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A prova ilícita

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Agenda 29/11/2003 às 00:00

O presente estudo examina o instituto da prova ilícita, iniciando-se pelos princípios processuais relativos à prova, destacando-se o sistema de avaliação do livre convencimento motivado.

Resumo: O presente estudo examina o instituto da prova ilícita, iniciando-se pelos princípios processuais relativos à prova, destacando-se, aqui, o sistema de avaliação do livre convencimento motivado. No que tange ao assunto propriamente dito, a Lei Fundamental preconiza a vedação dos meios de prova obtidos ilicitamente, tendo a doutrina e a jurisprudência, de forma majoritária, adotado o entendimento da relativização do texto constitucional, baseados no princípio da proporcionalidade, que deve ser o norteador das soluções das demandas apresentadas no meio jurídico, servindo, também, para os casos de prova ilícita por derivação. Neste contexto, tem-se como propósito, também, estudar a ilicitude de elementos probatórios na esfera processual civil, enfatizando-se a gravação clandestina ambiental e de conversas telefônicas, a fotografia e, ainda, aspectos atinentes à interceptação de comunicações telefônicas. Esta somente pode ser autorizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, e, conseqüentemente, por um Juiz referente ao campo de apuração (criminal). Antes do advento da Lei nº 9.296/96 - responsável pela regulamentação do procedimento interceptatório - todas as autorizações judiciais neste sentido são nulas, ensejando a ilicitude da prova por este meio colhida. Além disso, demonstra-se a possibilidade de utilização do material coletado desta forma no âmbito processual civil, desde que tenha sido respeitado o princípio do contraditório na ação penal.


INTRODUÇÃO

A prova possui importância no processo judicial na medida em que contribui diretamente para a formação do convencimento do julgador acerca da lide. Ela pode ser produzida de várias formas, quais sejam, com a realização de perícia (prova pericial), a oitiva de testemunhas (prova testemunhal), o depoimento das partes, a juntada de documentos (prova documental), etc.

É necessário, no entanto, que o juiz acolha e valore, em regra, apenas os meios de prova considerados lícitos, sob pena de causar insegurança jurídica. Primeiramente, tem o dever de observar os princípios atinentes à prova, sendo este o ponto de partida do presente estudo.

Após este exame, passar-se-á diretamente ao instituto da prova ilícita, argumentando-se com o direito de todos os cidadãos de demonstrar os fatos por eles afirmados, o denominado direito à prova.

Pretende-se, posteriormente, conceituar a prova ilícita, tecer considerações sobre suas correntes doutrinárias, analisando-se, profundamente, o princípio da proporcionalidade, e mostrar aspectos concernentes à prova ilícita por derivação, conhecida pelos juristas brasileiros como a teoria dos frutos da árvore venenosa ou envenenada.

Objetiva-se, ainda, apresentar elementos a propósito da ilicitude da prova no ordenamento jurídico brasileiro, iniciando-se com a previsão do sistema constitucional vigente.

Adentra-se, em seguida, na esfera processual civil, onde há importância no estudo do comando legal constante do Código de Processo Civil, nas gravações clandestinas e na fotografia.

Investiga-se o instituto da interceptação de comunicações telefônicas no Brasil, seu significado e abrangência, sua licitude ou não como meio de prova com o advento da Constituição Federal de 1988, como também no lapso entre esta e a Lei nº 9.296/96, responsável por sua regulamentação.

Busca-se examinar referida lei, apresentando-se quais as formas aceitas e não admitidas pelo sistema jurídico brasileiro de captação de comunicações telefônicas.

Por fim, almeja-se investigar a respeito da possibilidade da utilização da prova obtida mediante interceptação telefônica no processo civil veiculada por prova emprestada.

Houve a necessidade da realização de pesquisa bibliográfica e legislativa nas áreas do Direito Processual Civil, Constitucional e Processual Penal.

Para o desenvolvimento do assunto, escolheram-se os métodos dedutivo e analítico. Este, pelo fato de serem apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre os institutos mais relevantes, no intento de corroborar ou criticar normas legais e/ou constitucionais. Aquele, pelo motivo de se iniciar o estudo no sistema probatório brasileiro, seguindo-se na ilicitude da prova lato sensu e, ao final, perquirindo-se a legalidade ou não de algumas de suas modalidades, especificando-as. Em vista disso, partiu-se do geral para o particular.

Esse é o objetivo do estudo, o que se aguarda tenha logrado êxito.


1. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS RELATIVOS À PROVA

1.1. Princípio dispositivo

O princípio dispositivo significa que as partes devem ter a iniciativa de levar ao processo as alegações e o material probatório que serão utilizados pelo julgador para a formação do seu convencimento.

