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A prova ilícita

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Agenda 29/11/2003 às 00:00

2. A PROVA ILÍCITA

2.1. A prova como direito do cidadão

A Constituição Federal Brasileira de 1988 reputa o direito constitucional de ação e o direito à prova como garantias fundamentais do cidadão.

Em conseqüência deste direito constitucional de ação, o cidadão pode demandar judicialmente, postulando ao Estado-Juiz que lhe seja entregue a proteção pertinente ao seu direito.

O direito à prova é uma decorrência lógica do direito constitucional de ação. O cidadão, ao requerer a tutela jurisdicional, necessita apresentar as provas preexistentes ao ajuizamento do processo e postular a produção de outras cabíveis.

Como bem apanhado por Kenny e Rios, "a parte deve se valer de todos os meios de prova possíveis e adequados para influenciar no convencimento do Juiz. A prova é para o processo e a demonstração dos fatos gera uma sentença mais justa e adequada".

Portanto, pode-se afirmar a relevância da prova no âmbito do direito processual civil, porque é por meio dela que o Juiz forma seu convencimento acerca da procedência ou não da pretensão deduzida.

A propósito do assunto, cabe aludir o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira, in verbis:

No pensamento praticamente unânime da doutrina atual, não se deve reduzir o conceito de ação, mesmo em perspectiva abstrata, a simples possibilidade de instaurar um processo. Seu conteúdo é mais amplo. Abarca série extensa de faculdades cujo exercício se considera necessário, em princípio, para garantir a correta e eficaz prestação da jurisdição. Dentre tais faculdades sobressai o chamado direito à prova. Sem embargo da forte tendência, no processo contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa – que, em regra, costuma predominar – no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial.

A finalidade da prova é convencer o juiz da veracidade dos fatos narrados na exordial ou refutados pela defesa e, por conseqüência, pode-se dizer que ele é o destinatário da prova.

A prova, em regra, passa por três momentos distintos: da proposição, da admissão e da produção. Este é o posicionamento de Moacyr Amaral Santos, consoante abaixo consignado:

Alguns autores não separam o momento da admissão dos dois outros momentos da prova – a proposição e a execução, ou produção, - uns integrando-o naquele, uns conhecendo-o como parte deste (...)

Contudo, não parece haver dúvida que a admissão é distinta da proposição e da produção. Basta considerar-se que aquela é ato do juiz, com exclusividade, enquanto que a proposição, geralmente, é ato da parte e na produção atuam, regra geral, aquele e esta. Além do que, não se faz suficiente a simples proposta da prova para que se dê a sua produção. Esta só se verifica quando ordenada, admitida, pelo juiz.

É o que ocorre, por exemplo, com a prova testemunhal e pericial, as quais devem ser propostas pelas partes, cabendo ao juiz a apreciação de sua admissibilidade e, caso deferidas, devem ser produzidas.

No primeiro caso, a prova será produzida em audiência, com o comparecimento dos depoentes previamente arrolados. No segundo, dependendo da natureza do fato a ser apreciado, será produzida com a nomeação de um perito de confiança do juízo que, após esgotado o prazo concedido aos litigantes para apresentarem quesitos e indicarem assistentes técnicos, irá investigar, detalhadamente, o fato objeto da perícia.

Posteriormente, o expert apresentará nos autos do processo o denominado laudo pericial, no qual constará a análise feita acerca do fato, com as respostas aos quesitos formulados pelos litigantes e a conclusão.

Há exceções de provas que não seguem ordenadamente os três momentos anteriormente mencionados. Quando a parte autora, ao ajuizar a demanda judicial, e o réu, ao protocolar sua defesa, apresentarem prova documental, consoante regra estabelecida no artigo do Código de Processo Civil Brasileiro, ela será incorporada de imediato no processo quando do seu deferimento.

