1 – DO OBJETIVO DESTE ARTIGO
O artigo em questão objetiva o desnudamento de negócio jurídico com base na legislação civil brasileira e semelhanças com o regramento argentino, no qual as partes celebraram contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel, cuja cláusula A estabeleceu que o valor do negócio contemplasse a quantia em dinheiro de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) com sinal (arras) de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a serem pagos pela promitente compradora às Promitentes Vendedoras, estabelecendo o item “b” da cláusula em comento que:
[...]
b) R$ 130.000,00 (CENTO E TRINTA MIL REAIS) quantia esta que será paga assim que toda a documentação for apresentada pelas PROMITENTES VENDEDORAS nos termos da cláusula quarta deste instrumento juntamente com a assinatura da escritura pública e definitiva e posse do imóvel.
[...]
A Cláusula B por sua vez, dispôs que na hipótese de não cumprimento do negócio por qualquer das partes, responderia a parte inadimplente pela devolução em dobro da quantia estabelecida a título de sinal.
Ocorre que a Promitente Compradora após o cumprimento da primeira parte da cláusula A notificou as Promitentes Vendedoras ao implemento de sua quota parte do negócio celebrado, qual seja, o fornecimento dos documentos necessários para a realização da escrituração definitiva e, de tal maneira, a primeira realizasse o pagamento da parcela final do negócio o que determinaria a transferência definitiva da posse ao seu patrimônio.
Todavia, as Promitentes Vendedoras para o não cumprimento da avença, levantaram a previsão contratual de resolução prevista na cláusula B ao argumento de que a Compradora buscava a transferência do domínio do bem antes do pagamento acertado.
Face ao Exposto, não havendo outra alternativa, a Compradora ingressou com procedimento judicial de Obrigação de Fazer em face das Vendedoras requerendo liminarmente que estas apresentassem os documentos necessários à escrituração, recebessem a quantia final ajustada e transferissem o domínio do bem, o que foi de plano aceito pelo Magistrado.
Inconformadas, interpuseram Agravo de Instrumento [1] visando a reforma da decisão interlocutória perante determinado Tribunal de Justiça, que restou indeferido por 02 (dois) votos a 01 (um), vencido o Relator.
A posição majoritária agarrou-se no fato de que as partes celebraram um acordo de forma livre, preenchendo todos os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade onde a Compradora Agravada estava nitidamente prejudicada no cumprimento de sua quota parte final por restrição indevida das Vendedoras/Agravantes, não havendo embasamento justificável para o não cumprimento e o levantamento da previsão contratual da cláusula resolutiva por parte das Alienantes.
Tal tese foi reforçada no Voto do Desembargador Vogal que acrescentou ainda a questão de que as Agravantes ao manterem-se inertes quanto a devida obrigação de agir, ou melhor, apresentar os documentos para a finalização do negócio, frustraram uma expectativa do Comprador/Agravado.
Delimitadas as questões fáticas e jurídicas iniciais, imperiosa a análise do caso destacando conceitualmente a avença, balizando os elementos constitutivos do contrato e do negócio jurídico em simetria com a causa do negócio jurídico.
Tal investigação, entretanto, ponderou o fato de que a causa está prevista no Ordenamento Jurídico brasileiro de maneira indireta em algumas disposições legais, refletindo no plano de eficácia ou validade do negócio, porquanto se buscou clarear referida relação negocial com a aplicação da base principiológica da Teoria da Aparência também não prevista expressamente no Ordenamento Jurídico Brasileiro e que vem contribuindo para extensos debates doutrinários e jurisprudenciais já que o Código Civil Brasileiro não prevê a validade da aparência do direito.
1 – INTRODUÇÃO
As relações jurídicas assim como toda a sociedade estão em constantes alterações. No plano do negócio jurídico, o individualismo exacerbado perdeu força ao longo dos anos, dando azo a novas conjunturas, como a intervenção Econômica do Estado e a aplicação do princípio da solidariedade nas relações contratuais em evidente mitigação à força obrigacional dos contratos, porquanto a inexistência de limitação dos sujeitos de direito gerava impactos prejudiciais às relações negociais.