Os países que consagram de forma absoluta aludido princípio vedam que o juiz, por exemplo, determine ex officio a produção de uma prova que entenda necessária e que não tenha sido requerida, sendo que, nestes casos, as partes possuem o poder exclusivo de fazerem suas afirmações e trazerem as provas que entenderem pertinentes.

Os defensores deste entendimento afirmam a exigência de preservar a imparcialidade do magistrado, que poderia ser quebrada, caso lhe fossem concedidos maiores poderes investigatórios.

O direito processual pátrio determina a iniciativa exclusiva das partes no que tange aos fatos alegados no processo, não se admitindo que o juiz profira a sentença com base em situação fática estranha à lide.

Contudo, tendo em vista a autonomia do direito processual, seu enquadramento no ramo do direito público, como também o poder-dever que tem o Estado de prestação jurisdicional, nosso sistema processual não adota o princípio dispositivo de maneira irrestrita, passando o juiz de mero espectador para uma posição ativa no processo.

Em decorrência disso, o julgador pode ordenar de ofício as provas necessárias à instrução do processo, consoante os termos do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, sempre observando o tratamento igualitário às partes. Pode-se afirmar, portanto, que a aplicação do princípio dispositivo em relação à produção das provas foi atenuado no nosso sistema processual.

Não obstante os termos do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, em regra, incumbe à parte provar o fato por ela alegado, consoante regra do artigo 333 do citado diploma legal, que enuncia o seguinte:

O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor;

Assim, tanto o autor, a partir de sua petição inicial, quanto o réu, em sua defesa, possuem o ônus de provar os fatos por elas alegados. Por exemplo, caso o réu apresentar sua contestação tempestivamente limitando-se a negar o fato alegado pelo autor, o ônus da prova certamente incidirá sobre este, uma vez que cabe ao postulante demonstrar a veracidade do fato alegado na petição inicial.

Porém, se o requerido contestar a ação, afirmando fato capaz de elidir a situação fática invocada pelo requerente, certamente o ônus probatório recairá sobre aquele, com base na regra do artigo 333, II, do Código de Processo Civil Brasileiro.

A palavra "ônus" não significa que a parte tenha obrigação de provar o fato por ela narrado, mas sim o encargo de tal providência, isso porque a inobservância de uma obrigação gera uma sanção, o que não ocorre com a parte que deixa de provar o fato por ela afirmado.

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Tal entendimento é corroborado por Humberto Theodoro Júnior, nos seguintes termos:

No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.

Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.

Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.

A respeito, invoque-se, ainda, a análise de Ovídio A. Baptista da Silva:

Como todo direito se sustenta em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabelecer, como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato para dele derivar a existência de algum direito incumbe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes.

1.2. Princípio do contraditório e da ampla defesa

O artigo 5º, LV, da CF/88, preceitua que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Observa-se que o direito de defesa é garantido tanto ao autor como ao réu, existindo o direito das partes de alegarem fatos e de prová-los por meios lícitos.

O contraditório pode ser definido mediante a expressão audiatur et altera pars (ouça-se também a outra parte), ensejando o aparecimento da dialeticidade processual.

Ao contrário do que ocorre no processo penal, onde é imperativa a ocorrência do contraditório efetivo, tanto que a confissão do acusado, isoladamente, não pode servir de base para a sua condenação, no processo civil é aceito o denominado contraditório virtual, no sentido de que é admitido que o juiz profira sentença condenatória baseada na revelia do réu.

A regra é de que o contraditório seja absoluto no processo de conhecimento, mas pode sofrer limitações em virtude da sumarização de mencionada ação judicial, como também nas ações de execução e cautelares.

No processo de execução, por exemplo, o executado tem direito de defesa por meio de embargos à execução, mas o contraditório não é pleno, uma vez que o Código de Processo Civil Brasileiro prevê um rol taxativo de circunstâncias possíveis do executado embargar o processo executivo.

No âmbito do direito probatório, o contraditório manifesta-se na oportunidade que as partes têm para requerer a produção de provas, o direito de participarem diretamente de sua realização, bem como o direito de se pronunciarem a respeito do seu resultado. O princípio do contraditório necessita ser observado durante toda a fase instrutória do processo, sob pena de cerceamento de defesa e possível desconstituição da sentença com base em tal fundamento.

1.3. Princípio da imediação

O juiz é o responsável pela direção do processo. Este poder que a lei lhe confere se depreende quando ele fixa prazos, declara a abertura ou o encerramento da audiência, oportuniza que as partes se manifestem acerca de documentos ou do laudo pericial, ouve os peritos e as testemunhas.