Não são todos os fatos que precisam ser provados, conforme preceitua o artigo 334 do citado diploma legal, in verbis:

Não dependem de prova os fatos:

I – notórios;

II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III – admitidos, no processo, como incontroversos;

IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Não obstante, a regra processual civil a propósito do ônus da prova, como também a garantia constitucional do direito à prova, esta capaz de efetivar o acesso à justiça, tal direito não pode ser reputado absoluto, como, aliás, nenhum direito ou princípio é irrestrito.

Este foi o alerta dado por José Carlos Barbosa Moreira, ao insurgir-se no particular:

Por outro lado, convém ter presente que no direito em geral, e no processo em especial, é sempre imprudente e às vezes muito danoso levar às últimas conseqüências, como quem dirigisse veículo sem fazer uso do freio, a aplicação rigorosamente lógica de qualquer princípio. Desnecessário frisar que os princípios processuais estão longe de configurar dogmas religiosos. Sua significação é essencialmente instrumental: o legislador adota-os porque crê que a respectiva observância facilitará a boa administração da Justiça. Eles merecem reverência na medida em que sirvam à consecução dos fins do processo, e apenas em tal medida.

Em vista da relativização da garantia constitucional do direito à prova, origina-se o debate acerca de um dos temas mais polêmicos da atualidade, qual seja o da prova ilícita ou, também denominado, provas obtidas por meios ilícitos.

Há, a respeito de aludido assunto polêmico, três correntes doutrinárias que serão objeto de análise em tópico próprio.

2.2. Conceito de prova ilícita

Não existe, no Brasil, um conceito único acerca da prova ilícita ou prova obtida por meio ilícito, divergindo os autores a propósito do seu significado.

Por exemplo, a prova ilícita pode ser conceituada no sentido lato ou no sentido restrito. No sentido lato, abrange não apenas as provas que afrontam a Constituição, como também as contrárias às leis ordinárias e aos bons costumes. Em sentido restrito, dizem respeito àquelas ofensivas às disposições legais e constitucionais.

O jurista Ovídio A. Baptista da Silva torna evidente não fazer distinção entre a prova ilícita e a ilegítima, considerando-as uma só, quando afirma que "A doutrina moderna, tanto no campo do processo penal quanto no domínio do processo civil tem dedicado atenção especial ao problema das provas ilegítimas ou provas obtidas por meios ilegítimos."

A posição da maioria dos autores brasileiros é no sentido de diferenciar a prova ilícita da ilegítima, conforme constatado abaixo:

Prova ilícita é toda aquela que ofende o direito material. Há atualmente uma confusão entre prova ilegítima e prova ilícita, mas não devem ser confundidas, apesar de ambas não serem aceitas pelo nosso direito processual, pois a prova ilícita fere o direito material enquanto a prova ilegítima o direito processual. (...) Enfim, prova ilícita consiste na prova obtida por meios não aprovados pela legislação pátria ou meios que contrariam direitos zelados por alguma legislação, seja ela ordinária, complementar, carta magna etc.

Este entendimento é corroborado pela decisão abaixo consignada:

Prova ilícita. Interceptação, escuta e gravação, telefônicas e ambientais. Princípio da Proporcionalidade. Encobrimento da própria torpeza. Compra e Venda com dação em pagamento. Verdade processualizada. Doutrina e jurisprudência.

1. Prova ilícita é a que viola normas de direito material ou os direitos fundamentais, verificável no momento de sua obtenção. Prova ilegítima é a que viola as normas instrumentais, verificável no momento de sua processualização. Enquanto a ilegalidade advinda da ilegitimidade produz a nulidade do ato e a ineficácia da decisão, a ilicitude comporta um importante dissídio acerca de sua admissibilidade ou não, o que vai desde a sua inadmissibilidade, passando da admissibilidade a utilização do princípio da proporcionalidade.

2. O princípio da proporcionalidade, que se extrai dos artigos 1º e 5º da Constituição Federal, se aplica quando duas garantias se contrapõem. A lei nº 9.296/96 veda, sem autorização judicial, a interceptação e a escuta telefônica, mas não a gravação, ou seja, quando um dos interlocutores grava a própria conversa. A aplicação há de ser uniforme ao processo civil, em face da comunicação entre os dois ramos processuais, mormente dos efeitos de uma sentença penal condenatória no juízo cível e da prova emprestada.