É nesta conjuntura que, por exemplo, o Código Civil Brasileiro de 1916, alicerçado numa visão oitocentista de Capitalismo Liberal colonial não se demonstrou estável como fora almejado, sendo revogado e alterado inúmeras vezes dando abertura aos chamados microssistemas.[2]
Tal situação, impulsionada principalmente em razão da edição da Constituição Federal de 1988 no Brasil, com uma série de princípios em seu bojo caracterizados como autoaplicáveis fez emergir o Código Civil de 2002 que trouxe ao seu âmago princípios constitucionais de civilidade, boa convivência social e urbanidade; eticidade e operacionalidade, visando a ruptura com o caráter individualista da Lei então vigente possibilitando, portanto, a anulação de negócios jurídicos por erro e a revisão contratual com base na solidariedade contratual[3].
Nesse sentido, tem-se que o Novo Código Civil bancou a teoria da confiança e da boa fé objetiva como padrão a ser cumprido[4].
Portanto, a confiança, como expectativa gerada do que é previsivelmente aguardado impera para que o negócio jurídico bilateral seja impregnado pela justiça e solidariedade, buscando assim, “sua conformação com uma dimensão social hábil a lhe conferir uma função ordenadora da tutela de todos os interesses relevantes. A autodeterminação requer uma liberdade partilhada, apta a contemplar todos os patícipes da relação jurídica.” (CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Introdução a Teoria Geral dos Contratos. 3.ed. Salvador: Editora Juspodivm. 2013).
2 – DA ANÁLISE CONCEITUAL DO CONTRATO: CLASSIFICAÇÃO E DOS ELEMENTOS DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA
A ficção conceitual não é tarefa das mais fáceis, ainda mais quando se trata de tema que já demandou profundas e divergentes discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Portanto, buscar uma definição unânime seria um adágio de vivacidade inglória.
Logo, apegado na Brilhante doutrina de Gagliano e Panplona Filho[5], podemos definir o contrato da seguinte maneira:
Negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.
Neste prisma, adentrando na esfera do contrato sob enfoque, temos que o objetivo da negociação foi a transferência (pelas vendedoras) ao comprador do domínio do imóvel mediante uma remuneração, ou melhor, o preço.
Logo, e atentando-se à definição inicial temos que as partes necessariamente nesta relação jurídica deveriam ter mantido o respeito à lealdade negocial, com cada qual cumprindo sua quota parte da avença, objetivando uma equivalência material entre as partes, mais precisamente, dando iguais condições para o cumprimento de suas prestações no contrato.
E o que se observa, foi totalmente o contrário, porquanto não houve por parte das vendedoras um tratamento idôneo ao comprador já que não cumpriu um dos deveres gerais que era a obrigação patrimonial de fazer, ou melhor, apresentar a documentação necessária para a escrituração e transferência de domínio mediante o pagamento da parcela final neste ato.
Alegaram para o descumprimento a possibilidade contratualmente prevista de resolução da avença, o que, permissa vênia, se fosse aplicada ao caso discutido, certamente que ofenderia o princípio ora esgrimido.
Guilhermo Borda [6] (2000, p. 16), destaca que “la experiência social há puesto de manifiesto que no es posible dejar librados ciertos contratos al libre juego de la voluntad de las partes sin pertubar la pacífica convivencia social”.
Portanto, certeira a interferência estatal na questão em debate, com a determinação do cumprimento da avença até então não cumprida pelas Vendedoras já que as mesmas não tinham ao seu favor, o que podemos caracterizar de lesão ou estado de perigo[7].
As partes celebraram negócio jurídico no qual expressaram vontades, um de adquirir e os outros, de alienar, oportunizando a criação de uma relação jurídica.
O Caso em tela está inserido em uma espécie de negócio já amplamente conhecida e utilizada em todo o mundo, independente da diversidade legislativa para fixação de diretrizes e posicionamento do acordo de vontades para a circulação de riquezas, principalmente quando houve a manutenção da moeda como um valor universal.
Monteiro esclarece que (p. 96 apud CHAVES DE FARIAS E ROSENVALD, 2013, P. 592), ao dizer que “o contrato de compra e venda, em última análise, não passa de mera estabilização da troca primitiva”, em um evidente aspecto rem pro pretio.
Neste prisma, temos ainda que a compra e venda é:
negócio jurídico pelo qual uma das partes assume a obrigação de transferir o domínio de algo, mediante o pagamento de um valor pecuniário. (CHAVES DE FARIAS E ROSENVALD, 2013, P. 595).