Em audiência, compete ao juiz proceder, direta e pessoalmente, à colheita das provas, consoante regra estabelecida no artigo 446, II, do Código de Processo Civil.

Em decorrência disso, deve ouvir as partes, seja em interrogatório ou em depoimento pessoal, inquirir as testemunhas, fazendo as indagações formuladas por ele ou pelos procuradores das partes, colher esclarecimentos do perito sobre o laudo pericial e do assistente técnico a propósito do parecer técnico. Este é o princípio da imediação.

Tendo em vista que as partes possuem como objetivo a produção de sua prova oralmente, existe a necessidade de que o juiz atue de forma imediata, colhendo a prova oral efetiva e pessoalmente.

O juiz deve ter relação direta com a prova oral, não admitindo, em hipótese alguma, que ela seja mediada por outra pessoa, como, por exemplo, deixar claro que os advogados não podem fazer perguntas diretamente às partes, ou seja, às testemunhas, aos peritos ou assistentes técnicos.

Conseqüentemente, é vedado o relato realizado em Tabelionato ou colhido por escrivães, secretários ou mesmo outro julgador que não seja o titular do processo. O objetivo do mencionado princípio é que o magistrado constate diretamente se a testemunha está falando a verdade, para que, posteriormente, tenha melhores meios para avaliar a prova oral.

Quando o juiz estiver colhendo a prova oral e já estiver convencido sobre os fatos relatados, não é recomendado que ele registre, na ata de audiência, sua impressão pessoal valorativa a respeito das declarações prestadas. É necessário observar que neste momento o magistrado está na fase instrutória do processo e somente deve emitir sua convicção pessoal sobre o relato testemunhal quando da prolatação da sentença.

Contudo, não há como observar o princípio da imediação em todos os casos que se apresentam no meio jurídico, sendo cabível a análise de suas exceções.

O modo mais freqüente de distanciamento do magistrado com a prova oral são as cartas, tanto a chamada carta rogatória, expedida quando a parte ou testemunha estiver domiciliada fora do país, quanto a carta precatória, emitida quando a parte ou testemunha resida em comarca diversa da localidade onde tramita o processo.

Nessas situações, não será o juiz do processo quem procederá a oitiva das testemunhas ou o depoimento pessoal da parte, mas ele tem a possibilidade de remeter ao juízo deprecado perguntas que julgar relevantes. Tais indagações serão consideradas supletivas àquelas formuladas pelo magistrado que efetivamente colherá a prova oral.

Outras duas hipóteses excepcionam o contato direto do juiz com a prova oral. A primeira é quando há necessidade de intérpretes para a oitiva de estrangeiros ou surdos-mudos.

A segunda situação ocorre na produção antecipada de provas, em que existe a importância de ouvir a parte ou testemunha antes da propositura da ação. A futura ação principal poderá ser distribuída a julgador diverso daquele que ouviu antecipadamente a prova oral. Todavia, nenhuma das exceções expostas tem o condão de esvaziar o sistema do princípio da imediação.

Pelo princípio do duplo grau de jurisdição, os processos sentenciados poderão ser reexaminados pela instância superior mediante recurso legalmente previsto.

Nessas circunstâncias, os efeitos do princípio da imediação praticamente não ocorrem, uma vez que a prova oral foi produzida na fase instrutória do processo e não será renovada para o julgamento do recurso.

Não há, em regra, a oitiva de testemunhas ou o depoimento pessoal das partes na sessão onde será apreciado o recurso interposto. Isso tanto é verdade que, mesmo em se tratando de processos de competência originária dos Tribunais, é comum a delegação da oitiva de testemunhas a juízes de primeiro grau.

O princípio da imediação visa, em última análise, aproximar o magistrado da prova oral, para que no momento da prolatação da sentença, tenha condições de chegar o mais próximo da verdade, propiciando uma decisão justa, devendo ser esta o ideal do Direito.

1.4. Princípio da identidade física do juiz

O artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro enuncia que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor".

Este é o princípio da identidade física, relativamente ao fato de que o juiz responsável pela prova oral e finalizador da audiência de instrução e julgamento tem a obrigação de proferir a sentença. A exigência é no sentido de que apenas aquele que concluiu a audiência julgará a lide.

O artigo 455 do referido diploma legal afirma que "a audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só dia, a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu prosseguimento para dia próximo".

Por conseqüência, quem iniciou a audiência e, por algum motivo, a suspendeu, designando data posterior, não se vincula à prolatação da sentença.