3. A garantia da intimidade, de forte conteúdo ético, não se destina a proteção da torpeza, da ilicitude, mesmo que se trate de um ilícito civil. Na medida em que o requerido, deliberadamente, confessa ao autor o negócio realizado, mas diz que este não conseguiria prová-lo, pretende acobertar-se sob o manto da torpeza, com a inadmissibilidade da gravação. A conduta do autor manteve-se dentro dos estritos limites da justa causa, da necessidade de reaver seu crédito, sem interferência ou divulgação para terceiros.

4. A prova testemunhal, ainda que indiciária, robora a existência do negócio jurídico havido entre as partes.

(Apelação Cível nº 70004590683, TJRS, 2ª Câmara Especial Cível, Rel. Des. Nereu José Giacomolli, Data do julgamento 09.12.2002, negado provimento, unânime)

Prova ilícita é a colhida com violação de normas ou princípios de direito material, principalmente de direito constitucional, tendo em vista que a controvérsia acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

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Também se refere ao direito penal, civil e administrativo, áreas onde já se encontram definidos direitos ou cominações legais passíveis de se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência e outros.

O direito material estabelece sanções próprias para a violação de suas normas, tomando-se, como exemplo, o caso da violação do sigilo da correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, que possuem penas cominadas no Código Penal.

Nelson Nery Júnior também considera a prova ilícita quando sua proibição for de natureza material, diferenciando-a da prova ilegal, que será sempre aquela violadora do ordenamento jurídico como um todo, compreendendo leis e princípios gerais, quer sejam de natureza material ou meramente processual.

A prova ilegal é gênero das espécies provas ilícitas e provas ilegítimas, pelo fato de que abarca tanto a violação de natureza material (prova ilícita), quanto a violação de natureza processual (prova ilegítima).

2.3. Correntes doutrinárias sobre sua admissibilidade

Importante aspecto diz respeito à questão de se admitir a prova ilícita como válida e eficaz no ordenamento jurídico de cada país, existindo três correntes doutrinárias, que serão abaixo nominadas e analisadas.

2.3.1. Teoria obstativa

A teoria obstativa pode ser entendida como aquela que considera inadmissível a prova obtida por meio ilícito, em qualquer caso, pouco importando a relevância do direito em debate.

Isso significa que a aludida teoria apoia-se no fato de que a prova ilícita deve ser sempre rejeitada, reputando-se assim não apenas a afronta ao direito positivo, mas também aos princípios gerais do direito, especialmente nas Constituições assecuratórias de um critério extenso quanto ao reconhecimento de direitos e garantias individuais.

Os defensores da teoria obstativa sustentam, conforme Francisco das Chagas Lima Filho, que "a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos apurados."

De acordo com esta teoria, o direito não deve proteger alguém que tenha infringido preceito legal para obter qualquer prova, com prejuízo alheio. Nestes casos, o órgão judicial tem o dever de ordenar o desentranhamento dos autos da prova ilicitamente obtida, não reconhecendo-lhe eficácia.

2.3.2. Teoria permissiva

Já segundo a teoria permissiva, a prova obtida ilicitamente deve sempre ser reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz.

Em todos os casos, deve prevalecer o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, sendo que a ilicitude na obtenção da prova não deve ter o condão de retirá-la o valor que possui como elemento útil para formar o convencimento do Julgador. Não obstante a validade e eficácia de aludidas provas, o infrator ficará sujeito às sanções previstas pelo ilícito cometido.

Ademais, para esta teoria, a prova obtida ilicitamente precisa ser aceita válida e eficazmente no processo por entender que o ilícito se refere ao meio de obtenção e não ao seu conteúdo. Significa dizer que o infrator será penalizado pela violação praticada, mas o teor do elemento probatório deverá contribuir para a formação da convicção do magistrado.