No Código Civil brasileiro, está prevista sua definição e caracterização no artigo 481[8] do Código Civil de 2002 e no Código Argentino, no artigo 1.323[9].
As promitentes vendedoras in casu, pretenderam alienar seu bem mediante a aquisição da quantia em dinheiro avençada ao passo que o Comprador desejava dispor da quantia pactuada para a aquisição do imóvel e que gerou efeitos obrigacionais para as partes, cerne do modelo romano e germânico seguido pelo Brasil e Argentina.
Por conseguinte, a obrigação de dar gerada deveria ter sido cumprida a risca, em atenção aos ditames da boa fé contratual e ao caráter translativo que a espécie “ofertar” por natureza e regramento jurídico brasileiro adota[10].
Em não sendo cumprida a avença, certamente que a decisão tomada pelo comprador foi a melhor a ser seguida, ingressando com o procedimento de fazer, o que caberia até mesmo perdas e danos face ao descumprimento injustificado[11].
Quanto à natureza do contrato discutido, de caráter obrigacional e atentando-se ao critério da autonomia da vontade e liberdade de contratar das partes envolvidas, têm-se partes capazes, sem vícios aparentes, o que exclui todo e qualquer possível argumento das promitentes vendedoras dos vícios do consentimento[12]. A coisa é certa e determinável, podendo ser indicada pelo seu estilo e número, tendo consuntibilidade jurídica[13].
As partes também estabeleceram de forma prudente o arranjo de pagamento (pretium), mediante moeda nacional corrente, atendendo ao nominalismo contratual[14], pois, pelo conteúdo fático do negócio abordado, não se verifica hipótese de compra e venda internacional, caso que a teor do que estabelece o artigo 318[15] do Código Civil de 2002 e Decreto Lei 857/69, seria permitido o pagamento em moeda estrangeira.
Para mais, adentrando na classificação da avença, trata-se de contrato típico e nominado, com regulamentação específica na legislação brasileira, nos artigos 481 a 532 do Código Civil de 2002. É bilateral com a presença da manifestação da vontade de ambas as partes, com o comprador assumindo o dever jurídico de pagar e as vendedoras de transferirem a coisa. Logo, tendo o comprador cumprido até aquele momento com sua parte obrigacional, despicienda a aplicação da exceptio non adimpleti contractus[16] pelas Promitentes Vendedoras.
Nota-se tratar de contrato consensual, porque concordaram com o preço firmado (artigo 482 do CC/02), sendo totalmente pertinente a exigência judicial promovida pelo comprador objetivando a finalização da avença mediante o pagamento e a entrega da documentação necessária a escrituração e transferência do domínio[17].
Por outro turno, é contrato oneroso porque há relação de contraprestação, ou seja, a um benefício recebido, correspondeu um sacrifício patrimonial da parte contrária.
É comutativo onde o Comprador juramentou saldar quantia em dinheiro específica em duas prestações e as vendedoras a entregarem o bem após o pagamento final.
Destacado o conteúdo classificatório do contrato de promessa de compra e venda importante analisar os elementos constitutivos do contrato, mais precisamente no seu plano de existência e validade.
No plano de existência do negócio jurídico, a manifestação de vontade das partes é visível e de forma expressa, com finalidade negocial e objeto idôneo, tanto que assinaram instrumento contratual, o que deu autonomia às suas intenções, com bem salienta Antônio Junqueira de Azevedo (p. 83-4 apud GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 57), ao dizer que “A declaração, uma vez feita, desprende-se do iter volitivo; adquire autonomia, como a obra se solta de seu autor[...]”. Logo, não se trata de ato jurídico onde o direito foi preexistente, mas sim, pós-existente, com as partes provocaram seus efeitos.
Os sujeitos, totalmente capazes e aptos, declararam suas vontades, determinando o objeto do contrato, concernente na prestação da relação obrigacional, para o comprador, o dever de pagar o preço ajustado e para as vendedoras, transferirem a propriedade do objeto, lícito e nos parâmetros admitidos em lei[18]·.
Ademais, não poderiam as Vendedoras nem mesmo alegarem ausência de pagamento do bem naquele momento em que foram instadas a apresentação dos documentos, porque não estava o comprador em débito, já que sendo venda a crédito, tão logo e só após a entrega da coisa, deverá o comprador quitar o os valores remanescentes.