Nelson Nery Júnior entende que não obstante tenha o juiz concluído a audiência, não terá o dever de proferir a sentença se for afastado do órgão judicial por quaisquer dos motivos elencados no artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro, consoante os termos abaixo:

4. Afastamento do juiz. Mesmo que tenha concluído a audiência, o magistrado não terá o dever de julgar a lide se for afastado do órgão judicial, por motivo de convocação, licença, cessação de designação para funcionar na vara, remoção, transferência, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria. Incluem-se na exceção os afastamentos por férias, licença-prêmio e para exercer cargo administrativo em órgão do Poder Judiciário (Assessor, Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça etc.).

A observância do comando legal em exame é obrigatória pelo juiz, pois se trata de norma cogente, de interesse público.

Salvo as exceções previstas no referido artigo, se a sentença for proferida por magistrado diverso daquele que concluiu a audiência de instrução e julgamento, tal decisão será reputada como absolutamente nula.

Certamente, o objetivo do princípio em análise diz respeito à maior probabilidade que terá aquele que colheu a prova oral e praticou atos de forma concentrada na audiência de decidir da maneira mais eficiente e justa.

O princípio da identidade física do juiz não tem aplicação em juízos coletivos, como o da Justiça do Trabalho, nas demandas em que não há lide, caso da jurisdição voluntária, bem como nos procedimentos documentais, sendo exemplo típico o mandado de segurança. Vários países reconhecem mencionado princípio em seus códigos de processo civil, podendo-se citar Portugal, Itália e México.

O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 consagrou o princípio da identidade física de maneira radical, tanto que caso um magistrado iniciasse a instrução do processo e fosse promovido, tinha o dever de retornar à comarca para dar prosseguimento à audiência de instrução e julgamento.

Após o advento da Lei 8.637/93, que deu nova redação ao artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro, ocorreram mudanças na aplicação do princípio, já que a comentada norma legal trouxe expressamente exceções, como a convocação, licença, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria.

O melhor é que o julgador mais presente e atuante no encadeamento dos atos processuais certamente disporá das melhores condições de observar outro princípio processual relevante, o do livre convencimento motivado.

1.5. Princípio do livre convencimento motivado

Primeiramente, cabe referir a existência, no direito processual, de três grandes sistemas de avaliação da prova: o sistema da prova legal ou tarifada, o da livre apreciação e o do livre convencimento motivado ou também denominado pelos doutrinadores de sistema da persuasão racional.

O critério da prova legal ou tarifada considera que cada prova possui um valor previamente preconizado em lei, não sendo admissível sua valoração conforme impressões próprias. Deve, o juiz, observar os exatos termos da lei quando da avaliação do conjunto probatório.

Em decorrência disso, conquanto a prova produzida na ação judicial não demonstre a verdade e a lei lhe atribua valor, o magistrado precisa decidir com base nela, desconsiderando totalmente os fatores racionais que poderiam formar seu convencimento.

Esse sistema de avaliação da prova foi muito utilizado no direito medieval, onde o valor da prova testemunhal era previsto em lei e o julgador estava vinculado a observá-lo.

Por exemplo, o depoimento de um servo jamais tinha o mesmo peso que o de um nobre. Porém, a declaração realizada por dez servos correspondia à de um nobre ou senhor feudal, embora o juiz tivesse certeza de que o depoimento prestado pelo servo era o verdadeiro.

No sistema da livre apreciação da prova, o juiz é totalmente livre para formar seu convencimento acerca dos fatos, porque pode utilizar suas convicções pessoais, ainda que não decorram logicamente das provas e dos fatos constantes do processo.

Caracteriza-se este sistema como o oposto do critério da prova legal, uma vez que o magistrado não tem a obrigação de observar previsões legais valorativas atinentes à prova.

Porém, é relevante o alerta dado quanto ao perigo pela opção ao critério da livre apreciação da prova, ipsis literis:

No segundo, ao contrário, ao juiz se entrega poder arbitrário, porquanto, não apenas não se lhe limita o exame, podendo inclusive lançar mão de seu conhecimento privado, como se o dispensa de motivação. É o julgamento secundum conscientiam, de que serve como exemplo, hoje, e em nosso sistema processual penal, o que realiza o jurado. Exatamente porque de consciência, do julgamento se poderia demitir, ‘jurando sibi non liquere’.

Os sistemas probatórios modernos não utilizam o critério da prova legal, tampouco o da livre apreciação da prova.

Existe a preferência por um modelo misto, chamado de livre convencimento motivado ou da persuasão racional, baseado em características dos dois tipos acima referidos.