2.3.3. Teoria intermediária

Entre a teoria obstativa e a teoria permissiva, surgiu a intermediária, a qual não defende nenhum dos dois extremos, ou seja, nem a inadmissibilidade absoluta da prova ilícita (teoria obstativa), tampouco a admissibilidade absoluta da prova ilícita (teoria permissiva). É o chamado princípio da proporcionalidade, que necessita, primeiramente, do exame da sua evolução.

A idéia de proporção já existia nos arquétipos do pensamento jurídico ocidental e tinha a conotação de direito, assemelhando-se muito a essa noção.

Na Antiguidade clássica, encontra-se o pensamento voltado ao princípio da proporcionalidade, no qual o direito deveria possuir alguma utilidade. Essa ótica de direito como uma utilidade também foi bastante difundida entre os juristas romanos, entre eles, Ulpiano. Modernamente, o conceito do denominado utilitarismo está presente no pensamento teleológico de Jhering, materializado na obra "Zwed im Recht" (Finalidade no Direito), onde surgiu a "jurisprudência dos interesses", que, mais tarde, ensejou a criação da "jurisprudência das valorações", atualmente dominante no ordenamento jurídico alemão.

No que tange ao aspecto moral, os antigos gregos compreendiam que seu comportamento deveria ser baseado na idéia de proporcionalidade como padrão do justo.

Tal noção foi realmente consolidada por Aristóteles mediante o conceito de "justiça distributiva", onde a partilha dos encargos e recompensas tinha que ser realizada de acordo com a posição ocupada pela pessoa na comunidade e pelos serviços ou desserviços que tenha prestado.

Assim, a proporcionalidade permaneceu forte em todo o pensamento jurídico-filosófico, como em Aristóteles, Dante, Hugo Grócio e outros. Nos séculos XVIII e XIX, a conceituação de proporcionalidade guardou relação com as limitações administrativas da liberdade individual, sendo acolhida pela Teoria do Estado.

O termo "proporcional" (verhaltnismassig), utilizado por Von Berg em 1802, ganhou relevância na esfera do Direito Administrativo, quando foi aventada a possibilidade da ocorrência da limitação da liberdade em virtude do Direito de Polícia.

Tendo em vista a proibição da força policial ultrapassar o limite estritamente necessário e exigível para a realização de sua finalidade, Wolzendorff criou o Princípio da Proporcionalidade entre os Meios e os Fins (Grundsatz der Verhaltnismassigkeit). Durante a primeira metade do século passado, a aplicação de mencionado princípio restringiu-se ao Direito de Polícia do Direito Administrativo.

O princípio da proporcionalidade desempenhou um papel importante na Alemanha, no período pós-II Guerra Mundial que, rompendo-se com a ancestral tradição da civil law, foram reunidas possibilidades para um expressivo desdobramento da doutrina das liberdades públicas, amparada nos artigos 1º e 2º da Lei Fundamental Alemã.

A jurisprudência alemã, além de aplicar causas de justificação como a legítima defesa e o estado de necessidade, admitia exceções à proibição genérica de admissibilidade das provas ilicitamente obtidas, sob o fundamento de realização de exigências superiores de caráter público ou privado, merecedoras de particular tutela.

Chega-se, neste momento, ao princípio da Güterund Interessenabwägung (ou seja, o princípio do balanceamento dos interesses e dos valores) e, de forma reflexa, ao Verhältnismässigkeitsprinzip (ou seja, o princípio da proporcionalidade entre o meio empregado e a finalidade pretendida).

Outra questão de relevância é que os Tribunais Alemães, entre eles o Bundesgerichtshof, têm recomendado a aplicação do princípio da proporcionalidade para a correta solução dos casos relacionados às provas obtidas de forma ilícita.

Por exemplo, no ano de 1970, o referido Tribunal Alemão, em sede de ação de divórcio, entendeu que o interesse em provar fatos específicos em juízo não poderia ter o condão de justificar a indevida invasão da esfera pessoal de um indivíduo.

