questão:

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do ISS, in casu, ao julgar a Adin 3.089/DF, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg. Na oportunidade, ratificou a competência municipal e afastou a alegada imunidade pretendida pelos tabeliães e cartorários (i) ao analisar a natureza do serviço prestado e, o que é relevante para a presente demanda, (ii) ao reconhecer a possibilidade de o ISS incidir sobre os emolumentos cobrados (base de cálculo), mesmo em se tratando de taxas. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, focado na possibilidade de os emolumentos (que são taxas) servirem de base de cálculo para o ISS, afastou, por imperativo lógico, a possibilidade da tributação fixa, em que não há cálculo e, portanto, base de cálculo. Nesse sentido, houve manifestação expressa contrária à tributação fixa no julgamento da Adin, pois "descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 –, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço". Ademais, o STF reconheceu incidir o ISS à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários. A tributação fixa do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 é o exemplo clássico de exação ao arrepio da capacidade contributiva, porquanto trata igualmente os desiguais. A capacidade contributiva somente é observada, no caso do ISS, na cobrança por alíquota sobre os preços, conforme o art. 9º, caput, do DL 406/1968, atual art. 7º, caput, da LC 116/2003. Finalmente, o STF constatou que a atividade é prestada com intuito lucrativo, incompatível com a noção de simples "remuneração do próprio trabalho", prevista no art. 9º, § 1º, da LC 116/2003. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, quando propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendia afastar o ISS calculado sobre a renda dos cartórios (preço dos serviços, emolumentos cobrados do usuário). A tentativa de reabrir o debate no Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial, reflete a inconfessável pretensão de reverter, na seara infraconstitucional, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que é, evidentemente, impossível. De fato, a interpretação da legislação federal pelo Superior Tribunal de Justiça – no caso a aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 – deve se dar nos limites da decisão com efeitos erga omnes proferida pelo STF na Adin 3.089/DF.11. Nesse sentido, inviável o benefício da tributação fixa em relação ao ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais. (REsp 1187464 / RS. DJe 01.07.2010).

Sem adentrarmos na discussão acerca da natureza jurídica dos emolumentos (se preço, taxas, tarifas, custas ou, simplesmente, emolumentos), compreendemos que por se tratar de preço do serviço prestado pelo particular, independentemente dos custos operacionais da atividade a alíquota deve de fato ser o preço bruto dos serviços.

OFICIAL COMO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA

Compreende-se que, de fato, o cartório não possui personalidade jurídica propriamente dita (MANGIERI, 2008, p. 40), no sentido que lhe atribui o Direito Civil, apesar do Fisco Federal exigir que as serventias façam constituição de um CNPJ. Não obstante, para o Direito Tributário, é possível equiparação às atividades empresárias, principalmente para atividades colegiadas, habituais e sistemáticas que identifiquem a atividade da pessoa física com as atividades lucrativas.

Embora viável, é interessante perceber que as serventias são excluídas da equiparação para efeito do Imposto de Renda - IR, nos termos do inciso IV § 2º do art. 150, do Decreto nº 3.000/99. Para o Fisco Federal o imposto de renda será recolhido na pessoa física do cartorário. No caso dos fiscos municipais a equiparação à pessoa jurídica se dá em situação distinta e especial relacionada aos tributos de sua competência, como na hipótese exclusão da condição de profissional autônomo.

Na verdade o local do exercício da profissão, Cartório de Registros Públicos ou Notas, se identifica com a delegação do serviço público que ali se presta, mas nem por isso é possível atribuir alguma personalidade jurídica ao cartório que é simplesmente o ponto de exercício da atividade de registros civis, no fundo exercida pelo Oficial ou Notário, profissional delegado para o serviço (entenda-se pessoa natural).

A atividade prestada pelos oficiais de registro ou notas é considerada atividade econômica civil (COELHO, 2007, p. 15), justamente porque diz respeito à qualidade de quem não se enquadra no conceito legal de empresário. Por isso não é possível imputar-lhe a obrigatoriedade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 967 do CC), o que lhe daria personalidade jurídica.

Com mais especificidade, o exercente de atividade típica dos oficiais de registro e notas, apesar do intuito lucrativo, não é, ao menos tipicamente, atividade de empresa, não sendo razoável exigir-se personalidade jurídica para a serventia ou cartório. Não possuindo personalidade propriamente dita, suas relações jurídicas são concentradas na pessoa do Oficial ou Notário, quem teria responsabilidade e capacidade tributária.