O direito processual brasileiro, no que tange à avaliação da prova, optou pelo princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, conforme se depreende dos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil pátrio:

O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

O julgador brasileiro, como regra, não está adstrito à lei no que se refere à valoração da prova, assim como não tem liberdade total para apreciá-la, porque há a condição de que se limite a observar os elementos probatórios pertencentes ao processo. Ademais, o artigo 93, IX, da CF/88, exige decisão fundamentada do magistrado, in verbis:

Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.

O Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, suscitou a vigência do princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional no sistema processual brasileiro, como também aduziu seu significado:

CRIMINAL. RMS. BUSCA E APREENSÃO. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. LEGALIDADE DA DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

O mandado de segurança constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como as alegações de que a decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente estaria fundamentada exclusivamente em prova ilícita, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade. A busca e apreensão, como meio de prova admitido pelo Código de Processo Penal, deverá ser procedida quando houver fundadas razões autorizadoras a, dentre outros, colher qualquer elemento hábil a formar a convicção do Julgador.

Não há qualquer ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente, se esta foi proferida em observância ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, visando a assegurar a convicção por meio da livre apreciação da prova. Não obstante ser cabível a utilização de mandado de segurança na esfera criminal, deve ser observada a presença dos seus requisitos constitucionais autorizadores.

Ausente o direito líquido e certo, torna-se descabida a via eleita.

(ROMS nº 7691/DF, STJ, 5ª T, Rel. Min. Gilson Dipp, D.J. 03.06.02, negado provimento, unânime)

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. LAUDO PERICIAL. NÃO-ADSTRIÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CULPA E NEXO CAUSAL. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. ENUNCIADO N.7 DA SÚMULA/STJ.RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

I - Inadmissível em nosso sistema jurídico se apresenta a determinação ao julgador para que dê realce a esta ou aquela prova em detrimento de outra. O princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico.

II - Nos termos do artigo 436, CPC, "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos", sendo certo, ademais, que o princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico.

III - Para fins de pré-questionamento, é indispensável que a matéria seja debatida e efetivamente decidida pelo acórdão impugnado, não bastando que o Colegiado "mantenha" a sentença por seus próprios fundamentos.

IV - O recurso especial não é a via apropriada para reexame de fatos e provas dos autos, a teor do enunciado n. 7. da súmula/STJ. (RESP nº 400977/PE, STJ, 4ª T, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J. 03.06.02, não conhecido, por maioria)

Processual civil. Recurso especial. Ação de indenização. Livre Convencimento. Reexame das provas. Vedação. Enunciado 7/STJ.Embargos declaratórios. Caráter infringente. CPC, artigo 535. Ofensa não caracterizada.

Estando bem fundamentado o acórdão recorrido, prevalece o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma sua convicção a partir das provas, da legislação pertinente, da jurisprudência, sem estar vinculado às alegações de qualquer das partes.

(AGA nº 405610/SP, STJ, 3ª T, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, D.J. 25.02.02, negado provimento, unânime)

HABEAS CORPUS. TESTEMUNHA. ARTIGO 208 DO CPP. COMPROMISSO.

O deferimento de compromisso à testemunha contraditada e que não poderia prestá-lo, a teor da letra do artigo 208, última parte, do Código de Processo Penal, não vicia a ação penal, mas exterioriza-se como mera irregularidade, pois, não encerrada a instrução e dentro do princípio do livre convencimento motivado, o juiz, não adstrito a critérios de valoração apriorístico, atribuirá ao depoimento o peso que sua consciência indicar, mediante fundamentação, nisto residindo, como, aliás, assevera, na exposição de motivos do Código de Processo Penal, do Ministro FRANCISCO CAMPOS, "a suficiente garantia do direito das partes...".

(HC nº 11896/RJ, STJ, 6ª T, Rel. Min. Fernando Gonçalves, D.J. 21.08.00, denegada a ordem, unânime)

A propósito do mencionado princípio, importante comentário foi feito por Nelson Nery Júnior:

2. Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.

Correto afirmar, então, a exigência de motivação em todas as decisões judiciais, ou seja, deve ocorrer a apresentação dos fundamentos pelos quais se está decidindo daquele modo.

Além disso, não é apenas o Código de Processo Civil Brasileiro que adota expressamente o princípio do livre convencimento motivado (artigo 131), mas também o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 157, dispondo que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova".

Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, alude que a sentença precisa ser motivada, pois a observância desta exigência é garantidora da segurança contra os abusos ou excessos, os erros de apreciação.

Sobre o autor
Vinícius Daniel Petry

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRY, Vinícius Daniel. A prova ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 150, 29 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4534. Acesso em: 18 nov. 2024.

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