Este julgamento não contou com boa parte da doutrina, sendo que alguns afirmaram que a Corte Julgadora Alemã incorreu em erro na individuação dos valores balanceados. Isso tanto é verdade que, no caso sob comento, não se tratava de contrapor o direito da personalidade de um dos litigantes ao interesse objetivo à descoberta da verdade, mas balancear o direito de um dos cônjuges com o direito do outro, pois, se um pretendia ser protegido contra a invasão indevida na sua esfera de intimidade, o outro tinha um direito igualmente respeitável à dissolução do casamento.

Neste caso judicial, assim como em outros, estão contrapostos dois direitos dignos de tutela, e é neste aspecto peculiar que se fala no princípio da proporcionalidade, concretizado por meio do balanceamento dos valores em jogo.

Atualmente, a maioria dos autores brasileiros filia-se a esta teoria. Kellyanne Kenny e Taiana Rios explicam o significado e a relevância na apreciação do Julgador do princípio da proporcionalidade frente às provas ilicitamente obtidas, ipsis literis:

O princípio da proporcionalidade se coaduna com a tese intermediária, ou seja, nem deve aceitar todas as provas ilícitas, nem proibir qualquer prova pelo fato de ser ilícita. Deve haver uma análise de proporcionalidade de bens jurídicos.

Podendo-se ofender um direito através da prova ilícita se o outro direito for de maior importância para o indivíduo, para que ocorra a prestação de uma tutela mais justa e eficaz.

O Superior Tribunal de Justiça, a respeito da licitude da prova, aplicou o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:

PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE."HABEAS CORPUS". RECURSO.

1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.

2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.

3. Precedentes do STF.

(RHC nº 7216/SP, STJ, 5ªT, Rel. Min. Edson Vidigal, D. J. 25.05.98, por unanimidade, negar provimento)

Há dois pontos que precisam ser apreciados sob a ótica do princípio da proporcionalidade. O primeiro ocorre quando o direito de maior relevância for o violado. Neste caso, tal direito deverá ser tutelado pelo Poder Judiciário e, conseqüentemente, a prova ilicitamente obtida não deverá ser aceita. O segundo acontece no momento em que o direito oriundo da prova ilicitamente obtida possuir maior relevância que o direito violado pela ilicitude na obtenção da prova. Neste caso, a prova ilícita deverá ser aceita válida e eficazmente.

Em decorrência disso, é indubitável que o princípio ou teoria da proporcionalidade exige que sejam sopesados os interesses e direitos postos em questão, predominando o de maior relevância.

Porém, com certeza não é fácil o papel do Julgador quando da valoração desses direitos colocados em confronto, já que ambos possuem pesos distintos conforme a situação concreta que se apresentam.

Para que o juiz tenha possibilidade de saber se é cabível a utilização da prova, ele deverá fixar uma prevalência axiológica de um dos bens, quando comparado com outro bem, de acordo com os valores existentes no momento da apreciação.

No entanto, não se trata de realizar um cotejo valorativo abstrato dos bens em confronto, tendo em vista que o princípio da proporcionalidade tem como exigência a ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo em determinada situação.

2.4. A prova ilícita por derivação no direito comparado

Questão atual e importante diz respeito à chamada prova ilícita por derivação, casos em que a prova deriva de outra obtida ilicitamente, isto é, provas que são lícitas em si mesmas, mas que são oriundas de alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida.

São os casos, por exemplo, da confissão colhida por meio de tortura, em que o réu afirma o local onde se encontra o produto do crime, que vem a ser posteriormente apreendido, e a interceptação telefônica clandestina, na qual o órgão policial descobre uma testemunha do ocorrido, que, após seu depoimento, incrimina o acusado.

A prova ilícita por derivação é conhecida como a "teoria dos frutos da árvore envenenada" (the fruit of poisonous tree), criada pela Suprema Corte norte-americana, onde o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

A Suprema Corte norte-americana entende que as provas serão ilícitas quando obtidas por agentes públicos estaduais ou federais, por serem reputadas inconstitucionais consoante a IV Emenda. Esta tutela os direitos individuais dos cidadãos, como também dispõe acerca das garantias fundamentais contra a ingerência do Estado na esfera particular do indivíduo. Não

se permite que o Estado interfira no âmbito particular do cidadão, visto que a IV Emenda é considerada uma forma de proteção do particular contra atos abusivos dos agentes estatais.