Nesse sentido, Roberto Gonçalves (p. 210 apud CHAVES DE FARIAS E ROSENVALD, 2013, P. 632) é objetivo em estabelecer que:
se a venda for a prazo, não é lícito ao alienante condicionar sua prestação à do outro. A entrega, imediata ou não, não dependerá do pagamento integral do preço. Na hipótese versada, o vendedor entrega a coisa e o comprador assume a dívida, a ser paga nas datas e condições estabelecidas no contrato.
Sendo o objeto possível e determinado, idôneo e lícito, com forma de celebração pertinente aos ditames legais, nos termos dos artigos 106; 109; 166, incisos IV e V do Código Civil brasileiro de 2002[19], fator de eficácia delimitado e apartado de vícios, restaram preenchidos os requisitos de validade do negócio.
3 - DA CAUSA DO NEGÓCIO JURÍDICO COMO REQUISITO DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO DISCUTIDO.
O negócio jurídico como exposição de desígnio, gera efeitos jurídicos e é abarcado pelo direito. Nesse sentido, Antônio Junqueira de Azevedo (p. 18-19 apud Magalhães, 2013, p. 19) esclarece que:
A declaração é, do ponto de vista social, o que o negócio é, do ponto de vista jurídico; ou seja, a declaração tende a coincidir com o negócio na medida em que a visão jurídica corresponde à visão social. [...] Por outro lado, sendo a declaração de vontade um ato que, em virtude das circunstâncias em que se produz, é visto socialmente como dirigido à produção de efeitos jurídicos, o direito segue a visão social e encobre aquele ato com seu próprio manto, atribuindo-lhe normalmente (isto é, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia) os efeitos que foram manifestados como queridos. [...] O importante na caracterização do negócio é salientar que, se, em primeiro lugar, ele é um ato cercado de circunstâncias que fazem com que socialmente ele seja visto como destinado a produzir efeitos jurídicos, em segundo lugar, a correspondência, entre os efeitos atribuídos pelo direito (efeitos jurídicos) e os efeitos manifestados como queridos (efeitos manifestados), existe, porque a regra jurídica de atribuição procura seguir a visão social e liga efeitos ao negócio em virtude da existência de manifestação de vontade sobre eles.
Portanto, este encobrimento do ordenamento jurídico permite o entendimento de que referido manejo é realizado através da causa, que no brasil o Código civil não a prevê como requisito essencial do negócio jurídico, existindo apenas, de forma implícita, sua menção em alguns dispositivos legais[20], reflexionando no plano de validade ou eficácia da avença, quando estabelece, por exemplo, em seu artigo 140, a hipótese do falso motivo, senão vejamos:
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Certamente, tal supressão se dá em razão de fatores óbvios, a iniciar pela terminologia “causa”, que autoriza sua compreensão também por seus sinônimos, como finalidade, fundamento permitindo certa ambiguidade sobre o tema.
Ocorre que é possível afirmar que causa e motivo na esfera do direito não possuem o mesmo sentido, ao passo em que o vínculo criado pelas partes, geradores de efeitos jurídicos, porque manifestaram suas vontades, decorre de uma preconcepção na mente dos interlocutores, onde o motivo interno é irrelevante para o direito, exceto de preenchido de ilicitude, hipótese que macula a validade, a teor do próprio ordenamento brasileiro, artigo 166 do CC/02.
Já a causa, motivação típica, conforme ensinado por Junqueira e explicitado anteriormente, e, in casu, seria a obtenção do preço pelas vendedoras.
Melhor exemplificando, ao caso em questão, ao diferenciar causa da obrigação e causa do contrato, com aquela caracterizada como permanente, inerente a uma determinada espécie de contrato, in casu, a aquisição do domínio pelo comprador mediante o pagamento do preço, enquanto o motivo do contrato seria o elemento de foro íntimo, variando segundo as circunstâncias.
Logo, perfeitamente afirmável, estar presente a causa fim do negócio em comento, senão seria questão de enriquecimento ilícito de uma das partes, vedado pelo direito.