Devemos recordar que, para fins tributários, personalidade jurídica e capacidade tributária não se confundem. Aos cartórios, todavia, não é possível aplicar a regra do art. 126, inciso III do CTN, ainda que seja equiparável à pessoa jurídica para imposição do ISSQN, o dispositivo exposto visa evitar que a existência de pessoa jurídica de fato ou de direito irregular (MACHADO, 2004, p. 153) que impeça o lançamento do tributo.

A equiparação à pessoa jurídica, no tocante a incidência e cálculo do tributo, impõe a sujeição passiva pelo crédito tributário à pessoa do oficial de registros ou notas e não ao Cartório de Registros ou Tabelionato. Tal fenômeno jurídico, todavia, não faz concluir pela impossibilidade de tributação pela receita dos serviços prestados. Afasta-se sempre o pagamento por valor fixo quando a remuneração do serviço não for decorrente do trabalho pessoal do contribuinte do ISSQN.

NÃO OCORRÊNCIA DE BITRIBUTAÇÃO PELA INCIDÊNCIA DE OUTROS TRIBUTOS NAS RECEITAS DO SERVIÇO

Concordando com Francisco Ramos Mangieri (MANGIERI, 2008, pp. 51.52), aos cartórios deve ser aplicada a regra geral da tributação do ISS, para quem a base de cálculo é segundo preço do serviço ou receita bruta auferida. O problema é definir o que seja esta receita bruta do cartório. Em razão dessa problemática tem sido objeto de argumento que a tributação sobre as receitas daria causa a bitributação, já que as receitas sofrem incidência de outros tributos.

Sobre o tema é interessante observar os Julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre os serviços de agenciamento de mão-de-obra, que podem muito bem ser aplicados à hipótese em comento no atinente a diferença entre receitas e entradas financeiras (RESP 1138205-PR, RESP 411480-SP e AgRg no REsp 1107097 / SP).

É fato que, apesar do custo dos serviços incluírem tributos de outros entes, não faz nascer, a priori, a chamada bitributação. Isso porque a base de cálculo do Imposto de Renda – IR é a renda apurada após o resultado financeiro, e a base de cálculo das contribuições sociais também se distinguem absolutamente, embora integrem o conceito econômico-contábil de custos.

Aceita-se que, na maioria das vezes, os lucros ou sobras (a depender de atividade, se econômica empresarial ou civil) são de fato a menor parcela financeira (ou de capital) de todas as receitas (GASTALDI, 2005, p. 337), pois parte considerável delas são consumidas pelos custos (fixos ou variáveis) (VASCONCELOS, 2006, p. 124). Mas isso não é razão plausível para fundamentar bitributação. Afinal, bitributação ocorre quando duas pessoas políticas tributam o mesmo fato (CARRAZA, 2003, p. 337). Definitivamente, renda (IR), exercício de trabalho (Contribuições) e prestação de serviços (ISS) não se confundem.

Cumpre relembrar o memorável Paulo de Barros Carvalho:

Se é prestação de serviços, vamos centralizar a base de cálculo nesse sentido e procurar evitar tudo o que venha macular essa pureza que a base de cálculo deve ter. (CARVALHO, 2003).

É bem oportuno, igualmente, citar a lição de Bernardo Ribeiro de Moraes:

O preço do serviço, na unidade de medida do ISS, abrange: 1.º - o valor auferido (importância total, prestação pecuniária íntegra) pela venda do bem imaterial (serviço). (...) Assim, o que interessa é a receita (preço) proveniente da prestação de serviços, atividade tributada. Em outras palavras, interessa ao aplicador da lei tributária apenas as receitas denominadas orgânicas ou principais, resultantes do próprio serviço prestado e constituído pela sua retribuição. Demais receitas, ditas inorgânicas ou secundárias, cuja origem não seja a atividade tributada (originam-se de atividade marginais, v.g., aluguéis de imóveis, juros de empréstimo, lucro de capital empregado em outra empresa, ágios, etc.) que não representam fruto do serviço prestado, não interessam ao ISS. (...) o preço do serviço abrange a receita obtida pelo prestador em razão da prestação do serviço. (...) 2.º - a receita bruta do contribuinte, proveniente da atividade tributada (prestação de serviços). Evidentemente, o preço não corresponde à medida exata do bem, mas, sim, à medida nas condições de mercado. Preço vem a ser a importância que se percebe, ainda que exceda ou não seu valor exato. (...) O preço do serviço abrange a renda total auferida, sem quaisquer deduções da importância entrada para o patrimônio do contribuinte, proveniente da prestação de serviços. Abrange, pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contribuinte como produto da atividade prestada (...) na apuração do preço do serviço se consideram as entradas de valores imediatas ou diferidas. O preço do serviço abrange tanto as entradas de dinheiro em valor correspondente como as entradas como direito de receber posteriormente, por via do crédito aberto com a venda do serviço a prazo.(MORAES, 1984). (negrito nosso)

Ora, se o preço do serviço é a parte privada da atividade econômica do oficial de registros, só pode mesmo ser a que se refere aos emolumentos, o seu preço. Os custos da atividade econômica relativos à folha de salários e outros tributos estão incluídos nesse preço e não podem ser deduzidos sobre qualquer justificativa. Sendo lógico, doutra banda, que sobre as taxas judiciais não deve haver tributação, pois essa parte sim é renda de outro ente e protegida pela imunidade recíproca.

DOS EFEITOS DA RESOLUÇÃO Nº 80, EXPEDIDA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, SOBRE O ISSQN

O Conselho Nacional de Justiça já há algum tempo vem tomando medidas com a finalidade de tornar lícitos e transparentes o “provimento” dos cartórios de registro e notas do País. Algumas ocorrências graves vinham maculando o exercício dessa atividade delegada pelo Poder Público.

Como última medida, os Cartórios não ocupados por profissionais concursados devem ser delegados a particulares interinos, os quais só podem reter como remuneração o teto constitucional, repassando aos tribunais de origem todas as sobras relativas aos emolumentos, os quais passaram a ingressar nos cofres públicos com a seguinte nomenclatura: “Receitas do Serviço Público Judiciário”.

Essa medida, meramente pragmática, visando acabar com privilégios odiosos, é fato importante na posição de muitos oficiais e notários, para os quais teria repercussão nas questões tributárias relativas ao ISS, uma vez que o tributo incide mesmo sobre atividades econômicas de prestação de serviços. Para eles, o oficial ou notarial interino passaria a ser equiparável a “servidor público”.

Com essas observações devemos questionar: Seria a receita repassada ao Tribunal de Justiça própria do Estado? A cobrança do tributo sobre a receita total em emolumentos atingiria a imunidade recíproca entre as pessoas políticas envolvidas? Cremos que a resposta correta é não. A posição dos fiscos municipais se mostra acertada.

Na verdade é preciso entender que a medida tomada pelo CNJ não tem o condão de eliminar a incidência do tributo sobre a atividade e sua base de cálculo nos emolumentos. Nada mudou no que se refere à tributação.

Se isso ocorresse passaria o Estado a apropriar-se de renda que é própria dos municípios e não o contrário. Tampouco as medidas do CNJ atribuem alguma condição de servidor público ao interino, ele continua sendo delegado de serviço (MELO JR, 2003, p. 16) público, na condição de particular.

Diga-se que a interinidade dos atuais oficiais de registro e notas é uma imposição sui generis que não descaracteriza a prestação privada de um serviço delegado pelo ente público, isso mantendo a lógica constitucional dos serviços públicos concedidos a particulares (art. 236, CF).

Esse tipo de delegação é outra forma de execução indireta dos serviços públicos, sob aspecto de descentralização na qual a atividade pública é transferida a particulares que colaboram com o Estado. A chamada delegação negocial é efetivada por negócios jurídicos típicos de concessão ou permissão de serviço público, embora para os serviços registrários e notariais não haja comparativo.

Mostra-se plausível, então, que o oficial interino, contabilmente, informe ao Poder Público a dedução do ISS sobre suas receitas, repassando somente as sobras. É que da mesma forma que deve deduzir os custos operacionais, custos com folha de salários e encargos sociais, a própria remuneração (limitada ao teto fixado pelo CNJ) e os tributos federais incidentes, também deve deduzir o ISS que será pago aos municípios.