Entretanto, pode-se afirmar que a doutrina dos frutos da árvore envenenada não é absoluta, tanto que o Direito americano, criador da referida doutrina, reconheceu quatro exceções, ou limitações, na Jurisprudência.

A primeira limitação é a chamada "Limitação da Fonte Independente" (The Independent Source Limitation), que foi aplicada no caso Silverthorne, em que os fatos apurados através de uma violação constitucional não seriam, necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que tivessem condições de serem provados por uma fonte independente.

A exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada também foi invocada pela Suprema Corte norte-americana nos casos "Bynum v. US" e "US v. Crews", no sentido de que a obtenção da prova mediante fonte independente não sofreria a influência da violação regulada na IV Emenda, tendo perfeitas condições de ser utilizada, por não estar diretamente ligada com a árvore.

Outro episódio aconteceu no caso "Murray v. US", de 1988, quando a polícia possuía indícios suficientes para conseguir um mandado de busca, motivada pela possibilidade de ocorrência do delito de contrabando.

Porém, ilegalmente, procedeu à busca carecendo do necessário mandado, encontrando o corpo de delito no local. A polícia retirou-se do local da busca e, sem fazer menção ao que foi encontrado, obteve do Magistrado um mandado calcado apenas nos indícios previamente conhecidos.

Posteriormente, de posse do necessário mandado, a polícia realizou a busca e apreendeu o contrabando. Nesta decisão, a maioria da Corte manifestou-se afirmando a necessidade da prova de que o mandado não havia sido requerido com base no que foi encontrado ilegalmente, mas apenas pelos indícios anteriores à diligência ilegal.

O Tribunal salientou que, em sentido contrário, estaria se reconhecendo uma relação de dependência e a limitação não poderia ser aplicada. A decisão não foi unânime, já que alguns julgadores pugnaram a fundamentação da exclusionary rule, dizendo que o reconhecimento da limitação por fonte independente poderia encorajar policiais a primeiro constatar ilegalmente o crime, para somente depois requerer, se ainda oportuno, o mandado, o que ensejaria sucesso em todos os casos. Contudo, tal fundamentação não prevaleceu, e a analisada limitação foi aplicada.

Caso bastante interessante também foi o "Segura v. US", de 1984. Policiais sem mandado entraram e permaneceram por horas na residência de um acusado, tempo em que o mandado estava sendo providenciado com base em informações obtidas anteriormente ao ingresso ilegal na mencionada residência.

A Suprema Corte norte-americana, em maioria, aplicou a limitação da fonte independente, argumentando que as provas não possuíam correlação direta à ilegalidade realizada, mas ao mandado obtido perante o magistrado competente, sem qualquer tipo de conexão.

É necessário o exame cuidadoso para o reconhecimento da "Limitação da Fonte Independente" (The Independent Source Limitation), em vista da exigência da demonstração cabal de que a prova a ser valorada pelo julgador originou-se de uma fonte autônoma, sem qualquer relação de dependência com a prova ilícita.

Caso não fique evidenciado no processo que a prova nasceu de uma fonte independente, deverá ser aplicada a doutrina da inadmissibilidade da prova derivada, sob pena de burlar facilmente tal proibição.

A segunda exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a denominada "Limitação da Descoberta Inevitável" (The Inevitable Discovery Limitation), significando que a prova decorrente de uma violação constitucional, como a IV Emenda, poderia ser aceita desde que pudesse, inevitavelmente, ser descoberta por meios jurídicos.

Não se trata de saber se a prova foi ou não obtida com abstração da árvore venenosa, pois, neste caso, a prova a ser admitida no processo é inconstitucional. Em decorrência disso, é indispensável avaliar se, mesmo sendo inconstitucional, tal prova seria hipoteticamente descoberta por meios jurídicos disponíveis.