Entretanto, a causa aqui, seria hipótese de obrigação e não do negócio. Nesse sentido, as lições de Emilio Betti:
Só uma visão atomística que destrói a unidade do negócio e considera este sob o ponto de vista unilateral de cada uma das partes, pode conseguir ver a causa na contraprestação, por exemplo, a causa da “obrigação” do vendedor no preço e inversamente, a do comprador na coisa ou na correspectiva obrigação de prestar a coisa. Quem tem esse modo de ver não repara no absurdo lógico que é conceber aquilo que passa de um simples “elemento do todo”, como sendo a razão justificativa de um outro elemento do mesmo todo, em vez de reconhecer a mútua interdependência e a comum subordinação de um e outro elemento à totalidade e à unidade funcional do todo de que fazem parte: somente essa unidade pode construir a razão justificativa daquilo que se procura. (BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Ed., 1979).
Amaral adiciona ainda que:
[...] O problema da causa situa-se então na harmonia entre a vontade dos sujeitos e o esquema preestabelecido na norma, ou, de outro modo, na fusão em uma só idéia do resultado prático objetivo com o propósito das partes sobre esse resultado... e a causa seria o “propósito das partes de alcançarem a finalidade prática tutelada pelo ordenamento jurídico...”. (AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 418).
Insta esclarecer, portanto, que está devidamente preenchido o requisito causa do negócio jurídico, sem a existência de vícios acarretadores de nulidade da avença nos moldes do artigo 140 do Código Civil brasileiro de 2002, porque a compra e venda está diretamente ligada à sua respectiva causa, qual seja a obtenção do preço.
As promitentes vendedoras no caso discutido, ao não cumprirem sua quota parte da avença, caracterizaram, entretanto, evidente dolo na realização do pacto, e, como beneficiárias – já que receberam um sinal – poderiam responder por perdas e danos, com a anulação do negócio, nos termos preconizados no artigo 166 do CC/02 brasileiro em evidente preocupação do ordenamento pátrio com o caráter social do direito privado.
4 – DA TEORIA DA APARÊNCIA
É notório que nas relações jurídicas, a boa fé é imperativo de necessidade permanente, onde a lealdade e o respeito são elementos primordiais para o equilíbrio da relação negocial.
Orlando Gomes, com brilhantismo destaca a pertinência da aplicação de referida teoria para o resguardo de três razões: Evitar surpresas; evitar verificações preventivas da realidade daquela situação posta e não criar empecilhos à atividade jurídica. (Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Rev. dos Tribs., São Paulo, 1967, p 96).
Embora não mencionada referida teoria no mérito da decisão majoritária sob a lide comentada, seu levantamento também se mostraria apropriado, tanto que o Superior Tribunal de Justiça já vem adotando referida teoria para a garantia do adimplemento contratual[21].
Não agiram as vendedoras com a necessária lealdade e confiança, objetivando de forma indubitável auferir vantagem ilícita, alegando cláusula resolutiva para o não cumprimento do negócio não esquecendo que receberam sinal para a garantia do cumprimento da avença. Não houve correspondência entre a vontade manifestada e a conduta.
Neste escopo, Pais de Vasconcelos destaca que:
a confiança depositada pelas pessoas merece tutela jurídica. Quando uma pessoa actua ou celebra certo acto, negócio ou contrato, tendo confiado na atitude, na sinceridade, ou nas promessas de outrem, ou confiando na existência ou na estabilidade de certas qualidades das pessoas ou das coisas, ou das circunstâncias envolventes, o direito não pode ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança. (Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra: Almedina, 1995, p. 63).
Neste prisma, pode-se concluir que a fidúcia presume ética e, sua ausência, implica agressão a um dever de cooperação no cumprimento obrigacional.
Referências
AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Coimbra: Coimbra Ed., 1979.
BORDA, Guillermo. Manual de Contractos. 19ª Edição. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000
JANTALIA, Fabiano. Juros Bancários. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Introdução a Teoria Geral dos Contratos. 3.ed. Salvador: Editora Juspodivm. 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 4: contratos, tomo 1: Teoria Geral. 9ª ed. Ver. Atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013.
IRTI, Natalino. L´està dela decodificazione. 4. Ed. Milano: Giuffrè, 1999. P. 27-49.
PAIS DE VASCONCELOS, Pedro. Contratos Atípicos, Coimbra: Almedina, 1995.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 3. Teoria Geral dos Contratos e contratos em espécie. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Metodo, 2013.
Theotonio Negrão. Et al. Código Civil e Legislação Civil em Vigor. 32ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.