É que os emolumentos destacam-se como “custas extrajudiciais” (SABAGG, 2011, p. 433) e resultam do serviço público prestado com características privadas. Se se trata de serviço delegado a particular, sob típica modalidade contratual de concessão de serviço público (JÚNIOR, 1989, p. 253), aplica-se o que dispõe a Constituição Federal, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

[...]

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Nesse sentido pondera Eduardo Sabagg:

Enquanto a taxa é cobrada no regime jurídico de direito público, os notários se remuneram a partir de repasses, prestando serviços sob sua conta e risco econômico, amealhando lucros e suportando eventuais prejuízos, no bojo de uma relação contratual, própria dos serviços que ensejam o ISS, conforme dispões o § 3º do art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003, ainda que o pagamento do preço ou tarifa não seja feito pelo usuário final do serviço, mas pelo próprio Estado- membro delegante.” (SABAGG, 2011, p. 315).

Concordando parcialmente com a fala do autor, a base de nosso raciocínio na verdade é fundamentada no conceito científico de imunidade recíproca. Roque Antônio Carrazza explica melhor o fenômeno da imunidade recíproca e os casos em que elas não se aplica:

[...]à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário [que não são tributos nem receitas próprias do ente estatal] [...]”. Continua dizendo que “a imunidade também não beneficia as pessoas políticas enquanto exercem atividades econômicas, mediante contraprestação ou recebimento de preços ou tarifas (2003, pp. 648-649)

Essa posição não é sem razão, pois se ao cidadão é repassado o ônus da prestação do serviço não estamos falando propriamente em renda das pessoas políticas alcançadas pela imunidade recíproca. Ora, os emolumentos possuem nítida característica de tarifas pelo serviço que lhe é prestado pelo cartório, característica privada dessa atividade (JUNIOR, 2011, p. 368).

Sendo mais específico, o renomado doutrinador diz que no tocante às pessoas políticas, enquanto no exercício de suas funções típicas (públicas propriamente ditas e não delegáveis), auferindo rendimentos, são imunes. Porém, em qualquer fuga a essa lógica não são alcançadas pela imunidade (JUNIOR, 2011, p. 368).

De qualquer modo, é descabido entender-se que os emolumentos, agora parcialmente retidos pelo Estado, estejam incluídos no conceito da imunidade recíproca. Muito mais impróprio é acreditar que a disputada condição de respondente interino dá condição de servidor público e isenta da responsabilidade pela tributação incidente sobre a atividade.

A delegação de interino para esse serviço público ainda renderá muito debate na doutrina acerca da natureza jurídica dessa relação. Acreditamos tratar-se de relação jurídica contratual administrativa pelo qual o Poder Público se reservou ao direito de reter uma parcela da remuneração pelo serviço delegado. Porquanto, unilateralmente, no uso do ius imperium, declarou vagos todos os cartórios, delegou interinos e passou a reter parte das rendas da atividade. As pretensas repercussões tributárias são apenas aparentes, repetimos: nada mudou.

CONCLUSÃO

A toda evidência, não é possível ilidir a tributação do ISSQN incidente sobre a atividade registral ou cartorária ante a legítima imposição do tributo sobre atividade exercida com características privadas.

Por outro lado, a ISSQN tem por base de cálculo apenas o preço do serviço, compreendido como sendo o relativo aos emolumentos recebidos em contraprestação pelo serviço prestado pelo oficial ou notário. As taxas judiciárias devem ser excluídas da base de cálculo do tributo, visto que não integram o conceito de receitas próprias pelo serviço prestado, mas incluem-se nas rendas sujeitas à imunidade recíproca por se tratar de renda auferida pelo Estado.

Sujeitam-se ao pagamento do imposto os oficiais, tabeliães ou notários no exercício da atividade, sem gozo da redução do tributo pelo pagamento de valores fixos mensais, nada impedindo que os municípios façam equiparação à pessoa jurídica para fins da tributação pela receita.

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Sobre o autor
Renato Luiz Barbosa Brandão

Advogado, Procurador Jurídico do Município de Jataí-Goiás, Pós-graduado em Direito e Direito Processual Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Jataí-Goiás, Ex-Professor do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Jataí, membro da Comissão Especial de Regularização Fundiária do Município de Jataí.

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