No caso Nix V. Williams, de 1984, ficou estabelecido que a análise hipotética da descoberta da prova por meios jurídicos não pode se basear em meras conjecturas. No caso em apreço, a Suprema Corte expôs que é ônus da acusação provar que a informação ilegalmente obtida seria, inevitavelmente, adquirida por outros meios legais, reclamando fatos concretos, passíveis de pronta verificação.

A terceira exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a chamada "Limitação da Descontaminação" (The Purged Taint Limitation), segundo a qual, não obstante ilícita a prova, poderá ocorrer no processo um acontecimento capaz de purgar o veneno, imunizando os respectivos frutos conquistados.

Este fato teria o condão de tornar secundária a ligação da prova com a violação da norma constitucional. Dessa forma, a intervenção de um ato independente, como a posterior confissão espontânea, e em consonância com os direitos fundamentais do acusado, tornam a aludida prova como não sendo mais considerada obtida de uma ilegalidade, pois houve quebra do nexo de causalidade com a árvore envenenada.

No caso Wong Sun, policiais da narcóticos ingressaram, sem mandado, na residência de "A" e o prenderam. Este, imediatamente após sua prisão, fez uma confissão, acusando "B" como sendo o vendedor das drogas.

Posteriormente, "B" também foi preso pelos agentes policiais, sem o devido mandado, e prestou depoimento incriminando "C", que foi preso ilegalmente. Após alguns dias, "C" prestou, espontaneamente, declarações aos agentes policiais da narcóticos, confessando sua participação nos crimes.

Em conseqüência da confissão espontânea de "C", "A" e "B" invocaram, em seu favor, a doutrina dos frutos da árvore venenosa, requerendo a respectiva exclusão. A Suprema Corte Norte-Americana acolheu o pedido de "A" e "B".

Tentando aproveitar-se do mesmo fundamento, "C" também requereu a exclusão, afirmando que jamais teria confessado os crimes se não existissem as ilegalidades praticadas contra "A" e "B".

Todavia, a Suprema Corte Norte-Americana não deu provimento ao pedido de "C", mencionando que a sua confissão voluntária, realizada em conformidade aos seus direitos fundamentais, ensejou a atenuação da conexão entre a prisão e a confissão, a tal ponto que acabou por dissipar o veneno. Portanto, o ato praticado por "C" (confissão voluntária acerca dos crimes) rompeu o nexo de causalidade gerado pela prova ilicitamente obtida.

A quarta exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada consiste na "Limitação da Boa-Fé" (The Good Faith Exception), que foi inicialmente aplicada pela Suprema Corte Norte-Americana, no caso United States v. Leon, em 1984, quando os policiais realmente acreditaram que sua diligência havia observado as disposições da IV Emenda.

Em Leon, policiais da Califórnia cumpriram, de boa-fé, um mandado que foi posteriormente invalidado. Os acusados invocaram a supressão da prova com base na doutrina dos frutos da árvore envenenada, sendo que a Suprema Corte Norte-Americana indeferiu a postulação dos acusados, fundamentando sua decisão na exceção em exame.

Cumpre referir a observação feita por Danilo Knijnik quando da apreciação de uma prova que tenha decorrido de uma prova ilícita, sendo que o referido autor menciona uma quinta limitação à doutrina dos frutos da árvore envenenada, in verbis:

Isso não quer dizer que, diante de toda e qualquer prova originariamente ilícita, deva ocorrer a supressão das evidências dela derivadas. Cumpre aqui recordar que os tribunais deverão, necessariamente, verificar se o caso não se subsume a uma dentre as cinco limitações abaixo:

  • Limitação da Fonte Independente, segundo Wong Sun v. United States, 1963.

  • Limitação da Descoberta Inevitável, segundo Nix v. Williams, 1984.

  • Limitação da Descontaminação, segundo United States v. Ceccolini, 1978.

  • Limitação da Boa-Fé, segundo United v. Leon, 1984; e, ainda

  • Limitação da Expectativa Legítima e Pessoal, segundo Rakas v. Illinois, 1978.

Como afirmou o Justice Frakfurther em United States v. Ceccolini, ‘aqui, como em Silverthorne, os fatos impropriamente obtidos não se tornam sagrados e inacessíveis.’ Será, pois, imprescindível passar a uma segunda etapa e verificar se não é possível imunizar os frutos colhidos, após o que, realmente, se deverá rejeitar o material probatório em questão.

No Brasil, não há qualquer disposição legal acerca da prova ilícita por derivação, sendo que a solução dos casos é buscada na doutrina e na jurisprudência.

Relativamente a esta matéria, ocorreu um julgamento no Supremo Tribunal Federal que causou grande repercussão no meio jurídico, nos seguintes termos:

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.

(HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria)

Quanto a esta decisão, ocorreu divergência entre os Ministros a propósito da aplicação da doutrina dos frutos da árvore envenenada, tendo prevalecido, por maioria, a incidência de referida doutrina.

O relator do HC nº 69.912-0/RS, Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, foi favorável ao deferimento do hábeas corpus, conforme abaixo:

(...) o caso demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência americana constituiu sob a denominação de princípios dos fruits of the poisonous tree; é que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações telefônicas, interceptadas, só se pode chegar, segundo a própria lógica da sentença, em razão do conhecimento delas, isto é, em conseqüência da interceptação ilícita de telefonemas (...) estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita (...) De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela contidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.

Analisando o referido julgado do Supremo Tribunal Federal, em sede de hábeas corpus, é necessário afirmar que ele trouxe ao meio jurídico o entendimento de que deve ocorrer uma compatibilização entre a ampla liberdade que o Juiz possui para apreciar a prova e a limitação ensejada pela doutrina dos frutos da árvore envenenada. Há de se atentar não mais apenas à convicção formada pelo Julgador, mas também à forma pela qual essa convicção foi buscada.

Após o exame da polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe trazer outros julgados da mesma Corte, tendo utilizado o hábeas corpus nº 69.912-0/RS como precedente:

COMPETÊNCIA – HABEAS CORPUS – ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação a qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de Tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.

PROVA ILÍCITA – ESCUTA TELEFÔNICA – PRECEITO CONSTITUCIONAL – REGULAMENTAÇÃO. Não é auto-aplicável o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. E surge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional.

PROVA ILÍCITA – CONTAMINAÇÃO. Decorrendo as demais provas do que é levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente: habeas-corpus nº 69.912/RS, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994.

(HC nº 73.510-0/SP, STF, 2ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, D. J. 12.12.97, deferido, por maioria)

HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE.

(...)

Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta.

(HC nº 73.351-4/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, D. J. 19.03.99, deferido, por maioria)

A decisão realizada no HC nº 73.351-4/SP, acima transcrita, foi comentada por Sérgio Salomão Shecaira, ipsis literis:

Certamente, a posição mais sensível às garantias da pessoa humana e mais afinada com a moderna concepção do processo penal, voltada à tutela da liberdade dos acusados, é no sentido de inadmitir-se as provas ilícitas por derivação, tal como fez o v. acórdão referido. Enfim, mesmo sendo processado alguém que carrega a pecha de ‘traficante’, não lhe foram retirados os direitos inerentes à cidadania, em decisão que, em nosso entender, é um banho de legalidade.

Portanto, não obstante a ausência de disposição legal a respeito do assunto, a posição do Supremo Tribunal Federal, conforme as decisões acima trazidas, é clara no sentido de que as provas ilícitas por derivação não devem ser aceitas, em consonância com a doutrina dos frutos da árvore envenenada e pelo efeito preventivo do disposto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal Brasileira, que será examinado em tópico próprio.

Sobre o autor
Vinícius Daniel Petry

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRY, Vinícius Daniel. A prova ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 150, 29 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4534. Acesso em: 18 nov. 2024.

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